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Prévia do material em texto

Teoria da Literatura II
Andrey Pereira de Oliveira
Letras
Teoria da Literatura II
Natal – RN, 2015
Andrey Pereira de Oliveira
Teoria da Literatura II
1ª Edição
Letras
Governo Federal
Presidenta da República 
Dilma Vana Rousseff
Vice-Presidente da República 
Michel Miguel Elias Temer Lulia
Ministro da Educação 
Renato Janine Ribeiro
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
Reitora
Ângela Maria Paiva Cruz
Vice-Reitor
José Daniel Diniz Melo
Diretora da EDUFRN
Maria da Conceição Fraga
Diretor Adjunto da EDUFRN
Wilson Fernandes de Araújo Filho
Conselho Editorial
Maria da Conceição Fraga (Presidente)
Ana Karla Pessoa Peixoto Bezerra
Anna Emanuella Nelson dos S. C. da Rocha
Anne Cristine da Silva Dantas
Carla Giovana Cabral
Edna Maria Rangel de Sá
Eliane Marinho Soriano
Fábio Resende de Araújo
Francisco Wildson Confessor
George Dantas de Azevedo
Lia Rejane Mueller Beviláqua
Maria Aniolly Queiroz Maia
Maria da Conceição F. B. S. Passeggi
Maria de Fátima Garcia
Maurício Roberto Campelo de Macedo
Nedja Suely Fernandes
Paulo Ricardo Porfírio do Nascimento
Paulo Roberto Medeiros de Azevedo
Regina Simon da Silva
Rosires Magali Bezerra de Barros
Tânia Maria de Araújo Lima
Tarcísio Gomes Filho
Supervisão Editorial
Alva Medeiros da Costa
Supervisor Gráfico
Francisco Guilherme de Santana
Secretaria de Educação a Distância – SEDIS 
Secretária de Educação a Distância 
Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo
Secretária Adjunta de Educação a Distância
Ione Rodrigues Diniz Morais
Coordenadora de Produção de Materiais Didáticos
Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo
Coordenadora de Revisão
Maria da Penha Casado Alves
Coordenador Editorial
José Correia Torres Neto
Projeto Gráfico
Ivana Lima
Legendagem e Audiodescrição
Jefferson Fernandes Alves
Andrea Gurgel de Freitas
Gestão do Fluxo de Revisão
Rosilene Alves de Paiva
Revisão de Estrutura e Linguagem
Eugenio Tavares Borges
Revisão de Língua Portuguesa
Emanuelle Pereira de Lima Diniz
Julianny de Lima Dantas Simião
Margareth Pereira Dias
Orlando Brandão Meza Ucella
Revisão de Normas da ABNT
Cristiane Severo da Silva
Verônica Pinheiro da Silva
Revisão Tipográfica
Leticia Torres
Revisão de Prova
Fabíola Barreto Gonçalves
Diagramação
Carolina Aires mayer
Criação e Edição de Imagens
Amanda Duarte
Anderson Gomes do Nascimento
Catalogação da Publicação na Fonte. Bibliotecária Verônica Pinheiro da Silva CRB-15/692.
Todas as imagens utilizadas nesta publicação tiveram suas informações cromáticas originais alteradas a fim de adaptarem-se 
aos parâmetros do projeto gráfico. © Copyright 2005. Todos os direitos reservados a Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – EDUFRN. 
Nenhuma parte deste material pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização expressa do Ministério da Educação – MEC
Oliveira, Andrey Pereira de.
 Teoria da Literatura II / Andrey Pereira de Oliveira. – Natal, 
RN: EDUFRN, 2015.
 276 p.: il.
 ISBN 978-85-425-0475-0
 Caderno do Curso de Letras, Educação a Distância.
 1. Literatura. 2. Espécies de Narrativas. 3. Análise 
Linguística. 4. Letras. I. Título.
 CDU 
82
Sumário
Apresentação institucional 5
Apresentação da disciplina 7
Aula 1 Por que ler narrativas de ficção 11
Aula 2 A epopeia 33
Aula 3 O romance 59
Aula 4 O conto 79
Aula 5 A crônica 99
Aula 6 A personagem de ficção 125
Aula 7 O enredo de ficção 143
Aula 8 O ponto de vista do narrador 165
Aula 9 O tempo na narrativa 193
Aula 10 O espaço ficcional 215
Aula 11 Estudo analítico-interpretativo da narrativa de ficção 235
Aula 12 Elaboração de artigo acadêmico dedicado ao estudo da narrativa de ficção 253
Referências 277
Perfil do autor 285
Apresentação institucional
A Secretaria de Educação a Distância – SEDIS da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, desde 2005, vem atuando como fomentadora, no âmbito local, das Políticas Nacionais de Educação a Distância em parceira 
com a Secretaria de Educação a Distância – SEED, o Ministério da Educação – 
MEC e a Universidade Aberta do Brasil – UAB/CAPES. Duas linhas de atuação 
têm caracterizado o esforço em EaD desta instituição: a primeira está voltada para 
a Formação Continuada de Professores do Ensino Básico, sendo implementados 
cursos de licenciatura e pós-graduação lato e stricto sensu; a segunda volta-
-se para a Formação de Gestores Públicos, através da oferta de bacharelados e 
especializações em Administração Pública e Administração Pública Municipal.
Para dar suporte à oferta dos cursos de EaD, a SEDIS tem disponibilizado 
um conjunto de meios didáticos e pedagógicos, dentre os quais se destacam os 
materiais impressos que são elaborados por disciplinas, utilizando linguagem e 
projeto gráfico para atender às necessidades de um aluno que aprende a distân-
cia. O conteúdo é elaborado por profissionais qualificados e que têm experiên-
cia relevante na área, com o apoio de uma equipe multidisciplinar. O material 
impresso é a referência primária para o aluno, sendo indicadas outras mídias, 
como videoaulas, livros, textos, filmes, videoconferências, materiais digitais e 
interativos e webconferências, que possibilitam ampliar os conteúdos e a inte-
ração entre os sujeitos do processo de aprendizagem.
Assim, a UFRN através da SEDIS se integra ao grupo de instituições que 
assumiram o desafio de contribuir com a formação desse “capital” humano 
e incorporou a EaD como modalidade capaz de superar as barreiras espaciais 
e políticas que tornaram cada vez mais seleto o acesso à graduação e à pós-
graduação no Brasil. No Rio Grande do Norte, a UFRN está presente em polos 
presenciais de apoio localizados nas mais diferentes regiões, ofertando cursos 
de graduação, aperfeiçoamento, especialização e mestrado, interiorizando 
e tornando o Ensino Superior uma realidade que contribui para diminuir as 
diferenças regionais e transformar o conhecimento em uma possibilidade concreta 
para o desenvolvimento local.
Nesse sentido, este material que você recebe é resultado de um investimento 
intelectual e econômico assumido por diversas instituições que se comprometeram 
com a Educação e com a reversão da seletividade do espaço quanto ao acesso 
e ao consumo do saber E REFLETE O COMPROMISSO DA SEDIS/UFRN COM 
A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA como modalidade estratégica para a melhoria dos 
indicadores educacionais no RN e no Brasil. 
Secretaria de Educação a Distância 
SEDIS/UFRN
7
Apresentação da disciplina
ECaro (a) aluno (a), você tem em mãos o livro da disciplina Teoria da Li-teratura II. Nesta disciplina, nossas atenções estão voltadas ao estudo da narrativa de ficção. Nosso percurso está dividido em 12 aulas, elaboradas 
de modo a você poder, com boa autonomia, acompanhar as reflexões teóricas e 
pôr à prova sua compreensão por meio de atividades e autoavaliações.
Na Aula 1, que tem um caráter introdutório, discutiremos uma questão fun-
damental para os estudantes do Curso de Licenciatura em Letras: por que ler nar-
rativas de ficção? É para propor algumas respostas consistentes a essa pergunta 
que a nossa primeira aula foi elaborada. Em seguida, as Aulas 2 a 5 compõem um 
bloco em que estudaremos as quatro principais espécies de narrativas de ficção: a 
epopeia, o romance, o conto e a crônica. Outro bloco é formado pelas Aulas 6 a 10. 
Cada uma tem por objetivo o estudo de um importante elemento constitutivo das 
narrativas ficcionais: personagem, enredo, narrador, tempo e espaço. Já a Aula 11 
tem como objetivo discutir como os cinco elementos narrativos estudados nas aulas 
anteriores funcionam de modo integrado na estrutura da obra de ficção. Para tanto, 
acompanharemos uma proposta de estudo analítico-interpretativo de um conto 
de Dalton Trevisan. Por fim, na Aula 12, encerrando o ciclo da disciplina Teoria 
da Literatura II, teremos a oportunidade de ver como todas essas informações 
estudadas ao longoda disciplina podem ser transformadas num artigo acadêmico.
Todas as aulas apresentam a mesma estrutura: Apresentação, Objetivos, Con-
teúdo teórico, Atividades, Leituras complementares, Resumo e Autoavaliação. Na 
Apresentação e nos Objetivos, você tem os propósitos da aula: o que é estudado, as 
etapas de apresentação dos conteúdos, bem como os objetivos da aula. Em seguida, 
inicia-se a parte mais fundamental e mais longa de cada aula, ou seja, o Conteúdo 
teórico, que, no caso particular desta disciplina, são sempre tópicos relacionados 
à narrativa ficcional. Essas discussões do conteúdo teórico são intercaladas por 
algumas Atividades que devem lhe auxiliar em seu estudo, seja por meio de ações 
que estimulem a fixação dos conteúdos, seja por meio de ações que estimulem a 
aplicação prática do que está sendo discutido. Em seguida, são apresentadas as 
Leituras complementares, um elenco de textos que podem (e devem) ser lidos 
visando ao aprofundamento do conteúdo da aula. Finalizam a aula o Resumo e 
a Autoavaliação. No primeiro item, você terá um sumário breve do conteúdo tra-
balhado na aula, e, no segundo, um elenco de atividades fundamentais para que 
você possa averiguar o quanto do conteúdo da aula conseguiu assimilar.
Nossa expectativa é que você conclua a disciplina Teoria da Literatura II 
com um novo olhar sobre a narrativa de ficção, um olhar que possa ir além da 
superfície do texto e que possa, respaldado em conhecimentos teóricos, fruir 
ainda melhor sua manifestação estrutural, simbólica, enfim, estética.
Deixo, portanto, meus votos de bons estudos.
