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Responsabilidade Civil - Manual de Direito Civil - Volume Único (2023) - Cristiano Chaves De Farias, Felipe Braga Netto, Nelson Rosenvald

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1. UMA PALAVRA INTRODUTÓRIA: 
CONTEXTUALIZANDO A QUESTÃO EM 
NOSSOS DIAS
“A nós nos bastem nossos próprios ais 
Que a ninguém sua cruz é pequenina. 
Por pior que seja a situação da China, 
os nossos calos doem muito mais...”.
Mário Quintana
A responsabilidade civil talvez se diferencie 
dos demais institutos jurídicos por se permitir um 
olhar singular - mais compreensivo e mais contem­
porâneo - em relação à sociedade e às mudanças 
que continuamente redefinem os perfis sociais. 
Em sociedades plurais e complexas, com sistemas 
jurídicos formados não só por regras, mas funda­
mentalmente por princípios, e com a progressiva 
valorização da dimensão existencial das relações 
jurídicas, a responsabilidade civil experimenta novas 
funções, e parece vocacionada a traçar linhas de 
tendência que definirão os próximos passos que 
nós, socialmente, iremos dar1.
' Acerca da evolução histórica e os múltiplos perfis assumidos pelo 
instituto através dos séculos: ZOPPINI, Andréa. La pena contratuale. 
Milano: Giuffrè, 1991, p. 20; VOCI, Pasquale. Risarcimento e pena 
privata nel diritto romano clássico. Milano: Giuffrè, 1939, p. 2; 
CANNATA, Carlos Augusto. CANNATA, Carlos Augusto. Delitto e 
obbligazione. In: lllecito e pena privata in età repubblicana. Napoli: 
Edizioni Scientfiche Italiane, 1990, p. 25; CENDON, Paolo. Pena 
privata e responsabilità civile, cit., p. 259; BARATELLA, Maria Grazia. 
Le pene private. Milano: Giuffrè, 2006, p. 5-12; GALLO, Paolo. Pene 
private e responsabilità civile. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1996, p. 39; 
ALPA, Guido. La responsabilità civile'. parte generale. Milano: Utet, 
2010, p. 25; GALGANO, Francesco. II fatto illecito nella storia dei 
diritto civile, In Studi in onere di George Cian. Milano: CEDAM, 
2010. t. I.
1.1. A responsabilidade civil de nossos 
dias: um edifício em construção
“A verdadeira viagem de descobrimento consiste 
não em buscar cenários novos, mas em ter olhos 
novos".
Marcei Proust
Já dissemos em outra oportunidade: a responsa­
bilidade civil dos nossos dias pode ser comparada 
a um edifício em construção. Se já temos, de um 
lado, conceitos e categorias assentados, temos, de 
outro, espantosa dinâmica social, muita velocidade 
na transmissão das informações, novos valores 
sendo incorporados pela sociedade civil, ou pelo 
menos por parte dela. Nesse sentido, o direito 
de danos dos nossos dias exige um intérprete 
mais atento, mais dedicado ao que mora além 
das aparências.
Aliás, a responsabilidade civil talvez seja o 
instituto que mais se renova a partir de mudan­
ças sociais. Houve, nas últimas décadas, intensa 
produção jurisprudencial a respeito do tema - o 
que permitiu renovar, criativamente, boa parte dos 
postulados teóricos aplicáveis à disciplina. Após a 
Segunda Guerra, muitos juristas europeus, sobre­
tudo alemães e italianos, voltaram suas atenções 
teóricas para a jurisprudência, afastando-se da 
redoma conceituai de abstração e conceitualismo 
puro que por muito tempo marcou os estudos 
jurídicos, sobretudo na literatura civilística.
Podemos dizer que a responsabilidade civil, 
em boa medida, está sendo recriada pela doutri­
na e pela jurisprudência. Novas funções surgem, 
novos campos recebem as luzes da sua atuação. 
Não exageraríamos, aliás, se afirmássemos, em 
MANUAL DE DIREITO CIVIL - Cristiano Chaves de Farias • Nelson Rosenvald • Felipe Braga Netto
retrospecto histórico, que boa parte das conquistas 
teóricas (e funcionais) da responsabilidade civil 
ocorreram não a partir do literalismo legal, mas 
a partir de construções em certo sentido rebeldes 
às disposições normativas (foi assim com a teoria 
do risco, na Europa, nos séculos passados). Evo­
luímos socialmente nâo só incorporando novos 
conhecimentos, mas incorporando, sobretudo, 
novos modos de percepção. Aliás, sabedoria não 
é o mero conhecimento, mas o uso ético dele.
1.2. Responsabilidade civil: fundamento e 
crescente objetivação
A responsabilidade civil está fundada no 
princípio do neminem laedere, ou seja, a fórmula, 
de elaboração romana, que nos recomenda agir 
de forma a não lesar os direitos de outrem. 
Quando o dano ocorre - seja moral, material 
ou estético - busca-se compensar, ainda que 
parcialmente, o equilíbrio perdido. A responsabi­
lidade civil centra-se, portanto, na obrigação de 
indenizar um dano injustamente causado. Aguiar 
Dias, a propósito, anota que “o mecanismo da 
responsabilidade civil visa, essencialmente, à 
recomposição do equilíbrio econômico desfeito 
ou alterado pelo dano”2.
2 AGUIAR DIAS, José de. Da Responsabilidade Civil. Tomo II. Rio de 
Janeiro: Forense, 1954, p. 557.
Durante boa parte do século passado, os ju­
ristas que se dedicavam à responsabilidade civil 
disputavam qual teoria aplicar aos fatos danosos: 
a teoria subjetiva ou a teoria objetiva? A teoria 
subjetiva, clássica, era a que contava com séculos 
de estrada e tinha o apoio confortador dos Códigos 
Civis. A teoria objetiva era, de certo modo, uma 
novidade, mas ganhava crescentemente adeptos 
(quase sempre na modalidade do risco). O século 
XXI resolveu a questão. Nem uma nem outra, mas 
ambas. O direito brasileiro convive sabiamente 
com ambas as responsabilidades civis: objetiva e 
subjetiva. Talvez nem se possa dizer que a subje­
tiva é dominante, como era no passado. Talvez a 
responsabilidade objetiva tenha passado à frente 
(só um exemplo: a grande maioria dos contratos 
que firmamos, hoje, são contratos de consumo. 
Neles, a responsabilidade civil é, em quase todos 
os casos, objetiva). Em relação à responsabilidade 
civil do Estado - que foi tratada na Parte Geral 
desta obra (a partir do tópico 12, do capítulo 6, 
Pessoas Jurídicas) - convém lembrar que faz parte 
da tradição constitucional brasileira (desde 1946) 
termos na Constituição da República uma norma 
que preveja a responsabilidade objetiva estatal. 
Cremos que essa orientação se aplica tanto às ações 
como às omissões estatais. Aliás, em 2020, o STF, 
julgando caso que dizia respeito à responsabilidade 
civil do Estado e seus deveres fiscalizatórios - em 
caso de comércio clandestino de fogos que causou 
danos por explosão - explicitamente considerou (no 
voto do relator para o acórdão, Min. Alexandre de 
Moraes), que a responsabilidade civil do Estado é 
objetiva também nas omissões, não só nas ações 
(STF, RE 136.861, DJe 13/08/2020)
A objetivação da responsabilidade civil é uma 
tendência observável a partir sobretudo de me­
ados do século passado, sendo possível registrar 
movimentações nesse sentido ainda mais recuadas 
no tempo. Passamos da responsabilidade subjeti­
va, de índole clássica, descansando na sombra da 
culpa, para técnicas que, aos poucos, passaram a 
prescindir do elemento subjetivo. Da culpa fomos 
para a culpa presumida em muitos casos (foi o 
que aconteceu, legislativa e jurisprudencialmen- 
te, no século passado, em relação às estradas de 
ferro). Note-se que estamos, ainda aí, na seara 
da responsabilidade subjetiva, porquanto a pas­
sagem da responsabilidade subjetiva para a culpa 
presumida só altera o ônus probatório relativo à 
culpa. Na responsabilidade civil clássica, subjetiva, 
a vítima é que deverá provar a culpa do ofensor. 
O ônus da prova é dela. Já na culpa presumida, 
o ordenamento altera o ônus probatório, caben­
do ao (suposto) ofensor provar que não agiu 
culposamente. Nos dois casos, entretanto, como 
se percebe, a discussão gira em torno da culpa. 
Hoje, a legislação brasileira é farta em hipóteses 
de responsabilidade objetiva, como ocorre, por 
exemplo, na legislação ambiental, no transporte 
de pessoas (aéreo ou terrestre), nas relações entre 
bancos e clientes, nas relações entre construtoras e 
adquirentes de unidades residenciais, nas relações 
entre usuários e planos de saúde, entre muitas 
outras situações possíveis.
A responsabilidade civil atual se põe em per­
manente processo de abertura e reformulação, 
renovando-se a partir da renovação que emerge da 
própria sociedade contemporânea. A experiência 
jurídica, nessesentido, progressivamente incorpora 
a ideia do sistema jurídico como um sistema aberto 
formado por princípios e regras. Escrevemos em 
outra oportunidade: “O direito dos nossos dias é 
o direito da ponderação, da reflexão contextuali- 
zada, do percurso argumentativo. Vivemos numa 
república de razões e as democracias constitucio­
nais atuais precisam continuamente se legitimar, 
de modo contínuo, transparente e dinâmico. A 
RESPONSABILIDADE CIVIL
teoria dos direitos fundamentais, a força normativa 
dos princípios, a funcionalização dos conceitos e 
categorias, a priorização das situações existenciais 
em relação às patrimoniais, a repulsa ao abuso de 
direito, a progressiva consagração da boa-fé objetiva 
são algumas das ferramentas teóricas que ajudam 
a construir a teoria da responsabilidade civil do 
século XXI”3.
3 FARIAS, Cristiano Chaves de; BRAGA NETTO, Felipe; ROSENVALD, 
Nelson. Novo Tratado de Responsabilidade Civil. 4‘ edição. São Paulo: 
Saraiva, 2019, p. 21.
4 LEITE, José Rubens Morato; BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Dano 
ambiental na sociedade de risco: uma visão introdutória. In: Dano 
ambiental na sociedade de risco. LEITE, José Rubens Morato (Coord). 
FERREIRA, Heline Silvini; FERREIRA, Maria Leonor (Orgs). São Paulo: 
Saraiva, 2012, pp. 13-54, p. 43.
