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GENÉTICA MOLECULAR E CLÍNICA Moara Mingori Tradução Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever como funciona o código genético. � Definir a relação das proteínas com a determinação das características do ser vivo. � Reconhecer os mecanismos de tradução do RNA mensageiro. Introdução Neste capítulo, você vai estudar em detalhes como a informação genética é passada da molécula de RNAm às proteínas – pelo mecanismo de tradu- ção. Nesse processo, a célula interpreta a mensagem genética e sintetiza um polipeptídeo correspondente. A mensagem será lida na forma de códons (grupos consecutivos de três aminoácidos) ao longo da cadeia de RNAm e será interpretada por meio da atuação do RNA transportador (RNAt). A função principal do RNAt é transferir aminoácidos presentes no citoplasma para o polipetídeo nascente formado de uma estrutura complexa chamada ribossomo. Você vai entender que a tradução é um processo simples, mas que tem mecanismos bioquímicos complexos especialmente em células eucarióticas. O código genético e o seu funcionamento A compreensão da síntese de proteínas, o mais complexo processo das etapas de biossíntese, tem sido desafiadora para a comunidade científica. A todo o momento, as células vivas requerem milhares de proteínas diferentes e que precisam ser sintetizadas em respostas às necessidades momentâneas da célula, transportadas para o local de atuação e constantemente recicladas. Sintetizar proteínas em eucariotos mobiliza e envolve um aparato enorme com mais de 300 macromoléculas diferentes funcionais no processo. Apesar da complexidade, as proteínas são produzidas de forma extremamente rápida. Assim a elucidação de como as macromoléculas atuam no processo tem sido imensamente estudada. Por volta da década de 1960, estudos nessa área levaram a identificação das três etapas principais da síntese proteica e contribuíram para elucidar o código genético que especifica cada aminoácido. Assim, já era consenso que três resíduos de nucleotídeos de DNA eram necessários para codificar um aminoácido. De fato, o fluxo da informação gênica traduzida em uma sequência de aminoácidos de uma proteína segue regras ditadas pelo código genético. Assim, o código descreve a relação entre a sequência de bases nitro- genadas do DNA e as sequências de aminoácidos na proteína correspondente. A palavra-chave do código para um aminoácido consiste em uma sequência de três bases nitrogenadas consecutivas, que formam o códon. Várias proprie- dades importantes do código genético foram estabelecidas (Figura 1). Dentre as características, estão: forma de leitura, que é feita em trincas de bases ou de nucleotídeos; código é degenerado ou redundante, pois a sequência de nucleotídeos deve conter o número suficiente de unidades codificadoras para representar 20 aminoácidos e, apesar de o DNA ter apenas quatro bases distintas, inúmeras são as possibilidades de combinações dessas bases para codificar os diferentes tipos de aminoácidos; é considerado não ambíguo, uma vez que uma trinca só pode codificar um único aminoácido; é contínuo, pois não há espaços entre os códons; e, finalmente, é considerado semiuniversal, ou seja, os mesmos aminoácidos são codificados pelos mesmos códons em quase todos os organismos. Aparentemente, uma vez evoluído, o código genético se manteve quase intacto ao longo da história evolutiva da vida na Terra, salvo exceções estudadas em levedura, bactérias e protozoários. Importante ressaltar que há códons de iniciação e de terminação. O início da síntese de um polipeptídio, em procariotos, é assinalado pela presença de um códon iniciador específico, que é AUG no RNA mensageiro, correspondendo ao aminoácido metionina. Contudo, há códons de terminação, que indi- cam o término da síntese polipeptídica, como UAA, UAG e UGA, e, de acordo com sua função, não correspondem a aminoácidos em eucariotos (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013). Tradução2 Figura 1. O código genético. Acima: o código genético tradicional, são escritos na direção 5' → 3' representado pelas três primeiras letras de cada aminoácido. Os códigos são es- critos na direção 5' → 3'. Abaixo: código alfabético abreviado, em que os aminoácidos