Andrey Pereira de Oliveira 
9
Por que ler 
narrativas de ficção
1
Aula
1
2
13
Apresentação
Caro(a) aluno(a), iniciaremos esta nossa primeira aula discutindo uma questão fundamental para os estudantes do Curso de Li-cenciatura em Letras, futuros professores de língua portuguesa 
e literaturas de língua portuguesa. Certamente, daqui a alguns anos, 
como professor, você será indagado(a) por seus alunos sobre questões 
como: por que ou para que ler ou para que estudar literatura? É bem 
possível que quando estudante do ensino fundamental ou médio você 
mesmo(a) já tenha levantado tais questões. E é para propor algumas 
respostas consistentes a elas que esta aula foi elaborada.
Objetivos
Identificar a importância sociocultu-
ral da narrativa de ficção.
Listar as funções socioculturais da 
narrativa de ficção.
Saiba mais
Aula 1 Teoria da Literatura II 15
Narrativa literária: ler por quê? 
Ler para quê?
Há espaço para a narrativa de ficção nos dias de hoje? Num mun-
do descrito como cada vez mais marcado pela competição entre os 
indivíduos, pela velocidade crescentemente acelerada, em que as 
urgências práticas do dia a dia parecem consumir toda a nossa ener-
gia, a ficção tem alguma contribuição importante a nos dar? Ela não 
é apenas um escape irresponsável, um mero passatempo que nos 
distrai e nos desorienta das coisas realmente relevantes da vida? Em 
palavras claras: ler ficção no mundo atual não é uma perda de tempo?
De fato, neste contexto cada vez mais pautado por uma orien-
tação pragmática, é, no mínimo, esperado que se pergunte por que 
ou para que ler ou estudar literatura. Essas questões precisam ser 
constantemente levantadas por quem, como os professores de língua 
portuguesa, lida com a literatura em seu cotidiano, conduzindo, in-
clusive, dezenas ou centenas de indivíduos em formação, que são os 
seus alunos, a se debruçarem sobre os livros de literatura.
Nesta primeira aula, abordaremos as questões anteriormente le-
vantadas, a partir de algumas reflexões de dois grandes nomes do 
campo da literatura: Antonio Candido e Mario Vargas Llosa, defen-
sores da relevância da arte da ficção, seja para o indivíduo, seja para 
o conjunto da sociedade.
Antonio Candido de 
Mello e Souza nasceu no 
Rio de Janeiro em 1918. Fez 
toda sua formação acadêmi-
ca no estado de São Paulo, 
onde atuou como professor 
da USP por mais de três dé-
cadas. É considerado um dos 
principais historiadores e 
críticos da literatura brasilei-
ra. Entre as suas obras mais 
importantes destacam-se 
Aula 1 Teoria da Literatura II16
Formação da literatura brasileira: momentos decisi-
vos (1959), Literatura e sociedade (1965) e O discurso 
e a cidade (1993). Fazendo jus a sua formação em So-
ciologia e em Estudos Literários, é uma marca dos es-
tudos de Candido a apreensão da literatura tanto como 
fato histórico-social quanto como fato estético-formal. 
Fonte: Foto por Marcos Santos/USP Imagens. Disponível em: <http://www.imagens.
usp.br/wp-content/uploads/14032013Prof_antoniocandidofotomarcosfoto008.jpg>. 
Acesso em: 27 fev. 2014.
Mario Vargas Llosa nas-
ceu em Arequipa, no Peru, em 
1936. É um dos escritores lati-
no-americanos mais reconhe-
cidos em todo o mundo, tendo 
vencido alguns dos mais notá-
veis prêmios literários, entre 
eles o Prêmio Nobel de Litera-
tura em 2010. Autor de nume-
rosos romances, peças de teatro 
e ensaios literários e políticos, 
Llosa tem entre suas obras mais destacadas os romances 
A cidade e os cachorros (1962), Conversa na Catedral 
(1969) e Pantaleão e as visitadoras (1973). Parte consi-
derável de sua produção ficcional, sem descuidar da alta 
qualidade estética, mostra-se politicamente engajada.
Fonte:<http://www.alfaguara.com/uploads/imagenes/noticia/principal/201010/
principal-presentacion-suen-celta-nueva-novela-mario-vargas-llosa.jpg>. Acesso em: 
27 fev. 2014.
Aula 1 Teoria da Literatura II 17
Antonio Candido escreveu ao menos dois textos em que pôs em 
primeiro plano de discussão o que genericamente podemos chamar 
de funções da literatura. O primeiro deles, “A literatura e a formação 
do homem”, foi originalmente proferido como palestra na XXIV reu-
nião anual da SBPC, em São Paulo, em julho de 1972. O segundo, 
“O direito à literatura”, foi pronunciado, também como palestra, no 
curso organizado pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese 
de São Paulo, em 1988. Já Mario Vargas Llosa escreveu vários textos 
sobre o tema em pauta. Destacamos dois deles: “A verdade das men-
tiras”, de junho de 1989 e “A literatura e a vida”, de abril de 2001.
Mais do que mero entretenimento, 
um direito humano
Vargas Llosa, em “A literatura e a vida”, afirma existir uma con-
cepção bastante disseminada segundo a qual
a literatura é uma atividade prescindível, um entretenimento, 
seguramente elevado e útil para o cultivo da sensibilidade e 
das maneiras, um adorno que pode se permitir quem dispõe 
de muito tempo para a recreação, e que deveria ser afiliado 
entre os esportes, o cinema, o bridge ou o xadrez, porém, que 
pode ser sacrificado sem escrúpulos na hora de estabelecer 
uma ordem de prioridades nos afazeres e nos compromissos 
indispensáveis da luta pela vida (LLOSA, 2004, p. 349).
Como vemos, segundo essa visão, a literatura poderia ser dispen-
sada sem grandes perdas para a sociedade. Sua importância seria 
secundária, serviria apenas para a diversão das pessoas em mo-
mentos de lazer ou ainda para dar um “verniz cultural” àqueles que 
a cultivassem. Sempre que comparada às atividades consideradas 
“práticas”, a literatura se mostraria inútil e irrelevante.
 
É sempre importante sabermos quando os 
textos que estudamos foram escritos, uma 
vez que o contexto de enunciação sempre, 
de algum modo, direciona os enunciados. 
Por essa razão, sabendo do contexto, 
compreendemos melhor os textos. 
Miguel de Cervantes, em sua obra-prima 
O engenhoso fidalgo D. Quixote de La 
Mancha, publicada em 1605, ironicamente 
parece fazer coro com essa visão 
depreciativa da literatura de ficção como 
um exercício de diletantismo inútil. Já no 
“Prólogo” da obra, ele se dirige ao leitor 
com as seguintes palavras: “Desocupado 
leitor”. (CERVANTES SAAVEDRA, 2007, 
p. 29) Concepção semelhante a essa é 
expressa pela personagem Bazárov, do 
romance Pais e filhos, de Ivan Turguêniev, 
publicado em 1862: “Um químico honesto 
é vinte vezes mais útil do quequalquer 
poeta” (TURGUÊNIEV, 2004, p. 52).
Aula 1 Teoria da Literatura II18
Figura 1 – Dom Quixote em sua biblioteca, desenho de Gustave Doré.
Fonte: Don Quijote: Engravings by Gustavo Doré. Disponível em: <http://www.doreillustrations.com/
donquixote/dore-quixote144.html>. Acesso em: 22 mar. 2013.
Antonio Candido, por sua vez, em “O direito à literatura”, observa 
que, em geral, quando as pessoas pensam em direitos humanos, enu-
meram alimentação, moradia, vestuário, transporte, instrução, saúde, 
liberdade individual, amparo da justiça pública, entre outros itens 
que “asseguram sobrevivência física em níveis decentes”. Todavia, 
dificilmente lembram-se de colocar nessa lista itens que “garant[a]m a 
integridade espiritual, a exemplo do direito à crença, à opinião, ao lazer 
[...], à arte e à literatura” (CANDIDO, 1995, p. 241). Ao considerar que 
a literatura não é vista como um direito humano, Candido, do mesmo 
modo que Vargas Llosa, também constata que a literatura tem sido 
considerada por muitos como uma atividade prescindível, como algo 
que não necessariamente precisa ser assegurado às pessoas.
É contra essa concepção que redutoramente enxerga a literatura como 
inútil, como desimportante, como, no máximo, uma necessidade secundá-
ria, que Vargas Llosa e Antonio Candido se insurgem, propondo argumen-
tos que sustentam uma perspectiva contrária a essa. Mais do que verem 
na leitura da literatura uma atividade que se limita a uma experiência 
do campo do lúdico e do prazer, ambos a enxergam como uma prática 
imprescindível para a plena integridade do homem e da sociedade.
Aula 1 Teoria da Literatura II 19
Para Antonio Candido, a literatura é algo tão relevante que deveria 
ser enumerada entre os direitos garantidos a todos os indivíduos. Ela 
deveria estar, portanto, entre os bens incompressíveis, ou seja, entre 
os bens que nunca poderiam ser negados a nenhum indivíduo, uma 
vez que corresponderiam “a necessidades profundas do ser humano, 
a necessidades que não podem deixar de ser satisfeitas sob pena 
de desorganização pessoal, ou pelo menos frustração mutiladora” 
(1995, p. 241). Para ele, a literatura é um instrumento de humaniza-
ção que porta uma função humanizadora, visto ter a capacidade de 
“confirmar a humanidade do homem” (2002, p. 77). Nesse contexto, 
Candido (1995, p. 249) entende por humanização
o processo que confirma no homem aqueles traços que repu-
tamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do 
saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das 
emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o 
senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos 
seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a 
quota de humanidade na medida em que nos torna mais com-
preensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. 
Vargas Llosa, por sua vez, põe-se declaradamente contrário à ideia 
de “literatura como um passatempo de luxo” ou como “um dos enri-
quecedores afazeres do espírito”. Defendendo o caráter insubstituível 
da literatura para a formação dos indivíduos e para a constituição de 
uma sociedade democrática, afirma estar 
convencido de que uma sociedade sem literatura, ou na qual 
a literatura foi relegada, como certos vícios inconfessáveis, às 
margens da vida social e convertida pouco menos que num 
culto sectário, está condenada a se barbarizar espiritualmente 
e a comprometer sua liberdade (LLOSA, 2004a, p. 350).
Cabe-nos, a partir de agora, acompanhar os argumentos que movem 
os dois autores a verem a leitura da literatura como uma prática tão 
importante a ponto de afirmarem que ela deveria ser considerada um 
direito humano, um instrumento de humanização, bem como a defen-
derem que sem a sua presença plena uma sociedade estaria condenada 
a se barbarizar espiritualmente e a comprometer a sua liberdade.