5 Nesse contexto, "o Estado moderno não deve, como no passado, 
proteger o cidadão tão somente dos ladrões, assassinos e outros 
malfeitores, mas a sua tarefa de proteção ampliou-se consideravel­
mente. De fato, as dependências e as interações cada vez maiores 
do ser humano conduziram não só à ampliação das possibilidades 
de comunicação mas também a uma ampliação dos perigos aos 
quais o homem está exposto. O Estado é então obrigado a assumir 
novas tarefas em matéria de proteção" (FLEINER-GERSTER.Thomas. 
Teoria Geral do Estado. Trad. Marlene Holzhausen. Revisão técnica 
Flávia Portella Puschel. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 594). 
Ver também: GRIMM, Dieter. A função protetiva do Estado. Trad. 
Eduardo Mendonça. A Constitucionalização do Direito: fundamentos 
teóricos e aplicações específicas. Cláudio Pereira de Souza e Daniel 
Sarmento (Orgs). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 160.
1.3. Dano: um conceito geográfica e 
temporalmente variável
“E enquanto uma chora, outra ri; é a lei do mundo, 
meu rico senhor; é a perfeição universal. Tudo 
chorando seria monótono, tudo rindo cansativo”.
Machado de Assis
Não exageramos ao dizer que a responsabilidade 
civil, de certo modo, traça um resumo cultural de 
uma época. Ela reflete aquilo que entendemos por 
dano. A difícil separação entre o que deve e o que 
não deve ser reparado ou compensado. O discurso 
humano nem sempre vê os danos do mesmo modo. 
Circunstâncias e valores ético-culturais definem o 
que determinada comunidade enxergará como dano 
(o permanente desafio de distinguir danos triviais 
daqueles injustos). Nesse contexto, nas sociedades 
de risco, há uma constante reavaliação daqueles 
riscos que são socialmente aceitáveis. Assim, “à 
medida que a ciência avança, novas descobertas 
são reveladas, tornando potencialmente nocivas 
práticas antigas já permitidas”4. Enfim, o que an­
tes, na linha do tempo, não era indenizável, hoje 
pode ser. Observamos, no século XXI, a ampliação 
dos danos indenizáveis. Se não podemos aplaudir 
todos os chamados novos danos, devemos, por 
outro lado, louvar a sensibilidade na proteção das 
situações jurídicas existenciais.
Quanto mais o século avança, mais as questões 
do direito de danos ganham em complexidade. O 
que décadas ou séculos atrás não era indenizável, 
hoje pode ser. O conceito de dano indenizável varia 
no espaço e no tempo (pensemos no direito das 
famílias: alguém que defendesse, há algumas déca­
das, indenização por abandono afetivo seria olhado 
com desconfiado estranhamento; hoje a questão, 
embora polêmica, é bastante conhecida). O dano 
injusto ganha autonomia conceituai singular em 
relação àquilo que seria um dano indenizável no 
passado - quase sempre era um dano individual 
e patrimonial. Atualmente indenizam-se danos 
extrapatrimoniais, danos difusos, chances perdidas, 
até o interesse das futuras gerações entra na pauta 
das discussões. Lidamos, hoje, progressivamente, 
com danos complexos e não lineares.
Há outro aspecto que pode ser abordado.
Já frisamos anteriormente que nossa (jovem) 
democracia constitucional precisa refletir sobre 
os deveres de proteção dos cidadãos, a cargo do 
Estado5. A proteção dos direitos fundamentais, 
inclusive contra agressões não estatais, não pode 
permanecer em nível retórico. É preciso que es­
tejamos atentos para evitar a reprodução de um 
velho vício: muita retórica e pouca efetividade. É 
inegável que certas orientações jurisprudenciais não 
conferem nenhuma eficácia concreta ao discurso 
da solidariedade. Não se trata de formular uma 
orientação fundamentalista do dever do Estado 
indenizar, mas apenas de reconhecer que estão 
sendo redefinidos os espaços em relação aos quais 
a omissão estatal é legítima.
Vivemos no Estado dos direitos fundamentais 
e essa constatação deverá iluminar todos os seto­
res do direito civil (os diálogos devem existir no 
direito de família, contratos, sucessões etc). Na 
responsabilidade civil, por exemplo, o princípio da 
solidariedade social autoriza novas leituras do nexo 
causai (o nexo causai não é matemático, naturalís- 
tico, mas sim imputacional, valorativo). A noção 
de risco penetra na dimensão jurídica e o que era 
fortuito externo passa a ser, em muitas situações, 
fortuito interno (isto é, passa a ser um risco que 
responsabiliza o responsável pela atividade, ainda 
que o dano tenha sido praticado por terceiro. É 
o que ocorre, hoje, por exemplo, com as fraudes 
bancárias, em relação aos clientes).
MANUAL DE DIREITO CIVIL - Cristiano Chaves de Farias • Nelson Rosenvald • Felipe Braga Netto
2. PRINCÍPIOS DA RESPONSABILIDADE 
CIVIL
2.1. Princípio da dignidade da pessoa 
humana
A dignidade humana reorienta, normativamen­
te, o direito civil. O sistema aberto das relações 
civis-materiais é regido fundamentalmente pela 
dignidade humana. Princípios e regras devem 
conduzir a soluções promotoras da dignidade, 
inclusive através dos conceitos da responsabilidade 
civil. Em todos os setores civilísticos há incidência 
das generosas luzes da dignidade.
A dignidade é protetiva e promocional. É prote- 
tiva no sentido de garantir a todo ser humano um 
tratamento respeitável, não degradante, tutelando 
a sua integridade psicofísica. É promocional, no 
sentido de viabilizar as condições de vida para que 
uma pessoa adquira a sua liberdade e possa proje­
tar a direção que queira conceder a sua existência. 
Como tarefa (promoção), dela decorrem deveres 
concretos de tutela por parte de órgãos estatais, 
assegurando prestações. Trata-se da dimensão 
positiva (eficácia ativa) da dignidade humana, cuja 
função é criar condições que possibilitem o pleno 
exercício da personalidade humana.
Já tratamos do tema, em mais de uma oportu­
nidade, neste livro, sobretudo no início. Por isso, e 
por limitações de espaço, e para evitar repetições 
cansativas para o leitor, remetemos para o que antes 
ficou dito. Lembremos apenas que são variadas e 
múltiplas as repercussões da dignidade humana 
nas dimensões interpretativas da responsabilidade 
civil. Para ficar num único exemplo, as soluções 
relativas ao nascituro, atualmente, são fortemente 
iluminadas pela dignidade humana. O mesmo se 
diga da decisiva opção pela proteção prioritária dos 
direitos e interesses existenciais da pessoa humana, 
e não só daqueles patrimoniais, como no passado, 
então resguardados com olhar mais generoso.
A dignidade não é apenas um valor, um a 
priori, mas um princípio normativo em permanente 
processo de construção e desenvolvimento. Não se 
trata de conceito estático e rígido, mas dinâmico 
e plural. A dignidade da pessoa humana dialoga 
bem com a diversidade de valores que caracteriza 
as democracias constitucionais dos nossos dias6.A 
6 Podemos mencionar o direito à diferença, como "perspectiva 
personalista e não individualista da dignidade da pessoa humana 
que valorize também a dimensão coletiva do homem" (SARMENTO, 
Daniel. A ponderação de interesses na constituição. Rio de Janeiro: 
Lumen Juris, 2000, p. 76).
dimensão cultural da dignidade alcança aspectos 
éticos de grande atualidade. A dimensão histórica 
do conceito é um convite à avaliação dos chamados 
“novos danos”. É, também, um vetor para a ponde­
ração de bens (através da proporcionalidade) como 
técnica de aferição de danos injustos: várias colisões 
de princípios envolvem a dignidade humana num 
dos polos (lembremos, por exemplo, do direito à 
imagem, de um lado, e o direito da sociedade ao 
acesso à informação, do outro).
2.2. Princípio da solidariedade social
A Constituição Federal de 1988 consagrou um 
Estado Democrático de Direito funcionalizado à 
efetivação de direitos fundamentais e, entre os 
objetivos fundamentais da República, priorizou a 
construção de uma sociedade livre, justa e solidária 
(art. 3o, I). Em seguida, concretizou a convocação à 
fraternidade com a meta de erradicação da pobreza 
e marginalização, além da redução de desigualdades 
sociais e regionais (art. 3o, III). Não há dúvida de 
que a diretriz da solidariedade se converteu em 
finalidade primordial, além de vetor interpretativo 
para qualquer ato normativo. Essa atuação promo­
cional, vazada na procura pela justiça distributiva 
e igualdade substancial, objetiva superar uma visão 
egoística do direito.
O direito de solidariedade se desvincula, então, 
de uma mera referência a valores éticos transcen­
dentes, adquirindo fundamentação e a legitimidade 
política nas relações sociais concretas, nas quais 
se articula uma convivência entre o individual e 
o coletivo, à procura do bem comum.
O princípio da solidariedade penetra deci­
sivamente no direito de danos para promover 
um giro copernicano na matéria. Talvez o mais 
significativo em termos de solidariedade seja a 
passagem de um estado de responsabilidade para 
outro de corresponsabilidade, no qual todos atuem 
conjuntamente para a obtenção de certo resultado, 
estipulando consensos mínimos para rechaçar o 
que é intolerável. Assim, o foco da responsabilidade 
civil é deslocado da sanção ao ofensor para a tutela 
do ofendido. Ao invés de buscar um culpado pela 
prática de um ilícito danoso - avaliando-se a moral 
de sua conduta -, quer-se encontrar um responsável 
pela reparação de danos injustos, mesmo que este 
não tenha violado um dever de conduta (teoria 
objetiva), mas simplesmente pela potencialidade 
de risco inerente à sua atividade ou por outras 
necessidades de se lhe imputar a obrigação de 
indenizar (v. g. preposição, titularidade de direitos, 
confiança etc.). A solidariedade determinará ainda 
RESPONSABILIDADE CIVIL
novas leituras do nexo de causalidade mais abertos 
a valores, menos naturalistas e mais imputacionais.
2.3. Princípio da prevenção
A prevenção é o cerne da responsabilidade 
civil contemporânea. O que se deu à reparação de 
danos em termos de protagonismo nos últimos dois 
séculos, necessariamente se concederá à prevenção 
daqui por diante. Em outras palavras, se o século 
XX foi devotado à reparação de danos, o século 
atual será consagrado à prevenção7.
7 SEGUI, Adela M. Aspectos relevantes de Ia responsabilidad civil 
moderna. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, n. 52, 
out./dez. 2004, pp. 267-318.
