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171 Do sujeito a lei, da lei ao sujeito: acolhimento psicossocial de usuários de drogas no contexto da Justiça Do sujeito a lei, da lei ao sujeito: acolhimento psicossocial de usuários de drogas no contexto da Justiça � Adriana�Barbosa�Sócrates� Maria�Fátima�Olivier�Sudbrack� Introdução A definição do local de realização da pesquisa, assunto do presente artigo, ocorreu em função de uma parceria entre o Programa de Estudos e Atenção às Dependências Quí- micas - PRODEQUI do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Cultura do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília e a Promotoria Espe- cial Criminal do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios do Juizado Especial 172 Criminal. 22 E teve como propósito a implementação de um Projeto que previa a exe- cução de Grupos de Intervenção Psicossocial para usuários de drogas enquadrados no Artigo 28 Lei 11.343/06, situados nos crimes de menor potencial ofensivo, conforme a Lei 9.099/95 dos Juizados Especiais Criminais. Tratou-se, portanto, da execução de um projeto piloto intitulado Intervenção Psicosso- cial para jurisdicionados do MPDFT em cumprimento de medida de pena alternativa pelo uso de drogas, que previu em suas diretrizes, ações mais eficazes de conscientiza- ção acerca dos prejuízos pessoais e sociais do uso de drogas, por meio de medidas de educação e informação operacionalizadas em dois momentos distintos: Acolhimento Psicossocial – AP e Grupos de Intervenção Psicossocial - GIP. Este artigo aborda o estudo, no momento do Acolhimento Psicossocial do referido Pro- jeto, das experiências subjetivas reveladas no envolvimento com a Justiça por uso de drogas, levando em consideração o sujeito deste envolvimento e suas experiências sub- jetivas, aqui consideradas como pessoal singular, e com o social, pelos caminhos possí- veis. E teve como objetivo verificar a hipótese de que o envolvimento com a Justiça pode ser um caminho capaz de propiciar experiências subjetivas, e o Acolhimento Psicosso- cial pode ser uma possibilidade para esse caminho no contexto da Justiça. As informações relatadas neste estudo se legitimam pela capacidade dialógica intrínse- ca neste contexto, mesmo quando se verifica pouco ou nenhum espaço no âmbito da Justiça para os envolvidos em processos serem ouvidos em seus discursos e razões. E certamente, este foi um dos aspectos motivadores para a realização deste estudo, já que a presença da pesquisadora ocorreu em diferentes momentos na execução do Projeto, designado como campo de pesquisa, favorecendo, inevitavelmente, a existência de um espaço de escuta e observação. 22 Texto baseado em Socrates, A. S. (2008). Do sujeito à lei, da lei ao sujeito- o revelar das experiências subjetivas de envolvimento com a justiça por uso de drogas no contexto do acolhimento psicossocial. Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica e Culltura.Universidade de Bras[ilia. Orientadora: Mara Fatima Olivier Sudbrcak. 173Do sujeito a lei, da lei ao sujeito: acolhimento psicossocial de usuários de drogas no contexto da Justiça A definição dos procedimentos para apreensão e elaboração das informações nesta pesquisa, representando os procedimentos de coleta e análise dos dados em pesqui- sa qualitativa, viabilizou a revelação de experiências dos sujeitos usuários de drogas, considerados como colaboradores deste estudo, que obteve um espaço de fala e de voz para relatarem e significarem suas experiências. Nesse intuito, elegeu-se como fonte primária das informações as entrevistas semi-estruturadas realizadas no decorrer do Acolhimento Psicossocial. Neste estudo, o Serviço Psicossocial no contexto da Justiça foi considerado como um lugar de possibilidades para intervenções que convocam o sujeito para além de seus atos capturados pela Justiça. As questões de investigação perpassaram o propósito de conhecer as experiências de envolvimento com a Justiça, com vistas a verificar como os usuários de drogas vivenciavam a experiência de apreensão pela Justiça; o que a situação de apreensão judicial mobilizou enquanto reflexão sobre a relação com as drogas; como os usuários de drogas significavam e re-significavam suas experiências judiciais no mundo das drogas, quais possibilidades a apreensão judicial permitiu que vislumbras- sem e quais desdobramentos ela representou em suas vidas, como entendiam a nova lei sobre drogas, quais suas reflexões críticas e suas experiências em torno das situações desta e de outras apreensões pela polícia, como se percebiam simbolicamente nesta intervenção psicossocial, como avaliavam sua relação consigo mesmo, com as drogas e suas relações com o social, família, trabalho após este e envolvimento com a Justiça. Neste sentido, o AP representou um lugar de convocação do sujeito e o ponto de partida deste estudo, que teve como objetivo geral fornecer subsídios teóricos e metodológicos aos profissionais psicossociais do âmbito jurídico, em razão da promulgação da Lei nº 11.343/06. Os objetivos específicos consistiram na investigação psicossocial e psicanalí- tica das experiências subjetivas de envolvimento com a Justiça por uso de drogas. Neste cenário subjetivo, os colaboradores foram descritos por fotografias simbólicas, a partir da forma como se simbolizaram nesta experiência. Este estudo retratou o lugar ofertado pelo Acolhimento Psicossocial