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BIO QUÍ M EMA GRE C OQ UÍM ICA AG REC IM BIOQUÍMICA DO EMAGRECIMENTO (MUITO ALÉM DE APENAS DÉFICIT CALÓRICO) DUDU HALUCH TANISE MICHELOTTI UÍM IC BIOQUÍMICA DO EMAGRECIMENTO MUITO ALÉM DE APENAS DÉFICIT CALÓRICO DUDU HALUCH TANISE MICHELOTTI Balneário Camboriú 2023 “Dudu Haluch”: Carlos Eduardo Ferreira Haluch Copyright © 2023 por Carlos Eduardo Ferreira Haluch - “Dudu Haluch” Todos os direitos reservados. Capa Dudu Haluch, Thaís Essu Figuras Dudu Haluch, Tanise Michelotti, Thaís Essu Editor Dudu Haluch Site: www.duduhaluch.com.br E-commerce: www.livrosduduhaluch.com.br facebook.com/eduardo.haluch.5 instagram.com/duduhaluch SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 6 1.1 Ganho de peso e obesidade................................................................................ 7 1.2 Balanço energético .............................................................................................. 9 2 CARBOIDRATOS .................................................................................................... 12 2.1 Digestão dos carboidratos ................................................................................. 14 2.2 Metabolismo dos carboidratos ........................................................................... 15 2.3 Qual a quantidade de carboidratos necessária para estimular a liberação de insulina? .................................................................................................................. 17 2.4 Glicólise e glicogênese ...................................................................................... 18 2.5 Gliconeogênese ................................................................................................ 21 2.6 Metabolismo de carboidratos e perda de peso .................................................. 24 2.7 Dietas altas em carboidratos contribuem para o ganho de gordura corporal? ... 26 2.8 Insulina e emagrecimento ................................................................................. 33 2.9 Melhora da sensibilidade à insulina ................................................................... 35 2.10 Flexibilidade metabólica .................................................................................. 37 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 39 3 LIPIDEOS ................................................................................................................ 41 3.1 Digestão dos lipídeos ........................................................................................ 42 3.2 Lipogênese de novo e ganho de gordura .......................................................... 44 3.3 Lipólise e oxidação de ácidos graxos ................................................................ 48 3.3.1 Lipólise ....................................................................................................... 50 3.3.2 Oxidação .................................................................................................... 53 3.4 Formação de corpos cetônicos e dieta cetogênica ............................................ 55 3.4.1 Por que a cetose não otimiza a perda de gordura? ..................................... 59 3.4.2 Cetogênese acelera o metabolismo? .......................................................... 60 3.5 A gordura queima em uma chama de carboidratos? ......................................... 61 3.6 O adipócito e a leptina na perda de peso .......................................................... 64 3.7 Tecido adiposo, obesidade e resistência à insulina ........................................... 66 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 69 4 PROTEÍNAS ............................................................................................................ 71 4.1 Aminoácidos essenciais, não essenciais e condicionalmente essenciais .......... 72 4.2 Digestão e absorção ......................................................................................... 73 4.3 Metabolismo de proteínas ................................................................................. 74 4.3.1 Destino do nitrogênio .................................................................................. 75 4.4 Aminoácidos e gliconeogênese ......................................................................... 77 4.5 Insulina e inibição da degradação proteica ........................................................ 78 4.6 Metabolismo de proteínas e perda de peso ....................................................... 79 4.7 Dietas hiperproteicas e emagrecimento ............................................................ 80 4.7.1 Proteínas, termogênese e saciedade .......................................................... 82 4.7.2 Proteínas e composição corporal ................................................................ 85 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 87 5 CICLO DE KREBS ................................................................................................... 89 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 93 6 FOSFORILAÇÃO OXIDATIVA ................................................................................. 94 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 97 7 MECANISMOS REGULATÓRIOS DA FOME E DA SACIEDADE ............................ 98 7.1 Resistência à insulina ...................................................................................... 101 7.2 Resistência à leptina ....................................................................................... 110 7.3 Alimentos processados - impactos sobre o metabolismo ................................ 112 REFERÊNCIAS .................................................................................................... 115 8 ADAPTAÇÕES FISIOLÓGICAS NA PERDA DE PESO ......................................... 116 8.1 Termogênese adaptativa (adaptação metabólica) ........................................... 116 8.1.1 Adaptação metabólica persistente 6 anos após a competição “The Biggest Loser” ................................................................................................................ 118 8.2 Aumento do apetite ......................................................................................... 121 REFERÊNCIAS .................................................................................................... 124 9 METABOLISMO DO JEJUM INTERMITENTE ....................................................... 125 9.1 Eficácia do jejum intermitente no emagrecimento e na otimização da composição corporal ................................................................................................................. 127 REFERÊNCIAS .................................................................................................... 130 10 PERDA DE PESO RÁPIDA X PERDA DE PESO GRADUAL .............................. 131 REFERÊNCIAS .................................................................................................... 136 11 TERMOGÊNICOS E INIBIDORES DO APETITE ................................................. 137 11.1 Introdução ..................................................................................................... 137 11.2 Receptores adrenérgicos .............................................................................. 138 11.3 Chá verde ......................................................................................................140 11.4 Cafeína.......................................................................................................... 143 11.5 Citrus aurantium ............................................................................................ 145 11.6 Capsaicina e capsiate ................................................................................... 145 11.7 Ioimbina ......................................................................................................... 146 11.8 Efedrina ......................................................................................................... 148 11.9 Clembuterol ................................................................................................... 150 11.10 Salbutamol .................................................................................................. 152 11.11 Ozempic e análogos de GLP-1 .................................................................... 152 11.12 Metformina .................................................................................................. 156 11.13 Sibutramina ................................................................................................. 157 11.14 Orlistat ......................................................................................................... 158 REFERÊNCIAS .................................................................................................... 