1Atividade
Aula 1 Teoria da Literatura II20
No primeiro passo da atividade, faça entrevistas com cinco pes-
soas de seu convívio – seus pais, irmãos, amigos – a fim de saber o 
que eles pensam acerca da leitura de narrativas de ficção nos dias 
atuais. Para melhor organizar as entrevistas, antes de ir a campo, 
elabore um questionário com aproximadamente cinco questões. Esse 
questionário deve ser flexível, a fim de poder se adaptar com naturali-
dade à situação de cada entrevista. Como exemplo de perguntas, você 
pode indagar se a leitura de narrativas de ficção pode trazer algum 
benefício aos indivíduos, se é uma atividade essencialmente lúdica, 
se é um passatempo, se deve ser evitada quando se tem algo mais 
sério a se fazer, se é importante para pessoas de qualquer idade, se 
deve ser considerado um direito humano, se faz alguma diferença no 
convívio dos indivíduos de uma sociedade etc. Evite sugestionar as 
respostas. No segundo passo da atividade, faça uma reflexão acerca 
das respostas obtidas e elabore um texto ressaltando as visões predo-
minantes dos entrevistados acerca da leitura da narrativa de ficção.
Aula 1 Teoria da Literatura II 21
A literatura e a satisfação da 
necessidade universal de fantasia
Parece ser comum a todos os povos a necessidade da imaginação 
e da manutenção de algum contato com a fantasia, com alguma 
espécie de ficção. Sejam as narrativas que vivenciamos em nossos 
sonhos, sejam as fábulas, os chistes, as piadas, as histórias em qua-
drinhos, os filmes, as canções, nenhum indivíduo é “capaz de passar 
as vinte quatro horas do dia sem alguns momentos de entrega ao 
universo fabulado” (CANDIDO, 1993, p. 242). É nesse sentido que 
se afirma que essa função da literatura, tanto em suas manifesta-
ções mais espontâneas quanto em suas realizações mais sofisticadas, 
possibilita-nos contato com experiências do universo fabular. Ainda 
de acordo com Candido, “a literatura é o sonho acordado das civiliza-
ções. Portanto, assim como não é possível haver equilíbrio psíquico 
sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem 
literatura” (CANDIDO, 1995, p. 242-3).
Algo semelhante é percebido por Mário Vargas Llosa, quando, no 
ensaio “A verdade das mentiras”, afirma que
Quando lemos romances, não somos o que somos habitualmen-
te, mas também os seres criados para os quais o romancista 
nos transporta. Esse traslado é uma metamorfose: o reduto 
asfixiante que é nossa vida real abre-se e saímos para ser outros, 
para viver vicariamente experiências que a ficção transforma 
como nossas. Sonho lúcido e fantasia encarnada, a ficção nos 
completa – a nós, seres mutilados, a quem foi imposta a atroz 
dicotomia de ter uma única vida, e os apetites e as fantasias de 
desejar outras mil. Esse espaço entre a vida real e os desejos 
e as fantasias, que exigem que seja mais rica e mais diversa, é 
preenchida pelos livros de ficção (LLOSA, 2004b, p. 17).
Aula 1 Teoria da Literatura II22
A função cultural 
integradora da literatura
Numa época cada vez mais marcada pela especialização, em que 
o desenvolvimento das ciências e das técnicas segrega em seus res-
pectivos nichos os entendidos em cada área do conhecimento, a 
tendência é que os indivíduos tornem-se mais e mais distanciados 
da convivência num universo sociocultural mais amplo, passando a 
compartilhar apenas com os poucos de sua “espécie” o mesmo voca-
bulário, valores e interesses. Nas palavras de Llosa, essa progressiva 
especialização “conduz à incomunicabilidade social, ao esquarteja-
mento do conjunto dos seres humanos em assentamentos ou guetos 
culturais de técnicos ou especialistas” (LLOSA, 2004a, p. 351).
Uma das consequências dessa incomunicabilidade social é a forma-
ção de grupos cada vez mais confinados em seus próprios repertórios 
culturais. Seus integrantes acabam perdendo a capacidade de lançar 
ao mundo um olhar mais totalizador que veja a si, aos seus próximos 
e aos que pertencem a outros grupos socioculturais como membros 
de um único conjunto de seres humanos. Como resultado desse alhe-
amento, há o acirramento das tensões entre indivíduosou povos que, 
por não se conhecerem e não se respeitarem, desfiguram e rebaixam 
uns aos outros, potencializando mal-entendidos, ódios e violências.
Nesse contexto, a literatura apresenta-se como um fundamental 
instrumento de aproximação e boa coexistência entre os grupos so-
ciais. Isso porque, inversamente ao que ocorre com a ciência e com a 
técnica, a literatura apresenta um potencial integrador da coletividade 
humana. Mesmo quando lemos obras escritas por escritores que 
viveram em épocas ou em espaços geográficos muito diversos dos 
nossos, percebemos que compartilhamos com esses escritores e suas 
personagens de ficção muitos de nossos atributos e sentimentos, que 
são, até certa medida, universais e atemporais. No ato da vivência 
ficcional, podemos nos dar conta de um conjunto de “denominado-
res comuns da experiência humana, graças ao qual os seres vivos 
se reconhecem e dialogam, não importa o quão distintas sejam suas 
ocupações e desígnios vitais, as geografias e as circunstâncias em 
que existem, e, inclusive, os tempos históricos que determinam seu 
horizonte” (LLOSA, 2004a, p. 352).
A despeito das notáveis diferenças socioculturais que há entre os 
leitores do século XXI e os homens da Grécia arcaica representados 
na ficção de Homero, podemos nos identificar e nos ver refletidos, 
de alguma forma, na ira e na bravura de Aquiles, na honradez de 
Heitor, na astúcia de Ulisses, na fidelidade de Penélope, no amor 
filial de Telêmaco, ou ainda, na arrogância de Agamêmnon, no des-
comedimento de Pátroclo e no desrespeito dos pretendentes à mão 
Aula 1 Teoria da Literatura II 23
de Penélope, uma vez que esses atributos e sentimentos são ele-
mentos inerentes à natureza humana de qualquer época e lugar. 
Chegaríamos a conclusões semelhantes se nos confrontássemos com 
as personagens criadas por ficcionistas que distam de nós, se não 
temporalmente ao menos geograficamente, como o indiano Salman 
Rushdie, autor do polêmico romance Os versos satânicos (1988), ou 
o angolano Pepetela, autor de Mayombe (1980). Mesmo retratando 
ficcionalmente universos culturais tão distantes do nosso, essas obras 
apresentam-nos personagens que, a despeito de suas peculiaridades, 
são, no fim das contas, humanas como nós.
Ao ingressarmos nos mundos ficcionais – mesmo naqueles pro-
duzidos em épocas tão distantes quanto as milenares epopeias ho-
méricas – vivenciamos uma experiência de coletividade. Segundo 
Llosa, “Esse sentimento de pertencer à coletividade humana, através 
do tempo e do espaço, é a realização mais elevada da cultura, e nada 
contribui tanto para renová-lo, a cada geração, como a literatura” 
(LLOSA, 2004a, p. 353-4).
De modo complementar, a narrativa de ficção também nos permite 
enxergar, além dos denominadores comuns, as diferenças de valo-
res socioculturais dos indivíduos e das comunidades. Por seu meio, 
experimentamos novos mundos, diferentes daquele a que estamos 
rotineiramente acostumados, ou vivenciamos o nosso mundo a partir 
de outros olhos – do ficcionista e suas personagens.
Quando, no ato da leitura, vivenciamos ficcionalmente a experiên-
cia das personagens com todas as suas idiossincrasias – suas crenças, 
angústias, ambições, condições socioeconômicas e culturais –, am-
pliamos nossa própria percepção das coisas. Damo-nos conta de que 
é possível enxergar o mundo por um ângulo diferente daquele que 
até então nos era familiar. É nesse momento, quando há uma tensão 
entre os modos distintos de encarar as coisas, que a literatura atua 
como um ampliador de nossas experiências. Experimentando a vida 
ficcional a partir de outros olhos, podemos conhecer, compreender e, 
em consequência, respeitar os modos de perceber o mundo e viver 
a vida particulares a outros indivíduos e comunidades.
Em suma, por um lado, a ficção nos faz perceber o quanto os 
indivíduos das sociedades mais distantes no tempo e no espaço par-
ticipam todos de uma mesma coletividade humana. Por outro, ela 
nos permite observar e respeitar as visões de mundo que especificam 
cada sujeito e cada grupo sociocultural como entidades singulares. 
2Atividade
Aula 1 Teoria da Literatura II24
Nesta segunda atividade, propomos um bom exercício para que 
você possa avaliar a pertinência da afirmação de que a literatura pode 
nos abrir os horizontes para novos modos de enxergar a realidade. 
A atividade gira em torno dos contos “O cobrador” e “Feliz ano 
novo”, de Rubem Fonseca, que apresentam protagonistas pratican-
do ações de extrema brutalidade. Antes de ler as narrativas, reflita 
sobre pessoas que, de modo extremamente brutal e, aparentemente, 
gratuito, matam outras que lhes são desconhecidas. São marginais 
que merecem reprovação e punição da sociedade? Agem movidos 
por instinto de crueldade? Após a reflexão, proceda a leitura dos 
contos tentando observar as razões que movem os protagonistas a 
agir como agem. Faça então uma nova reflexão sobre a situação das 
personagens, que, numa leitura apressada poderiam ser reduzidas 
a marginais desprezíveis e violentos, e observe se sua experiência 
de vivenciar a marginalidade a partir da perspectiva dos próprios 
marginais não lhe estimula a, no mínimo, começar a relativizar o 
sentido mais tradicional e restrito do que seja a violência, podendo, 
inclusive, lhe fazer concluir que as personagens praticam tal grau 
de violência física porque são, de antemão, elas próprias vítimas de 
violência social e simbólica.
Aula 1 Teoria da Literatura II 25
A literatura e a ampliação da 
percepção linguística do mundo
Sendo uma forma de arte que se estrutura em linguagem verbal, não 
poderíamos deixar de destacar o quanto a literatura, já por meio de sua 
estrutura linguística, contribui para os indivíduos e as comunidades. É 
por meio da linguagem que apreendemos o mundo. Sem a linguagem 
não teríamos como vincular partes do mundo a conceitos, e sem os 
conceitos não teríamos como apreender intelectualmente as coisas. O 
mundo não seria mais do que continuum amorfo e incompreensível. 
Para vermos a importância da linguagem verbal na percepção do 
mundo, basta irmos até um ambiente que para nós não seja familiar. 