aos colaboradores, que em suas vozes, relatam suas experiências subjetivas a partir do envolvimento com a Justiça por uso de drogas. Percebemos a riqueza das possibilidades concentradas na oferta deste lugar, que foram percebidas nos indicadores de sentido que permitiram um 174 trânsito psíquico e emocional para produção de quatro zonas de sentidos, como alterna- tiva para a construção de inteligibilidade e de conhecimento científico. Trata-se, portanto, de acordo com Fernando Gonzalez Rey (2005), do princípio inter- pretativo-construtivo como possibilitador dos processos de construção da informação, a partir da expressão subjetiva, muito mais metafórica do que descritiva, e, passível de ser construída somente no estudo singular dos diferentes sujeitos ou nos espaços concretos da subjetividade social a serem estudados. Assim, o trânsito das direções nos movimentos e nos caminhos que foram trilhados neste estudo, sugere o magnífico do ser humano, ou seja, sua singularidade. Este artigo situa-se ainda na interface entre a psicologia e o direito, o ser humano e a Justiça, em busca da emancipação do sujeito como construtor de sua própria história. A Justiça parece estar entre o sujeito e suas ações, e, com a possibilidade de torná-lo cons- ciente das mesmas ou aliená-lo ainda mais. Acredita-se que a conscientização de suas ações por meio de espaços de escuta e fala oportunos, podem tornar dinâmica a relação do sujeito consigo mesmo a partir dos sentidos subjetivos atribuídos e incorporados por eles às suas experiências de envolvimento com a Justiça por uso de drogas. Este estudo teve como base teórica a psicossociologia e a teoria psicanalítica que com- preendem o sujeito para além de seu envolvimento com a Justiça. E que possibilita a denúncia de diferentes significados no entrelaçamento entre o sujeito e a Lei, como uma busca recíproca da subjetividade revelada nas experiências de envolvimento com a Justiça por uso de drogas. Método Trata-se de um estudo orientado pela epistemologia qualitativa, proposta por Rey (2005), no qual se buscou privilegiar o estudo das experiências subjetivas de envolvimento com a Justiça por uso de drogas reveladas no Acolhimento Psicossocial. Neste estudo, buscaram-se, infinitamente no discurso dos sujeitos, as possibilidades para promover a construção de zonas de sentido, como marco de novas linhas de in- teligibilidade, aglomeradas ao que se pensou previamente nos objetivos, e, ao que foi apreendido e apropriado no decorrer do processode construção das informações. Como 175Do sujeito a lei, da lei ao sujeito: acolhimento psicossocial de usuários de drogas no contexto da Justiça aponta Rey (2005), a epistemologia qualitativa, como orientação metodológica, promo- ve o caráter construtivo-interpretativo da produção científica, considerando o conheci- mento um processo permanente de produção de inteligibilidade, mediante a construção de novas zonas de sentido sobre o problema estudado. De acordo com Rey (2005), a pesquisa qualitativa emergiu como uma forma de romper com o ponto de vista estreito e opressivo do positivismo. Este autor propõe um processo de pesquisa qualitativa apoiada na epistemologia qualitativa, amplamente utilizada em estudos complexos sobre a construção de modelos compreensivos, e que necessitam de uma metodologia capaz de interagir e fazer sentindo para as ciências afins, e não apenas para a psicologia, e que ainda tenha um valor heurístico para a construção do conhecimento, dentro do campo de pesquisa. Ou seja, a realidade como um domínio infinito de campos inter-relacionados e o conhecimento como imbuído de um caráter construtivo-interpretativo. Os colaboradores consistiram em 24 sujeitos, usuários de drogas, apreendidos usando ou portando drogas pela Polícia Militar ou Civil e enquadrados no Artigo 28 da Lei 11.343/06, tendo participado de audiências realizadas no decorrer dos meses de setem- bro e outubro do ano de 2007 no 1° Juizado Especial Criminal do Distrito Federal. Para uma melhor compreensão e retratação das experiências subjetivas expressadas pe- los 24 (vinte e quatro) colaboradores deste estudo, entendeu-se necessário descrevê-los um a um, a partir de três aspectos em contínua articulação, quais sejam: forma como se representaram nas entrevistas por meio de símbolos, informações contidas nos proces- sos judiciais sobre as apreensões e a interpretação e compreensão da pesquisadora. Tais fotografias simbólicas foram retiradas pela máquina fotográfica ‘capacidade de pensar os pensamentos’ da pesquisadora e reveladas pelo entrelaçamento entre o teórico e o empírico no decorrer da pesquisa. Esta metodologia de descrição dos colaboradores foi proposta pela pesquisadora e teve o objetivo de aproximar o leitor dos sujeitos impres- sos nos colaboradores pela forma que se permitiram ser fotografados. Dessa forma, os sujeitos foram fotografados simbolicamente e nomeados de O tatuado, O self, O praiano, O poeta, O definido, O forasteiro, O militar, O pastor, O cego, A guerreira, O pombo branco, O lento, A música, O resolvido, O competidor, O profeta, O filho, O cantor, O metamorfose, O deus, O indefinido, O família, O sensação, O (sem) vergonha. Do sujeito a lei, da lei ao sujeito: acolhimento psicossocial de usuários de drogas no contexto da Justiça Adriana Barbosa Sócrates Maria Fátima Olivier Sudbrack
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