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Discurso do método - As regras do método

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Discurso do método • As regras do método 
O texto em que Descartes formula suas regras do método científico, que constituem o centro de sua concepção 
de ciência, frequentemente causa espanto em quem o lê pela primeira vez, devido ao pequeno número de 
regras e à sua simplicidade; é este, no entanto, precisamente o objetivo de Descartes. No lugar das regras 
complexas e intrincadas do método dedutivo aristotélico, da teoria do silogismo - tão discutida na escolástica 
medieval e motivo de tantas controvérsias -, Descartes prefere as quatro regras simples que formula aqui, mas 
exige que sejam efetivamente seguidas à risca. Seu argumento é que o método aristotélico, devido a seu 
formalismo, não evitou que as teorias falsas da Antiguidade, como a concepção geocêntrica de universo, 
fossem apresentadas como válidas, através da formulação lógica que receberam. 
As quatro regras do método consistem na regra da evidência, que deve garantir a validade de nossos pontos 
de partida no processo de investigação científica; a regra da análise, que indica que um problema a ser 
resolvido deve ser decomposto em suas partes constituintes mais simples; a regra da síntese, que sustenta que 
uma vez realizada a análise devemos ser capazes de reconstituir aquilo que dividimos, revelando assim um real 
conhecimento do objeto investigado; e a regra da verificação, que alerta para a necessidade de termos certeza 
de que efetivamente realizamos todos os procedimentos devidos. 
Estava então na Alemanha, para onde me haviam chamado as guerras que ainda ali não terminaram, 
e, quando voltava da coroação do Imperador para o exército, o começo do inverno me deteve num 
lugar onde, não achando conversa que me divertisse e além disso não tendo, felizmente, cuidados 
ou paixões que me perturbassem, ficava o dia inteiro trancado sozinho num quarto com estufa, onde 
tinha todo o tempo para me entreter com meus pensamentos. Entre os quais um dos primeiros que 
me ocorreu foi considerar que muitas vezes não há tanta perfeição nas obras compostas de várias 
peças e feitas pelas mãos de diversos mestres quanto naquelas em que apenas um trabalhou. 
Assim, vemos que as construções iniciadas e concluídas por um único arquiteto costumam ser 
mais belas e bem ordenadas que aquelas que muitos trataram de reformar aproveitando velhas paredes 
construídas para outros fins. [...] 
Mas, como um homem que caminha sozinho e nas trevas, decidi avançar tão lentamente e ser tão 
circunspecto em tudo que, se progredia muito pouco, evitava pelo menos cair. Não quis sequer 
começar rejeitando completamente qualquer das opiniões que se infiltraram outrora em minha 
crença sem terem sido aí introduzidas pela razão antes de empregar bastante tempo no projeto da obra 
que empreendia e na busca do verdadeiro método para chegar ao conhecimento de todas as coisas 
de que o meu espírito fosse capaz. 
[...] E como a multiplicidade de leis fornece muitas vezes desculpas aos vícios, de modo que um 
Estado é bem mais regrado se, tendo bem poucas, elas são estritamente observadas, assim eu julguei 
que, em vez do grande número de preceitos de que se compõe a lógica, me bastariam os quatro 
seguintes, contanto que tomasse a firme e constante resolução de não deixar de observá-los uma vez 
sequer. 
O primeiro era não tomar jamais coisa alguma por verdadeira a não ser que a conhecesse 
evidentemente como tal: quer dizer, evitar cautelosamente a precipitação e a prevenção; e só incluir 
em meus juízos o que se me apresentasse ao espírito de modo tão claro e nítido que não tivesse como 
colocá-lo em dúvida. 
O segundo, dividir cada dificuldade que examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e 
necessárias para melhor resolvê-las. 
O terceiro, conduzir meus pensamentos de forma ordenada, começando pêlos objetos mais simples 
e mais fáceis de conhecer, para subir pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais 
complexos; e supondo mesmo uma ordem entre aqueles que de modo algum precedem naturalmente 
uns aos outros. 
E o último, fazer sempre levantamentos tão completos e inspeções tão gerais que tivesse a certeza 
de nada omitir. 
Essas longas cadeias de raciocínios, bem simples e fáceis, de que os geôme-tras costumam se 
servir para chegar às mais difíceis demonstrações, deram-me a oportunidade de imaginar que todas 
as coisas que podem cair sob o conhecimento dos homens seguem-se umas às outras da mesma 
maneira e que, contanto apenas que se evite tomar por verdadeira alguma que não o seja e que se 
respeite sempre a ordem exigida para deduzir umas das outras, não pode haver nenhuma tão distante 
que por fim não se alcance nem tão oculta que não se descubra. 
 
MARCONDES, Danilo. Textos Básicos de Filosofia: dos Pré-socráticos a 
Wittgenstein. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editores,. 2ª ed. 2000. pág. 81-82

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