8 Neste sentido Cláudio Scognamiglio assevera que "o ordenamento 
não pode se mostrar indiferente a respeito da violação de direitos
e ao fenômeno de fatos que acarretam graves prejuízos de ordem 
econômica e social aos sujeitos" SCOGNAMIGLIO, Cláudio. Danno 
moral e funzione deterrente dellà responsabilità civile. In: Studi in 
onore di Nicolò Lipari. Milano: Giuffrè, 2008. t. II, p. 2773.
Toda pessoa ostenta um dever ex ante de evitar 
causar um dano injusto, agindo conforme a boa- 
-fé e adotando comportamentos prudentes para 
impedir que o dano se produza ou que se reduza 
a sua magnitude. Ademais, caso o dano já tenha 
sido produzido, que se evite o seu agravamento 
(duty to mitigate the own loss). Aliás, As Jornadas 
de Direito Civil, em 2018, entenderam que “a inde­
nização não inclui os prejuízos agravados, nem os 
que poderiam ser evitados ou reduzidos mediante 
esforço razoável da vítima. Os custos da mitigação 
devem ser considerados no cálculo da indenização” 
(Enunciado 629). Na sociedade de riscos, um altivo 
papel do ordenamento jurídico consiste em induzir, 
de forma generalizada, comportamentos virtuosos, 
orientando potenciais ofensores a adotar medidas 
de segurança a evitar condutas danosas. A tutela 
inibitória se propaga no direito civil com uma 
série de instrumentos que permitem prevenir o 
ilícito antes que o mesmo se produza, sinalizando 
o compromisso do direito com o desestimulo a 
comportamentos antijurídicos.
O sistema de responsabilidade civil nâo pode 
manter uma neutralidade perante valores juridica­
mente relevantes em um dado momento histórico e 
social8. Vale dizer, todas as perspectivas de proteção 
efetiva de direitos merecem destaque, através da 
combinação das funções basilares da responsabili­
dade civil: punição, precaução e compensação. São 
muitas e variadas as aplicações possíveis. Por exem­
plo, o STJ definiu que “o princípio da precaução, 
aplicável ao caso dos autos, pressupõe a inversão do 
ônus probatório, transferindo para a concessionária 
o encargo de provar que sua conduta não ensejou 
riscos ao meio ambiente e, por consequência, 
aos pescadores da região” (STJ, Aglnt no AREsp 
1.311.669). Repensar hoje a responsabilidade civil 
significa compreender as exigências econômicas e 
sociais de um determinado ambiente. “Responsa­
bilizar” já significou punir, reprimir, culpar; com 
o advento da teoria do risco, “responsabilizar” se 
converteu em reparação de danos. Agora, some-se 
à finalidade compensatória a ideia de responsabi­
lidade como prevenção de ilícitos9.
O princípio da prevenção remete à concepção 
de justiça aristotélica, pautada na virtude e na ne­
cessidade do ordenamento introduzir parâmetros 
de comportamento desejáveis que possam ser gene­
ralizados. Nesse contexto somente uma concepção 
de justiça voltada à indução da virtude - leia-se 
aqui, prevenção - será capaz de convidar os atores 
sociais à adoção de uma justificativa moral para 
que todos tenham uma “vida boa”.
2.4. Princípio da reparação integral
O princípio da reparação integral busca levar 
o ofendido ao estado anterior à eclosão do dano 
injusto, transferindo ao patrimônio do ofensor as 
consequências do evento lesivo, de forma a con­
ceder à vítima uma situação semelhante àquela
5 Convém registrar ainda que atualmente se verifica o crescente recur­
so ao contrato de seguro, valorizando-se o objetivo de compensar 
o lesado, sem qualquer preocupação de se individuar e culpar o 
responsável. Podemos ver o fenômeno sob vários ângulos. Há uma 
crítica, por exemplo, no sentido de que o apelo ao contrato de seguro 
culmina por criar um inconveniente, a perda da função preventiva 
da responsabilidade civil (ROPPO, Vincenzo. Dirittto privato. Torino: 
Giappichelli, 2010, p. 587-588). Em sentido semelhante, a ascensão da 
imputação objetiva da reparação de danos em seu viés solidarista de 
máxima proteção às vítimas impôs um arrefecimento do viés moral da 
responsabilidade civil, pois os danos passaram a ser frequentemente 
transferidos ao patrimônio de pessoas diversas às dos causadores dos 
danos. Seja pelo fato de serem responsáveis pelos ofensores - em­
pregadores, pais, curadores (art. 932, CC) -, ou criarem uma atividade 
de risco inerente, apta à produção de danos qualitativamente graves 
ou quantitativamente numerosos (parágrafo único, art. 927, CC), ou 
mesmo pelo fato de obterem proveito econômico com o exercício 
de uma atividade econômica (súmula n° 492, STF), determinadas 
pessoas acabam por suportar a obrigação de indenizar, sem que aesfera jurídica do ofensor seja atingida. Todavia, se na teoria objetiva 
a responsabilidade civil assume uma função basicamente reparatória, 
perde ela a sua inerente capacidade de desestimular condutas ilícitas 
e de dissuadir potenciais agentes à adoção de medidas de redução 
de riscos, pois o dado da culpa do ofensor é irrelevante para fins de 
fixação de responsabilidade e atribuição do quantum ressarcitório. 
De modo geral, nesse raciocínio pouco importa a reprovabilidade 
da conduta do ofensor, sua fortuna, os ganhos ilícitos obtidos pelo 
exercício de sua atividade reprovável ou qualquer circunstância que lhe 
diga respeito. VISINTINI, Giovanna. Cos'è Ia responsabilità civile. Napoli: 
Edizioni Scientifiche Italiane, 2009, p. 11. Sobre o efeito redistributivo 
que as regras da responsabilidade civil podem ter: MONATERI, Pier 
Giuseppe. La responsabilità c/v/fe Torino: UTET Giuridica, 2006, p. 21 -22. 
MANUAL DE DIREITO CIVIL - Cristiano Chaves de Farias • Nelson Rosenvald • Felipe Braga Netto
que detinha10. Raramente a condenação é capaz 
de preencher a totalidade dos danos sofridos. O 
Código Civil, art. 944, prevê: “A indenização mede- 
-se pela extensão do dano.” O dispositivo relaciona 
a dimensão dos danos sofridos pelo ofendido à 
respectiva reparação e se distancia de qualquer 
escopo punitivo, pois na sua hermenêutica literal 
a reparação se relaciona com os efeitos danosos 
sobre a vítima, independentemente do dolo ou 
elevado grau de culpa do ofensor.
10 Paulo de Tarso Sanseverino explica que o fundamento do princípio 
da reparação integral é a noção de justiça corretiva desenvolvida 
por Aristóteles - posteriormente designada por Tomás de Aquino 
como justiça comutativa no sentido de que a obrigação de 
indenizar os danos tem por objetivo proporcionar uma com­
pensação àquele que os sofreu em virtude de certos fatos. Aduz 
que no Código Civil de 2002 a justiça corretiva irrompeu como 
modo de concretização da igualdade pela diretriz da eticidade, 
exercendo três funções: (a) reparação da totalidade do dano 
(função compensatória); (b) vedação do enriquecimento injusti­
ficado do lesado (função indenitária); (c) avaliação concreta dos 
prejuízos efetivamente sofridos (função concretizadora), funções 
estas magnificamente sintetizadas pela doutrina francesa como 
abrangendo tout le dommage, mais rien que le dommage ("todo o 
dano, mas não mais que o dano") (SANSEVERINO, Paulo de Tarso
Vieira. Princípio da reparação integral: indenização no Código Civil. 
São Paulo: Saraiva, 2010, p. 56-57).
O princípio se concretiza de duas formas: a 
priori a reparação será natural, mediante a resti­
tuição ao ofendido do mesmo bem em substituição 
ao outro - com a cessação dos efeitos danosos 
anteriores ao evento -, ou então a reparação se 
dará em pecúnia, mediante o pagamento de uma 
indenização que razoavelmente possa equivaler 
ao interesse lesado. O artigo 947 do Código Civil 
indica uma coexistência entre os dois sistemas 
reparatórios: “Se o devedor não puder cumprir 
a prestação na espécie ajustada, substituir-se-á 
pelo seu valor, em moeda corrente.” Quer dizer, 
sempre que a reparação específica se mostrar ex­
cessivamente onerosa para o ofensor, prevalecerá 
a indenização em dinheiro, evidentemente sendo 
delegada ao ofendido a prova quanto à existência 
e à extensão do dano.
Neste passo, a reparação integral se engrandece, 
em uma visão prospectiva, como bem evidencia 
o Enunciado n° 456 das Jornadas de Direito Civil, 
“a expressão ‘dano’ no artigo 944 abrange não 
só os danos individuais, materiais ou imateriais, 
mas também os danos sociais, difusos, coletivos 
e individuais homogêneos”. Isso significa que a 
dificuldade de quantificação não será barreira para 
que se implemente uma sanção reparatória que se 
aproxime na medida do possível dos danos, mes­
mo que estes possuam natureza metaindividual e 
que seja necessário somar à indenização in natura 
638
uma condenação pecuniária, para que se alcance 
a reparação integral.
Após situar o princípio da reparação integral 
como aquele em torno do qual se articula o ins­
tituto da responsabilidade civil, Judith Martins- 
-Costa11 justifica tal relevo por agregar ao valor 
fundante desta disciplina, o valor sistemático e o 
valor dogmático.
A reparação integral é de alcance relativamente 
simples no setor dos danos emergentes patrimoniais, 
mas a dificuldade de sua avaliação será sentida no 
cálculo dos lucros cessantes e da condenação pela 
perda de uma chance. Porém, indiscutivelmente, 
será no trato dos danos extrapatrimoniais que 
haverá o maior desafio à valoração da reparação 
integral, seja pela própria resistência a se conceder 
equivalência monetária ao maltrato de situações 
existenciais e que, portanto, não se reduzem à 
lógica das coisas, como pela própria tendência - 
mais do que legítima - de se despatrimonializar a 
reparação dos danos morais pela via de condenações 
a tutelas específicas (como o direito de resposta, 
publicação de sentença, retratação etc.), ou mesmo 
de uma ênfase ao princípio da prevenção pela via 
do mecanismo da tutela inibitória dos direitos da 
personalidade, evitando-se a própria consumação 
do ilícito e a assim, a necessidade de reparação 
de danos.
