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Nesse encontro temos como finalidade produzir uma fotografia sobre a aplicabilidade direta e imediata que a eficácia dos direitos fundamentais tem realizado no Brasil. Compreender a aplicação mediata da norma constitucional e identificar a fundamentalidade do Direito no ramo civil. Até aqui foi historiada a ancestral separação que existia entre o Direito Constitucional e demais ramos de Direito e na sequência, o ponto de intersecção ocorrido na segunda metade do século passado, para daí entendermos o que leva o Brasil, no momento atual, ter se inclinado a uma aplicação mais direta e imediata dos elementos que constitucionalizam o Direito Civil. Isso ocorre face a um claro movimento de nosso Supremo Tribunal Federal no sentido de fazer da via direta a práxis nos tribunais brasileiros, apoiando-se nos pensamentos do jurista Konrad Hesse, que via na “vontade” constitucional um elemento agregador e disparador da necessidade de uma ordenação racional da interpretação constitucional. Entendia o célebre jurista que fatores reais apresentados também seriam dimensionados, de forma direta, pela própria constituição. Tal se dá pela força normativa da Constituição, termo que é mais aludido no Brasil do que na própria Alemanha, terra natal de Hesse. A parte que segue do texto é chave para o entendimento da situação, e se recomenda doravante ainda maior atenção do leitor aluno. A primeira idealização sobre o espaço que a Constituição ocupa na sociedade nos meios sociológicos, políticos e jurídicos foi a de Ferdinand Lassalle. Pelo pensamento do teórico alemão nascido no século XIX, questões constitucionais e questões jurídicas (hodiernas ou não) ocupam órbitas independentes e não devem construir áreas comuns. Em sua lógica, uma sociedade sempre será um produto de forças sociais e econômicas reunidas, de tal sorte que essa dinâmica acabara por revestir de filosofia o ordenamento jurídico. É chave de seu pensamento o convívio de duas existências: a constituição real e a constituição jurídica ou legal. Ambas têm de se coadunar, porém, não raro a “letra constitucional” perderá força face a fatores reais apresentados por uma sociedade. O embate entre as forças políticas e econômicas, com a carta política e seu Direito Positivo, sempre resultará em prejuízo a essa última, na filosofia de Lassalle. Essas forças “pragmáticas”, antes mesmo de observar leis, constitucionais ou ordinárias, verificam a compatibilidade de seus próprios preceitos éticos. E, nesse caso, a ética é entendida como dogmas ou leis não escritas. Elementos do direito civil constitucional Aula 4 - A forma de aplicabilidade direta e imediata dos elementos de Direito Civil Constitucional APRESENTAÇÃO DA AULA Objetivos CONTEÚDO ONLINE Figura 4.1 – Ferdinand Lassalle Fonte: wikipedia.org [https://pt.wikipedia.org/wiki/Ferdinand_ Lassalle#/media/Ficheiro:Bundesarchiv _Bild_183-J0827-500- 002,_Ferdinand_Lassalle.jpg] No desenho da realidade de Lassalle, a ciência jurídica sai naturalmente desacreditada. Realidade e previsão constitucional quase nunca coincidirão e, no embate entre ambas, perderá o ditado da norma fundamental. A Constituição seguiria ironicamente pelo pensamento de Lassalle sendo uma norma fundamental, contudo, não pelo alinhamento de Hans Kelsen. A fundamentalidade – e aqui de novo se nota o desfavorecimento da ciência jurídica positiva – derivaria apenas na “legitimação” da ordem dominante, o que, ao fim, será diferente de legitimidade. Não querendo evoluir nessa discussão, que é mais ligada à Filosofia do Direito, será importante dizer que, para o alemão Ferdinand, a Carta Magna Positiva é uma fotografia de um tempo, e não muito mais que isso. É nesse ponto que se antagonizam os pensamentos de Ferdinand Lassalle e Konrad Hesse. É importante ressaltar que são pensadores separados no tempo pelos séculos XIX e XX. Hesse enxerga justamente a força normativa e irradiadora que emana de qualquer texto constitucional. Essa irradiação termina por mediar e influir nas relações entre Governo e Governados, estando em um ponto além de apenas “justificar” o Poder. Ao contrário do que possa parecer, Konrad Hesse observa e reconhece o campo de influência das forças políticas e econômicas, contudo, reconhece e dá à carta magna o papel justamente de anteparo e contraponto a essas forças, quando assim for demandada. Não há discussão sobre