Por exemplo, se não conhecermos nada de agropecuária, ao nos 
aproximarmos de um criadouro bovino, não veremos muito mais 
do que bois e vacas. Faltando-nos o conhecimento do vocabulário 
típico dessa atividade, estaremos muito pouco aptos para distinguir 
as raças dos animais. A partir do momento em que aprendemos a 
associar certas características a certas raças, não só o nosso vocabu-
lário aumenta, junto com ele aumenta também a nossa capacidade 
de distinguir particularidades onde antes não víamos mais do que 
um conjunto uniforme: onde só víamos gado indistintamente, pode-
remos enxergar exemplares de zebu, nelore e guzerá, dentre tantos 
outras. Em outras palavras, o incremento vocabular amplia nossa 
capacidade de observarmos e compreendermos o mundo com mais 
detalhes, com mais sutileza e complexidade.
É nesse mesmo sentido que Vargas Llosa afirma, de modo enfático 
e sem preocupação em ser politicamente correto, que
Uma pessoa que não lê, lê pouco ou que só lê lixo, pode falar 
muito, porém dirá sempre poucas coisas porque dispõe de um 
repertório mínimo e deficiente de vocábulos para se expressar. 
Não é uma limitação somente verbal; é, ao mesmo tempo, uma 
limitação intelectual e de horizonte imaginário, uma indigência 
de pensamentos e de conhecimentos, porque as ideias, os con-
ceitos, mediante os quais nos apropriamos da realidade existen-
te e dos segredos da nossa condição, não existem dissociados 
das palavras, através das quais a consciência os reconhece e 
os define (LLOSA, 2004, p. 355).
Sabemos que a leitura de um modo geral é um formidável exer-
cício de enriquecimento vocabular e intelectual. A leitura de textos 
literários, por sua vez, é a experiência humana que mais potencializa 
esse enriquecimento. Ao nos proporcionar o transporte imaginário 
para uma infinitude de outros universos que não o do nossoconvívio 
Aula 1 Teoria da Literatura II26
cotidiano, a narrativa ficcional coloca-nos em contato com todo um 
conjunto de palavras que ampliam nosso repertório e afinam nosso 
contato com o mundo. Além disso, de um modo geral, os textos li-
terários são as construções em que a linguagem verbal se apresenta 
com toda a potencialidade de sua complexidade e variedade.
A leitura de um romance como O nome da rosa (1980), de Um-
berto Eco, enriquece nosso universo cultural quando nos oferta uma 
gama de termos do cotidiano monástico do início do século XIV, bem 
como da filosofia escolástica. Os ratos (1935), de Dyonélio Machado, 
por sua vez, oferta-nos o linguajar da “arraia-miúda” que circulava 
pelo centro de Porto Alegre no início do século XX.
Já narrativas como as de James Joyce ou as de João Guimarães Rosa, 
notáveis pelo alto grau de inventividade da linguagem, vão além de nos 
possibilitar um contato com palavras que desconhecemos ou conhece-
mos num sentido diverso do empregado pelo escritor. O que temos em 
obras como Grande sertão: veredas (1956) ou nos contos de Tutaméia 
(1967) é um conjunto de palavras criadas por meio das quais o autor 
tenta captar frações da realidade até então despercebidas ou apenas 
referidas pelos falantes da língua portuguesa por meio de circunlóquios. 
Num conto como “Desenredo”, por exemplo, nós leitores nos depara-
mos com termos como “desmastreio”, “abusufrutos”, “franciscanato”, 
“descaluniá-la”, “amatemático”, “antipesquisas”, “acronologias”, “ufa-
nático” (ROSA, 2001, p. 72-5). Esses neologismos parecem ser resultado 
do esforço do escritor em sanar algumas carências da língua para dar 
conta de certas coisas, situações ou sentimentos que lhe escapam.
Obviamente a contribuição linguística da literatura para nosso apri-
moramento intelectual e subjetivo não se limita à ampliação de nosso 
vocabulário. O trato literário das narrativas também se impõe nas 
esferas da sintaxe, do ritmo, do tom etc., de modo que um bom texto 
literário, entre outras coisas, possibilita-nos experimentar o mundo 
por novos ângulos que nos são apresentados pelos novos arranjos da 
linguagem. 
Além disso, como nos lembra Candido, as obras literárias, entre 
elas as narrativas ficcionais, funcionam como espécies de modelos 
de organização do mundo. Cada narrativa constrói e nos propõe um 
modo de ordenar as coisas, resultando num “modelo de coerência, 
gerado pela força da palavra organizada” (CANDIDO, 19995, p. 245). 
Os diversos textos literários que a humanidade vem acumulando 
fornecem-nos um vasto e variadíssimo acervo de estruturas linguísti-
cas, cada qual reconfigurando e recriando esteticamente o universo, 
seja das ações e coisas práticas seja dos valores e sentimentos abstra-
tos. É por isso que se pode afirmar que “o caráter de coisa organizada 
da obra literária torna-se um fator que nos deixa mais capazes de 
ordenar a nossa própria mente e sentimentos; e em consequência, 
mais capazes de organizar a visão que temos do mundo” (CANDIDO, 
19995, p. 245).
Aula 1 Teoria da Literatura II 27
Mais uma vez de forma contundente, Llosa defende que
Aprende-se a falar com correção, profundidade, rigor e suti-
leza graças à boa literatura, e somente graças a ela, nenhuma 
outra disciplina, tampouco um ramo das artes pode substituir 
a literatura na formação da linguagem com que as pessoas se 
comunicam. [...] Falar bem, dispor de uma fala rica e diversa, 
encontrar a expressão adequada para cada ideia ou emoção 
que se quer comunicar, significa estar mais bem preparado 
para pensar, ensinar, aprender, dialogar e, também fantasiar, 
sonhar sentir e se emocionar (LLOSA, 2004, p. 355).
A literatura como instrumento de 
percepção crítica da realidade
Concluindo esta nossa primeira aula, passemos a discutir outra 
importante função social da ficção: sua capacidade de aguçar nossa 
percepção crítica da realidade.
Existe uma série de narrativas em que se percebe uma evidente 
intenção de se posicionar ética ou politicamente diante de eventos 
ou valores da sociedade. Não devemos, todavia, vincular diretamen-
te o grau de engajamento ético e político de uma obra à qualidade 
estética. 
São inúmeros os romances que, a despeito das ideias defendidas 
e mesmo do impacto político que causaram no público leitor, não 
resistem a uma leitura de avaliação estética. É o caso de A escrava 
Isaura (1875), de Bernardo Guimarães, e de A cabana do Pai Tomás 
(1851-1852), da norte-americana Harriet Elizabeth Beecher-Stowe. Es-
sas obras são respectivamente fortes libelos contra a escravidão negra 
no Brasil e nos Estados Unidos – esta última, como bem lembra Llosa, 
“parece ter desempenhado um papel importantíssimo na tomada de 
consciência social, nos Estados Unidos, sobre os horrores da escravi-
dão” (LLOSA, 2004a, p. 361) –, mas carecem de qualidade artística. 
O mesmo descompasso entre consciência sociopolítica e elaboração 
estética também se verifica em diversas narrativas produzidas sob a 
égide do realismo socialista soviético, que declaradamente serviam 
para propagandear o regime stalinista.
Aula 1 Teoria da Literatura II28
Figura 2 – Folha de rosto de “A cabana do Pai Tomás” (da edição americana de 1852).
Fonte: <http://cdn.dipity.com/uploads/events/df7d8c6dcb1de8fd9c02839162413f08_1M.png>. Acesso 
em: 22 mar. 2013.
O problema de obras dessa natureza é que, segundo Candido, 
apresentam “posição falha e prejudiciais à verdadeira produção lite-
rária, porque têm como pressuposto que ela se justifica por meio de 
finalidades que alheias ao plano estético, que é o decisivo.” Ele ainda 
completa: “De fato, sabemos que em literatura uma mensagem ética, 
política, religiosa ou mais geralmente social, só tem eficiência quando 
for reduzida a estrutura literária, a forma ordenadora” (CANDIDO, 
1995, p. 250).
Já romances como Os miseráveis (1862), de Victor Hugo, Guerra 
e Paz (1865-1869), de Liev Tolstói, Germinal (1885), de Émile Zola, 
Vidas secas, de Graciliano Ramos, e Quarup (1967), de Antonio 
Callado, são exemplos de obras notáveis em que vemos unidas a 
qualidade estética e a visão crítica do mundo. Restringindo-nos a 
estas duas últimas obras, de escritores brasileiros, podemos ressaltar 
o quanto o leitor pode nelas perceber, considerações sobre a situação 
de miséria fruto da estrutura social que impera em regiões como o 
Nordeste do país, e considerações sobre as lutas sociais pautadas 
em reivindicações por reforma agrária. Ao mesmo tempo que esses 
dois romances possibilitam-nos compreender melhor nossa socieda-
Aula 1 Teoria da Literatura II 29
de, contribuindo para nossa formação sociopolítica, permitem-nos 
também uma incursão numa experiência eminentemente estética. 
Além de termos o cuidado para não confundir qualidade estética 
e discurso sociopolítico, não podemos reduzir o potencial crítico da 
literatura a certo pedagogismo direto. As grandes narrativas de ficção 
não são aquelas que trazem um discurso doutrinário explícito, que 
julgam o mundo, que afirmam o que é certo e o que é errado, que 
apontam quais os caminhos a seguir etc. Ao contrário, as obras que 
têm perdurado como notáveis são justamente aquelas que, apesar de 
comportarem um discurso questionador do mundo em que vivemos, 
mais do que afirmar caminhos de modo definitivo, o que fazem é 
desestabilizar valores e práticas sedimentadas, provocando nos lei-
tores não certezas, mas momentos de reflexão crítica. Mais do que 
dogmáticas, as grandes obras narrativas são quase sempre ambíguas. 
A função crítica da literatura dá-se de modo bastante diverso do 
que tradicionalmente se entende por ensinamento educativo, que 
marcado por noções com alto grau de rigidez e por regras normativas. 
Como muito bem observa Antonio Candido, 
A literatura pode formar; mas não segundo a pedagogia oficial, 
que costuma vê-la ideologicamente como um veículo da tríade 
famosa – o Verdadeiro, o Bom, o Belo, definidos conforme os 
interesses dos grupos dominantes, para reforço da sua con-
cepçãode vida. Longe de ser um apêndice da instrução moral 
e cívica (esta apoteose matreira do óbvio, [...]), ela age com 
o impacto indiscriminado da própria vida e educa como ela – 
com altos e baixos, luzes e sombras (CANDIDO, 2002, p. 83).
E ainda complementa: a literatura “não corrompe nem edifica 
[...]; mas trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o que 
chamamos o mal, humaniza no sentido profundo, porque faz viver” 
(CANDIDO, 2002, p. 85).