são apresentados apenas por uma letra. Fonte: Borges-Osório e Robinson (2013, p. 16). O processo de tradução e as moléculas adaptadoras para formação de proteínas As moléculas de RNAm contendo os códons não podem reconhecer diretamente os aminoácidos, assim, o processo de tradução do mRNA em proteína depende de moléculas adaptadoras que podem reconhecer e se ligar ao códon e ao aminoácido. Na dinâmica desse processo, essas moléculas adaptadoras são chamadas de RNA transportadores (RNAt). Essas moléculas são sintetizadas no núcleo e passam por processamentos para que adquiram a conformação adequada para seu pleno desempenho na tradução proteica, ou seja, para que adquiram a conformação de folha de trevo (Figura 2). A alça que se estende de uma das extremidades inclui o anticódon, a trinca de nucleotídeos específica que pareia com o códon presente no RNAm. Após essas modificações, o RNAt 3Tradução é endereçado para o citoplasma em que ocorre a tradução. A chave para a tradução da mensagem genética em uma sequência específica de aminoácidos é a estrutura do RNAt, pois cada uma de suas moléculas tem um aminoácido específico em uma das extremidades, enquanto a outra extremidade corres- ponde à trinca de nucleotídeos que pode parear com o códon complementar na cadeia de RNAm. Cada uma das moléculas de RNAt se liga a um dentre os 20 aminoácidos correspondente. Figura 2. Molécula de RNAt. A estrutura na forma de folha de trevo mostrando a comple- mentaridade do pareamento de bases (linhas vermelhas) que cria as regiões de dupla-hélice na molécula. O anticódon é a sequência de três nucleotídeos que forma pares de bases com o códon no mRNA. O aminoácido correspondente ao par códon-anticódon é ligado na extremidade 3' do tRNA. Os tRNA contêm algumas bases incomuns, que são produzidas por modificações químicas após a síntese do tRNA. Fonte: Alberts et al. (2017, p. 335). Aminoácido ligado (Phe) Extremidade 3' Extremidade 5' Haste aceptora Alça anticódon Anticódon Uma folha de trevo O reconhecimento apropriado e a ligação posterior ao aminoácido correto são dependentes da atividade da enzima aminoacil-tRNA-sintetase, que acopla covalentemente cada aminoácido ao seu conjunto apropriado de moléculas de RNAt. O tRNA carregado é chamado de aminoacil tRNA. Geralmente há Tradução4 uma enzima sintetase para cada aminoácido. Logo, teremos 20 sintetases ao todo em eucariotos. A reação catalisada pela sintetase que liga o aminoácido à extremidade 3' do tRNA é uma das muitas reações celulares associadas à hidrólise de GTP, o que produz uma ligação de alta energia entre o tRNA e o aminoácido. Esse fato é importante, pois a energia dessa ligação é usada em uma etapa posterior, na síntese de proteínas, para ligar covalentemente o aminoácido à cadeia polipeptídica em crescimento. Podemos notar que a molécula de tRNA é uma estrutura complexa. Ela tem uma estrutura primária, uma estrutura secundária (conformação de folha de trevo) e uma estrutura terciária (todos os tRNA têm uma estrutura em 3D em forma de L que permite encaixar para dentro dos sítios P e A do ribossomo). O braço aceptor é uma haste de sete pares de base feita pelo pareamento de bases dos nucleotídeos do terminal 5' com os nucleotídeos do terminal 3' (o qual contém o grupo terminal CCA 3' usado para fixar o aminoácido). O caule CCA é uma sequência CCA no final 3' da molécula de tRNA. Essa sequência é importante para o reconhecimento do tRNA por enzimas críticas para a tradução. Nos eucariotos, a sequência CCA é adicionada durante o processamento e, dessa forma, não aparece no gene tRNA. O braço D é uma haste de 4 pares de base, finalizando em um laço que frequentemente contémdi-hidrouridina. O braço anticódon é uma haste de cinco pares de base cujo laço contém o anticódon. Ele também contém um Y que se encontra com um nucleotídeo de purina modificado. O braço T é uma haste de cinco pares de base, contendo a sequência TψC, onde ψ é uma pseudouridina. Existem bases que vão sendo modificadas, es- pecialmente por metilação, ocorrem em diferentes posições fora do anticódon. A primeira base anticódon é, algumas vezes, modificada em inosina (derivada da adenina) ou pseudouridina (derivada do uracil). Como vimos, a síntese proteica é guiada pela informação