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Psicologia Clínica e Cultura Contemporanea-35

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171 Do sujeito a lei, da lei ao sujeito: acolhimento psicossocial de usuários de drogas no contexto da Justiça
 
 
 
 
 
 
Do sujeito a lei, da lei ao sujeito: 
acolhimento psicossocial de usuários 
de drogas no contexto da Justiça
�
Adriana�Barbosa�Sócrates�
Maria�Fátima�Olivier�Sudbrack�
Introdução
A definição do local de realização da pesquisa, assunto do presente artigo, ocorreu em 
função de uma parceria entre o Programa de Estudos e Atenção às Dependências Quí-
micas - PRODEQUI do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Cultura do 
Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília e a Promotoria Espe-
cial Criminal do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios do Juizado Especial 
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Criminal. 22 E teve como propósito a implementação de um Projeto que previa a exe-
cução de Grupos de Intervenção Psicossocial para usuários de drogas enquadrados no 
Artigo 28 Lei 11.343/06, situados nos crimes de menor potencial ofensivo, conforme a 
Lei 9.099/95 dos Juizados Especiais Criminais. 
Tratou-se, portanto, da execução de um projeto piloto intitulado Intervenção Psicosso-
cial para jurisdicionados do MPDFT em cumprimento de medida de pena alternativa 
pelo uso de drogas, que previu em suas diretrizes, ações mais eficazes de conscientiza-
ção acerca dos prejuízos pessoais e sociais do uso de drogas, por meio de medidas de 
educação e informação operacionalizadas em dois momentos distintos: Acolhimento 
Psicossocial – AP e Grupos de Intervenção Psicossocial - GIP.
Este artigo aborda o estudo, no momento do Acolhimento Psicossocial do referido Pro-
jeto, das experiências subjetivas reveladas no envolvimento com a Justiça por uso de 
drogas, levando em consideração o sujeito deste envolvimento e suas experiências sub-
jetivas, aqui consideradas como pessoal singular, e com o social, pelos caminhos possí-
veis. E teve como objetivo verificar a hipótese de que o envolvimento com a Justiça pode 
ser um caminho capaz de propiciar experiências subjetivas, e o Acolhimento Psicosso-
cial pode ser uma possibilidade para esse caminho no contexto da Justiça. 
As informações relatadas neste estudo se legitimam pela capacidade dialógica intrínse-
ca neste contexto, mesmo quando se verifica pouco ou nenhum espaço no âmbito da 
Justiça para os envolvidos em processos serem ouvidos em seus discursos e razões. E 
certamente, este foi um dos aspectos motivadores para a realização deste estudo, já que 
a presença da pesquisadora ocorreu em diferentes momentos na execução do Projeto, 
designado como campo de pesquisa, favorecendo, inevitavelmente, a existência de um 
espaço de escuta e observação.
22 Texto baseado em Socrates, A. S. (2008). Do sujeito à lei, da lei ao sujeito- o revelar das experiências 
subjetivas de envolvimento com a justiça por uso de drogas no contexto do acolhimento psicossocial. Dissertação 
de Mestrado em Psicologia Clínica e Culltura.Universidade de Bras[ilia. Orientadora: Mara Fatima Olivier 
Sudbrcak.
173Do sujeito a lei, da lei ao sujeito: acolhimento psicossocial de usuários de drogas no contexto da Justiça
A definição dos procedimentos para apreensão e elaboração das informações nesta 
pesquisa, representando os procedimentos de coleta e análise dos dados em pesqui-
sa qualitativa, viabilizou a revelação de experiências dos sujeitos usuários de drogas, 
considerados como colaboradores deste estudo, que obteve um espaço de fala e de voz 
para relatarem e significarem suas experiências. Nesse intuito, elegeu-se como fonte 
primária das informações as entrevistas semi-estruturadas realizadas no decorrer do 
Acolhimento Psicossocial.
Neste estudo, o Serviço Psicossocial no contexto da Justiça foi considerado como um 
lugar de possibilidades para intervenções que convocam o sujeito para além de seus 
atos capturados pela Justiça. As questões de investigação perpassaram o propósito de 
conhecer as experiências de envolvimento com a Justiça, com vistas a verificar como os 
usuários de drogas vivenciavam a experiência de apreensão pela Justiça; o que a situação 
de apreensão judicial mobilizou enquanto reflexão sobre a relação com as drogas; como 
os usuários de drogas significavam e re-significavam suas experiências judiciais no  
mundo das drogas, quais possibilidades a apreensão judicial permitiu que vislumbras-
sem e quais desdobramentos ela representou em suas vidas, como entendiam a nova 
lei sobre drogas, quais suas reflexões críticas e suas experiências em torno das situações 
desta e de outras apreensões pela polícia, como se percebiam simbolicamente nesta 
intervenção psicossocial, como avaliavam sua relação consigo mesmo, com as drogas 
e suas relações com o social, família, trabalho após este e envolvimento com a Justiça.
Neste sentido, o AP representou um lugar de convocação do sujeito e o ponto de partida 
deste estudo, que teve como objetivo geral fornecer subsídios teóricos e metodológicos 
aos profissionais psicossociais do âmbito jurídico, em razão da promulgação da Lei nº 
11.343/06. Os objetivos específicos consistiram na investigação psicossocial e psicanalí-
tica das experiências subjetivas de envolvimento com a Justiça por uso de drogas. Neste 
cenário subjetivo, os colaboradores foram descritos por fotografias simbólicas, a partir 
da forma como se simbolizaram nesta experiência.