Aula 1 Teoria da Literatura II30
BERNARDO, Gustavo. A ficção cética. São Paulo: Annablume, 2004.
Nesse livro pouco ortodoxo de teoria da literatura, Gustavo Ber-
nardo desenvolve uma reflexão aprofundada sobre o caráter cético 
e ambíguo da ficção.
BRADBURY, Ray. Fahrenheit 451: a temperatura na qual o papel do livro 
pega fogo e queima. Tradução de Cid Knipel. São Paulo: Globo, 2007.
Nesse romance, publicado originalmente em 1953, narra-se um 
tempo futuro em que os livros são todos proibidos e, quando encon-
trados, queimados. Trata-se de uma narrativa distópica que alerta 
para as consequências nefastas de estados totalitários que impedem 
o contato dos indivíduos com os livros, vistos como símbolos de 
resistência crítica. Em 1966, seu enredo foi adaptado para o cinema, 
sob a direção de François Truffaut.
JOUVE, Vicente. Por que estudar literatura?. Tradução de Marcos 
Bagno e Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2012.
Assim como Antonio Candido e Mario Vargas Llosa, Vicent Jou-
ve também faz uma apologia da literatura. Seu estudo parte da ideia 
nuclear de que só se pode perceber o valor fundamental da literatura 
quando se leva em conta seu estatuto de objeto artístico. Livro de 
linguagem simples, mas de discussão densa, enfrenta a questão a 
partir de múltiplas perspectivas. 
LLOSA, Mario Vargas. “Elogio de la lectura y la ficción”.
Trata-se do discurso proferido pelo autor peruano na cerimônia 
de recebimento do Prêmio Nobel de Literatura, em Estocolmo, na 
Suécia, em 7 de dezembro de 2010. Disponível em: http://www.
nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/2010/vargas_llosa-
-lecture_sp.pdf
(O vídeo que registra a leitura do discurso de Llosa durante a 
referida premiação está disponível em http://vimeo.com/17573870)
SKÁRMETA, Antonio. O carteiro e o poeta. Tradução de Beatriz 
Sidou. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 1996.
Nesse romance, publicado em 1985 sob o título original espa-
nhol “Ardiente paciência”, narra-se a história da amizade entre o 
poeta chilena Pablo Neruda e um carteiro semianalfabeto. Dessa 
relação e do progressivo contato do carteiro com a literatura, vemos 
o amadurecimento humano do carteiro. Em 1994, o diretor Michel 
Radford transpôs a obra literária para o cinema.
Leituras complementares
1
2
3
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Aula 1 Teoria da Literatura II 31
TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Tradução de Caio Meira. 
Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.
Nesse livro, Todorov faz uma crítica aos programas de ensino 
que sufocam o contato dos alunos com a literatura em prol de uma 
discussão abstrata de teoria literária. A essa perspectiva, ele contra-
põe a proposta de que a literatura deva ser lida e vivenciada como 
um instrumento de conhecimento humano. 
Resumo
Nesta primeira aula, vimos que a leitura de obras 
literárias, dentre elas as narrativas de ficção, é uma 
atividade que vai muito além do mero passatempo ou de 
um hobby erudito. Acompanhando as posições de Antonio 
Candido e Mario Vargas Llosa, você deve ter percebido que a 
literatura é uma prática social de extrema relevância para os 
indivíduos e para a sociedade. Isto porque as narrativas de 
ficção podem exercer as seguintes funções: contribui para 
atender à necessidade humana de fabulação; possibilita-nos 
vermos como pertencentes a uma coletividade humana, 
ao mesmo tempo em que nos faz conhecer e respeitar 
as peculiaridades dos indivíduos e povos; amplia nossa 
percepção linguística do mundo; ajuda-nos a aprimorar o 
senso crítico com que vemos nossa realidade.
Autoavaliação
Qual a importância para um estudante de Licenciatura em 
Letras de refletir acerca de o porquê ler narrativas de ficção?
Como a literatura pode contribuir para atender à necessi-
dade humana de fabulação?
Em que consiste a função cultural integradora da literatura?
De que modo a leitura de textos literários (inclusive narra-
tivas de ficção) pode contribuir para a ampliação da per-
cepção linguística do mundo?
5
6
Aula 1 Teoria da Literatura II32
Cite e comente três obras de ficção narrativa da literatura 
brasileira que, no seu entender, podem atuar como instru-
mentos de aprimoramento do senso crítico da realidade.
Leia o fragmento textual a seguir, do escritor argentino Jor-
ge Luis Borges, e relacione a afirmação em destaque com al-
gumas das ideias de Antonio Candido e Mario Vargas Llosa.
Dos diversos instrumentos utilizados pelo homem, o 
mais espetacular é, sem dúvida, o livro. Os demais são 
extensões de seu corpo. O microscópio, o telescópio são 
extensões de sua visão; o telefone é a extensão de sua 
voz; em seguida, temos o arado e a espada, extensões 
de seu braço. O livro, porém, é outra coisa: o livro é 
uma extensão da memória e da imaginação (BORGES, 
1987, p. 5, grifo nosso).
Anotações
A epopeia
2
Aula
1
3
2
35
Apresentação
Prezado(a) aluno(a), nesta segunda aula, teremos como objeto de estudo uma das manifestações mais antigas do gênero nar-rativo: a epopeia. Iniciaremos nossa discussão com algumas 
considerações preliminares acerca do gênero narrativo. Após esbo-
çarmos uma conceituação da epopeia, faremos uma breve exposição 
acerca das narrativas orais mais primitivas. Só então discorreremos, 
em linhas gerais, acerca da epopeia que tem sido considerada como 
a obra literária ocidental mais antiga que chegou até os nossos dias, a 
Ilíada, do poeta grego Homero. Por fim, abordaremos outras epopeias 
surgidas posteriormente às criações homéricas.
Objetivos
Distinguir o gênero narrativo frente 
aos gêneros lírico e dramático.
Conceituar epopeia.
Identificar a evolução histórica da 
epopeia.
Aula 2 Teoria da Literatura II 37
Considerações preliminares sobre o 
gênero narrativo
Certamente, você se lembra da discussão empreendida na dis-
ciplina Teoria da Literatura I acerca dos gêneros literários. Naquela 
ocasião, vimos que tradicionalmente os textos literários têm sido 
agrupados em três grandes gêneros: o gênero lírico, o gênero narra-
tivo e o gênero dramático. Enquanto o gênero lírico foi estudado na 
disciplina anterior, nesta, iremos nos ocupar do gênero narrativo, 
que, por vezes, é também chamado de gênero épico.
Recorrendo à etimologia, podemos afirmar que o adjetivo “épico” 
que qualifica os textos do gênero narrativo deriva do vocábulo grego 
épos, que significa recitação ou aquilo que é expresso pela fala. Um dos 
traços comuns e mais fundamentais das obras que integram esse gênero 
é a presença imprescindível de um narrador, que transmite ao público 
ouvinte ou leitor o conjunto dos eventos (ficcionais). Nisto essas obras 
diferenciam-se substancialmente das obras líricas e das obras dramáticas.
Nas obras líricas, a voz enunciadora – chamada de eu-lírico –, 
mais do que veicular eventos passados dos quais se mantem dis-
tanciada, exprime sua percepção subjetiva das coisas. Desse modo, 
mesmo quando observamos elementos narrativos em alguns textos 
líricos, geralmente tais elementos nos são expressos já contaminados 
pelo estado interior da voz lírica, de modo que podemos afirmar que 
o produto da voz lírica não são as coisas em si, mas a própria ex-
pressão de seu estado anímico. Já em relação às obras dramáticas, as 
obras narrativas compartilham a presença de personagens em ação. 
Todavia, nos textos dramáticos não há narrador relatando os eventos, 
uma vez que o enredo nos é transmitido diretamente por meio das 
ações encenadas e das falas trocadas em diálogo pelas personagens.
Limitando-nos às manifestações que são tipicamente transmitidas 
em registro escrito, podemos enumerar entreas principais espécies 
– ou subgêneros – do gênero narrativo, a epopeia (que estudaremos 
nesta aula), o romance (tema da aula seguinte), a canção de gesta, 
a novela, o conto e a crônica (esses dois últimos serão objetos das 
aulas 4 e 5, respectivamente). Cada uma dessas espécies, para além 
de compartilharem entre si aspectos comuns ao gênero narrativo, 
apresentam elementos que lhes são peculiares. 
Personagens 
É importante frisar que essas diferenças 
entre os gêneros não são rigorosas, pois 
é possível que se encontrem obras que 
apresentem traços de mais de um gênero.
Aula 2 Teoria da Literatura II38
Conceituação de epopeia
Ao considerarmos a etimologia, vemos que “A palavra grega 
épopoia é composta pelo substantivo épos (aquilo que é expresso pela 
fala) e de um derivado do verbo poïen (fazer, fabricar).” (STALLONI, 
2003, p. 77).
Uma das primeiras tentativas de se conceituar a epopeia encontra-
-se na Poética, de Aristóteles. Escrito na segunda metade do século 
IV a.C., esse tratado tem como objeto central de reflexão a tragédia, 
todavia, em diversas passagens, o filósofo grego estabelece compa-
rações entre a tragédia – gênero literário que a seu ver supera todos 
os demais – e a epopeia. Dessas comparações, diluídas ao longo 
do tratado, é possível apreendermos a caracterização aristotélica da 
epopeia: trata-se de um texto literário narrativo de longa extensão, 
com versificação em metro regular, que narra as ações empreendidas 
por grandes homens, que ele chama “seres superiores” ou pessoas 
“melhores do que somos”. Caracteriza-se ainda por apresentar uma 
multiplicidade de fábulas adequadamente desenvolvidas ao longo 
da narrativa e por comportar o irracional, que é a fonte principal do 
maravilhoso (ARISTÓTELES, 1997).
É importante salientar que o modelo em que Aristóteles baseia-se 
para descrever a epopeia são as duas grandes obras de Homero, as 
quais ele recorre para exemplificar diversas das características dessa 
espécie narrativa. A seu ver, a Ilíada e a Odisseia são poemas “com-
postos com a maior perfeição” (ARISTÓTELES, 1997, p. 52).
Além desses traços apresentados por Aristóteles, podemos ain-
da considerar como características fundamentais da epopeia alguns 
outros aspectos. Primeiramente, devemos destacar que a epopeia é 
considerada um texto fundador, uma representação da totalidade 
de um povo, assim, mesmo havendo um herói em destaque, ele é 
visto como a síntese de uma comunidade. Os episódios narrados são 
ilustres, grandiosos, quase sempre centrados em ações bélicas; giram 
em torno da gênese ou dos momentos mais sublimes da nação. Os 
acontecimentos históricos aos quais a epopeia se refere são, na maior 
parte das vezes, antiquíssimos, de modo a possibilitar ao poeta a 
liberdade de se valer, em sua composição, dos mitos e lendas tradi-
cionais, bem como de sua própria fantasia. Apesar de os enredos se 
constituírem eminentemente como ações heroicas, há possibilidade 
da ocorrência de alguns episódios líricos.