contida nas moléculas de RNAm. Assim, para manter a fase de leitura e inibir erros, a produção da proteína é realizada no ribossomo, uma macromolécula complexa formada de RNA ribossomais (RNAr) e proteínas. É nos ribossomos que ocorre o pareamento específico entre os anticódons do RNAt com os códons do RNAm durante a síntese. Os genes que codificam RNA ribossomal são transcritos e após o processa- mento, esse RNAr é associado a proteínas oriundas do citoplasma. Interessante notar que a subunidade ribossomal completa é transportada, pelos poros nucleares, ao citoplasma. As subunidades maiores e menores são ligadas para formar a estrutura ribossomal apenas quando o RNAr está presente. Sua estrutura reflete claramente sua função de unir as moléculas de RNAm e RNAt 5Tradução carregado de aminoácido. Por isso, o ribossomo é frequentemente chamado de ribozima, em razão da sua alta capacidade catalítica. Estruturalmente, além do sítio de ligação para RNAm, cada ribossomo tem três sítios de ligação extra para o RNAt. O sítio P (sítio peptidil-RNAt) contém a molécula de RNAt, o sítio A (sítio do aminoacil-RNAt) carrega o próximo aminoácido e, por fim, o sítio E é a saída (Figura 3). Figura 3. Ilustração tridimensional da estrutura de um ribossomo. (a) Os tRNA estão apre- sentados ligados aos sítios E (preto), P (cinza escuro) e A (cinza claro). Subunidade maior acima e subunidade menor embaixo. (b) Representação esquemática de um ribossomo (na mesma orientação que em A). Fonte: Alberts et al. (2017, p. 342). Subunidade ribossômica maior Subunidade ribossômica menor Sítio de ligação ao mRNA (D) E P A Sítio E Sítio P Sítio A Alguns antibióticos comuns prescritos para conter infecções bacterianas são inibidores de síntese proteica ou de RNA, alguns dos quais podem ter efeito deletério em células eucarióticas humanas. São exemplos de inibidores com ação somente em bactérias: � Clorafenicol: bloqueia a reação da peptidil-transferase nos ribossomos. � Eritromicina: liga-se ao canal de saída do ribossomo e, dessa forma, inibe a extensão da cadeia polipeptídica. � Tetraciclina: bloqueia a ligação do aminoacil-tRNA ao sítio A do ribossomo. Exemplo de inibidor com ação em procariotos e eucariotos: � Puromicina: causa a liberação prematura das cadeias de polipeptídicas em formação por meio da sua adição à extremidade da cadeia em crescimento. Tradução6 Proteínas funcionais: enovelamento e modificações pós-tradicionais O processo de tradução é necessário, mas não suficiente para que uma proteína desempenhe sua função biológica. A cadeia polipeptídica recém-sintetizada sofre alguns processamentos após o processo de tradução, além de receber marcações em sua estrutura que possibilitam o endereçamento para locais específicos da célula. Durante o próprio processo de tradução, a cadeia de polipeptídios recém- -formada sofre um enovelamento espontâneo resultado da sua sequência de aminoácidos, ou seja, sua estrutura primária (Figura 4). A estrutura primária não é uma união aleatória de aminoácidos, mas sim uma imposição imposta pela informação genética hereditária. Essa estrutura primária de fato determina as estruturas secundárias e terciárias em razão da natureza química das cadeias principais e das cadeias laterais dos aminoácidos que compõem o polipeptídio (NELSON; COX, 2014). As proteínas apresentam seguimentos repetitivos nas suas cadeias polipeptí- dicas. Essas estruturas chamadas de estrutura secundária resultam de ligações de hidrogênio entre os elementos repetitivos da cadeia principal das proteínas que estão presentes em grande quantidade e contribuem para a manutenção da estrutura proteica. Exemplos de estruturas secundárias são: a hélice α, um solenoide mantido por pontes de hidrogênio presente em proteínas fibrosas como a queratina, e a folha β pregueada, em que dois ou mais segmentos de cadeia polipeptídica se encontram lado a lado conectadas por ligações de hidrogênio entre os seguimentos paralelos da cadeia formada por duas fitas. Tal estrutura está contida em proteínas globulares e fibrosas como as proteínas contidas na seda fabricada pelas aranhas. A disposição de várias estruturas secundárias forma a estrutura terciária de uma proteína. Enquanto a estrutura secundária está relacionada