160 Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 6 1 INTRODUÇÃO Há muitos anos o emagrecimento é amplamente debatido, seja por profissionais da saúde, seja por pessoas leigas. Entretanto, nos últimos anos esse tema vem ganhando destaque devido ao grande aumento no número de pessoas com sobrepeso e obesidade. Você, como profissional, ou não, da saúde certamente já ouviu diversas afirmações acerca de emagrecimento, como “água com limão emagrece” ou “água gelada acelera o metabolismo”. Embora a maioria de vocês já tenha tomado conhecimento que essas afirmações não são verídicas, é preciso ter uma visão muito mais ampla de todos os processos que envolvem o emagrecimento e entender o mínimo de bioquímica é primordial para não sair afirmando que algo é ou não verídico, sem ao menos conhecer suas bases teóricas. Existem diversas perguntas que com certeza já foram feitar-nos ou pensadas: “consumir abaixo da taxa metabólica basal é prejudicial?”, “dietas low carb apresentam vantagens sobre o emagrecimento?”, “dieta cetogênica acelera o metabolismo?”, “suplementos termogênicos contribuem para o aumento do gasto calórico?”, “como evitar o efeito platô?”. Essas, entre outras, são apenas exemplos de perguntas que você, profissional da saúde, precisa ter a capacidade de respondê-las e explicá-las, principalmente se você trabalha com emagrecimento. Comumente é encontrado frases como “para emagrecer basta déficit calórico” ou “basta apenas ingerir menos e gastar mais”. Essas frases, embora verídicas, fazem-nos pensar que não é necessário nutricionistas, educadores Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 7 físicos ou médicos para tratar um paciente com obesidade. Reduzir o emagrecimento e a nutrição apenas a contar calorias pode refletir tanto na sensação de incapacidade do paciente quanto na simplificação do trabalho profissional. Embora seja relativamente fácil promover a perda de peso em um paciente, precisamos nos perguntar: Como que essa perda foi promovida? Por quanto tempo irá se pendurar? Como será o reganho? Como ficará a sua saúde, incluindo questões psicológicas? Quais são os motivos que estão impedindo o paciente de emagrecer? O nosso trabalho não é apenas promover a perda de peso e o emagrecimento, lidamos com diversas questões envolvidas e com certeza entender a bioquímica do emagrecimento trará a vocês maior segurança nos atendimentos e leituras subsequentes. Portanto, o nutricionista, educador físico ou qualquer outro profissional da saúde precisa ter uma visão tanto macro quanto microscópica de todos os processos que ocorrem com o nosso corpo antes de apenas reproduzir frases prontas. 1.1 GANHO DE PESO E OBESIDADE A obesidade é, de forma geral, uma consequência de uma ingestão calórica excessiva associada a um baixo gasto calórico por um período crônico (balanço calórico positivo). Entretanto, há diversos fatores que podem ter levado esses indivíduos ao balanço calórico positivo, como questões socioculturais e emocionais, sedentarismo, utilização de medicamentos, falta de conhecimento acerca de questões básicas sobre nutrição, fatores genéticos, ambientais etc. Portanto, afirmar que a obesidade e/ou o sobrepeso são ocasionados apenas pelo excesso alimentar é, embora verídico, muito simplista, pois ignora os diversos fatores responsáveis por levar esses indivíduos ao aumento do consumo calórico. Provavelmente não seja nenhuma novidade que a obesidade vem aumentando expressivamente. Em 2016 foi publicado um artigo na Lancet mostrando que no ano de 1975 havia 71 milhões de mulheres com obesidade no mundo e 34 milhões de homens. Em 2014 esse número subiu para 375 milhões de mulheres e 266 milhões de homens. Percebam que o número de pessoas Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 8 com obesidade aumentou cerca de 5 a 7 vezes ao longo de 39 anos e, se, de fato, fizesse algum sentido afirmações acerca da obesidade é falta de vontade, não haveria milhares de pessoas sofrendo-a. Por esse e outros motivos que devemos entender quais as repercussões metabólicas estão presentes na obesidade e quais são as suas bases bioquímicas. O excesso de tecido adiposo tem sido considerado um fator de risco para doenças cardiovasculares e diabetes mellitus 2. No entanto, várias observações destacam que, mais do que o excesso de gordura em si, a distribuição de gordura, em especial nas regiões centrais do corpo (também denominadas como gordura visceral, intra-abdominal ou omental), desempenha um papel importante nestas associações. Estudos têm mostrado que indivíduos com obesidade central apresentam uma elevada incidência de resistência à insulina, quando comparados àqueles com obesidade subcutânea e que a obesidade central é o maior fator de ligação com a síndrome metabólica. Observação: Um dos principais parâmetros para se avaliar a presença de obesidade é o índice de massa corporal (IMC). Embora esse índice apresente falhas, é amplamente utilizado tanto na prática clínica, quanto em estudos científicos. Nesse sentido, o IMC não deve ser utilizado em pacientes que apresentam uma grande quantidade de massa muscular, como fisiculturistas, pois é um parâmetro que leva em consideração apenas o peso e altura do paciente, não diferenciando massa magra e massa gorda. Por outro lado, pode ser útil para a população que apresenta excesso de peso (obviamente qualquer pessoa saberá diferenciar um fisiculturismo de um indivíduo obeso, logo, é simples filtrar o público que o utilizará). Portanto, não podemos afirmar que o IMC é um parâmetro inútil, embora seja simplista, pois a sua utilização dependerá do público e cabe ao profissional utilizá-lo ou não em sua prática clínica. Atualmente, um assunto que é amplamente debatido é a predisposição à obesidade. Quem nunca ouviu e até mesmo já pronunciou a seguinte frase “não faço dieta porque tenho tendência a ganhar peso, logo, não irá resolver”. De fato, Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 9 há indivíduos mais susceptíveis a desenvolver sobrepeso ou obesidade do que outros, no entanto, essa predisposição não pode ser considerada o único fator responsável. Uma interação de fatores genéticos, epigenéticos, sociais e ambientais circundam esse quadro. Nesse sentido, mesmo que uma pessoa nasçacom predisposição à obesidade, ela não a desenvolverá se não for exposta ambientalmente à fatores obesogênicos. Por exemplo, um ambiente onde o gasto energético é baixo e há uma alta disponibilidade de alimentos palatáveis, a variação do peso tende a ser grande devido a existência de um balanço energético positivo crônico que impede esses indivíduos de perderem peso. Por outro lado, por mais que o indivíduo possua uma predisposição à obesidade, se ele possuir um estilo de vida ativo e manter uma alimentação saudável, a variação no seu peso corporal tende a ser pequena, justamente pelo fato de existir um balanço energético negativo que impede que esses indivíduos ganhem peso excessivamente. Portanto, realmente existem pessoas que apresentam predisposição genética à obesidade, no entanto, quem irá determinar isso será o ambiente. É importante que o ambiente esteja interagindo para que esse gene determine as suas expressões. 1.2 BALANÇO ENERGÉTICO Durante a maior parte da nossa vida adulta, a tendência do nosso peso corporal é se manter estável por longos períodos (meses, anos). Podem ocorrer pequenas oscilações diárias devido ao ganho e a perda de água, mas a composição corporal tende a se manter estável. As grandes mudanças que ocorrem durante a fase de crescimento e desenvolvimento (infância e adolescência) são devido às influências hormonais (hormônio do crescimento, testosterona, estrogênio, insulina, hormônios tireoidianos). Para que um indivíduo adulto mantenha seu peso estável é necessário que seu gasto energético diário seja igual a sua ingestão de calorias diárias (ingestão energética), ou seja, ele deve manter um balanço energético neutro: Gasto Energético = Ingestão Energética O nosso corpo tem um sistema homeostático que funciona incrivelmente bem a maior parte do tempo, de forma que mudanças no gasto energético e na Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 10 ingestão energética tendem a se equiparar ao longo de vários dias. Na sequência, iremos compreender os componentes do gasto energético para entender como funciona esse sistema homeostático que mantém o peso corporal estável a maior parte do tempo. O gasto energético diário total (GET) tem basicamente três componentes: o gasto energético de repouso (GER), que se refere ao gasto energético para manter a temperatura do organismo e suas funções vitais normais (batimento cardíaco, respiração etc.); o gasto energético da atividade física (GAF), que inclui o gasto energético devido ao exercício físico e o gasto energético das atividades do dia a dia (andar, trabalhar, brincar etc.), que é a principal variável que diferencia o gasto energético diário entre diferentes indivíduos; e o efeito térmico dos alimentos (ETA), que é o gasto energético devido a um aumento do metabolismo por causa dos processos de digestão, absorção e armazenamento no organismo, e normalmente contribui com 10% do gasto energético diário. Cerca de 50 a 70% do gasto energético diário corresponde ao GER. O GAF pode variar muito entre indivíduos sedentários e indivíduos muito ativos, podendo ser mais de 50% do GET. A contribuição do gasto energético para refeições de carboidratos e gorduras não passa de 5%, enquanto uma refeição rica em proteínas pode levar a um gasto energético de até 30% das calorias ingeridas. Dessa forma, o gasto energético diário pode ser escrito da seguinte forma: GET = GER + ETA + GAF Se um indivíduo ganha peso e gordura isso significa que sua ingestão energética (IE) é maior do que seu GET: IE > GET (balanço energético positivo) Nesse caso, dizemos que o indivíduo está em balanço energético positivo, pois está ingerindo mais calorias do que seu corpo está gastando. Nessa situação, o excesso de calorias tende a ser armazenado principalmente na forma de gordura (mas também ocorre aumento da massa magra). Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 11 Se um indivíduo perde peso significa que sua ingestão energética (IE) é menor do que seu GET: IE < GET (balanço energético negativo) Nesse caso, dizemos que o indivíduo está em balanço energético negativo, pois está ingerindo menos calorias do que seu corpo está gastando. Nessa situação a maior parte do peso perdido tende a ser gordura corporal, mas em algumas situações o indivíduo pode perder muita massa magra (massa muscular, massa dos outros órgãos e tecidos, e água). Embora pareça simples mudar o peso corporal alterando as variáveis do GET ou a ingestão energética, nosso corpo tem mecanismos homeostáticos que tornam essas mudanças mais difíceis e ajudam a manter balanço energético equilibrado a maior parte do tempo. Essa homeostase é mantida por meio do controle da ingestão energética por um sistema neuroendócrino que regula a fome e à saciedade, e por alterações compensatórias nos componentes do gasto energético que ocorrem com a perda ou ganho de peso. Na sequência iremos estudar o metabolismo de carboidratos e lipídeos, para posteriormente estudar os fatores envolvidos no emagrecimento, bem como no ganho de peso. Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 12 2 CARBOIDRATOS Os carboidratos, na grande maioria das vezes, são os principais componentes da dieta. Os carboidratos podem ser classificados em quatro grupos (monossacarídeos, dissacarídeos, oligossacarídeos e polissacarídeos). Os monossacarídeos são os carboidratos mais simples existentes e os mais comumente encontrados nos alimentos são a glicose, a frutose e a galactose. A glicose (ou dextrose) é o monossacarídeo mais abundante na natureza e a principal fonte de energia para o ser humano. A glicose está presente em diversos tipos de alimentos, seja na sua forma livre, presente no mel e nas frutas, seja ligada a outras moléculas de glicose ou a outros monossacarídeos. A frutose também pode ser encontrada na sua forma livre nas frutas e no mel, entretanto, é encontrada principalmente na sacarose (açúcar de mesa). A galactose, por outro lado, é encontrada nos alimentos apenas quando se liga a glicose, formando a lactose. Dessa forma, embora esses monossacarídeos possam ser encontrados na sua forma livre nos alimentos, são encontrados principalmente ligados a outros monossacarídeos (formando dissacarídeos e polissacarídeos), conforme explicado abaixo. A união de duas moléculas de monossacarídeos dá origem a um dissacarídeo. Nesse sentido, quando uma molécula de glicose forma uma ligação glicosídica com uma molécula de frutose, tem-se o dissacarídeo sacarose, encontrado, principalmente, no açúcar de mesa. A sacarose é considerada o açúcar padrão, uma vez que a doçura dos demais açúcares e edulcorantes é avaliada em relação a ela, sendo a glicose menos doce que a sacarose e a frutose 30% mais doce que a sacarose. Da mesma forma, quando a galactose se associa a molécula de glicose por meio de uma ligação glicosídica, forma-se o dissacarídeo lactose, encontrado em produtos lácteos. Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 13 Por fim, quando duas moléculas de glicose se associam forma-se o dissacarídeo maltose, encontrado na cerveja e após a degradação do amido no processo de digestão. Os oligossacarídeos compreendem carboidratos compostos por 3 a 10 monossacarídeos, entretanto, há divergência entre os livros na quantidade de monossacarídeos, sendo que alguns os classificam diretamente como polissacarídeos. A rafinose (trissacarídeo) e estaquiose (tetrassacarídeo) são exemplos de oligossacarídeos encontradas, principalmente, no feijão e são compostos por galactose, frutose e glicose. As enzimas digestórias humanas não são capazes de hidrolisá-los, entretanto, as bactérias intestinais hidrolisam- nas e por esse motivo algumas pessoas sentem flatulência após seu consumo. Por fim,a maior parte da dieta humana é composta por polissacarídeos. Polissacarídeos são vários monossacarídeos unidos entre si por ligações glicosídicas. Os principais exemplos de polissacarídeos são o amido e o glicogênio. O amido é o principal polissacarídeo de origem vegetal e é encontrado em diversos alimentos como arroz, batata, mandioca, macarrão e pão. O glicogênio é um polissacarídeo de armazenamento (fonte de reserva energética). Quando consumimos uma determinada quantidade de carboidratos, uma parcela pode ser direcionada ao nosso fígado e ao nosso músculo para armazenamento (principais locais de armazenamento do glicogênio). Os estoques de glicogênio serão importantes em períodos de jejum para manter a glicemia estável. Além desses dois importantes polissacarídeos, os seres humanos também consomem polissacarídeos não amido, os quais não podem ser digeridos pelo nosso organismo, mais conhecidos como fibras alimentares (celulose, hemicelulose, pectinas). Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 14 2.1 DIGESTÃO DOS CARBOIDRATOS A digestão de carboidratos tem início na boca com o processo de mastigação e ação da enzima amilase salivar (ptialina), que inicia o processo de hidrólise (quebra) do amido. Ao chegar no estômago essa enzima é inativada devido ao baixo pH estomacal (pH ~ 2). A digestão enzimática dos carboidratos continua no intestino delgado, onde a chegada do bolo alimentar promove a liberação do hormônio secretina, que alcaliniza o meio por promover a secreção de bicarbonato pelo pâncreas. No intestino delgado, o pH levemente alcalino (pH ~ 7 - 8) permite a atividade das enzimas amilase pancreática e glicoamilase, responsáveis pela degradação do amido. Os produtos da degradação do amido e dos oligossacarídeos são monossacarídeos (glicose, frutose) e dissacarídeos (sacarose, maltose, isomaltose). Apenas monossacarídeos podem ser absorvidos pelas microvilosidades intestinais, enquanto os dissacarídeos precisam sofrer hidrólise por enzimas presentes na borda em escova do intestino. Essas enzimas são chamadas de dissacaridases, e três delas têm intensa atividade na borda em escova: a sacarase, que atua sobre a sacarose, produzindo glicose e frutose; a maltase, que atua sobre a maltose, produzindo duas moléculas de glicose; e a lactase, que atua sobre a lactose, produzindo glicose e galactose. Os produtos da digestão dos carboidratos são os monossacarídeos glicose, frutose e galactose. A absorção desses monossacarídeos no intestino delgado ocorre por diferentes mecanismos, envolvendo moléculas transportadoras distintas. A glicose e a galactose são transportadas para o interior das células da mucosa intestinal por um processo ativo (que requer gasto de energia, ATP), pela proteína transportadora SGLT-1 (cotransportador de glicose 1 dependente de sódio). Já a frutose é transportada para o interior das células intestinais pela proteína transportadora GLUT-5, processo conhecido como difusão facilitada. Após a absorção, quase toda frutose e galactose são convertidas em glicose no fígado. Essa glicose será utilizada como fonte de energia pelos diferentes tecidos do organismo, e uma boa parte é armazenada na forma de glicogênio, principalmente pelo fígado e pelos músculos. Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 15 Figura 2.1 – Digestão dos carboidratos. A digestão dos carboidratos começa na boca, com o processo de mastigação, pela ação da enzima α-amilase salivar (ptialina). Logo após, os carboidratos passam pelo esôfago e pelo estômago, todavia, a maior parte de sua digestão ocorre no intestino delgado pela ação das enzimas pancreáticas α-amilase pancreática e glicoamilase, responsáveis por degradar o amido. Dessa forma, a quebra do amido resulta em partículas menores (maltose e isomaltose), que, da mesma forma que a sacarose e a lactose, sofrem degradação pelas dissacaridases (maltase, isomaltase, sacarase e lactase) na borda em escova do intestino delgado. A degradação dos dissacarídeos resulta em monossacarídeos (glicose, frutose e galactose), que são absorvidos no intestino delgado. As fibras alimentares não sofrem ação das enzimas digestivas e, com isso, são direcionadas ao intestino grosso, onde podem sofrer fermentação pelas bactérias presentes nessa região (microbiota). 2.2 METABOLISMO DOS CARBOIDRATOS Conforme visto, após serem consumidos, os carboidratos são degradados, principalmente, pelas enzimas amilase salivar (boca) e amilase pancreática (intestino delgado). Nesse sentido, a degradação do amido no intestino delgado resulta em moléculas de glicose (após a ação das dissacaridases intestinais), que após serem absorvidas no intestino, entram na corrente sanguínea, sendo direcionadas aos tecidos. A glicose é então captada pelos tecidos que precisam utilizá-la como fonte de energia através de proteínas transportadoras chamadas GLUTs. Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 16 Tabela 2.1 - Transportadores de glicose (GLUTs) são proteínas encontradas nas membranas celulares que transportam a glicose para o interior das células. O GLUT-2 pode tanto transportar a glicose do sangue para a célula, quanto da célula para o sangue. O GLUT-4 é o principal transportador de glicose presente no tecido muscular e adiposo e é dependente da ação da insulina, exceto durante o exercício, quando esses tecidos têm a captação de glicose aumentada mesmo com os níveis de insulina reduzidos. Existem diferentes tipos de GLUTs, dependendo do tecido em que atuam. Boa parte dos tecidos realiza a captação de glicose sem a necessidade da ação da insulina, mas o tecido muscular e o tecido adiposo dependem da ação da insulina para captar a maior parte da glicose da corrente sanguínea. Nesses tecidos, a glicose é captada pela proteína GLUT-4, que é estimulada pela insulina. Após entrar nos tecidos, a glicose sofre a ação da enzima hexoquinase. A hexoquinase é responsável por adicionar um grupo fosfato a molécula de glicose, formando glicose-6-fosfato. Esse processo é indispensável para que a molécula de glicose permaneça dentro da célula, uma vez que a maioria das células não apresentam transportadores para açúcares fosforilados na membrana plasmática. Portanto, após ser captada pelas células e fosforilada pela hexoquinase, a glicose-6-fosfato pode ser utilizada como fonte de energia na glicólise (produzindo ATP) ou ser armazenada na forma de glicogênio, principalmente no fígado e no músculo esquelético. Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 17 2.3 QUAL A QUANTIDADE DE CARBOIDRATOS NECESSÁRIA PARA ESTIMULAR A LIBERAÇÃO DE INSULINA? Há quatro isoenzimas diferentes de hexoquinase (isoenzimas são enzimas diferentes que realizam a mesma reação), hexoquinase I, II, III e IV, codificados por quatro genes diferentes, destacando-se a I, II e a IV. A hexoquinase I é expressa, predominantemente, no cérebro e nos eritrócitos (hemácias). A hexoquinase II é expressa, predominantemente, nos miócitos (células musculares) e a hexoquinase IV, predominantemente, no fígado e no pâncreas. Todas as isoformas de hexoquinase apresentam diferentes Km de acordo com o tecido que será expresso. O Km é definido como a concentração de substrato (glicose) para a qual a velocidade da reação é metade da velocidade máxima. Dessa forma, o Km é inversamente proporcional à afinidade pelo substrato, quanto maior o Km da enzima, menor será sua afinidade pelo substrato e quando menor o Km, maior será a afinidade. A hexoquinase I apresenta Km de 0,2mM e a hexoquinase II, de 0,1mM. Ambas são inibidas pela glicose-6-fosfato, ou seja, sempre que a concentração intracelular de glicose-6-fosfato se eleva acima do seu nível normal, essas enzimas são inibidas temporariamente. Por outro lado, a hexoquinase IVapresenta um Km de 10mM (maior que a concentração de glicose sanguínea, que é 3-5mM) e não se satura, dessa forma, pode continuar agindo quando o acúmulo de glicose inibe as demais hexoquinases (ao mesmo tempo, contribui para evitar uma hiperglicemia). A hexoquinase I e II apresentam um Km 50 e 100 vezes inferior a hexoquinase IV, respectivamente. Logo, o cérebro, os eritrócitos e os miócitos apresentam uma afinidade muito maior pela glicose do que o pâncreas ou o fígado. É por esse motivo que pequenas quantidades de carboidratos não estimulam diretamente a liberação de insulina, pelo contrário, caso você ofereça uma pequena quantidade de substrato (glicose), o seu corpo irá priorizar a geração de energia a nível central ou muscular (incluindo músculo cardíaco), ao invés de enviá-la diretamente ao pâncreas para liberação de insulina. Entretanto, é preciso compreender que essa regra é válida apenas quando pequenas quantidades de carboidratos são ingeridas após um período Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 18 de inanição, pois dessa forma o corpo estará necessitando de glicose para suprir suas demandas básicas, como o adequado funcionamento cerebral e cardiovascular. Por exemplo, supondo que você esteja a 12h sem se alimentar e decide consumir uma bala, considerando que a quantidade de carboidratos presente nessa bala é pequena e que o tempo sem se alimentar é longo, não haverá liberação de insulina, uma vez que o seu corpo apresenta outras prioridades ao invés de enviá-la diretamente ao pâncreas para liberação de insulina (todavia, o mesmo não ocorre caso você já tenha realizado uma refeição contendo um alto conteúdo de carboidratos e após 30 min consumir uma bala). Portanto, a liberação ou não de insulina irá depender do tempo sem se alimentar e da quantidade de carboidratos ingerida. Observação: É importante compreender que a liberação de insulina nunca está zerada, exceto em pacientes diabéticos tipo 1, e o que ocorre é uma maior ou uma menor liberação ao longo do dia. 2.4 GLICÓLISE E GLICOGÊNESE Dois caminhos que a glicose pode percorrer após sofrer a ação da enzima hexoquinase é gerar energia (glicólise) e ser armazenada na forma de glicogênio (glicogênese). Além disso, a glicose pode ser direcionada para síntese de ácidos graxos e para a via das pentose-fosfato. Existem basicamente dois tipos de glicólise: glicólise aeróbia, que ocorre apenas com a presença de oxigênio e em células com mitocôndrias; glicólise anaeróbia, que ocorre sem a presença de oxigênio e em células sem mitocôndrias (eritrócitos, medula adrenal). Na glicólise aeróbia, a glicose é degradada até um composto chamado “piruvato” em uma série de 10 reações. O piruvato é convertido em acetil-Coa pela enzima piruvato desidrogenase (PDH). O acetil-Coa é o intermediário comum do metabolismo de carboidratos, gorduras e proteínas. A maior parte da produção de energia da via glicolítica ocorre com a oxidação do acetil-Coa no ciclo de Krebs, que ocorre na mitocôndria. A oxidação de glicose pela glicólise aeróbia produz um total de 32 ATP por molécula de glicose. Essa via é a principal responsável pelo Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 19 fornecimento de energia pelos carboidratos. Dessa forma, a glicose é direcionada a glicólise quando a célula necessidade de energia. A glicólise anaeróbia ocorre quando a célula não recebe oxigênio (hipóxia) ou quando a célula não apresenta mitocôndrias (hemácias). É um processo comum que ocorre nas fibras musculares em exercícios de alta intensidade (musculação, HIIT), quando a demanda energética da célula aumenta rapidamente e a produção de ATP pela via aeróbia é mais lenta para suprir as necessidades do músculo. Nesse caso, a glicose é degradada em piruvato, mas o piruvato não forma acetil-Coa, e sim lactato. O lactato pode sair da célula e virar glicose no fígado (gliconeogênese) ou também ser convertido em piruvato pela enzima lactato desidrogenase em outros tecidos (coração, rins) e ser oxidado pelo ciclo de Krebs. Quando existe um grande aporte de carboidratos na dieta, parte da glicose é utilizada como fonte de energia pelo organismo, e o excesso é armazenado na forma de glicogênio no fígado e no músculo esquelético. O fígado pode armazenar cerca de 70-100 g de glicogênio, e o músculo esquelético pode armazenar cerca de 400-500 g de glicogênio. Considerando que os estoques de glicogênio são limitados, um grande excesso de carboidratos em conjunto com um superávit calórico pode favorecer a síntese de ácidos graxos a partir da glicose, processo conhecido como lipogênese. A síntese de glicogênio acontece principalmente pela ação de uma enzima, a glicogênio sintase. Esse processo é conhecido como glicogênese e é estimulado pelos altos níveis de glicose e insulina, ou seja, ocorre de forma intensa logo após as refeições com grande aporte de carboidratos. O fígado não precisa da insulina para captar glicose, uma vez que a proteína que transporta glicose para dentro das células hepáticas, GLUT-2, funciona independente da insulina. Por outro lado, o músculo esquelético precisa da insulina para captar as moléculas de glicose presentes na corrente sanguínea. Essa captação ocorre porque a insulina aumenta a quantidade de proteínas GLUT-4, responsáveis pela captação da glicose no músculo e no tecido adiposo. No entanto, durante o exercício, a captação de glicose via GLUT- Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 20 4 é independente da insulina (já que os níveis de insulina estão reduzidos), mediada pela proteína AMPK. O glicogênio armazenado no fígado e no músculo funciona como reserva de energia para o organismo, mas existem algumas diferenças no uso desse glicogênio. O glicogênio hepático fornece glicose para a corrente sanguínea no período após as refeições e essa glicose é fundamental para fornecer energia para o cérebro e os tecidos dependentes de glicose (eritrócitos, medula adrenal, retina). Já o glicogênio muscular não é capaz de fornecer glicose para os demais tecidos, apenas para o músculo esquelético; devido à ausência de uma enzima, a glicose6-fosfatase. Portanto, o glicogênio hepático tende a se esgotar mais rapidamente durante um período de jejum, enquanto o glicogênio muscular depende mais do trabalho muscular para ser esgotado. Figura 2.2 - Glicogênese e glicogenólise. A insulina aumenta a síntese de glicogênio pelo estímulo da enzima glicogênio sintase e inibe a degradação do glicogênio pela inibição da enzima glicogênio fosforilase. Os hormônios antagônicos da insulina glucagon e adrenalina (epinefrina) realizam o oposto. O glucagon e a adrenalina aumentam quando os níveis de glicose e insulina estão baixos, como no jejum e durante o exercício físico. Esses hormônios inibem a glicogênio sintase e estimulam a glicogênio fosforilase, inibindo a glicogênese e estimulando a glicogenólise. Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 21 Conforme mencionado acima, o glicogênio funciona como uma reserva energética e para seja possível utilizar o glicogênio como fonte de energia é necessário a ação de uma enzima chamada de glicogênio fosforilase. A glicogênio fosforilase é responsável por degradar o glicogênio em várias moléculas de glicose, processo chamado de glicogenólise. A glicogenólise ocorre de forma mais acentuada quando os níveis de glicose e insulina estão baixos. Nessa fase, o organismo utiliza as reservas de glicogênio como fonte de energia, embora a gordura (ácidos graxos) também seja uma importante fonte de energia nesse período. 2.5 GLICONEOGÊNESE Nosso cérebro consome cerca de 100-120 g de glicose por dia, quantidade que pode ser obtida facilmente pela ingestão de carboidratos (amido, açúcares). Diferente da maioria dos órgãos e tecidos do organismo,que utilizam ácidos graxos (gordura) além da glicose, o cérebro depende quase exclusivamente da glicose como fonte de energia (pode utilizar corpos cetônicos também). Quando consumimos uma boa quantidade de carboidratos, uma parte é utilizada pelos tecidos para obter energia através da via glicolítica, e o excesso é armazenado como glicogênio no fígado e no músculo esquelético. As reservas de glicogênio muscular e hepático suprem as necessidades energéticas do organismo no período após as refeições (pós-prandial) e durante o exercício físico. O glicogênio muscular fornece glicose apenas para a contração muscular, não podendo fornecer energia para os demais tecidos do organismo. Já as reservas de glicogênio do fígado podem fornecer glicose para os demais tecidos do organismo, sendo o cérebro e os músculos os maiores consumidores desse substrato durante o período pós-prandial. O glicogênio hepático é consumido totalmente depois de 12-18 horas de jejum. Depois de algumas horas de jejum, o glicogênio hepático reduz drasticamente e os níveis de insulina estão reduzidos, enquanto os de glucagon estão aumentados. Nesse período, o fígado passa a sintetizar glicose a partir de outros compostos não carboidratos (aminoácidos, lactato e glicerol). Esse processo é conhecido como gliconeogênese e acontece predominantemente no Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 22 fígado, embora os rins também possam contribuir significativamente durante o jejum prolongado. A função da gliconeogênese é manter os níveis de glicose sanguínea estáveis durante o jejum, quando as reservas de glicogênio hepático estão baixas e não há consumo de carboidratos. A gliconeogênese é estimulada pelo glucagon e pela adrenalina, sendo que os aminoácidos são os principais substratos para a síntese de glicose, principalmente alanina (ciclo alanina glicose) e glutamina. O cortisol é outro hormônio que estimula a gliconeogênese e mobiliza os aminoácidos do músculo esquelético para participar do processo, aumentando a degradação das proteínas musculares. O hormônio do crescimento (GH) também estimula a gliconeogênese durante o jejum e o exercício, mas tem menor importância comparado ao glucagon e ao cortisol. O glicerol é outro composto utilizado pelo fígado para sintetizar glicose no período de jejum. O glicerol é um composto obtido a partir da degradação dos triacilgliceróis no tecido adiposo, processo conhecido como lipólise. A lipólise é a quebra dos triacilgliceróis em ácidos graxos e glicerol, sendo estimulada durante o jejum e o exercício físico pelos hormônios contrarreguladores da insulina (glucagon, adrenalina, cortisol e GH). Os ácidos graxos resultantes da lipólise são utilizados como fonte de energia por diversos tecidos do organismo, enquanto o glicerol se dirige até o fígado para formar glicose. O lactato é outro composto importante que participa da gliconeogênese. O lactato é produzido pela glicólise anaeróbia em células sem mitocôndrias (eritrócitos), em células em condições de hipóxia e nas fibras musculares no exercício de alta intensidade. O lactato produzido nessas situações vai até o fígado para formar piruvato pela ação da enzima lactato desidrogenase (LDH). O piruvato forma glicose pela gliconeogênese. Essa glicose pode ser utilizada novamente no músculo pela via glicolítica, produzindo lactato, que pode ser reaproveitado na gliconeogênese. Esse ciclo glicose → lactato → glicose é chamado de ciclo de Cori. Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 23 Tabela 2.2 - Substratos para gliconeogênese e suas principais características. Figura 2.3 - Gliconeogênese é a síntese de glicose a partir de compostos não carboidratos. Depois de algumas horas de jejum o glicogênio hepático reduz drasticamente e os níveis de insulina estão reduzidos, enquanto os de glucagon e cortisol estão aumentados. Nesse período, o fígado passa a sintetizar glicose a partir de outros compostos não carboidratos (aminoácidos, lactato e glicerol). A gliconeogênese acontece predominantemente no fígado, embora os rins também possam contribuir Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 24 significativamente durante o jejum prolongado. A função da gliconeogênese é manter os níveis de glicose sanguínea estáveis durante o jejum, quando as reservas de glicogênio hepático estão baixas e não há consumo de carboidratos. 2.6 METABOLISMO DE CARBOIDRATOS E PERDA DE PESO Durante o processo de perda de peso, é comumente observarmos a restrição de carboidratos pela alimentação como parte do déficit calórico. Algumas dietas da moda propõem a retirada quase completa dos carboidratos (Atkins, dieta Dukan), enquanto outras são mais conservadoras (dieta da zona, dieta South Beach). Essa premissa se baseia, principalmente, na liberação do hormônio insulina. Sabe-se que a restrição de calorias e de carboidratos pela dieta reduz os níveis de insulina, favorecendo uma redução da relação insulina/glucagon e, portanto, estimulando os processos de glicogenólise (quebra da molécula de glicogênio) e gliconeogênese (formação de glicose a partir de aminoácidos e glicerol). A glicogenólise e a gliconeogênese hepática objetivam manter as concentrações de glicose no sangue estáveis. A insulina é muitas vezes vista como vilã no processo de emagrecimento por pelo menos quatro mecanismos. O primeiro é devido a insulina inibir a lipólise (quebra dos triglicerídeos em ácidos graxos e glicerol). A lipólise é o passo anterior a oxidação de ácidos graxos (utilização da gordura como fonte de energia). Para que a gordura seja eliminada do nosso organismo, é necessário ambos os processos (lipólise + oxidação), e esse é o principal motivo pelo qual a insulina é demonizada no processo de emagrecimento. Segundo, a insulina favorece a formação de gordura a partir do excesso de carboidratos (processo denominado de lipogênese de novo). Todavia, esse processo ocorre em decorrência do excesso calórico e a insulina está apenas exercendo o seu papel (imagine que você cometeu um crime e o papel do policial é de o prender. O culpado pela prisão é você e não o policial, o policial está apenas fazendo o seu trabalho). Terceiro, a insulina favorece a entrada de ácidos graxos nas células adiposas e é após a entrada dos ácidos graxos que ocorre a formação de triglicerídeos para armazenamento (ao contrário do que muitas pessoas acreditam, a entrada de ácidos graxos na célula adiposa e seu posterior armazenamento na forma de triglicerídeo é benéfico. A célula adiposa é propícia Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 25 para armazenamento de triglicerídeos e se, porventura, os ácidos graxos não fossem captados por essas células, seriam captados e armazenados por outras células, como pelas células hepáticas, por exemplo), causando impactos indesejáveis ao metabolismo. Quarto, a insulina favorece a entrada de glicose na célula adiposa (os adipócitos apresentam GLUT-4, dependente de insulina), e uma vez na célula adiposa, a glicose pode formar glicerol-3-fosfato. O glicerol- 3-fosfato de junta com 3 moléculas de ácidos graxos (que também foram captados pelo estímulo da insulina) para formar os triglicerídeos. Nesse sentido, a restrição de calorias/carboidratos estimula a lipólise e a oxidação de ácidos graxos (queima de gordura). Considerando que a ingestão de carboidratos foi reduzida, o organismo passa a usar suas reservas de gordura como fonte energética (uma vez que a insulina reduzida favorece a lipólise e oxidação). No entanto, o organismo também pode utilizar as proteínas como fonte de energia, embora exista uma preferência pelo uso da gordura. A insulina é um hormônio anticatabólico, logo, uma grande redução do aporte calórico e da insulina favorece a degradação das proteínas musculares,aumentando o uso de aminoácidos para a síntese de glicose no fígado (gliconeogênese). Esse processo é favorecido pelo cortisol, que atua de forma antagônica à insulina, aumentando a degradação de proteínas e estimulando a gliconeogênese. Portanto, uma redução mais agressiva de calorias e de carboidratos acaba favorecendo não apenas perda de gordura corporal, mas também um aumento do catabolismo muscular. Dessa forma, a redução de calorias/carboidratos da dieta estimula processos catabólicos (glicogenólise, lipólise e proteólise) e inibe processos anabólicos (síntese de glicogênio, síntese de proteínas e síntese de ácidos graxos). Nessa condição, os níveis de insulina estão mais baixos, enquanto seus hormônios contrarreguladores estão aumentados, principalmente glucagon, adrenalina e cortisol. Apesar do GH ser um hormônio lipolítico e anabólico no tecido muscular, ele não é capaz de evitar a perda de massa muscular em dietas que restringem calorias e carboidratos de forma agressiva. Para atenuar o catabolismo proteico muscular em dietas que reduzem carboidratos, é comum aumentar o aporte de proteínas na dieta, sendo recomendado um consumo de até 2,0-3,0 g/kg em alguns estudos. Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 26 Figura 2.4 - Metabolismo durante o processo de restrição de carboidratos. 2.7 DIETAS ALTAS EM CARBOIDRATOS CONTRIBUEM PARA O GANHO DE GORDURA CORPORAL? É comumente observarmos debates acerca da superioridade ou inferioridade de determinadas dietas para perda de peso e emagrecimento. Há quem defenda dietas com baixo teor de gorduras e alto teor de carboidratos (High Carb), enquanto há quem aponte a restrição de carboidratos (Low Carb) como sendo mais eficaz. A premissa por trás dessa última se baseia no modelo carboidrato-insulina da obesidade, a qual considera que um consumo elevado de carboidratos ocasiona uma maior liberação do hormônio insulina pelo pâncreas. Sabe-se que a insulina inibe a oxidação (queima) de gorduras e estimula a lipogênese (formação de gorduras). Portanto, torna-se intuitivo pensar que dietas Low Carb apresentam superioridade no processo de emagrecimento Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 27 por causarem uma menor liberação de insulina e, consequentemente, aumentarem a oxidação de gorduras. Entretanto, será que apenas esse fato é suficiente para julgá-la mais ou menos eficaz? Primeiramente, precisamos entender que embora o carboidrato seja o principal macronutriente responsável por estimular a liberação de insulina, ele não é o único, as proteínas também podem apresentar potencial insulinogênico. Nesse sentido, foi avaliado as respostas pós-prandiais de insulina com porções de 240Kcal de 38 alimentos diferentes, ou seja, os níveis de insulina foram monitorados em todos os participantes após consumirem cada alimento isoladamente. Observou-se, por exemplo, que o peixe ou a carne vermelha causou uma maior liberação de insulina do que o macarrão branco. Por outro lado, a batata inglesa apresentou uma maior liberação de insulina quando comparada ao peixe ou a carne vermelha. Todavia, é necessário ter muita cautela ao analisar esses dados. Primeiramente, o estudo avaliou a ingestão de alimentos isoladamente e não dentro do contexto de uma refeição. Dificilmente alguém irá consumir apenas 240kcal de macarrão isoladamente, na prática consumimos uma refeição contendo, por exemplo, macarrão, carne, queijo e salada. O macarrão contém principalmente carboidratos, a carne, proteínas e gorduras e a salada, fibras. Dessa forma, tanto as fibras quanto as proteínas e as gorduras ocasionarão um retardo no esvaziamento gástrico e, consequentemente, uma liberação mais lenta dos alimentos digeridos para circulação, os quais podem impactar diretamente na velocidade de liberação de insulina. Além disso, os resultados apresentados são referentes a uma média dos 41 participantes, há quem apresente maior liberação de insulina do que outro participante consumindo o mesmo alimento e a mesma quantidade calórica. Logo, não há um consenso de “alimento X estimula mais a insulina do que alimento Y”, pois a liberação de insulina pode apresentar grande variabilidade individual e ser influenciada por diversos fatores, como por exemplo, pela composição da microbiota intestinal, visto que já há estudos mostrando que a depender da sua composição, alimentos iguais podem ocasionar respostas glicêmicas diferentes. Outro detalhe importante de mencionar é que o estudo avaliou os diferentes alimentos por seus teores de calorias, logo, 240Kcal de batata inglesa Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 28 representa um volume muito maior do que 240Kcal de carne ou peixe, por exemplo. Portanto, torna-se pouco aplicável na prática clínica, visto que é improvável que ocorra o consumo isolado de alguns alimentos, como batata inglesa e macarrão, por exemplo. Logo, deve-se ter um olhar macroscópio e não apenas de um alimento específico. Apesar disso, o estudo é importante para desmitificar a teoria de que dietas Low Carb são superiores para o emagrecimento por estimularem menos a liberação de insulina (e se o seu paciente apresentar um potencial maior de liberar insulina consumindo peixe ao invés de macarrão? Essa teoria cai por terra). Dessa forma, podemos observar que não se pode punir os carboidratos pelo insucesso ao longo do processo de emagrecimento, considerando que essa teoria se baseia na maior liberação de insulina e que já foi mostrado que ela pode apresentar grande variabilidade individual. Todavia, torna-se importante conhecer alguns estudos que avaliaram dietas High Carb e emagrecimento. Foi publicado, em 2021, um artigo onde 20 participantes foram expostos a uma alimentação ad libitum, ou seja, sem colocar qualquer limite na ingestão calórica, entretanto, as duas dietas ofertadas apresentavam teores diferentes de carboidratos e lipídeos. A primeira apresentava 75% de carboidratos, 10% de lipídeos e 15% de proteínas (High Carb) e a segunda, 10% de carboidratos, 75% de lipídeos e 15% de proteínas (Low Carb). Todos os participantes foram expostos a ambas as dietas, sendo duas semanas de dieta Low Carb seguidas de duas semanas de High Carb e vice-versa, totalizando quatro semanas de estudo. É importante observar que os participantes permaneceram internados ao longo do estudo e todos os alimentos foram fornecidos. Os resultados mostraram que os participantes ingeriram uma quantidade menor de comida quando expostos a dieta rica em carboidratos, logo, apresentaram vantagens na redução da gordura corporal. Porém, quando os indivíduos ingeriram a dieta baixa em carboidratos, o peso corporal e a massa livre de gordura mostraram- se menores em comparação a dieta alta em carboidratos. De fato, dietas baixas em carboidratos promovem uma maior perda de peso inicial, todavia, esse peso perdido não se refere apenas a gordura e, sim, a água corporal. Sabe-se que a cada grama de glicogênio armazenado, acumula-se juntamente 3ml de água. Dessa forma, quando se reduz o aporte de carboidratos pela alimentação, reduz- Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 29 se também os estoques de glicogênio hepático e muscular e, portanto, a quantidade de água armazenada, a qual influencia diretamente o peso corporal. Da mesma forma, massa livre de gordura não reflete apenas massa magra, todos os componentes corporais que não são gordura, incluindo água, enquadram-se nessa categoria; e por esse motivo foi observado maior redução da massa livre de gordura com a dieta baixa em carboidratos. Logo, essas alterações são comuns em dietas restritas em carboidratos e a perda de peso inicial advinda da perda de água pode dar a falsa sensação de que se está perdendo gordura. Conforme já mencionado, os participantesexpostos a dieta High Carb apresentaram vantagem no emagrecimento. Esses resultados podem ser atribuídos a uma menor densidade energética e a um maior teor de fibras nos alimentos contendo carboidratos (compare 200kcal de batata inglesa com 200kcal de nozes, o primeiro representa 385g do alimento, enquanto o segundo, 32g, portanto, a batata inglesa irá apresentar um poder sacietogênico maior quando comparado as nozes). Em visto disso, se os carboidratos e a insulina realmente impedissem o emagrecimento, a dieta com 75% de carboidratos não obteria maior redução de gordura corporal quando comparada a dieta com 10% e, portanto, esse estudo contraria o modelo carboidrato-insulina da obesidade. Semelhantemente, foi publicado em 2009 um artigo na revista New England Journal of Medicine, onde 645 participantes obesos ou com sobrepeso foram separados em quatro grupos diferentes ao longo de 2 anos. O primeiro grupo recebeu uma dieta contendo 20% de gordura, 15% de proteína e 65% de carboidratos (baixo teor de gordura e médio de proteína). O segundo grupo recebeu uma dieta contendo 20% de gordura, 25% de proteína e 55% de carboidratos (baixo teor de gordura e alto teor de proteína). O terceiro recebeu uma dieta contendo 40% de gordura, 15% de proteína e 45% de carboidratos (alto teor de gordura e médio de proteína). E o quarto recebeu uma dieta contendo 40% de gordura, 25% de proteína e 35% de carboidratos (alto teor de gordura e alto teor de proteína). Logo, as dietas variaram entre 35 a 65% em seus teores de carboidratos e todas apresentavam um déficit calórico de 750kcal por dia. Todavia, os participantes receberam apenas orientações nutricionais e não houve internação, como descrito no estudo acima (imagine internar 645 indivíduos ao longo de 2 anos? Seria inviável). Os resultados mostraram que o Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 30 peso corporal não apresentou variações entre as dietas contendo 35%, 55% ou 65% de carboidratos