No que diz respeito à estrutura da epopeia, acrescentaríamos à 
descrição aristotélica a informação de que, em geral, a obra divide-se 
em cantos. O termo canto tanto é utilizado para se referir a uma 
epopeia como um todo como para indicar uma de suas partes. Neste 
segundo sentido, portanto, é sinônimo do que modernamente de-
1Atividade
Aula 2 Teoria da Literatura II 39
nominamos capítulo. Normalmente, a epopeia apresenta três partes 
de tamanhos desiguais: a proposição, a invocação e a narração pro-
priamente dita. Na proposição, o poeta anuncia em breves palavras 
o argumento do poema, ou seja, o tema que irá narrar. Na invocação, 
ele pede inspiração e auxílio às musas para que orientem o seu can-
to. Na narração propriamente dita, que ocupa a grande maioria dos 
versos da epopeia, o poeta efetivamente narra as ações empreendidas 
pelos heróis. Por fim, ressaltamos que é muito comum a epopeia 
apresentar uma estrutura narrativa conhecida pela expressão latina 
in medias res, que significa, literalmente, no meio das coisas. Isso 
significa que, em vez de o narrador começar seu relato narrando a 
história a partir de seu início, ele inicia-o em um ponto já avançado 
da história. Só num segundo momento ele recua no tempo e narra os 
fatos anteriores. Por fim, ele retoma o ponto em que havia iniciado 
seu relato e segue até o fim.
Leia a “Introdução” e o “Canto Primeiro” do poema 
narrativo Os Timbiras, do poeta romântico brasileiro 
Gonçalves Dias, e, baseando-se nas características fun-
damentais da epopeia, determine em que aspectos o 
poema aproxima-se e em que aspectos distancia-se da 
epopeia padrão. O poema encontra-se disponível no 
seguinte link: <http://www.dominiopublico.gov.br/
pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_
obra=1825>.
Aula 2 Teoria da Literatura II40
A epopeia: origens
Para muitas pessoas, ao se falar de epopeia, é quase imediata a 
associação dessa forma literária ao nome do poeta grego Homero. 
De fato, a Ilíada e a Odisseia têm sido consideradas por muitos estu-
diosos como as primeiras obras literárias do Ocidente e têm servido, 
há milênios, como modelo de excelência desse subgênero narrativo.
Essa consideração da Ilíada como obra fundadora da literatura 
ocidental merece ser assimilada com cautela para não nos levar a 
mal-entendidos. Ao mesmo tempo em que talvez possamos tomar a 
Ilíada como o texto mais antigo já elaborado com uma consciência 
autoral individual, também devemos observar que antes de Homero 
já existiam um sem-número de narrativas nas quais ele se inspirou 
para realizar sua própria obra. Albin Lesky, a esse respeito, afirma 
que desde muitos séculos antes da epopeia homérica já existiam nu-
merosos poemas épicos, todos inseridos num contexto de oralidade, 
e que, portanto, circulavam sem o apoio de registros escritos.
No século VIII a.C., época em que se acredita ter Homero vivido, 
essa longa tradição épica oral estava chegando a seus termos, mas du-
rante centenas de anos, foi o modo no qual muitos povos conservaram 
e transmitiram parte importante de suas tradições culturais. A ideia de 
autoria individual como comumente concebemos nos nossos dias não 
existia. As narrativas se compunham a partir de um repertório temáti-
co e de um conjunto de técnicas literárias que eram comuns a todos. 
Além disso, por se tratar de uma época em que não se podia dispor 
da escrita, os poetas precisavam recorrer a uma série de procedimen-
tos estruturais para tornar seus cantos mais facilmente assimilados 
e memorizados pela comunidade. Lesky cogita que, nesse contexto, 
O cantor deve estar munido de duas coisas: do conhecimento 
do tesouro de lendas do seu povo e do arsenal completo de 
fórmulas [...]. Mas isto é tudo: não conhece um texto preexis-
tente e cria sempre de novo a sua canção. É evidente que a 
maior parte das vezes, parte daquilo que ele e outros cantaram, 
mas nunca tem que se ater a um texto para, simplesmente, o 
reproduzir. Vai variando sem cessar e, em geral, isso leva à 
ampliação do que antes se havia cantado (LESKY, 1995, p. 33).
No que concerne à forma, a narrativa oral era composta predomi-
nantemente em versos não rimados, porém fortemente metrificados e 
ritmados. Havia uma utilização intensa de elementos típicos, também 
chamados de fórmulas por alguns estudiosos. Essas fórmulas eram 
repetições constantes tanto de vocábulos ou expressões – como se vê 
nos epítetos redundantemente atribuídos às personagens –, quanto de 
Ocidente 
Considerando-se a literatura em âmbito 
mundial, e não apenas nos limites do 
Ocidente, muitos apontam o épico 
babilônico Gilgamesh, de autoria 
desconhecida, de que restaram apenas 
fragmentos, como a obra mais antiga de 
que se tem conhecimento. Essa narrativa 
traz como personagem central o rei 
Gilgamesh, que teria reinado na cidade 
Uruk, na Suméria, em algum momento 
entre os séculos XIX e XVI a.C.
Aula 2 Teoria da Literatura II 41
passagens mais longas. Além disso, os poetas amparavam-se em padrõesrecorrentes de ação, de modo que as cenas de chegada, as batalhas, os 
rituais fúnebre, por exemplo, obedeciam a padrões estruturais regulares. 
De acordo com Peter Jones, os poetas orais precisavam ter memoriza-
das “milhares de frases, sentenças e até cenas completas semiprontas 
mas ainda flexíveis, que se ajustassem à métrica e, durante séculos de 
declamação, tivessem se tornado indispensáveis à construção imediata 
de longos poemas épicos” (JONES apud HOMERO, 2013, p. 28).
Já no tocante ao conteúdo dessas narrativas orais primitivas, po-
demos ter a seguinte descrição:
Sempre encontramos no centro de tais cantos o herói que so-
bressai entre os demais pela coragem e força física. As suas 
ações são determinadas unicamente pelo conceito ainda não 
problematizado da honra. Também pode sobressair na amiza-
de. Esta poesia tem sua origem e é cultivada geralmente numa 
classe superior dos cavaleiros que têm por conteúdo da sua 
vida a luta, a caça e os prazeres da mesa; entre estes últimos, 
conta-se também a canção do cantor. O que se interpreta em 
tais círculos converte-se normalmente mais tarde em patrimô-
nio da comunidade. O pano de fundo de semelhante poesia 
heroica é constituído por uma época de heróis que se considera 
como um passado que supera a época presente. A uma ale-
gria ingênua da realidade, que se exprime na descrição longa 
de carros, barcos, armas e roupas, corresponde uma exclusão 
considerável de elementos mágicos. [...] Esta poesia heroica 
tem sempre a pretensão de narrar fatos verdadeiros, pretensão 
essa que se fundamenta na venerabilidade da tradição ou na 
inspiração divina (LESKY, 1995, p. 32).
Sobre este último ponto, a inspiração divina dos poetas, convém 
mencionarmos a concepção exposta por Platão no Íon, diálogo do 
período de sua juventude, composto por volta de 390 a.C., cujo 
tema central é justamente a inspiração poética. Sócrates, personagem 
central do diálogo, defende que os poemas criados pelos poetas não 
são produto de uma técnica racional, mas sim fruto da inspiração 
divina. Existiria uma espécie de cadeia magnética que articularia 
numa sequência contínua e hierárquica os Deuses – as Musas – os 
poetas – os rapsodos – os espectadores. Os deuses, por intermédio 
das Musas, inspirariam os poetas. Estes, também conhecidos como 
aedos, movidos por uma capacidade divina, criariam suas obras, as 
quais seriam divulgadas e difundidas pelo trabalho dos rapsodos, 
que as cantariam ou recitariam nos lugares mais diversos diante de 
um público espectador (PLATÃO, 2007).
Poemas épicos 
Muitos dos traços formais das épicas orais 
ainda se encontram conservados na prática 
poética dos poetas populares nordestinos, a 
exemplo dos repentistas e emboladores.
Saiba mais
Aula 2 Teoria da Literatura II42
De acordo com uma das tradições que nos chega-
ram, as musas, num total de nove, são os frutos de 
nove noites de amor entre Zeus e Mnemósine (personi-
ficação da Memória). Além de serem cantoras divinas, 
elas são as inspiradoras das diversas formas de arte e 
pensamento. Cada uma das musas possui o dom de 
inspirar uma atividade específica: Calíope, a principal 
das musas, cujo nome significa “a de belo canto”, é 
considerada a musa da poesia épica, Clio é a musa da 
história, Polímnia é a musa da mímica, Euterpe é a 
musa da flauta, Terpsícore é a musa da dança, Érato é 
a musa da poesia coral lírica, Melpômene é a musa da 
tragédia, Talia é a musa da comédia e Urânia é a musa 
da astronomia (GRIMAL, 1990, p. 281-282).
A “questão homérica”
Foi nesse ambiente repleto de narrativas orais que, por volta do 
século VIII a.C. surgiram a Ilíada e a Odisseia. Muito já se discutiu 
acerca da autoria dessas obras. Essas discussões tem recebido o nome 
de “Questão homérica”. Já houve quem afirmasse que esses poemas 
narrativos não tiveram um autor individual, uma vez que teriam sido 
gestados, anônima e coletivamente, como que de modo espontâneo, 
no seio de uma comunidade anterior à escrita. Os defensores (cada 
vez menos numerosos) dessa hipótese, consideram que apenas sé-
culos depois de sua criação, após anos e anos de transmissão oral, 
os poemas foram fixados em escrita e atribuídos, equivocadamen-
te, a um poeta chamado Homero, que provavelmente sequer teria 
existido. De outro modo, há pesquisadores que defendem a ideia de 
que os poemas homéricos foram ditados por um aedo analfabeto a 
alguém que sabia escrever. Por fim, há os estudiosos, que, em número 
cada vez mais frequente, defendem a hipótese de que Homero não 
só existiu como já vivia em uma época em que a escrita já estava 
disponível. Consideram que parte considerável dos assuntos e dos 
procedimentos narrativos utilizados por Homero provinha da tradição 
oral, mas tomam como certo que a Ilíada foi concebida por escrito, 
graças à escrita e em função da escrita.