Ao longo da teoria geral da responsabilidade 
civil perceberemos que o Código Civil estatuiu 
importantes exceções ao princípio da reparação 
integral. Regras de caráter equitativo mitigarão o 
quantum indenizatório quando o dano injusto for 
perpetrado por incapazes (Código Civil, art. 928), 
ou quando a concretude da hipótese demonstrar 
uma desproporção entre a extensão do dano e o 
grau de culpa do agente (Código Civil, art. 944, 
parágrafo único). Convém lembrar que o Código 
Civil - no art. 206, § 3o, V - prevê que a prescri­
ção da pretensão de reparação civil ocorre em 3 
anos. O STJ já entendeu que o termo “reparação 
civil” constante do art. 206, § 3o, V deve ser lido 
de maneira ampla. Desse modo, o prazo prescri­
cional de 3 anos aplica-se tanto à responsabilidade 
contratual (Código Civil, arts. 389 a 405) como 
à extracontratual (Código Civil, arts. 927 a 954). 
Abrange também o dano material e moral. E aplica-se 
ainda à responsabilidade civil decorrente do abuso 
de direito (STJ, REsp 1.281.594). Posteriormente, 
no entanto, houve mudança de entendimento. O
” MARTINS-COSTA, Judith. In: SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. 
Princípio da reparação integral, Prefácio, p. 5-6. 
RESPONSABILIDADE CIVIL
STJ firmou posição no sentido de ser adequada a 
distinção dos prazos prescricionais nas responsabi­
lidades contratual e extracontratual. E, se o prazo 
na hipótese de responsabilidade extracontratual é de 
3 anos, será de 10 anos na hipótese de inadimple­
mento contratual (STJ, EREsp 1.280.825, Rei. Min. 
Nancy Andrighi, Segunda Seção, DJe 02/08/2018).
Outro aspecto que merece menção: tradi­
cionalmente a jurisprudência brasileira afirmava 
que, havendo extravio de bagagem em transporte 
aéreo deveria ser aplicado o Código de Defesa do 
Consumidor à hipótese, mesmo diante de voos 
internacionais. Aplicava-se, portanto, o CDC, e 
não as convenções e tratados internacionais que 
estabeleciam tarifas máximas de indenização 
nesses casos (indenizações tarifadas, com limites 
máximos, o que esvazia o princípio da reparação 
integral). Nesse sentido era a jurisprudência. 
Porém, a partir de 2017, houve mudança de en­
tendimento a respeito da questão. O STF alterou 
os rumos da controvérsia (CDC x Convenção de 
Varsóvia/Montreal), e, por maioria, ao julgar o RE 
636.331, entendeu que os conflitos que envolvem 
extravios de bagagem e atrasos de voos devem ser 
resolvidos pelas convenções internacionais sobre a 
matéria que o Brasil ratificou. A tese destaca que 
“por força do artigo 178 da Constituição Federal, 
as normas e tratados internacionais limitadoras da 
responsabilidade das transportadoras aéreas de pas­
sageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia 
e Montreal, têm prevalência em relação ao Código 
de Defesa do Consumidor”.Também o STJ - em 
adequação ao entendimento do STF - passou a 
entender em 2018 ser possível a limitação, por 
legislação internacional, do direito do passageiro 
à indenização por danos materiais decorrentes de 
extravio de bagagem (STJ, REsp 673.048). Cabe 
fazer a seguinte diferenciação (mesmo depois da 
mudança de orientação): as indenizações por danos 
morais decorrentes de extravio de bagagem e de 
atraso de voo internacional não estão submetidas 
à tarifação prevista na Convenção de Montreal, 
devendo-se observar, nesses casos, a efetiva repa­
ração do consumidor preceituada pelo CDC (STJ, 
REsp 1.842.066). Dessa forma, a indenização de­
vida aos passageiros em voos internacionais - por 
atraso de voo ou extravio de bagagem - apenas diz 
respeito aos danos materiais, não aos morais. Cabe 
registrar ainda, pela conexão dos temas, que em 
julgados mais recentes o STJ tem considerado que 
o atraso ou cancelamento de voo não configura 
dano moral presumido (in re ipsa) e, por isso, a 
indenização somente será devida se comprovado 
algum fato extraordinário (STJ, REsp 1.796.716).
3. AS FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE 
CIVIL
3.1. A mulfuncionalidade da 
responsabilidade civil
Sabemos - diante da tão conhecida plasticidade 
da responsabilidade civil - que tratar de suas fun­
ções é caminhar em terreno pantanoso, sujeito a 
surpresas, em razão da própria instabilidade social 
que define nossos dias. Trataremos, brevemente, 
das funções reparatória, punitiva e precaucional. 
Veremos que não há um isolamento entre essas três 
funções. O direito civil se serve funcionalmente de 
diversas técnicas, havendo mesmo uma interseção 
entre esses diferentes papéis da responsabilidade 
civil - cabendo até uma conjugação funcional -, 
sem, contudo, suprimir a autonomia conceituai de 
cada uma delas. Aliás, as funções da responsabili­
dade civil, ao contrário do que poderiamos pensar, 
não estão, até hoje, suficientemente claras ou bem 
definidas. André Tunc percebeu isso com clareza, 
ao afirmar que a responsabilidade civil, resultado 
de uma evolução quase tão longa quanto à da 
humanidade, não possui - ao contrário do que 
poderiamos imaginar - funções bem estabelecidas 
e definidas12.
12 TUNC, André. Responsabilitè civile. Paris: Econômica, 1989, p. 133; 
ROSENVALD, Nelson. As funções da Responsabilidade Civil. São Paulo: 
Atlas, 2013. Maria Celina Bodin de Moraes, abordando a questão do 
duplo fundamento do sistema jurídico (culpa e risco) no que toca à 
responsabilidade civil, argutamente destaca:”Este é, notoriamente, um 
dos maiores problemas por que passa a teoria da responsabilidade 
civil em nossos dias: com efeito, as múltiplas dúvidas existentes 
acerca das funções e dos modelos de responsabilidade civil indicam 
que o instituto ainda não está estabilizado" (MORAES, Maria Celina 
Bodin de. Risco, solidariedade e responsabilidade objetiva. Revista 
dos Tribunais, v. 854, dez/2006, pp. 11 -37, p. 16).
3.1.1. Função reparatória
“O sábio não se senta para lamentar-se, mas se põe 
alegremente em sua tarefa de consertar o dano feito.”
William Shakespeare
Esta é a função clássica e ainda dominante 
da responsabilidade civil, que por muito tempo
eclipsou as demais. A ideia da lesão está no 
centro da responsabilidade civil e a sua função, 
consequentemente, é o restabelecimento do equi­
líbrio econômico-jurídico desfeito por ocasião do 
fato danoso. Volta-se para o passado, o fato já 
ocorrido, seja pela forma da reparação pecuniária 
ou pela reintegração em forma específica, ou seja, 
pela repristinação da situação existente: v. g. como 
pela demolição de uma construção, entrega de um 
MANUAL DE DIREITO CIVIL - Cristiano Chaves de Farias • Nelson Rosenvald • Felipe Braga Netto
novo bem em substituição ao destruído ou, na 
hipótese de ofensa a situações existenciais, por um 
direito de resposta ou destruição do material pelo 
qual se perpetua a lesão à imagem ou à privacidade.
Quando cogitamos do fundamento reparatório 
da responsabilidade civil, fazemos referências às 
razões jurídicas pelas quais alguém será respon­
sabilizado por um dano, patrimonial ou extrapa- 
trimonial. Um dano qualificado no caso concreto 
como um dano injusto. Isto é, injusto no sentido 
de uma valoração comparativa dos interesses em 
conflito13. O instituto da responsabilidade civil 
opera uma espécie de mediação entre interesses 
em conflito, reagindo a um juízo de desvalor tido 
como relevante pelo ordenamento14.
13 Francesco Galgano, tratando do dano injusto como"lesão de interesse 
alheio, merecedor de proteção segundo o ordenamento jurídico", 
narra que "quem constrói um edifício sobre o próprio terreno lesa 
o interesse dos vizinhos a fruir de uma visão do panorama, mas 
não lhes causa um dano injusto. Diverso é o caso de quem constrói 
em violação ao plano diretor, onde não é possível construir: neste 
caso, o interesse dos proprietários vizinhos a que não surjam novas 
construções será juridicamente protegido". In Diritto privato, p. 366.
14 Dl MAJO, Adolfo. Profili delia responsabilità civile, p. 20.
15 Faz-se habitualmente recurso a três formas de tutela: (a) restltutó- 
ria - voltam-se a reconstituir as condições em que se encontrava 
o titular do interesse antes da violação, como exigência de uma 
repristinação ao status quo ante. Por objetivar a restauração de 
uma situação atingida por uma lesão, apresenta uma vocação de 
satisfação in natura; (b) ressarcitória - objetiva compensar o lesado 
pelo prejuízo econômico sofrido. Esta tutela poderá possuir caráter 
subsidiário em relação à restitutória, onde esta não seja viável, ou 
mesmo se colocar em relação de complementaridade, quando 
a restauração da situação originária não elimine por completo o 
desequilíbrio econômico sofrido pela vítima; (c) satisfativa - a tu­
tela civil pode não se voltar à restauração de uma dada estrutura
de interesses - seja pela via restitutória ou ressarcitória -, mas 
sobremaneira à satisfação in natura de uma posição subjetiva que 
restou não atuada, ou defeituosamente atuada (v. g. uma prestação 
negociai). Neste caso a tutela é satisfativa, uma resposta solidarista
ao modelo liberal-individualista da incoercibilidade das obrigações 
de fazer (MAZZAMUTO, Salvatore; CASTRONOVO, Cario. Manuale di 
diritto privato europeo, II, p. 766-780).
A ofensa ao neminem laedere não se manifes­
ta apenas em lesões relacionadas à circulação de 
riquezas (situações subjetivas patrimoniais) e à 
propriedade, como também ao valor da dignidade 
da pessoa humana (situações subjetivas existenciais). 
É uma tutela atípica15. Especificamente quanto ao 
ressarcimento, este assume a finalidade de neu­
tralizar as consequências do ilícito. Enquanto a 
responsabilidade permite imputar um fato danoso 
a um sujeito, o ressarcimento, por sua vez, permite 
estabelecer o montante e o modo (ressarcimento 
pelo equivalente ou pela forma específica) em que 
se compensará o ofendido. Isso afirma a ideia do 
dano diferencial, identificado o dano ressarcível na 
diferença entre a situação patrimonial do lesado no 
momento seguinte ao ilícito e a situação patrimonial 
que se verificaria na falta do ilícito.