a interações entre constituintes da cadeia principal, a estrutura terciária resulta da interação entre as cadeias laterais (grupo R) de vários aminoácidos. Interações hidrofóbicas e pontes dissulfeto contribuem para a conformação terciária de uma proteína. Nesse sentido, aminoácidos com cadeias laterais hidrofóbicas (apolares) geralmente se agrupam na parte central da proteína, sem contato com a água. Por fim, certos grupos de proteínas têm estrutura quaternária, mais complexa, pois são compostas por duas ou mais cadeias polipeptídicas associadas em uma macromolécula funcional. A estrutura quaternária é a estrutura global de uma proteína resultante da associação das subunidades polipeptídicas. Proteínas como o colágeno e a hemoglobina são exemplos de proteínas globulares com estrutura quaternária. 7Tradução Figura 4. Os quatro níveis estruturais de uma proteína. A sequência de aminoácidos que forma uma cadeia polipeptídica constitui a estrutura primária. A estrutura secundária é produzida por dobramentos da sequência primária, em razão de ligações químicas como pontes de hidrogênio, criando sítios ativos ou aspecto estrutural. Essa estrutura secundária confere organização espacial ao esqueleto polipeptídico, dando funcionalidade à molécula. A estrutura terciária é a organização completa em três dimensões de todos os átomos na cadeia polipeptídica, em decorrência da interação entre os aminoácidos e a água circulante, incluindo os grupos laterais, bem como o esqueleto polipeptídico. Por fim, o quarto grau de organização é encontrado nas proteínas multiméricas, formadas por agregados de mais de uma cadeia polipeptídica. Fonte: Borges-Osório e Robinson (2013, p. 28). Tradução8 Quando o dobramento proteico não ocorre naturalmente durante o processo tradicional, algumas proteínas denominadas chaperonas são capazes de auxiliar na conformação de outras proteínas, conhecidas como proteínas de choque térmico, e desempenham funções importantes na fun- cionalidade de demais proteínas. Uma proteína com área muito grande de aminoácidos hidrofóbicos exposta na sua superfície é geralmente anormal: ou falhou no dobramento correto para adquirir sua funcionalidade ou sofreu algum acidente no percurso. Por isso, existem mecanismos de controle de qualidade de uma proteína que evitam que proteínas disfuncionais causem danos celulares. Um complexo de proteases chamado proteossomo se encarrega de destruir e reciclar as proteínas malformadas ou contendo erros. Outro sistema de qualidade que leva a proteína para o destino proteolítico é a ubequitinação. Proteínas ubequitinas são preparadas para a conjugação com outras proteínas ativadoras de ubequitina. Essa cascata de ativação proteica gera uma cadeia de poliubequitina, a presença desse sinal na proteína-alvo será reconhecida por um receptor específico no proteossomo que endereça essa proteína para a destruição. Por meio dessa variedade de métodos de controle, as proteínas normais selecionadas são removidas da célula em resposta a sinais específicos e direcionadas aos locais em que exercerão suasfuncionalidades. Quase todas as funções dinâmicas de um organismo vivo dependem das proteínas. Algumas proteínas aceleram reações químicas enquanto outras desempenham papéis de defesa, transporte, armazenamento, comunicação celular, movimento e sustentação estrutural, controlando praticamente todo o metabolismo celular. Portanto, os genes (as porções de DNA que transcrevem RNAm), que são os responsáveis pelo controle da produção de proteínas, controlam também todas as características dos indivíduos. Como exemplo, cita-se a determinação do grupo sanguíneo. O sistema ABO é um sistema herdável de antígenos de superfície, presentes nas membranas de células sanguíneas, associado a presença de certos tipos de açúcares, como a N-acetil- -galactosamina (no caso do tipo A) e a galactose (no tipo B) ou, sua ausência, como no caso do tipo O. A presença ou ausência destas moléculas é resultante da ação de enzimas específicas, cujos genes é que são diretamente herdados e, portanto, os responsáveis por este tipo de polimorfismo. O Sistema ABO é apenas um dos vários sistemas de antígenos de superfície. Estes são, geralmente, caracterizados pela expressão (ou não) de glicoproteínas (e glicolipídios) de membrana e enzimas capazes de acrescentar determinados tipos de açúcares a estas proteínas e lipídios. 