Saiba mais
Aula 2 Teoria da Literatura II 43
Toda essa polêmica se dá, entre outros fatores, pelo fato de na 
Ilíada e na Odisseia haver um número elevado de marcas de técni-
ca oral. Isso faz o primeiro grupo de estudiosos defender a autoria 
coletiva numa época de oralidade, bem como faz os integrantes do 
segundo grupo, mesmo assumindo a possibilidade de os poemas 
terem tido registro imediatamente após a concepção, não deixar de 
supor que o criador das obras era um poeta analfabeto.
Já os pesquisadores que se aliam à ideia da autoria individual e 
por escrito de Homero argumentam que a presença – pacificamente 
assumida como óbvia por todos – de técnicas orais nas epopeias em 
questão não significa necessariamente um processo de composição 
oral. Como Homero teria vivido numa época de transição da tradição 
oral para a tradição escrita, a assimilação por ele de elementos do 
repertório poético que lhe havia sido legado era inevitável. Num con-
texto em que o respeito às tradições ancestrais ainda se fazia pleno, 
essa assimilação seria mais do que desejada pelo poeta. Consideram 
também que a transmissão da epopeia homérica, “mesmo no tempo 
do livro já desenvolvido, continuaram vivas principalmente através 
da exposição oral dos rapsodos” (LESKY, 1995, p. 31). O ponto central 
de suas divergências com as duas primeiras vertentes de estudiosos 
reside na constatação da presença de elementos estruturais que se-
riam impossíveis sem o auxílio determinante da escrita.
Outras duas questões recorrentes na “Questão homérica” giram em 
torno de se determinar se a Ilíada e a Odisseia teriam sido compostas 
por um mesmo indivíduo; e, ainda, de se determinar o quanto essas 
obras, em suas transmissões, do momento de suas elaborações até os 
dias atuais, sofreram modificações, sejam acréscimos ou supressões.
Albin Lesky, cogitando a existência histórica de Ho-
mero, supõe que ele teria vivido no século VIII a.C., 
possivelmente nas cidades de Quios ou Esmirna. Di-
versamente do que é alimentado pela lenda românti-
ca, ele não teria sido um mestre escola ou um cantor 
ambulante pobre, mas sim um rapsodo que mantinha 
relações estreitas com as cortes dos príncipes de seu 
tempo. Há ainda quem levante a hipótese de seu nome 
original ter sido Melesígenes (LESKY, 1995, p. 56).
Aula 2 Teoria da Literatura II44
Tratando da imagem lendária que descreve Homero 
como cego, Arnold Hauser, esclarece que 
A imagem tradicional do velho rapsodo cego de 
Quios é predominantemente composta de remi-
niscências que remontam ao tempo em que o poe-
ta era um vate – um vidente ou profeta respeitado 
como sacerdote e inspirado pelos deuses. Sua ce-
gueira é meramente o sinal externo da luz interior 
que lhe enche o ser e o habilita a ver coisas que 
outros não podem ver (HAUSER, 1998, p. 55).
Figura 1 – Busto de Homero localizado no Museu Britânico.
Fonte: <http://www.britishmuseum.org/explore/highlights/highlight_image.aspx?image=k60882.
jpg&retpage=18177>. Acesso em: 27 mar. 2013.
Aula 2 Teoria da Literatura II 45
Ilíada
Para tornarmos nosso estudo da epopeia algo mais concreto, centra-
remos nossa atenção naquelaque tem sido considerada a mais perfeita 
realização dessa forma narrativa: a Ilíada. Esse longo poema narrativo é 
dividido em 24 cantos. Há quem diga que esse era o livro que Alexandre, 
o Grande, sempre levava consigo em suas grandiosas campanhas militares.
Se considerarmos a Ilíada como a primeira narrativa literária do 
Ocidente, teremos que concluir que nossa literatura iniciou-se com 
um poema sobre a cólera, sobre a ira. De fato, trata-se de uma nar-
rativa bélica em que dois povos repletos de grandes homens se põem 
em combate mortal. De um lado, vemos os gregos, ultrajados em 
sua honra ao terem a esposa de um de seus líderes raptada: Helena, 
a mais bela das mortais, a famosa esposa de Meneleu. De outro, 
vemos os troianos – povo governado por Príamo, pai de Heitor e de 
Páris, o raptor de Helena – que precisam se defender das sucessivas 
investidas gregas às suas muralhas.
A guerra entre os gregos e os troianos tem a duração de dez anos. 
A Ilíada, todavia, concentra quase que a totalidade de seus versos 
na narração de episódios ocorridos no último ano da guerra, mais 
precisamente do conflito entre os líderes gregos Aquiles e Agame-
non até os rituais fúnebres de Heitor, o principal guerreiro troiano. 
É comum aos que leem a Ilíada pela primeira vez a surpresa de não 
encontrar nessa obra qualquer menção ao famoso episódio do cavalo 
de Troia. Aliás, para sermos precisos, devemos dizer que, na verdade, 
o poema encerra-se antes mesmo que se narre a queda de Troia e a 
vitória dos gregos. As últimas cenas narradas são os ritos fúnebres 
de Heitor, após este ter sido morto por Aquiles. É verdade que, aos 
leitores da Ilíada fica a sensação de que após a morte de seu grande 
príncipe os troianos não terão mais como resistir aos avanços dos 
gregos. Mas, de fato, o desfecho da Guerra Troia só será narrada na 
Odisseia e, com bastante mais detalhes, na Eneida, obra datada de 
17 a.C., do poeta latino Virgílio.
Há, ao longo da trama da Ilíada, um elevado número de flash-
backs, em que o poeta informa-nos acerca do passado próximo ou 
longínquo de algumas personagens, bem como de momentos ante-
riores ao cerco dos gregos aos troianos. Todavia, esses flashbacks, 
apesar de trazerem informações relevantes, não chegam, em termos 
de quantidade de versos, a formar uma percentagem tão relevante 
dentro do conjunto da obra.
Eis como Homero inicia seu poema:
Aula 2 Teoria da Literatura II46
Canta, ó deusa, a cólera de Aquiles, o Pelida
(mortífera!, que tantas dores trouxe aos Aqueus
e tantas almas valentes de heróis lançou no Hades,
ficando seus corpos como presa para cães e aves
de rapina, enquanto se cumpriu a vontade de Zeus),
desde o momento em que primeiro se desentenderam
o Atrida, soberano dos homens, e o divino Aquiles
(HOMERO, 2013, p. 134).
Nesses primeiros sete versos, temos a invocação e a proposição 
do poema. Ouvimos o poeta clamando pela inspiração divina e anun-
ciando o argumento de sua narrativa. Como vimos, os poetas antigos 
eram considerados porta-vozes dos deuses. Mais do que criadores em 
si, assumiam-se como instrumentos da fala divina. É nesse sentido que 
devemos entender a solicitação do poeta para que a deusa cante. De 
fato, ele a invoca para que ela cante através dele. Já na proposição, o 
poeta anuncia que o canto versará sobre a cólera mortífera de Aquiles, 
que causou a morte de tantos heróis, cumprindo o desejo de Zeus.
Em linhas muito gerais, podemos resumir o núcleo narrativo prin-
cipal da Ilíada do seguinte modo: no nono ano de cerco grego à ci-
dade troiana, há um conflito entre Aquiles, o mais forte e destemido 
dos guerreiros gregos, e Agamenon, irmão de Meneleu e principal 
comandante de todas as tropas gregas. A intriga se dá porque, ao 
dividirem os despojos de guerra obtidos num recente combate a uma 
cidade próxima a Troia, Agamêmnon, sem saber, acabou por tomar 
como sua escrava a jovem Criseida, filha de um sacerdote do deus 
Apolo. Crises, o velho sacerdote, ao ir à tenda dos gregos para resga-
tar a filha em troca de um importante pagamento que estava disposto 
a ofertar, é humilhado e ameaçado de morte por Agamêmnon, que 
se recusa a lhe devolver a jovem filha. O velho, então, dirige-se em 
preces a Apolo e implora que o deus vingue-se dos gregos, no que é 
logo atendido. É nesse momento que, atacados pela cólera de Apolo, 
que causa grande destruição e inúmeras mortes nos acampamentos 
dos gregos, estes, são convocados por Aquiles para uma reunião em 
que solicitam que Agamêmnon devolva a filha de Crises. Só depois 
de muitas disputas e trocas de pesadas acusações entre Aquiles e 
Agamêmnon, o arrogante comandante resolve ceder e entregar a 
moça. Ameaça, contudo, que tomará para si a moça que coubera a 
Aquiles na mesma divisão em que obtivera Criseida.
Vendo cumprida a ameaça de Agamêmnon, Aquiles retira-se da 
guerra, vociferando que não lutaria ao lado nem sob o comando de 
tal homem. Ao se retirar da batalha, Aquiles pede a sua mãe Tetis, 
Aquiles 
Ao longo da narrativa, os gregos são 
referidos por diferentes nomes, como 
aqueus, argivos e dânaos. Já os troianos 
são chamados de dárdanos, dardânidas 
ou dardânios. Também é comum que 
as personagens sejam referidas pela 
ascendência paterna, de modo que 
Aquiles é o Pelida, ou seja, filho de Peleu; 
Agamêmnon é o Atrida, filho de Atreu, etc.
Aula 2 Teoria da Literatura II 47
uma deusa marinha, que vá ao Olimpo interferir junto a Zeus para 
que este ponha os gregos em dificuldades frente aos troianos, de 
modo que, em desgraça, venham a lhe implorar humildemente que 
volte à guerra. Enquanto Aquiles está ausente dos combates, o poeta 
narra as ações de outros heróis grandiosos, como Diomedes e Ájax. 
Em situação cada vez mais difícil, os gregos fazem algumas ten-
tativas para convencer Aquiles a voltar ao campo de batalha, mas 
sempre sem sucesso. Apenas ao saber que Pátroclo, seu companheiro 
mais próximo, foi morto por Heitor, é que Aquiles decide retornar à 
luta. Munido de armadura e escudo recém-feitos pelo deus ferreiro 
Hefesto, o herói grego, enfurecido, dirige-se a Troia, e, após duelar 
com o príncipe troiano Eneias – que só não foi morto graças ao 
auxílio de Apolo –, persegue, sozinho, centenas de troianos, que, 
apavorados, lançam-se ao rio Xanto, como vemos nos versos a seguir:
Ora quando chegaram ao vau do rio de lindíssimo fluir,
o Xanto cheio de redemoinhos, a quem gerara Zeus imortal,
foi aí que Aquiles os dividiu: a uns perseguiu pela planície
até a cidade, aonde os Aqueus espantados tinham fugido
No dia anterior, quando desvariava o glorioso Heitor.