Todavia, a função reparatória não é imune a 
críticas. As críticas possíveis são muitas16. Pode-se 
dizer que a tutela ressarcitória intervém para reparar 
consequências e efeitos de comportamentos ilícitos, 
mas não se afirma como instrumento de recomposi­
ção da ordem jurídica violada. O pagamento de uma 
quantia à vítima poderá reconstituir um valor material, 
mas não se preordena a tutelar o fundamento ético 
do ordenamento jurídico.
3.1.2. Função punitiva
“A consciência, cedo ou tarde, será o mais 
severo acusador do culpado”.
Benjamin Franklin
No campo temático da responsabilidade civil 
uma das manifestações da passagem do Estado 
Liberal para o Estado Constitucional é a admissão 
das sanções punitivas civis. A tutela ressarcitória 
(in natura ou em pecúnia) atende a uma estru­
tura jurídica neutra e formal, que na verdade 
traduz o espírito dolaissez-faire. Ao agir apenas 
no momento patológico da consumação do dano, 
nada mais faz do que preservar certos valores 
clássicos17. É inegável que a função primária da 
responsabilidade civil contemporânea provavelmen­
te continuará sendo compensatória, abrangendo o 
ressarcimento do dano patrimonial e a satisfação 
dos danos extrapatrimoniais. Todavia, cremos que 
a função compensatória, isoladamente, é incapaz de 
explicar a complexa dinâmica da responsabilidade
’6 Para críticas sofisticadas às funções exercidas pela tutela reparatória: 
R0PP0, Vincenzo. Dirittto privato. Torino: Giappichelli, 2010, p. 585; 
Di MAJO, Adolfo. II sistema delle tutele nel diritto civile, p. 194. Proto 
Pisani há décadas já alertava para a fratura entre direito substancial 
e processual, pelo fato de o processo apenas intervir quando a 
violação já havia sido consumada (PROTO PISANI, Andréa. I diritti 
e le tutele: trattato di diritto civile dei consiglio nazionale dei nota- 
riato. Napoli: Edizione Scientifiche Italiane, 2008, p. 11). O processo 
podería impedir que a violação prosseguisse, mas não o fato de que 
a violação ocorra. Portanto, na impossibilidade de se conceder ao 
titular do direito a mesma utilidade que obteria pela cooperação 
voluntária do obrigado, restava ao processo a concessão de um 
equivalente, isto é, o ressarcimento de danos.
17 A outro lado, o Estado comprometido com as transformações 
sociais e a efetivação de direitos fundamentais percebe que os 
interesses tutelados no mercado não são apenas os dos empre­
endedores. Além destes, concorrem interesses de trabalhadores, 
consumidores e da coletividade em geral, com relação aos bens 
difusos. A necessidade de conjugar todas essas posições jurídicas 
impõe que a liberdade de mercado seja, além de liberdade de 
acesso ao mercado, uma regulação de interesses, segundo a ló­
gica democrática. A atuação preventiva da pena civil no setor da 
responsabilidade civil objetiva conciliar a liberdade de competição 
com a tutela da saúde e segurança dos indivíduos; correção nos 
comportamentos; transparência nas relações; completa informação 
a todos os operadores; equidade no tratamento dos destinatários 
de bens e serviços. 
RESPONSABILIDADE CIVIL
civil. Defendemos a necessidade de o sistema de 
responsabilidade civil contar com mecanismos 
capazes de sancionar comportamentos ilícitos, 
em caráter preventivo e de forma autônoma ao 
ressarcimento de danos. Há uma perspectiva de 
operabilidade da responsabilidade civil à luz de 
uma função dissuasória de ilícitos.
Não é possível, no contexto brevemente des­
crito, reduzir a função da responsabilidade civil 
somente à finalidade reparatória. Hoje os conflitos 
sociais ultrapassam a esfera individual para alcançar 
grupos e coletividades18. Isso implica não apenas 
em alteração dos pressupostos da responsabilida­
de civil (objetivação), como na discussão de seu 
próprio papel.
18 BARCELLONA, Mario. Funzione e struttura delia responsabilità civile.
In: Scienza e insegnamento dei diritto civile in Italia. Milano: Giuffrè, 
2004, p. 1116. Didaticamente, o autor assume o ordenamento jurí­
dico moderno como um sistema constituído de critérios voltados à 
seleção de problemas sociais a que deve responder, e de remédios 
que a tais problemas ofereçam soluções. Os critérios seletivos cor­
respondem a fattispecies normativas. A relação entre as fattispecies 
(critérios seletivos) e os remédios (os seus efeitos jurídicos) indica 
a compreensão do sistema sobre problemas sociais e a ordem de 
considerações selecionadas para encontrar a sua solução, p. 1123. 
A responsabilidade civil desenvolve uma função de instrumento de 
controle social e difuso no confronto de atividades potencialmente 
lesivas, seja conjuntamente, em substituição ou em suplência aos 
tradicionais instrumentos administrativos ou penais (FACCI, Giovanni. 
Le obbligazioni. A cura di Massimo Franzoni. Roma: Utet Giuridica, 
2004, p. 13).
3.7.3. Função precaucional
“Depois de amanhã, sim, 
só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã, 
E assim será possível; mas hoje não...”
Fernando Pessoa
Lembremos que em nossas atuais sociedades 
de risco, há - ou deve haver - uma democrá­
tica reavaliação dos riscos que são socialmente 
aceitáveis. Antigas práticas que eram tidas como 
normais e aceitáveis podem se mostrar inadequa­
das ou nocivas com o andar das décadas. Nesse 
contexto, o mero risco de dano autoriza que sejam 
adotadas medidas prévias necessárias para evitar 
que o dano ocorra.
O conceito de risco, nesse contexto, aproxima-se 
cada vez mais da dimensão jurídica. Diminuem os 
espaços em que o responsável pela atividade geradora 
de risco pode invocar com sucesso as excludentes 
de responsabilidade civil, porquanto atividade gera 
responsabilidade, se o dano está a ela vinculado. 
Altera-se, aliás, em nossos dias, a própria percepção 
acerca dos riscos. Os chamados danos de massa (mass 
exposure torts), nas sociedades de informação, não 
são raros. Os danos ambientais não ostentam, em 
regra, uma linha de causalidade linear e clara. Nem 
sempre estamos no reino das causas visíveis. Há, se 
assim podemos dizer, uma dispersão assustadora do 
nexo causai, o que nos autoriza a pensar, em certos 
casos, em flexibilizar sua análise, ou mesmo presu­
mir sua existência, diante de certos (excepcionais) 
pressupostos.
Para enfrentar esses riscos, e de forma a antecipar 
certa carga de segurança social, o direito se acautela 
lançando mão dos princípios da prevenção e da 
precaução. Ambos se manifestam na antecipação 
de riscos graves e irreversíveis. Nesse contexto, os 
princípios da precaução e da prevenção dialogam 
com a teoria do risco. A complexidade dos nossos 
dias concedeu singular relevância ao conceito de 
risco, dotando-o de configuração conceituai própria. 
Os princípios da precaução e da prevenção dialogam 
com a teoria do risco19 *. Cada vez mais, enfim, bus­
camos e nos aproximamos de técnicas preventivas e 
precaucionais, para tratar diferentemente o diferente. 
Isto é, diante de novos danos - sobretudo quando 
diante bens jurídicos particularmente valiosos, como 
os bens existenciais ou bens ambientais - não seria 
prudente nem razoável que continuássemos nos va­
lendo dos emperrados instrumentos da racionalidade 
jurídica tradicional, liberal-individualística. Nem todos 
os riscos são iguais, e nem todos, por conseguinte, 
devem receber idêntico tratamento do direito. Por 
exemplo, o risco concreto (ou mesmo, em certos casos, 
potencial) encontra paralelo conceituai no princípio 
da prevenção. Ao passo que o risco abstrato é melhor 
trabalhado pelo princípio da precaução.
Os parâmetros clássicos da responsabilidade civil 
são repensados em uma era marcada por aconteci­
mentos aleatórios, dificilmente previsíveis, mesmo 
em situações planejadas. De fato, se pensarmos 
que as ameaças típicas da sociedade de risco não 
são delimitáveis, inviável supor que no esquema 
tradicional de nexo relacionai de causa e efeito 
possamos conseguir grandes progressos em termos 
de efetividade. A responsabilidade civil tradicional é 
moldada para solucionar problemas intersubjetivos
15 Nessa ordem de idéias, "diante da nova estrutura da ilicitude civil, 
pode ser visto que a probabilidade determinante de um dano 
ambiental futuro (dano às futuras gerações) desvela-se como ilícito 
passível de sanção civil, imprimindo a possibilidade de imposição de 
restrições em razão dos seus custos sociais (Paollo Gallo)"(CARVALHO, 
Délton Winter de. Dano ambiental futuro. Porto Alegre: Livraria do 
Advogado, p. 67). O autor menciona, ainda, de forma interessante, 
que a produção de riscos ambientais intoleráveis configura ilícito 
ambiental e viola um dever de preventividade objetiva imposto 
pela Constituição Federal no art. 225.
MANUAL DE DIREITO CIVIL - Cristiano Chaves de Farias - Nelson Rosenvald • Felipe Braga Netto
diante de algo que já aconteceu (post factum'). Já 
nas sociedades atuais, plurais e complexas, hádi­
mensões claramente proativas (responsabilidade de 
longa duração), sendo necessário lidar com danos 
(potenciais) marcados pela difusidade, transtem- 
poralidade e efeitos transfronteiriços20.
21 Nesse sentido, Cláudio Scognamiglio assevera que "o ordenamento 
não pode se mostrar indiferente a respeito da violação de direitos 
e ao fenômeno de fatos que acarretam graves prejuízos de ordem 
econômica e social aos sujeitos”, SCOGNAMIGLIO, Cláudio. Danno 
moral e funzione deterrente dellà responsabilità civile. In: Studi in 
onore di Nicolò Lipari. Milano: Giuffrè, 2008. t. II, p. 2773.
O direito ambiental foi a porta de ingresso do 
princípio da precaução. “Quando houver ameaça de 
danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza 
científica absoluta não será utilizada como razão para 
o adiamento de medidas economicamente viáveis 
para prevenir a degradação ambiental”. Ademais, a 
lógica de antecipação dos riscos é um dado constan­
te na prática estadunidense, da Alemanha - berço 
da noção de Vorsorge, como “precaução” - e na 
jurisprudência da União Européia. Apesar de toda 
incerteza científica, a avaliação do risco não pode se 
basear em considerações puramente hipotéticas. Um 
mundo do qual todo risco fosse removido seria um 
mundo sem liberdade ou individualidade. Afinal, o 
que é “atividade efetiva ou potencialmente causadora 
de significativa degradação do meio ambiente”? No 
direito comparado a questão que se agita perpassa 
o necessário equilíbrio entre a precaução e os efeitos 
perversos da paralisação de importantes setores da 
atividade econômica. Como diz a sabedoria popular, 
a diferença entre o remédio e o veneno se encontra 
na medida da dosagem.