9Tradução A vida não seria possível sem enzimas, formadas, em sua maioria, por proteínas. O ser humano tem dezenas de milhares de proteínas diferentes, cada qual com estruturas e funções específicas. Cada qual tem forma tridi- mensional única. Com toda sua diversidade nos sistemas biológicos, todas as proteínas são compostas por 20 aminoácidos enovelados e organizados em uma estrutura tridimensional específica. Aminoácidos Os aminoácidos são moléculas orgânicas com grupos carboxila e amino. Todos os aminoácidos compartilham uma estrutura comum. Para todos os aminoácidos, exceto a glicina, no centro de cada molécula existe um carbono assimétrico chamado de carbono-α, assim, seus quatro ligantes distintos são o grupo amino, o grupo carboxila, um átomo de hidrogênio e um grupo variável, simbolizado por R. Esse grupo R é bem conhecido como cadeia lateral e difere em cada um dos aminoácidos existentes, que variam em estrutura, tamanho e carga elétrica e que influenciam a solubilidade dos aminoácidos em água, o que tem impacto direto na funcionalidade da proteína (Figura 5). Existem 20 aminoácidos encontrados nas proteínas. Além desses 20 aminoácidos, há muitos outros menos comuns. Cada aminoácido tem uma abreviação de três letras e de uma letra. Figura 5. Fórmula geral de um aminoácido. Carbono-α central, presença do grupo amino (NH3), do grupo car- boxila (COOH) e do grupo variável simbolizado por R. Fonte: Nelson e Cox (2014, p. 76). HH3N + Cα R COO– Tradução10 Existem dois grandes grupos de aminoácidos: aminoácidos naturais ou não essenciais, os aminoácidos produzidos pelo próprio organismo, sendo 12 no total: glicina, alanina, serina, histidina, asparagina, glutamina, cisteína, prolina, tirosina, arginina, ácido aspártico e ácido glutâmico; e aminoácidos essenciais, os aminoácidos que não são sintetizados pelo organismo e que precisam ser obtidos por meio da alimentação, entre eles: fenilalanina, valina, triptofano, treonina, lisina, leucina, isoleucina e metionina. Os aminoácidos essenciais são encontrados em alimentos ricos em proteí- nas, como carnes, peixes, leite, ovos e leguminosas (feijão, soja, lentilha, etc.), ou seja, você os adquire por meio de uma alimentação balanceada. A união entre os aminoácidos para formar a proteína é uma reação cha- mada de ligação peptídica entre o grupo carboxila da extremidade da cadeia polipeptídica em crescimento e um grupo amino livre do aminoácido seguinte. Tal ligação é formada pela remoção de elementos de água (desidratação) do grupo a-carboxila de um aminoácido e do grupo a-amino do outro. Sendo assim, toda proteína é sintetizada a partir da sua extremidade N-terminal em direção à extremidade C-terminal (processo que veremos a seguir). A energia necessária para que todo o processo ocorra vem de cada adição de aminoácido carregado de energia de ativação que garante a ligação do próximo aminoácido. Enzimas e controle do metabolismo As enzimas são proteínas, exceto por um pequeno grupo de moléculas for- madas por RNA, toda a atividade catalítica depende da integridade das suas conformações nativas, as quais estudamos anteriormente. As enzimas têm importante papel no metabolismo celular, pois atuam como catalisadores, ou seja, aceleram as reações metabólicas. Se uma enzima for desnaturada ou dissociada nas suas subunidades, geralmente a atividade catalítica é perdida. Se uma enzima for degradada até os aminoácidos que a compõem, a ativi- dade catalítica é sempre destruída. Então, as estruturas proteicas primária, secundária, terciária e quaternária das enzimas são essenciais para a atividade catalítica ou biológica. Algumas enzimas necessitam de outros grupos químicos além dos seus próprios resíduos de aminoácidos. Necessitam de um componente químico adicional denominado cofator, que pode ser um ou mais íons inorgânicos, como ferro e magnésio ou uma molécula orgânica ou metalorgânica complexa, denominada coenzima. São exemplo de coenzimas as vitaminas, necessárias 11Tradução em pequenas quantidades para exercer seus efeitos e obtidas por meio da ali- mentação. Uma coenzima ou um íon metálico que se ligue muito firmemente, ou