Este estudo retratou o lugar ofertado pelo Acolhimento Psicossocial aos colaboradores, 
que em suas vozes, relatam suas experiências subjetivas a partir do envolvimento com 
a Justiça por uso de drogas. Percebemos a riqueza das possibilidades concentradas na 
oferta deste lugar, que foram percebidas nos indicadores de sentido que permitiram um 
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trânsito psíquico e emocional para produção de quatro zonas de sentidos, como alterna-
tiva para a construção de inteligibilidade e de conhecimento científico. 
Trata-se, portanto, de acordo com Fernando Gonzalez Rey (2005), do princípio inter-
pretativo-construtivo como possibilitador dos processos de construção da informação, 
a partir da expressão subjetiva, muito mais metafórica do que descritiva, e, passível 
de ser construída somente no estudo singular dos diferentes sujeitos ou nos espaços 
concretos da subjetividade social a serem estudados. Assim, o trânsito das direções nos 
movimentos e nos caminhos que foram trilhados neste estudo, sugere o magnífico do 
ser humano, ou seja, sua singularidade.
Este artigo situa-se ainda na interface entre a psicologia e o direito, o ser humano e a 
Justiça, em busca da emancipação do sujeito como construtor de sua própria história. A 
Justiça parece estar entre o sujeito e suas ações, e, com a possibilidade de torná-lo cons-
ciente das mesmas ou aliená-lo ainda mais. Acredita-se que a conscientização de suas 
ações por meio de espaços de escuta e fala oportunos, podem tornar dinâmica a relação 
do sujeito consigo mesmo a partir dos sentidos subjetivos atribuídos e incorporados por 
eles às suas experiências de envolvimento com a Justiça por uso de drogas.
Este estudo teve como base teórica a psicossociologia e a teoria psicanalítica que com-
preendem o sujeito para além de seu envolvimento com a Justiça. E que possibilita a 
denúncia de diferentes significados no entrelaçamento entre o sujeito e a Lei, como 
uma busca recíproca da subjetividade revelada nas experiências de envolvimento com a 
Justiça por uso de drogas.
Método
Trata-se de um estudo orientado pela epistemologia qualitativa, proposta por Rey (2005), 
no qual se buscou privilegiar o estudo das experiências subjetivas de envolvimento com 
a Justiça por uso de drogas reveladas no Acolhimento Psicossocial.
Neste estudo, buscaram-se, infinitamente no discurso dos sujeitos, as possibilidades 
para promover a construção de zonas de sentido, como marco de novas linhas de in-
teligibilidade, aglomeradas ao que se pensou previamente nos objetivos, e, ao que foi 
apreendido e apropriado no decorrer do processode construção das informações. Como 
175Do sujeito a lei, da lei ao sujeito: acolhimento psicossocial de usuários de drogas no contexto da Justiça
aponta Rey (2005), a epistemologia qualitativa, como orientação metodológica, promo-
ve o caráter construtivo-interpretativo da produção científica, considerando o conheci-
mento um processo permanente de produção de inteligibilidade, mediante a construção 
de novas zonas de sentido sobre o problema estudado.
De acordo com Rey (2005), a pesquisa qualitativa emergiu como uma forma de romper 
com o ponto de vista estreito e opressivo do positivismo. Este autor propõe um processo 
de pesquisa qualitativa apoiada na epistemologia qualitativa, amplamente utilizada em 
estudos complexos sobre a construção de modelos compreensivos, e que necessitam 
de uma metodologia capaz de interagir e fazer sentindo para as ciências afins, e não 
apenas para a psicologia, e que ainda tenha um valor heurístico para a construção do 
conhecimento, dentro do campo de pesquisa. Ou seja, a realidade como um domínio 
infinito de campos inter-relacionados e o conhecimento como imbuído de um caráter 
construtivo-interpretativo.
Os colaboradores consistiram em 24 sujeitos, usuários de drogas, apreendidos usando 
ou portando drogas pela Polícia Militar ou Civil e enquadrados no Artigo 28 da Lei 
11.343/06, tendo participado de audiências realizadas no decorrer dos meses de setem-
bro e outubro do ano de 2007 no 1° Juizado Especial Criminal do Distrito Federal.
Para uma melhor compreensão e retratação das experiências subjetivas expressadas pe-
los 24 (vinte e quatro) colaboradores deste estudo, entendeu-se necessário descrevê-los 
um a um, a partir de três aspectos em contínua articulação, quais sejam: forma como se 
representaram nas entrevistas por meio de símbolos, informações contidas nos proces-
sos judiciais sobre as apreensões e a interpretação e compreensão da pesquisadora. Tais 
fotografias simbólicas foram retiradas pela máquina fotográfica ‘capacidade de pensar 
os pensamentos’ da pesquisadora e reveladas pelo entrelaçamento entre o teórico e o 
empírico no decorrer da pesquisa. Esta metodologia de descrição dos colaboradores foi 
proposta pela pesquisadora e teve o objetivo de aproximar o leitor dos sujeitos impres-
sos nos colaboradores pela forma que se permitiram ser fotografados. Dessa forma, os 
sujeitos foram fotografados simbolicamente e nomeados de O tatuado, O self, O praiano, 
O poeta, O definido, O forasteiro, O militar, O pastor, O cego, A guerreira, O pombo branco, 
O lento, A música, O resolvido, O competidor, O profeta, O filho, O cantor, O metamorfose, 
O deus, O indefinido, O família, O sensação, O (sem) vergonha.
	
Do sujeito a lei, da lei ao sujeito: acolhimento psicossocial de usuários de drogas no contexto da Justiça
	Adriana Barbosa Sócrates 
	Maria Fátima Olivier Sudbrack

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