Ao ordenamento jurídico compete congregar 
essas perspectivas divergentes. A modulação da ação 
preventiva levará em consideração a ponderação do 
custo de evitar o risco e realizar o risco. A necessidade 
de precisar um limiar do risco gerou na jurispru­
dência comparada uma espécie de “presunção de 
risco”. Ou seja, haverá uma espécie de inversão do 
ônus da prova a cargo de quem pretenda obter uma 
autorização administrativa de instalação/comerciali- 
zação de atividades/produtos em relação aos quais 
há dúvida acerca de sua inocuidade para a saúde/ 
ambiente. O STJ já decidiu que “o meio ambiente 
deve ter em seu favor o benefício da dúvida no caso 
de incerteza (por falta de provas cientificamente 
relevantes) sobre o nexo causai entre determinada 
atividade e um efeito ambiental nocivo”. Assim, “(...) 
justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo 
para o empreendedor da atividade potencialmente 
lesiva o ônus de demonstrar a segurança do empre­
endimento” (STJ, REsp 972.902).
custeio da carga invertida, não como dever, mas 
como simples faculdade, sujeita as consequências 
processuais advindas da não produção da prova (STJ, 
REsp 1.807.831, Rei. Min. Herman Benjamin, 2a T, 
DJe 14/09/2020). Ou seja, a inversão não implica 
transferência ao réu de custas de perícia requerida 
pelo autor da demanda, pois de duas, uma: ou tal 
prova continua com o autor e somente a ele in­
cumbe, ou a ele comumente cabia e foi deslocada 
para o réu, titular da opção de, por sua conta e 
risco, cumpri-la ou não. Claro, se o sujeito titular 
do ônus invertido preferir não antecipar honorá­
rios periciais referentes a seu encargo probatório, 
presumir-se-ão verdadeiras as alegações da outra 
parte. O julgado ressaltou ainda que o art. 373, § Io 
do CPC, em perfeita sintonia com a Constituição 
de 1988, traduz, na relação processual, a transição 
da isonomia formal para a isonomia material.
3.2. A prevenção como cerne da 
responsabilidade civil atual
Percebemos que, conforme o tempo e o lugar, 
a responsabilidade civil absorve quatro funções 
fundamentais (sendo as duas primeiras pacíficas na 
civil law): (a) a função de reagir ao ilícito danoso, 
com a finalidade de reparar o sujeito atingido 
pela lesão; (b) a função de repristinar o lesado ao 
status quo ante, ou seja, estado ao qual o lesado 
se encontrava antes de suportar a ofensa; (c) a 
função de reafirmar o poder sancionatório (ou 
punitivo) do Estado; (d) a função de desestimulo 
para qualquer pessoa que pretenda desenvolver 
atividade capaz de causar efeitos prejudiciais a 
terceiros. Cada período histórico valorizará mais 
essa ou aquela função.
Ao efetuarmos a tripartição funcional da res­
ponsabilidade civil em reparatória, punitiva e pre- 
caucional, abstemo-nos de conferir a qualquer uma 
delas, com exclusividade, a qualificação de “função 
preventiva”. A prevenção lato sensu é um dos princí­
pios regentes da responsabilidade civil e inafastável 
consequência da aplicação de qualquer uma das três 
funções estudadas. O sistema de responsabilidade civil 
não pode manter uma neutralidade perante valores 
juridicamente relevantes em um dado momento 
histórico e social2'.Vale dizer, todas as perspectivas 
de proteção efetiva de direitos merecem destaque,
O STJ, em 2020, em excelente julgado, frisou 
que a inversão do ônus probatório leva consigo o
20 LEITE, José Rubens Morato; CAETANO, Matheus Almeida. A respon­
sabilidade civil por danos ambientais na sociedade de risco. In:
Sociedade de risco e direito privado. São Paulo: Atlas, 2013, p. 274.
RESPONSABILIDADE CIVIL
seja pela via material como pela processual, em um 
sincretismo jurídico capaz de realizar um balance­
amento de interesses, através da combinação das 
funções basilares da responsabilidade civil: punição, 
precaução e compensação.
Repensar hoje a responsabilidade civil significa 
compreender as exigências econômicas e sociais 
de um determinado ambiente. Responsabilizar já 
significou punir, reprimir, culpar; com o advento 
da teoria do risco, “responsabilizar” se converteu 
em reparação de danos. Na contemporaneidade, 
some-se à finalidade compensatória a ideia de 
responsabilidade como prevenção de ilícitos.
4. MODALIDADES DE
RESPONSABILIDADE CIVIL * 
Já de longa data se estabeleceu a dicotomia 
entre a responsabilidade civil (delitual ou aqui- 
liana) e a responsabilidade contratual (negociai 
ou obrigacional). Trata-se de uma summa divisio 
decorrente do critério da origem do dever des- 
cumprido, ou seja, se contratual ou não. Apesar 
de atualmente haver interpenetração entre as duas 
responsabilidades, a bipartição ainda faz sentido 
teórico e prático (embora, em certos setores, como 
nas relações de consumo, sua importância seja 
bastante reduzida). Nas relações civis podemos 
pensar na responsabilidade civil extranegocial 
como uma espécie de regime geral e a responsabi­
lidade negociai como regime específico. A natural 
aproximação entre os dois setores é tendência 
compreensível em ordenamentos complexos e 
abertos como o brasileiro.
O inadimplemento corresponde ao descum­
primento de um dever jurídico qualificado pela 
preexistência de relação obrigacional. A questão é 
analisada na parte relativa ao direito das obrigações. 
Já a responsabilidade civil em sentido técnico - 
extranegocial - requer o descumprimento de um 
dever genérico de não causar danos. A violação 
do neminem laedere por qualquer membro da 
comunidade se dá no instante em que o agente 
ofende situações existenciais e patrimoniais alheias. 
Importante consignar que o elemento comum e 
indispensável à eclosão das duas responsabilidades 
é o dano. Tanto a responsabilidade negociai como 
a extranegocial pressupõem o dano. Essa tendência 
se reforçou com o progressivo descolamento da 
responsabilidade da aferição da ilicitude e da culpa 
do ofensor para a tutela do ofendido. O STJ, em 
2018 - na sua função de uniformizar a aplicação da 
lei federal no Brasil -, firmou dois pontos relevantes
em sede de responsabilidade civil: a) é adequada 
a distinção dos prazos prescricionais da pretensão 
de reparação civil advinda de responsabilidades 
contratual e extracontratual; b) é decenal o prazo 
prescricional aplicável às hipóteses de pretensão 
fundamentadas em inadimplemento contratual 
(STJ, EREsp 1.280.825, Rei. Min. NancyAndrighi, 
Segunda Seção, DJe 02/08/2018). No ano seguinte, 
em 2019, após alguma polêmica, o STJ concluiu 
o julgamento do EREsp 1.281.594, pacificando o 
entendimento acerca do cabimento do prazo de 
10 anos para a prescrição da pretensão de repara­
ção civil contratual. Desse modo, o prazo trienal 
(previsto no art. 205, § 3o, V do Código Civil) 
aplica-se à responsabilidade civil extracontratual. 
Para a contratual, prevalece, portanto, o prazo de 
10 anos previsto no art. 205 do Código Civil.
4.1. A responsabilidade pela confiança: 
superação da clássica dicotomia
“Tem o sentimento da confiança, e muito curta 
a memória das pancadas. Ao contrário, os afagos 
ficam-lhe impressos e fixos, por mais distraídos 
que sejam. Gosta de ser amado. Contenta-se de 
crer que o é”.
Machado de Assis
A complexidade da vida é capaz de implodir 
certas categorias artificialmente idealizadas pelo 
sistema jurídico. Em princípio as dicotomias clássicas 
(capacidade/incapacidade, validade/invalidade, por 
exemplo) surgem para conferir segurança jurídica, 
evitando a imponderabilidade. Evidentemente é vá­
lido todo o esforço legislativo no sentido de conferir 
uma ordem de estabilidade e para tanto o Código 
Civil em vigor - tal e qual o seu antecessor - estabe­
leceu um sistema dualista de responsabilidade civil.
Porém, nas situações que estudaremos a partir 
de agora, esfacela-se o dualismo antes posto. Ao 
inserirmos a confiança, criamos um terceiro fun­
damento de imputação. Um espaço para deveres 
que não se vinculam a uma prestação delineada 
pelas partes e nem tampouco tem relação com a 
violação de um dever genérico de abstenção. Ela 
tomará vulto em contextos como o da violação 
positiva do contrato, das responsabilidades pré e 
pós-contratual e da tutela externa ou transubjetiva 
do contrato. Em todos esses casos perceberemos 
com que havia uma lacuna no sistema dicotômico 
de responsabilidade. A função da responsabilidade 
pela confiança é a de suprir essas lacunas. A res­
ponsabilidade pela confiança se edifíca em torno
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da expectativa de cumprimento de determinados 
deveres de comportamento. Essa concepção con­
cede à confiança um espaço próprio no confronto 
com as duas grandes modalidades clássicas da 
responsabilidade civil - a contratual e a aquiliana 
considerando-a um tertium genus, uma “pista 
autônoma” da responsabilidade22.
23 A correta hermenêutica da função integrativa da boa-fé objetiva 
remete à aceitação da violação positiva do contrato pela janela 
da cláusula geral do art. 422 do Código Civil. Com tal propósito, 
editou-se o Enunciado 24 do Conselho de Justiça Federal: "em 
virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo 
Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de 
inadimplemento, independentemente de culpa". O mérito do referido 
enunciado consiste em demonstrar que a responsabilidade civil 
decorrente dessa espécie de inadimplemento não corresponde a 
um simples ato ilícito culposo, mas a uma responsabilidade pela 
confiança. A violação positiva do contrato como rompimento da 
relação de confiança que conecta as partes, mesmo que não atrelada 
aos deveres de prestação, deverá ser identificada em seus efeitos 
patrimoniais com o inadimplemento, para que dela se possa extrair 
o direito da parte ofendida à resolução do vínculo obrigacional 
ou, mesmo, à oposição da exceptio non adimpleti, inclusive com 
todas as consequências da responsabilidade civil, sobremaneira o 
dever de indenizar em prol do lesado. As Jornadas de Direito Civil, 
em 2018, entenderam que "como instrumento de gestão de riscos 
na prática negociai paritária, é lícita a estipulação de cláusula que 
exclui a reparação por perdas e danos decorrentes do inadimple­
mento (cláusula excludente do dever de indenizar) e de cláusula 
que fixa valor máximo de indenização (cláusula limitativa do dever 
de indenizar)" (Enunciado 631).