mesmo covalentemente, a uma enzima é denominado grupo prostético. Em contraste, uma enzima completa, cataliticamente ativa junto com a sua coenzima e/ou íons metálicos, é denominada holoenzima. Um exemplo típico de holoenzima é a DNA-polimerase. Finalmente, algumas enzimas são modi- ficadas covalentemente por reações posteriores como fosforilação, glicosilação e outros processos. Essas modificações estão envolvidas na regulação da atividade enzimática. A catálise enzimática das reações é essencial para os sistemas vivos. As reações necessárias para digerir os alimentos, enviar sinais nervosos ou con- trair os músculos simplesmente não ocorrem em velocidades adequadas sem catálise. Se todas as rotas metabólicas celulares estivessem operacionais simul- taneamente haveria um caos químico. A capacidade da célula em regular suas rotas metabólicas, controlando quando e onde as várias enzimas estão ativas, é intrínseca ao processo da vida. Esse complexo sistema é regulado por meio da expressão ou da inibição dos genes que codificam enzimas específicas ou por meio da regulação da atividade das enzimas assim que elas são produzidas. A propriedade característica das reações catalisadas por enzimas é que a reação ocorre confinada em um bolsão da enzima, denominado sítio ativo. A molécula que liga no sítio ativo e sobre a qual a enzima age é denominada substrato. O contorno da superfície do sítio ativo é delimitado por resíduos de aminoácidos com grupos nas cadeias laterais que ligam o substrato e que cata- lisam a sua transformação química. É importante notar que a enzima pode ser classificada de acordo com o número de subunidades da enzima. Por exemplo, enzimas monoméricas são formadas por um polipeptídio, enquanto as enzimas diméricas são formadas por dois polipeptídios. A regulação alostérica trata-se da forma de regulação para o funcionamento de uma enzima, a qual esta está sujeita por meio da ligação de molécula reguladora (um ativador ou inibidor) em algum lugar diferente do sítio ativo (Figura 6). Isso pode resultar tanto na inibição quanto na ativação da atividade enzimática. A maioria das enzimas reguladas alostericamente é composta por duas ou mais subunidades, cada qual com uma cadeia polipeptídica e seu próprio sítio-ativo. O complexo inteiro oscila entre duas formas diferentes, uma cataliticamente ativa e outra inativa. Tradução12 Figura 6. Regulação alostérica (regulação positiva) pelo acoplamento conformacional entre dois sítiosde ligação separados. Neste exemplo, tanto a glicose quanto a molécula X se ligam melhor à conformação fechada da proteína constituída por dois domínios. Como tanto a glicose quanto a molécula X induzem uma alteração conformacional da proteína para a forma fechada, cada ligante ajuda o outro a se ligar. Portanto, é dito que a glicose e a molécula X se ligam cooperativamente à proteína. Fonte: Alberts et al. (2017, p. 152). INATIVA ATIVA 10% ativa 100% ativa Molécula X Molécula X Regulação positiva Glicose Doenças humanas causadas por mal dobramento proteico Doenças hereditárias como anemia falciforme, doença de Huntington e doença de Alzheimer são resultado de proteínas mutantes que escaparam do controle de qualidade das células, dobrando-se de forma errada e formando agregados proteicos. Esses agregados podem danificar seriamente a saúde e causar a morte. O cérebro é especialmente vulnerável, em razão do seu alto consumo energético, e composto de células sensíveis e com baixa taxa proliferativa, como os neurônios. Agregados proteicos causam principalmente doenças neurodegenerativas, como doença de Huntington e a doença de Alzheimer. Esta última é responsável pela alta incidência de demência relacionada à idade no mundo todo (SMITH, 1999). Nesse panorama, doenças priônicas são particularmente perigosas e mortais, o príon identificado como a partí- cula infecciosa pode passar de um organismo para o outro por meio de carne contaminada com o agregado proteico. Doenças chamadas de encefalopatia espongiforme bovina, comumente chamada de doença de Creutzfeldt-Jacob em seres humanos, são encefalopatias 13Tradução gravíssimas causadas por agregados proteicos por uma forma alterada da proteína PrP (proteína priônica). Essa proteína é “infecciosa”, uma vez que