e ao final dos 2 anos de estudo, 31 a 37% dos participantes perderam pelo menos 5% do peso corporal inicial, 14 a 15% dos participantes em cada grupo de dieta perderam pelo menos 10% do peso inicial e 2 a 4% perderam 20 kg ou mais. Foi observado uma maior diminuição na concentração de lipoproteína de baixa densidade (LDL) com a dieta de baixo teor de gordura e alto teor de carboidrato. Dessa forma, embora nem todos os participantes tenham aderidos aos respectivos teores de macronutrientes prescritos, parece que dietas contendo teores maiores de carboidratos não são as responsáveis pela obesidade, caso contrário, os participantes apresentariam um aumento ou estagnação do peso corporal. Ainda, outro artigo foi publicado, em 2018, pela revista Journal of the American Medical Association (JAMA) comparou dietas Low Carb com dietas Low Fat em 609 participantes obesos ou com sobrepeso ao longo de 12 meses, e da mesma forma que o estudo anterior, os participantes apenas receberam orientações nutricionais. Prioridades mais altas foram dadas a alimentos específicos de acordo com a dieta, por exemplo, a redução de óleos, carnes gordurosas, laticínios integrais e nozes foi priorizada para o grupo Low Fat, enquanto a redução de cereais, grãos, arroz, vegetais ricos em amido e leguminosas foi priorizada para o grupo Low Carb. Os resultados mostraram que embora os participantes não tenham recebido orientações acerca de reduzirem a ingestão calórica, houve uma redução média de 500 a 600kcal por dia para ambos os grupos e a mudança média de peso ao final dos 12 meses foi de −5,3 kg para o grupo Low Fat e −6,0 kg para o grupo Low Carb, porém, não foi observado diferença estatística. Entre os desfechos secundários, as variáveis clínicas que apresentaram diferenças significativas foram os resultados no perfil lipídico. Reduções nas concentrações de lipoproteína de baixa densidade (LDL) foram favorecidas com a dieta Low Fat, enquanto reduções nas concentrações de triglicerídeos, com a dieta Low Carb. Dessa forma, embora a perda de peso tenha sido semelhante entre os grupos, a variabilidade individual deve ser levada em consideração, visto que a composição dos macronutrientes da dieta pode impactar, por exemplo, no perfil lipídico e, portanto, sugere-se que nenhuma dieta deva ser recomendada universalmente. Os autores, ainda, concluem que Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 31 ao invés de dar tanta ênfase para determinadas dietas, Low Carb ou High Carb, Low Fat ou High Fat, deve-se enfatizar a qualidade nutricional e a adesão do paciente, logo, deve-se priorizar boas fontes de gorduras e carboidratos e ter um consumo adequado de fibras, incluindo frutas e vegetais. Por último, em 2017 foi publicado outro artigo na revista The Lancet, onde 307 chineses não obesos receberam dietas isocalóricas variando em seus teores de carboidratos e gorduras. A primeira dieta, High Carb e Low Fat, apresentou um teor de 66% de carboidratos, 20% de lipídeos e 14% de proteínas. A segunda dieta, com teor moderado de carboidratos e gorduras, apresentou 56% de carboidratos, 30% de lipídeos e 14% de proteínas; enquanto a terceira dieta, Low Carb e High Fat, apresentou um teor de 46% de carboidratos, 40% de lipídeos e 14% de proteínas (reparem que embora a segunda dieta tenha sido classificada como Low Carb, o seu teor de carboidratos não foi muito baixo). Ao longo dos 6 meses de intervenção, os participantes receberam todos os alimentos, logo, foi possível obter um controle maior do que os dois últimos estudos descritos acima. Os resultados mostraram que todos os participantes perderam peso, entretanto, foi observado, embora leve, maiores reduções no peso corporal e na circunferência da cintura no grupo que recebeu a dieta High Carb e Low Fat. Reparem que o estudo cita dieta isocalórica, então como é possível perda de peso se os participantes não estavam em déficit calórico? A perda de peso foi pequena, variando de 1 a 1,6 kg e isso certamente foi ocasionado por um leve déficit calórico devido a uma redução na ingestão calórica ao longo dos 6 meses, uma vez que apenas uma refeição por dia foi supervisionada. Portanto, com base nos artigos citados, o que irá determinar a eficácia na perda de peso e no emagrecimento será o déficit calórico, ou seja, você consumir menos calorias do que o seu corpo necessita (se falta energia, o corpo irá extrai- la principalmente das gorduras estocadas no tecido adiposo). Logo, os estudos, de maneira geral, não mostram diferenças significativas entre dietas Low ou High Carb, considerando que haja déficit calórico envolvido e adesão. Embora dietas Low Carb possam promover uma maior perda peso inicial, devido a maior eliminação de água, essa diferença tende a de igualar no decorrer do tempo. Os carboidratos podem, inclusive, auxiliar no processo de emagrecimento, visto que muitos apresentam fibras e uma baixa densidade energética em sua Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 32 composição, auxiliando no controle da fome e do apetite. Todavia, esse fato não indica que todas as dietas voltadas para o emagrecimento devam ser High Carb, uma vez que dietas Low Carb ou com teor médio de carboidratos podem trabalhar com uma grande margem de carboidratos, sendo possível encaixar diversos alimentos, como frutas, batata inglesa, pão, arroz, feijão etc. Embora de maneira geral os resultados sejam semelhantes entre a adoção de dietas High e Low Carb em déficit calórico, há estudos que mostram que adotar uma dieta contendo baixo teor de carboidratos e alto teor de fibras, proteínas e gorduras (a depender da composição) para indivíduos diabéticos ou pré-diabéticos pode ser interessante para o controle do peso corporal e do estado glicêmico. Cornier et al. (2005) observaram que mulheres obesas com resistência à insulinaperderam mais peso quando submetidas a uma dieta hipocalórica Low Carb e High Fat (40% de carboidratos, 40% de lipídeos e 20% de proteínas), enquanto a dieta hipocalórica High Carb e Low Fat (60% de carboidratos, 20% de lipídeos e 20% de proteínas) apresentou vantagens em mulheres sensíveis a insulina. Dessa forma, embora todas as participantes tenham perdido peso, a sua magnitude variou de acordo com o grau de sensibilidade à insulina. Todavia, não se deve ignorar o aspecto qualitativo da alimentação, visto que já se mostrou que uma dieta rica em leguminosas e fibras, contendo 60% de carboidratos, foi eficaz em melhorar o controle glicêmico em indivíduos diabéticos e o estudo de Cornier foi realizado com o número pequeno de mulheres (21) e por um período curto (16 semanas), portanto, deve-se ter cautela ao sair replicando seus resultados. Além disso, a distribuição dos macronutrientes e a qualidade da alimentação influenciam alguns parâmetros clínicos, como LDL, triglicerídeos, glicemia etc. Sabe-se que dietas baixas em gorduras saturadas e ricas em gorduras poli e monoinsaturadas são eficazes para reduzir os níveis de LDL; e dietas com teores reduzidos de carboidratos refinados são eficazes para diminuir os níveis de triglicerídeos e a glicemia. Logo, uma dieta específica não pode ser adotada da maneira universal e a avaliação individual torna-se imprescindível para determinar qual a melhor estratégia dietética a ser adotada, visto que algumas estratégias podem funcionar melhor para alguns pacientes do que para outros e vice-versa. Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 33 2.8 INSULINA E EMAGRECIMENTO É amplamente difundido o papel da insulina no emagrecimento, principalmente devido ao seu papel na inibição da lipólise. Todavia, além de já ter sido mostrado que a insulina não é a culpada pelo insucesso no emagrecimento, a Figura 2.5 mostra as diversas funções da insulina, além de inibir a lipólise. A insulina favorece o uso de glicose como fonte de energia (glicólise) pelo musculo esquelético e pelo tecido adiposo. Lembrem que esses tecidos apresentam GLUT-4, dependentes de insulina, responsáveis por captar a glicose sanguínea. Além disso, quando há grandes quantidades de glicose na corrente sanguínea, a insulina favorece a síntese de glicogênio pela ativação da enzima glicogênio sintase (responsável pela glicogênese) e pela inibição da glicogênio fosforilase (responsável pela glicogenólise). Nesse sentido, o glicogênio desempenha diversas funções importantes ao organismo. Sabe-se que o glicogênio armazenado no fígado é utilizado como reserva de energia nos períodos de jejum e que o cérebro precisa de glicose como fonte de energia, logo, o glicogênio hepático fornece parte dessa glicose nos períodos de jejum. Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 34 Figura 2.5 – Efeitos fisiológicos da insulina. A insulina também contribui para o aumento da síntese de proteínas e para redução da degradação de proteínas musculares. Dessa forma, quando os níveis de insulina estão baixos, há aumento do catabolismo proteico, podendo ocorrer perda de massa muscular. A insulina, ainda, aumenta a captação de ácidos graxos pelos tecidos e a síntese de ácidos graxos a partir do excesso de carboidratos e proteínas (lipogênese). Esse efeito da insulina ocorre logo após as refeições e favorece o ganho de gordura quando o indivíduo está em superávit calórico. Apesar da lipogênese contribuir para o acúmulo de gordura, a insulina favorece o acúmulo de gordura principalmente através da inibição da lipólise e da oxidação de gordura. Esse fato ocorre porque a insulina inibe a enzima lipase hormônio sensível (LHS), responsável pela quebra dos triacilgliceróis em ácidos graxos e glicerol (lipólise). Além disso, CPT-1, responsável pelo transporte dos ácidos graxos para o interior das mitocôndrias a fim de serem oxidados também é inibida pela insulina. Dessa forma, quando os níveis de insulina estão aumentados, a oxidação de carboidratos é estimulada e a oxidação de gorduras é suprimida. A captação de ácidos graxos pelo tecido adiposo também é aumentada devido ao estímulo da insulina sob a enzima lipase lipoproteica (LL), responsável por hidrolisar os triglicerídeos presentes nos quilomícrons em ácidos graxos e glicerol para armazenamento. Por último, a insulina inibe a gliconeogênese e a cetogênese. A gliconeogênese ocorre principalmente em períodos de jejum, objetivando fornecer glicose a tecidos que a necessitam, como cérebro e hemácias. A insulina inibe esse processo porque a glicose está sendo ofertada pela alimentação e não há necessidade de sintetizá-la. A cetogênese fornece corpos cetônicos a partir do catabolismo de ácidos graxos, sendo responsáveis por fornecer energia aos tecidos, principalmente ao cérebro, quando a glicose não está presente ou quando ela não consegue entrar eficientemente nas células devido a resistência à insulina. Entretanto, quando se oferta carboidratos pela Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 35 alimentação, não há sentido de continuar sintetizando-os, uma vez que a glicose supre a necessidade energética dos tecidos (excesso em indivíduos diabéticos). 2.9 M ELHORA DE SENSIBILIDADE À INSULINA A sensibilidade à insulina se refere a eficiência do organismo em responder a esse hormônio. A insulina tem a função principal de aumentar a captação de glicose pelos tecidos, principalmente músculo e tecido adiposo. O transporte de glicose para dentro das células desses tecidos ocorre quando a insulina se liga no seu receptor na superfície da célula. Ao se ligar ao receptor, uma cascata de sinalização intracelular é ativada e a resposta é um aumento do deslocamento dos transportadores de glicose GLUT-4 do interior da célula para a sua superfície. Uma vez na superfície, o GLUT-4 transporta a glicose do sangue para o interior da célula (Figura 2.6). Figura 2.6 – Mecanismo de translocação de GLUT-4 para membrana plasmática das células. A insulina se liga ao seu receptor (IRS) e sinaliza uma cascata de sinalizações intracelulares, ocasionando a translocação do GLUT-4 para membrana plasmática. Uma vez na membrana plasmática, o GLUT-4 pode captar a glicose da circulação e a direcionar para dentro da célula, diminuindo a glicemia. Fonte: Thorn et al., 2013. Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 36 Após entrar nas células, a glicose sofre a ação da enzima hexoquinase. A hexoquinase é responsável por adicionar um grupo fosfato a molécula de glicose, formando glicose-6-fosfato. Esse processo é indispensável para que a molécula de glicose permaneça dentro da célula, uma vez que a maioria das células não apresentam transportadores para açúcares fosforilados na membrana plasmática. Portanto, após ser captada pelas células e fosforilada pela hexoquinase, a glicose-6-fosfato pode ser utilizada como fonte de energia, pode ser armazenada na forma de glicogênio, principalmente no fígado e no músculo esquelético, ou pode ser utilizada para síntese de gordura (o destino irá depender das necessidades do organismo naquele momento). Nesse sentido, a insulina favorece a translocação do GLUT-4 para a membrana plasmática, o qual capta a glicose da circulação e a direciona a tecidos sensíveis a ela (músculo e tecido adiposo). Logo, em indivíduos sensíveis à insulina, a utilização de carboidratos (glicose) como fonte energia se torna mais eficiente, em conjunto com um aumento na síntese de glicogênio muscular. Sabe-se que o carboidrato é o principal macronutriente a ser utilizado como fonte de energia em exercícios de alta intensidade e depleção dos estoques de glicogênio muscular pode ser uma das causas de fadiga periférica durante o exercício. Portanto, uma boa sensibilidade à insulinaapresenta diversos benefícios metabólicos, estéticos e performáticos. Além disso, a insulina inibe a lipólise. Embora muitas pessoas considerem esse fato indesejável, ele se torna um problema apenas em pessoas resistentes à insulina e não em pessoas sensíveis à insulina. Quando um indivíduo é sensível à insulina, há uma melhor flexibilidade metabólica, ou seja, os níveis elevados de insulina (após uma refeição) fazem com que o corpo queime carboidratos com eficiência (devido a maior captação de glicose pelas células) e quando os níveis de insulina estão reduzidos (jejum), há uma maior eficiência do corpo em queimar as gorduras estocadas no tecido adiposo. Portanto, a sensibilidade a insulina faz com que o corpo mude o substrato energético, de carboidrato no estado alimentado para gordura no estado de jejum, com eficiência. Na resistência à insulina, essa mudança de substrato energético não Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 37 é realizada de forma eficiente, logo, o corpo apresenta dificuldade para queimar a gordura corporal no jejum e para utilizar o carboidrato ingerido como fonte de energia. Uma forma prática de detectar sinais para saber se você é sensível ou resistente à insulina é observar sua resposta a uma elevada ingestão de carboidratos. Um indivíduo sensível à insulina se sente com músculos cheios e bombeados após uma refeição rica em carboidratos, com níveis de energia estáveis. Além disso, indivíduos sensíveis à insulina apresentam percentual de gordura estável ou baixo (a depender da quantidade calórica) seguindo dietas altas em carboidratos. O indivíduo mais resistente à insulina se sente inchado, retido, pode ficar sonolento e com fome após uma refeição rica em carboidratos, e seu percentual de gordura tende a se elevar facilmente quando aumenta a ingestão de carboidratos na dieta. 2.10 FLEXIBILIDADE METABÓLICA Conforme mencionado acima, uma boa sensibilidade à insulina está associada a uma boa flexibilidade metabólica. Quando o indivíduo é sensível à insulina, a captação de glicose pelas células ocorre de forma rápida e eficiente. Após a glicose ser captada pelas células, seus níveis plasmáticos reduzem, em conjunto com uma diminuição dos níveis de insulina (para que liberar mais insulina se a glicose já foi captada?). Considerando que a insulina inibe a queima de gordura, uma diminuição nos seus valores permite com que o corpo utilize as gorduras estocadas no tecido adiposo como fonte de energia no período de jejum. Portanto, um indivíduo com boa flexibilidade metabólica consegue oxidar rapidamente o carboidrato ingerido e pouco tempo depois oxidar a gordura estocada no tecido adiposo. Pessoas com resistência à insulina apresentam menor flexibilidade metabólica, pois a insulina não consegue sinalizar eficientemente a captação de glicose pelas células. Essa menor sinalização resulta em aumento nos níveis plasmáticos de glicose e de insulina (a insulina continua sendo liberada pois o corpo pensa “secretei insulina e a glicemia continua elevada? Vou secretar mais”). Portanto, um indivíduo com inflexibilidade metabólica apresenta dificuldade em oxidar o carboidrato ingerido e a gordura estocado no tecido Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 38 adiposo, pois a insulina elevada inibe a utilização de gordura como fonte de energia. A Figura 2.7 ilustra as adaptações que ocorrem em alguém que apresenta uma boa flexibilidade metabólica. Figura 2.7 - Flexibilidade metabólica. Durante o sono, o músculo esquelético aumenta a oxidação de gorduras e diminui a oxidação de glicose, e sob condições pós-absortivas, aumenta a oxidação de carboidratos, em conjunto com aumento dos estoques de glicogênio, e diminui a oxidação de gorduras. O tecido adiposo, durante o sono, aumenta a lipólise e diminui os estoques de gordura, e após uma refeição, diminui lipólise e aumenta os estoques de gordura. Durante o exercício, o musculo aumenta a oxidação de carboidratos e de gordura como fonte de energia e o tecido adiposo aumenta a taxa de lipólise. Fonte: Goodpaster; Sparks, 2017. A flexibilidade metabólica pode ser melhorada com exercício e com restrição calórica. Entretanto, existe um componente genético que mostra grande variabilidade na sensibilidade à insulina e na flexibilidade metabólica entre diferentes indivíduos. Indivíduos com maior flexibilidade metabólica oxidam Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti 39 gordura com mais facilidade e são mais resistentes ao ganho de gordura quando estão em superávit calórico. REFERÊNCIAS ASTRUP, A.; HJORTH, M. Low-Fat or Low Carb for Weight Loss? It Depends on Your Glucose Metabolism. EBioMedicine. Aug; 22:20-21, 2017. Barrett, Kim E. Fisiologia Gastrointestinal-2. Artmed Editora, 2015. CORNIER, Marc‐Andre et al. Insulin sensitivity determines the effectiveness of dietary macronutrient composition on weight loss in obese women. Obesity research, v. 13, n. 4, p. 703-709, 2005. FERRIER, Denise R. Bioquímica Ilustrada-7. Artmed Editora, 2018. 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