24 Silva, Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé e a violação positiva do contrato. 
Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 89.
No sentido que sempre defendemos - nesta 
e em outras obras - o STJ em 2017 sublinhou: 
“Tradicionalmente, a responsabilidade civil divide-se 
em responsabilidade civil stricto sensu (delitual ou 
aquiliana) e a responsabilidade contratual (negociai 
ou obrigacional), segundo a origem do dever des- 
cumprido, contrato ou delito, critério que, apesar 
de conferir segurança jurídica, mereceu aperfei­
çoamentos, à luz da sistemática atual do Código 
Civil, dos microssistemas de direito privado e da 
Constituição Federal. Seguindo essa tendência na­
tural, doutrina e jurisprudência vêm se valendo de 
um terceiro fundamento de responsabilidade, que 
não se vincula a uma prestação delineada pelas 
partes, nem mesmo vincula indivíduos aleatoria­
mente ligados pela violação de um dever genérico 
de abstenção, qual seja a responsabilidade pela 
confiança. A responsabilidade pela confiança é 
autônoma em relação à responsabilidade contratual 
e à extracontratual, constituindo-se em um terceiro 
fundamento ou ‘terceira pista’ (dritte Spur) da res­
ponsabilidade civil, tendo caráter subsidiário: onde 
houver o dano efetivo, requisito essencial para a 
responsabilidade civil e não for possível obter uma 
solução satisfatória pelos caminhos tradicionais 
da responsabilidade, a teoria da confiança será a 
opção válida” (STJ, REsp 1.592.422).
4.2. Responsabilidade pela violação 
positiva do contrato
Hoje assistimos a um alargamento do conceito 
de adimplemento. Adimplir significará atender a 
todos os interesses envolvidos na obrigação, abar­
cando tanto os deveres ligados à prestação propria­
mente dita, como aqueles relacionados à proteção 
dos contratantes em todo o desenvolvimento do 
processo obrigacional. O descumprimento dos 
deveres anexos provocará inadimplemento, com o 
nascimento da pretensão reparatória ou o direito 
potestativo à resolução do vínculo. A lesão aos 
deveres genéricos de proteção, informação e coo­
peração repercute na chamada violação positiva do 
contrato. Cuida-se de uma terceira modalidade de 
inadimplemento das obrigações, ao lado da mora 
e do inadimplemento absoluto23.
Poderiamos exemplificar a violação positiva 
do contrato com base em múltiplas situações, por 
exemplo: a) médico realiza tratamento e alcança 
a cura do paciente. Porém, a técnica empregada 
é extremamente dolorosa, quando existiam meios 
alternativos na ciência para se alcançar idêntico 
resultado sem que isto implicasse sofrimento 
para o paciente; b) uma empresa contrata com 
agência de publicidade a colocação de outdoors 
pela cidade para a exibição de um novo produ­
to. Todos os anúncios são colocados em locais 
de difícil acesso e iluminação, em que poucas 
pessoas tenham a possibilidade de visualizar a 
propaganda. Poderá ocorrer, portanto, que o adim­
plemento se dê de forma ruim ou insatisfatória, 
ofendendo deveres de proteção, colaboração, etc. 
Destarte, inserem-se dentre os deveres laterais 
“o dever de não destruir o patrimônio da outra 
parte com a execução do contrato, ou o de não 
informar as eventuais consequências danosas do 
mau uso da máquina instalada, ou o de instalar a 
máquina de modo a melhor atender os interesses 
do adquirente”24.
4.3. Violação de deveres anexos
A boa-fé objetiva é fonte de deveres de conduta. 
Inexiste uma boa-fé objetiva estática, pois o conceito 
se amolda às circunstâncias concretas das relações 
jurídicas. Deveres de comportamento pedem que as
22 FRADA, Manuel Antonio de Castro Portugal Carneiro da. Teoria
da confiança e responsabilidade civil. Coimbra: Almedina, 2012, p.
900-905.
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RESPONSABILIDADE CIVIL
pessoas estabeleçam uma prévia relação de confiança, 
no mínimo um contato social. O dano à confiança é 
uma ofensa a deveres que concretamente pertencem 
a uma relação obrigacional, mas não se vinculam 
imediatamente à prestação. Surge entre as partes 
uma ordem especial de proteção que suplantao 
mandamento genérico do neminem laedere, aplicável 
a tutela geral e a indiferenciada convivência social, 
pois aqui há uma pessoa que confiou de fato na 
correção do comportamento da outra parte25.
25 FRADA, Manuel Antonio de Castro Portugal Carneiro da, Manuel. 
Contrato e deveres de proteção. Coimbra: Almedina, 2007, p. 44-47.
26 FRITZ, Karina Nunes. Boa-fé objetiva na fase pré-contratual. Curitiba: 
Juruá, 2008, p. 33-34. "Partindo do emblemático caso dos rolos de 
tapete de linóleo, julgado em 1911, no qual uma cliente se fere 
gravemente em uma loja ao ser atingida por rolos de tapete, a juris­
prudência prosseguiu no desenvolvimento da culpa in contrahendo, 
enaltecendo cada vez mais o seu âmbito de incidência e, fixando, 
paulatinamente, as diversas hipóteses atualmente compreendidas 
na terminologia, as quais têm em comum a infringência dos deveres 
de consideração decorrentes da boa-fé objetiva, independentemente 
de terem as partes firmado um contrato ou não", p. 34.
27 Nesse sentido, "a obrigação vista como um processo, compõe-se, 
em sentido largo, do conjunto de atividades necessárias à satisfação 
do interesse do credor. Essas atividades, modo geral, corporificam 
deveres jurídicos, pré-negociais, negociais e pós-negociais. Assim, a 
compreensão da relação em sua complexidade evidencia, ao lado dos 
deveres de prestação, os já aludidos deveres de proteção, laterais, 
anexos ou instrumentais, além de direitos potestativos, sujeições, 
ônus jurídicos, expectativas jurídicas, todos coligados em atenção 
a uma identidade de fim" (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao 
novo Código Civil, v. V, p. 53).
28 NERY JÚNIOR, Nelson. Contratos no Código Civil. In: FRANCIULLI 
NETTO, Domingos; MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS FILHO, Ives 
Gandra da Silva (Coord.). O novo Código Civil: estudos em homenagem 
ao professor Miguel Reale. São Paulo: LTR, 2004, p. 433. Ver também: 
PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual. Rio 
de Janeiro: Renovar, 2005, p. 442. Em obra pioneira sobre o tema, 
Antonio Chaves já considerava inadmissível que o período de 
formação do acordo fosse uma "terra de ninguém", em que sob a 
invocação de uma mal compreendida liberdade de contratar, inte­
resses legítimos, aspirações procedentes, intuitos plausíveis hajam 
de esbarrondar repentinamente frente a uma simples mudança 
de opinião, a um displicente dar de ombros (CHAVES, Antonio. 
Responsabilidade pré-contratual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 
1980, p. 242). Na fase das negociações preliminares, é de rigor que 
as partes estejam imbuídas pelo ânimo que vem do princípio do 
fair play (jogo limpo).
29 MENEZES CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha. Da pós-eficácia das 
obrigações. Coimbra: Almedina, 1984, p. 168.
4.4. Responsabilidade pré-negocial: deveres 
anexos desvinculados da obrigação
A teoria da responsabilidade pré-contratual, ou, 
como ainda hoje é denominada na Alemanha, culpa 
in contrahendo, foi originariamente formulada por 
Rudolph von Ihering em 1861. O grande jurista 
alemão, amparado no direito romano, observou a 
existência de um dever de diligência, surgido em 
momento anterior à conclusão do contrato. A dou­
trina e jurisprudência desenvolveram e aplicaram 
a teoria da responsabilidade pré-contratual, que 
posteriormente foi ligada à proteção da confiança 
por Larenz e seu discípulo Canaris26. Na sistemática 
da obrigação como processo27 o contrato se desen­
volve em três etapas sucessivas: (a) pré-contratual; 
(b) contratual; (c) pós-contratual.
Ao interpretar o art. 422 do Código Civil, dispõe 
o Enunciado n° 170 das Jornadas de Direito Civil 
que “a boa-fé objetiva deve ser observada pelas 
partes na fase de negociações preliminares e após a 
execução do contrato, quando tal exigência decorrer 
da natureza do contrato”. Nelson Nery pondera que 
estão compreendidas no artigo 422 “as tratativas pre­
liminares, antecedentes do contrato, como também 
as obrigações derivadas do contrato, ainda que já 
executado. Com isso, os entabulantes - ainda não 
contratantes - podem responder por fatos que te­
nham ocorrido antes da celebração e da formação do 
contrato e os ex-contratantes também respondem por 
fatos que decorram do contrato findo (pós-eficácia 
das obrigações contratuais)”28. Fundamental é que 
percebamos que “a responsabilidade pré-contratual 
não decorre do fato de a tratativa ter sido rompida 
e o contrato não ter sido concluído, mas do fato de 
uma das partes ter gerado à outra, além da expectativa 
legítima de que o contrato seria concluído, efetivo 
prejuízo material” (STJ, REsp 1.051.065).
4.5. Responsabilidade pós-negocial: deveres 
anexos transcendem a obrigação
A relação obrigacional é atualmente concebida 
como um “processo”. Trata-se de um conjunto de 
atos coordenados cujo ápice será o adimplemento. 
Em sua função integrativa (Código Civil, art. 422), 
a boa-fé objetiva insere na obrigação os deveres 
anexos, laterais ou de conduta. Para além do conte­
údo prestacional estipulado, os deveres de proteção, 
informação e cooperação surgem como exigências 
éticas do ordenamento jurídico, aptas ao estabeleci­
mento de uma ordem de cooperação intersubjetiva, 
que guiará o negócio jurídico para o adimplemento. 
Desse modo, mesmo após o cumprimento de todas 
as obrigações negociais, credor e devedor mantêm 
uma aproximação, pois a boa-fé pressupõe que uma 
parte assegurará à outra a mais ampla fruição dos 
resultados obrigacionais bem como a não defraudação 
das legítimas expectativas de confiança depositadas 
naquele projeto comum e em seus escopos. Portanto, 
a responsabilidade pós-contratual, também conhecida 
como culpa post pactum finitum ou pós-eficácia das 
obrigações, representa uma obrigação de reparação 
de danos decorrente da violação de deveres laterais 
mesmo após a extinção dos deveres prestacionais29.
