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Chamado por ela de Pequeno Dick, com apenas três anos de idade, falava algumas palavras sem contexto, não manifestava angústia de separação, não fantasiava a realidade e não estabelecia relação afetiva com a analista. Segundo a autora, “senti-me obrigada a fazer minhas interpretações à base do meu conhecimento geral, sendo as representações do material de Dick, relativamente vagas” (Klein,1930:73). A psicanalista considerou à época que o simbolismo poderia ser revela- do pela criança inibida por meio de alguns detalhes do comportamento, permitindo ao analista fazer interpretações para criar a relação transferencial, característica essencial de um tratamento psicanalítico. E, em oposição à Anna Freud, Klein enfatizara a prima- zia do efeito da ação interpretativa na relação transferencial com Dick em detrimento das ações pedagógicas para adaptar o pequeno à escola. Em suma, o campo psicanalítico ficou marcado por um paradigma clássico: o analista precisa ser intérprete de gestos 314 pouco representativos das crianças inibidas para criar a relação transferencial, condição essencial para a clínica psicanalítica. À época da publicação do caso clínico de M. Klein (1930), o Autismo infantil precoce ainda não havia sido descrito. Dick havia sido encaminhado com o diagnóstico de De- mência Precoce. A psicanalista descartou a classificação enfatizando a potencialidade das capacidades cognitivas da criança que estariam preservadas, porém pouco desen- volvidas de acordo com a idade cronológica. Segundo Klein, Dick apresentava uma ini- bição afetiva que o impedia de entrar no processo simbólico e de fantasiar a realidade. Devido à ausência de fantasias associada ao isolamento afetivo, Klein chegara a pensar o quadro clínico da criança como uma primeira manifestação da Esquizofrenia Infantil (Potter,1933). Com o tratamento psicanalítico foi possível ver a franca evolução da crian- ça e a sua inserção na escola e na sociedade. Na década de 1940, Léo Kanner, psiquiatra de origem austríaca, radicado nos Estados Unidos, publicou o primeiro Manual de Psiquiatria Infantil, que se tornou referência nesse campo. E, em 1943, apresentou ao mundo a descrição de uma doença psicopatoló- gica rara, que afetaria as crianças desde o início da vida, o Autismo infantil precoce. Con- tudo, não foi apenas mais uma classificação nosológica, ocorrera uma nova definição de autismo, contrária àquela que já existia no contexto psiquiátrico, a noção de pensamento autístico nas esquizofrenias (Bleuler, 1911). Bleuler, influenciado pela obra de Freud sobre a interpretação dos sonhos, porém com restrições ao determinismo da sexualidade infantil na etiologia das neuroses, houve a subtração de Eros do conceito de auto-erotismo, ou seja, autismo seria o auto-erotismo sem Eros. Como se sabe, Bleuler ao descrever o pensamento fantasioso do esquizofrênico, denominado por ele de pensamento autístico, propiciou uma verdadeira revolução em relação ao pensamento psiquiátrico kraepeliano, distinguindo os estados de demência orgânica das doenças mentais. O pensamento autistico, por exemplo, foi definido por Bleuler como o sintoma secundário mais importante da esquizofrenia e, o mais signifi- cativo, não estaria diretamente relacionado com o processo mórbido da afecção. Acompanhando o pensamento de Bleuler, Klein (1930) não considerou Dick uma crian- ça com esquizofrenia justamente por causa da ausência do pensamento autístico da criança. O garoto não se refugiava em um mundo próprio, repleto de ideias fantasiosas. 315O lugar do psicanalista com uma criança autista: estar lá para ser encontrado Portanto, para Klein o mundo interno da criança não era povoado por fantasias e ex- pressões verbais a serem interpretadas, como Bleuler passara a fazer com os esquizo- frênicos. Tanto Bleuler quanto Klein enfatizaram o potencial das capacidades psíquicas de pacientes tidos até aquela época como dementes e incuráveis. Kanner, por sua vez, inverteu todo o processo iniciado por Klein e Bleuler, de distinguir os estados deficitá- rios das doenças mentais, ao descrever o isolamentodo grupo das onze crianças como um distúrbio neurológico inato que incapacita todas as áreas do desenvolvimento da criança. E, o mais paradoxal, nomeou esse déficit de autismo. Daí em diante, o autismo passou a ser sinal de doença deficitária, assim como a descrição psiquiátrica das doen- ças mentais deficitárias. Na década de 40, Kanner se mostrava otimista quanto à comprovação orgânica da nova síndrome, à medida que os exames laboratoriais se tornassem mais específicos e mais aprimorados. Hoje, mais de meio século de pesquisas científicas, com todo o avanço tecnológico alcançado, a procura continua pela comprovação de uma causa orgânica do Autismo infantil precoce. Entretanto, não se trata apenas de um otimismo em pesquisar as causas, passou a ocorrer, por parte de muitos profissionais e Associações de Pais, um patrulhamento radical contrário à visão psicodinâmica do Autismo infantil precoce. No Brasil, por exemplo, foi aberto, pela Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo, em setembro de 2012, um Edital de Convocação para Credenciamento de Insti- tuições Especializadas em Atendimento a Pacientes com Transtorno do Espectro Autista (Tea), para Eventual Celebração de Contrato de convênio com as instituições que tratam as crianças autistas. Dentre os pré-requisitos necessários à clínica e/ou hospital a serem credenciados, há uma determinação ao trabalho do psicólogo que deve comprovar espe- cialização em terapia cognitivo comportamental. E mais, o Estado pretende determinar a metodologia de trabalho nesse campo clínico. O responsável legal pela Instituição deverá declarar a utilização de métodos cognitivos comportamentais validados na litera- tura científica, tais como PECS (Picture Exchange Communication System) – Sistema de Comunicação por figuras); ABA (Applied Behavior Analysis) – Análise do Compor- tamento Aplicada; TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Communication Handiscapped Childrem) – Tratamento e Educação de Crianças Autistas com desvanta- gem na Comunicação. O lugar do psicanalista com uma criança autista: estar lá para ser encontrado Maria Izabel Tafuri Gilberto Safra
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