Para lá se entornavam em debandada; e Hera espalhou à frente
deles cerrado para os impedir. Mas a outra metade era
empurrada para as fundas correntes do rio de prateador torvelinhos.
Para lá se atiraram com grande estrondo; ecoaram as correntes
que fluíam a pique e os barrancos em derredor ressoaram. Aos berros
nadavam eles em várias direções, rodopiando nos redemoinhos.
[...]
Em seguida o herói gerado por Zeus deixou a lança na ribeira,
inclinada contra um tamarindo, e mergulhou como um deus,
segurando apenas a espada: planejava no espírito trabalhos ruins.
Pôs-se a dar golpes com a espada, às voltas no rio. Surgiram gritos
pavorosos dos que ele feria; a água ficou vermelha de sangue.
Tal como quando de um golfinho, grande cetáceo, os demais peixes
fogem para encher os recessos de um porto de bom ancoradouro,
aterrorizados; pois sofregamente ele devora tudo o que apanha –
assim os Troianos caíram nas correntes terríveis do rio,
sob os barrancos escarpados. E Aquiles, quando se fartou
da matança, tirou vivos do rio doze mancebos:
o preço do morto Pátroclo, filho de Menécio.
Levou-os de lá, assarapantados como gamos,
e atou-lhes as mãos atrás com as belas correias
que eles traziam como adereços nas túnicas bem tecidas,
e deu-os aos amigos para os levarem para as naus recurvas.
Depois se lançou de novo, ávido de mais morticínio 
(HOMERO, 2013, p. 575-576).
Aula 2 Teoria da Literatura II48
Vemos nessapassagem o quanto a morte de Pátroclo acendeu a ira 
facínora de Aquiles, causadora do pânico e morte dos amedrontados 
guerreiros troianos. A quantidade de troianos mortos por Aquiles, 
nesse momento do combate, é tão grande que o rio Xanto, abarrotado 
pela montanha de cadáveres atirados ao seu leito por Aquiles, não 
consegue mais seguir seu curso natural. Tenta, então, na tentativa 
de recobrar seu curso, matar o herói grego lançando-se contra ele 
em ondas gigantes. Aquiles, conta-nos Homero, será salvo graças à 
intervenção de seus deuses protetores.
Os troianos que até então escaparam da fúria de Aquiles, fogem 
para dentro das muralhas de Troia, com exceção de Heitor, que, mes-
mo sabendo da impossibilidade de derrotar o inimigo grego, prefere 
morrer honrado a fugir ao combate. Ao verem Heitor exposto, Pría-
mo e Hécuba, seus pais, imploram para que ele desista de enfrentar 
Aquiles. Trata-se de um dos momentos mais sublimes do poema: 
[...] e com as mãos [Príamo] arrancou os cabelos brancos
da cabeça. Mas não conseguiu persuadir o coração de Heitor.
Por seu lado a mãe lamentava-se lavada em lágrimas,
desapertando o vestido e com a outra mão mostrando o peito.
E vertendo lágrimas lhe dirigiu palavras aladas:
“Heitor, meu filho, respeita este peito e compadece-te de mim,
se alguma vez te apaziguei dando-te o peito para mamares.
Lembra-te disto, querido filho, e repulsa aquele inimigo
do lado de cá da muralha: não te ponhas aí para o enfrentar.
Pois ele é duro e cruel; e se ele te matar, nunca eu te porei
Num leito para te chorar, ó rebento amado!, que dei à luz,
nem tua mulher prendada. Mas lá longe de nós, junto
das naus dos Aqueus, os rápidos cães te devorarão”
(HOMERO, 2013, p. 601).
Nessa sua fala, Hécuba demonstra temer o terrível destino que 
aguarda o seu filho não apenas em vida, mas também após a morte. 
De fato, depois de matar Heitor num combate singular, Aquiles, ain-
da plenamente dominado pelo desejo de vingar a morte de Pátroclo, 
nega-se a entregar o corpo do inimigo para que os familiares lhes 
prestem as honras fúnebres. Ata pelos pés o corpo já bastante dila-
cerado de Heitor ao seu carro e arrasta-o até o seu acampamento, 
onde, todos os dias, por três vezes, arrodeia o corpo embalsamado 
de Pátroclo. Para recuperar o corpo do filho, Príamo vai até a tenda 
do herói grego, aos pés de quem se humilha e suplica a devolução. 
Mesmo assim, Aquiles não cede de imediato. Apenas ao recordar do 
seu próprio pai é que se vê tocado e permite que Príamo leve os restos 
Saiba mais
Aula 2 Teoria da Literatura II 49
mortais de Heitor. Por nove dias, os gregos e troianos suspendem os 
combates para recolherem os corpos de seus respectivos mortos e 
darem encaminhamento a seus funerais. O poema encerra-se com a 
descrição dos rituais fúnebres dedicados a Heitor. 
Após sua composição no século VIII a.C. e de apro-
ximadamente dois séculos circulando em raríssimos e 
precários manuscritos bem como através da oralidade, 
a primeira edição oficial da Ilíada só foi providenciada 
no século VI a.C., em Atenas. Nessa edição, os estu-
diosos tentaram estabelecer, a partir das várias versões 
do poema que circulavam, a versão mais fidedigna à 
criação original do poeta. No século IV a.C., também 
diante de várias versões, Aristóteles preparou uma edi-
ção que seria lida por Alexandre, o Grande, seu famoso 
discípulo. Na época áurea da Biblioteca de Alexandria, 
já havia um grande quantidade de edições críticas e 
estudos sobre o poema homérico. Nenhuma dessas 
edições chegou até nós de forma integral. Delas res-
tam apenas alguns fragmentos. Os manuscritos mais 
antigos que ainda existem e que trazem a integridade 
do poema são os que foram elaborados pelos copis-
tas eclesiásticos bizantinos por volta do século VIII da 
era cristã. No Renascimento, foram feitas diversas tra-
duções da Ilíada, inicialmente para o latim e, depois, 
para línguas neolatinas. Já sua primeira edição impres-
sa, considerada a edição princeps, foi publicada em 
Florença, em 1488, por Demétrio Calcôndiles. 
2Atividade
Aula 2 Teoria da Literatura II50
Figura 2 – Fragmentos de papiro contendo passagem do Canto XXII da Ilíada.
Fonte: <http://library.duke.edu/rubenstein/scriptorium/papyrus/images/150dpi/4r-at150.gif>. Acesso 
em: 27 mar. 2013.
Pesquise em enciclopédias, livros ou na internet o porquê de a 
epopeia de Homero se chamar Ilíada. Ao descobrir, você não terá 
dificuldades em identificar Troia no mapa seguinte:
Fonte: <http://fail92fail.files.wordpress.com/2008/09/ancient-greece-map.jpg>. Acesso em: 27 mar. 2013.
Aula 2 Teoria da Literatura II 51
Outras epopeias
Do mesmo modo que a Ilíada, a outra epopeia atribuída a Ho-
mero, a Odisseia, também tem recebido por milênios as mais altas 
considerações. Juntas, têm sido considerados os modelos a serem 
seguidos pelos poetas épicos.
Como bem afirma Bernard Knox, 
“Odisseia” é uma palavra comum a várias línguas, com suas 
respectivas variações, e significa, em uma definição genérica, 
“uma longa jornada cheia de aventuras e eventos inesperados”. 
Já a palavra grega Odusseia, a forma da qual o termo deriva, 
significa meramente “a história de Odisseu” [em latim, Ulisses], 
herói grego da guerra de Troia que levou dez anos para regres-
sar ao lar na ilha de Ìtaca, ao largo da costa oeste da Grécia 
continental (KNOX, 2011, p. 7)
De fato, essa transformação do sentido estrito da palavra odisseia em 
um substantivo comum a várias línguas já demonstra a força e abran-
gência da influência do poema ao longo do tempo em todo o mundo.
É nessa narrativa épica – que tem como argumento central a 
fabulosa e perigosa viagem de retorno de Ulisses de Troia ao seu 
reino em Ítaca – que se encontram diversas personagens que ainda 
hoje integram o repertório mais frequentemente visitado da cultura 
ocidental: Ulisses com sua incomum inteligência, Penélope com sua 
inquestionável fidelidade, Telêmaco com seu amor filial, Polifemo 
com sua ingenuidade, as sereias com seu canto belo e mortal, etc.
Apenas para aguçarmos o interesse na leitura integral da Odisseia, 
transcrevemos seus versos iniciais:
Fala-me, Musa, do homem astuto que tanto vagueou,
Depois que de Troia destruiu a cidadela sagrada.
Muitos foram os povos cujas cidades observou,
Cujos espíritos conheceu; e foram muitos no mar
Os sofrimentos por que passou para salvar a vida,
Para conseguir o retorno dos companheiros a suas casas.
Mas a eles, embora o quisesse, não logrou salvar.
Não, pereceram devido à sua loucura,
Insensatos, que devoraram o gado sagrado de Hipérion,
O Sol – e assim lhes negou o deus o dia do retorno.
Destas coisas fala-nos agora, ó deusa, filha de Zeus
(HOMERO, 2011, p. 119).
Após Homero, vários outros grandes poetas empreenderam es-
forços na elaboração de epopeias. Estes, todavia, diferentemente do 
Poetas épicos 
As epopeias homéricas já serviram de 
base para uma grande quantidade de 
filmes, entre os quais destacamos: Ulisses, 
de Mario Camerini, lançado em 1955; 
Odisseia, de Andrei Konchalovski, lançado 
em 1997, e Tróia, de Wolfgang Petersen, 
lançado em 2004.
Aula 2 Teoria da Literatura II52
poeta grego, já viviam em épocas em que a palavra escrita dominava 
plenamente os círculos da cultura erudita. Entre esses autores, mere-
cem destaque o poeta latino Publius Vergilius Maro, mais conhecido 
por Virgílio, e o português Luís Vaz de Camões.
Depois de Homero, Virgílio foi o poeta mais célebre da Antigui-
dade. A Eneida, sua grande epopeia – assim como as Bucólicas e 
as Geórgicas, suas principais obras não-épicas – foram exaustiva-
mente imitadas. Durante muitos séculos a influência da Eneida foi 
maior que a dos poemas homéricos, entre outras razões, pelo fato 
de a língua grega não ter o mesmo número de leitores que a língua 
latina. O poema de Virgílio serve-se imensamente das epopeias ho-
méricas e apresenta como núcleo narrativo central a venturosa saga 
de Enéias, príncipe troiano, que foge das ruínas de Troia para fundar 
uma nova cidade,

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