transforma as demais proteínas em contato em conformações patológicas, se espalhando rapidamente no sistema nervoso central e levando ao rompimento tecidual, ao déficit cognitivo e à morte. Processo de tradução O mecanismo de tradução pode ser dividido em três fases principais: início, elongação e término (Figura 7). Todas as etapas são complexas e requerem “fatores” proteicos que auxiliam o processo de tradução. Todo o processo envolve gasto de energia, porém, as fases de início e elongação requerem muita energia, que é fornecida via hidrolise de ATP (Borges-Osório, 2013). Na fase inicial, as subunidades ribossomais menores se ligam à molécula de RNAm e a um RNAt iniciador que carrega o aminoácido metionina, a subunidade menor com o RNAt iniciador já ligado se une à extremidade 5' da molécula de RNAm e, então, realiza um deslocamento no RNAm a fim de identificar um códon de início de tradução. Quando encontra, o RNAt promove ligações de pontes de hidrogênio com o códon de início AUG. A união destes componentes, RNAm e RNAt, e da subunidade ribossomal menor atrai a liga- ção da subunidade maior, completando o início da tradução. Porém, proteínas nomeadas como fatores de início são necessárias para completar a ligação de todas essas estruturas anteriormente mencionadas. Assim, o RNAt iniciador ocupa o sítio P do ribossomo, e o sítio A fica livre para dar continuidade à chegada do próximo aminoacil-RNAt. Note que a cadeia polipeptídica é sintetizada na mesma direção, a partir da metionina inicial na extremidade amino ou N-terminal para o aminoácido final na extremidade C-termina. O processo de elongação tem a participação de fatores de elongação, ou seja, de proteínas acessórias que desempenham funções importantes, permitindo que os aminoácidos sejam adicionados em sequência na região C-terminal da cadeia crescente. O gasto energético que ocorre nesse período advém da hidrólise de GTP, permitindo a translocação. O RNAm é deslocado ao longo do ribossomo, e o ribossomo se desloca em sentido 5'- 3' sobre o RNAm. Os RNAt, após serem liberados no sítio E, retornam ao citoplasma para reciclagem. Tradução14 Figura 7. Etapas da tradução. O início da tradução reúne a pequena subunidade ribossô- mica, o mRNA e um tRNA iniciador que transporta o aminoácido metionina (etapa 1). No alongamento, a grande subunidade ribossômica liga-se ao complexo de iniciação, e um tRNA, transportando um segundo aminoácido (neste exemplo, glicina), forma pontes de hidrogênio entre seu anticódon e o segundo códon do mRNA. A metionina trazida pelo primeiro tRNA forma uma ligação peptídica com o aminoácido trazido pelo segundo tRNA (etapa 2). O primeiro tRNA se desliga, o ribossomo se move ao longo do mRNA na direção 3' e um terceiro tRNA chega, carregando o aminoácido cisteína, neste exemplo (etapa 3). Um quarto aminoácido é ligado à cadeia polipeptídica crescente (etapa 4) e o processo continua até a finalização, quando um códon finalizador é alcançado (etapa 5). Fonte: Borges-Osório e Robinson (2013, p. 34). 15Tradução Finalmente, a fase de terminação da síntese polipeptídica termina quando o códon de término (UAG, UAA, UGA) no RNAm é lido no sítio A do ribossomo. Isso ocorre por meio da atuação de uma proteína chamada fator de liberação, que se liga no códon de término, essa ligação induz uma reação de hidrólise que cliva a ligação entre o polipeptídio completo e o RNAt alocado no sítio P. Dessa forma, o polipeptídio recém-sintetizado é liberado. Finalmente, todos os inúmeros componentes desse complexo sistema são dissociados em estruturas menores que serão recicladas para um novo ciclo de formação proteica. Neste vídeo, você vai compreender, por meio de um esquema dinâmico e atrativo, como ocorre o fluxo da informação genética. O vídeo mostra como a informação contida na sequência de DNA pode formar uma proteína. https://goo.gl/lzub4x Glossário da tradução: Códon: sequência de três bases nitrogenadas presentes no RNA mensageiro. Anticódon: sequência de três nucleotídeos presentes no RNAt, complementares às tríades de nucleotídeos encontrados no RNAm. Aminoacil-RNAt sintetase: enzima que catalisa a reação de ligação do aminoácido ao seu respectivo RNAt. Tradução16
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