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4.6. Responsabilidade transubjetiva e os 
deveres anexos
Já vimos que os deveres anexos (frutos da boa- 
-fé objetiva) antecedem à assunção das obrigações 
e extravasam o adimplemento delas. É o que vem 
se denominando responsabilidade civil pré e pós- 
-contratual. Há outro aspecto relevante: os deveres 
de conduta derivados da boa-fé objetiva podem 
atingir igualmente pessoas que originariamente não 
participaram da relação obrigacional. Quer dizer, 
trata-se de uma eficácia obrigacional transubjetiva, 
apta a alcançar terceiros estranhos ao negócio jurídico.
Com esteio na concepção social do contrato 
(Código Civil, art. 421) e na quebra do dogma 
de sua relatividade, Teresa Negreiros alude à atual 
distinção entre a eficácia das obrigações contratu­
ais e a sua oponibilidade, nos seguintes termos: “o 
princípio da função social condiciona o exercício 
da liberdade contratual e torna o contrato, como 
situação jurídica merecedora de tutela, oponível erga 
omnes. Isto é, todos têm o dever de se abster da 
prática de atos (inclusive a celebração de contratos) 
que saibam prejudiciais ou comprometedores da 
satisfação de créditos alheios. A oponibilidade dos 
contratos traduz-se, portanto, nesta obrigação de não 
fazer, imposta àquele que conhece o conteúdo de 
um contrato, embora dele não seja parte. Isto não 
implica tornar as obrigações contratuais exigíveis 
em face de terceiros (é o que a relatividade impede), 
mas impõe a terceiros o respeito por tais situações 
jurídicas, validamente constituídas e dignas da tutela 
do ordenamento (é o que a oponibilidade exige)”30.
30 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de 
Janeiro: Renovar, 2005, p. 265. A autora traz excelente exemplo da 
quebra de dever de conduta. No filme O informante, discute-se o 
risco de uma emissora de TV ser processada por uma companhia 
de cigarros, pelo fato de um ex-executivo revelar publicamente 
informações sigilosas, objeto de contratação de confidencialidade 
em razão de seu antigo trabalho na empresa.
31 SILVA, Luis Renato Ferreira da. A funçãosocial do contrato no novo 
código civil. Porto Alegre: Renovar, 2004, p. 133.
32 CHAVES, Cristiano Chaves de; BRAGA NETTO, Felipe; ROSENVALD, 
Nelson. Novo Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2017.
Todo dever de cuidado envolve, em maior 
ou menor grau, uma forma de cooperação para 
com o alter. Nessa cooperação é afirmada a ideia 
solidarista veiculada no art. 3o, I, da Constituição 
Federal. Em interessante projeção, considera-se que 
o binômio cooperação versus solidariedade pode 
ser considerado de duas maneiras: (a) dentro da 
relação contratual ele atua por meio do princípio 
da boa-fé (Código Civil, art. 422); (b) já os reflexos 
externos das relações contratuais, que podem afetar 
a esfera de terceiros, impõem um comportamento 
solidário cooperativo, que é atuado pela noção da 
função social do contrato (Código Civil, art. 421)31.
4.7. O terceiro ofendido e a relação 
obrigacional
Ao permitirmos que a responsabilidade civil en­
globe terceiros lesados pelo descumprimento de uma 
obrigação assumida no âmbito de um contrato de 
cuja formação não participaram, devemos assumir 
que o princípio pelo qual os efeitos do contrato só 
se produzem inter partes deverá ser interpretado 
de forma que, no conceito de “oponibilidade obri- 
gacional”, incluam-se pessoas que não consentiram 
na formação do negócio jurídico, mas que estão 
sujeitas a ser por ele afetadas, precisamente no que 
se refere à sua função social.
Expusemos a questão, em minúcias, em ou­
tra obra32. Aqui basta dizer em certos contextos 
é injustificada a discriminação normativa entre 
lesado ou terceiro. Esta correção de rumos pode 
ser atribuída à responsabilidade pela quebra da 
confiança do contratante, causando danos injustos 
ao terceiro ofendido. Em comum, tanto o bystan- 
der quanto o lesado por um veículo segurado e o 
adquirente de um imóvel não são sujeitos aleato­
riamente escolhidos a quem se imputam danos por 
uma omissão genérica de cuidado. Não obstante 
a inexistência de um contato social prévio entre 
lesante e lesado, há por parte do fornecedor de 
bens e serviços, do segurador e do alienante um 
dever especial de proteção perante estas pessoas. 
Por outro ângulo, antes da incidência do evento 
danoso já existe uma confiança realmente experi­
mentada pelas potenciais vítimas na seriedade do 
comportamento dos referidos agentes e na especial 
colaboração nas hipóteses de irrupção de danos.
4.8. O terceiro ofensor e a relação 
obrigacional
A eficácia transubjetiva das obrigações não 
permite apenas a tutela de terceiros estranhos ao 
negócio jurídico, vítimas de danos dele proveniente. 
Na linha da função social do contrato, propugna- 
-se por uma “tutela externa do crédito”, pela qual 
o terceiro ofensor seja responsabilizado, não pro­
priamente pela prestação convencionada, mas pela 
ofensa a dever de conduta nela consubstanciada. 
É inadmissível que a sociedade se comporte como 
se o contrato não existisse ou, se existisse, fosse 
algo estranho a ela, a ponto de ser ignorado. Em 
princípio, os terceiros não têm o dever de conhe­
cer a existência do crédito alheio, mas, quando o 
RESPONSABILIDADE CIVIL
conhecem na sua existência e configuração mínima, 
então aquele dever geral de respeito concretiza-se, 
surge como um concreto dever de respeito, que se 
incrusta na esfera jurídica desse terceiro e limita 
sua liberdade de agir33. O conhecimento do crédito 
constitui uma condição de oponibilidade efetiva do 
direito de crédito a terceiros. A responsabilidade 
civil de terceiro por lesão do direito do crédito é 
a solução equilibrada ao valor da justiça, harmo­
nizando os princípios da reparação do dano e da 
liberdade contratual, resultando em aumento da 
confiança nos contratos e em sua estabilidade, por 
evitarem-se interferências materiais de terceiros 
sobre o crédito.
33 É o que já vem se chamando de terceiro cúmplice, pois ocorre nas 
hipóteses em que o terceiro assume papel relevante na violação 
de interesses de outrem. Otávio Rodrigues lembra o interessante 
exemplo de um artista de televisão que, contratado para um perí­
odo de 50 meses, rompe o contrato, sem justo motivo, e passa a se 
exibir na empresa televisiva concorrente. E arremata:"ao garantir-lhe 
um suporte negociai, jurídico e econômico (o terceiro cúmplice, 
que, no caso, é a sua nova emissora), agiu como um tiers complice, 
coadjuvando-o e favorecendo-se com sua conduta, o que daria 
ensanchas a admitir que os efeitos da responsabilidade contratual 
estender-se-iam a um terceiro" (RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz. A 
doutrina do terceiro cúmplice: autonomia da vontade, o princípio 
res inter alios, função social do contrato e a interferência alheia na 
execução dos negócios jurídicos. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 
821, p. 80-98,2004, p. 93). Porém, o terceiro que aliciou o contratante 
e frustrou a relação obrigacional primitiva poderá ser condenado a 
indenizar por responsabilidade civil pela confiança. A cláusula penal 
não será exigida do “terceiro predador", pelo singelo fato dele se 
situarfora da obrigação, não sendo qualquer prestação a ele dirigida. 
Porém, inegavelmente viola dever lateral de cooperação se através 
de uma concorrência desleal, provoca danos a seu concorrente. A 
responsabilidade aquiliana impactará em condenação condizente 
aos danos injustos causados ao autor da demanda.
O princípio da relatividade dos contratos não 
pode mais ser elevado à condição de dogma. Tudo 
recomenda que terceiros se abstenham de violar 
contratos em andamento. O abuso no exercício da 
liberdade contratual gera responsabilidade de quem 
induz outrem à violação de contrato. A colaboração 
em grau mínimo já é suficiente para preservar a 
confiança na circulação econômica dos créditos.
Ao trazermos - embora com extrema brevida­
de, como é o propósito deste livro - temas como 
a violação positiva do contrato, responsabilidade 
pré-contratual, responsabilidade pós-contratual, 
terceiro ofendido e terceiro ofensor, percebemos 
que a responsabilidade pela confiança merece 
destaque, pois o colorido desses modelos jurídicos 
se afasta do preto e branco da clássica distinção 
entre a responsabilidade negociai e a extranegocial. 
Estamos diante, seguramente, de de situações bem 
mais complexas que o mero descumprimento de 
uma obrigação ou inobservância de um dever 
genérico de um neminem laedere.
Em situações como as descritas, parece mais 
adequado considerar cada situação concreta, com 
base na tópica e nas especificidades que se apre­
sentam. As respostas oscilarão de acordo com o 
tipo de dever violado e da natureza da relação entre 
lesante e lesado. A abertura do sistema propiciará a 
flexibilidade de decisões quanto ao ônus da prova, 
a prescrição, eventuais limites à obrigação de in­
denizar e outros aspectos que se mostrem menos 
claros. Vale lembrar que o fato da responsabilidade 
civil lidar com cláusulas gerais (como o art. 927, 
parágrafo único, do Código Civil, por exemplo), 
longe de ser um defeito, apresenta-se como uma 
de suas mais altas virtudes. Isso possibilita um 
diálogo constante entre a norma e as mudanças 
sociais, funcionando como janelas normativas de 
uma sociedade plural.
5. TEORIA SUBJETIVA: PRESSUPOSTOS
Podemos conceituar a responsabilidade civil 
como a reparação de danos injustos resultantes da 
violação de um dever geral de cuidado. Ao aden­
trarmos na teoria subjetiva, iremos, nos próximos 
tópicos, nos distanciar de suas finalidades punitiva 
e precaucional, que apenas serão lateralmente abor­
dadas. Optamos por uma classificação tetrapartida 
dos pressupostos da responsabilidade civil, cujos 
elementos são: (a) ato ilícito; (b) culpa; (c) dano;
(d) nexo causai. Aliás, não é outro o resultado que 
se alcança ao compulsarmos o art. 927, caput, do 
Código Civil - dispositivo introdutório ao Título 
dedicado à responsabilidade civil: “Aquele que, por 
ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, 
fica obrigado a repará-lo.” Os quatro pressupostos 
ora elencados se

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