o fato de o teórico do século XIX ser mais pragmático e que o do século XX aproxima ética e moral. Konrad Hesse constrói sua filosofia em três pilares: primeiro, a natural relação de indução que deve marcar o diploma constitucional e a sociedade; segundo, todo o instrumental de validação e controle existentes para dar consequência à letra constitucional; terceiro, o próprio conceito de eficácia constitucional. Em uma síntese filosófica está o pensamento de Lassalle mais afeto ao positivismo, enquanto o de Hesse leva em conta em maior nível as circunstâncias sociais postas. Na sistemática de Hesse, o edifício normativo deveria ser completamente significado, sem levar em conta qualquer fator externo à letra da lei. O mesmo exercício também seria realizado com as condições sociológicas, sem que a normatividade a influenciasse, e a partir daí ambas se aproximam e diminuem tensões. A norma constitucional passaria a gerar seu caráter justamente com aplicabilidade, sempre dotada de historicidade; o diploma constitucional com “ser” e “dever ser” ao mesmo tempo. E a construção do “significado” da norma constitucional adviria e ganharia substância quanto mais se realizasse sua aplicabilidade. É interessante dizer que a característica programática de nosso texto constitucional favorece tal plataforma. Nesse diapasão, constitucionalismo não é teoria, é sim prática conjugada à teoria. Noutras palavras, da prática vem a cristalização do ditado. Outra perspectiva importante e coerente é a de que, https://stecine.azureedge.net/webaula/pos.estacio/MLC059/aula4/img/04-1.jpg https://stecine.azureedge.net/webaula/pos.estacio/MLC059/aula4/img/04-1.jpg https://pt.wikipedia.org/wiki/Ferdinand_Lassalle#/media/Ficheiro:Bundesarchiv_Bild_183-J0827-500-002,_Ferdinand_Lassalle.jpg https://pt.wikipedia.org/wiki/Ferdinand_Lassalle#/media/Ficheiro:Bundesarchiv_Bild_183-J0827-500-002,_Ferdinand_Lassalle.jpg https://pt.wikipedia.org/wiki/Ferdinand_Lassalle#/media/Ficheiro:Bundesarchiv_Bild_183-J0827-500-002,_Ferdinand_Lassalle.jpg https://pt.wikipedia.org/wiki/Ferdinand_Lassalle#/media/Ficheiro:Bundesarchiv_Bild_183-J0827-500-002,_Ferdinand_Lassalle.jpg https://pt.wikipedia.org/wiki/Ferdinand_Lassalle#/media/Ficheiro:Bundesarchiv_Bild_183-J0827-500-002,_Ferdinand_Lassalle.jpg se a constituição deve induzir o avanço de uma sociedade de forma mais direta, é imperativo que crie ferramental para tanto. Essa filosofia gera naturalmente uma necessidade de constante revisionismo, sob pena de se perder a força normativa. Esta, por vezes, deixará de ser meio e tornar-se-á um fim em si própria. O diploma constitucional, sendo conteúdo e prática ao mesmo tempo, poderia até parecer uma leitura enviesada da teoria antagônica de Lassalle, mas de fato não será. A sistemática das cláusulas pétreas garantiria a imutabilidade do que, de fato, não se pode mexer, e os parâmetros de nossa democracia estariam a salvo, de tal sorte que a força constitucional ganha espaço nessa dinâmica. Aqui será importante, pela força de um exemplo, diferenciar o que é força normativa constitucional e, em análise primária, até mesmo elementos de Direito Civil Constitucional, daquilo que trata única e tão somente de controle de constitucionalidade. Por exemplo: a Lei nº 8.009/1990 trata da impenhorabilidade do bem de família. Seu artigo primeiro traz essa disciplina: Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipótesesprevistas nesta lei. Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. Ressalvadas exceções do artigo terceiro, que neste momento não nos interessam, está no artigo colada a centralidade da norma que trata da proteção ao bem de família no Brasil. Agora, a Súmula 364 do Superior Tribunal de Justiça, o STJ: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas”. Percebe-se que, da decorrência de entendimentos jurisprudenciais anteriores, chegamos ao ponto da súmula, que absolutamente altera o conceito de família. Contudo, inserido na realidade fática, estende a mesma proteção que famílias possuem às pessoas solteiras, separadas e viúvas, mas não pode ser confundida com a função precípua de controle de constitucionalidade, à qual, de uma forma ou outra, está obrigado todo Magistrado ou Intérprete de Lei no Brasil, que seria o controle de qualidade. É de Direito Civil Constitucional que falamos. A filosofia jurídica de Konrad Hesse, muito mais do que preconizar o que ressalta pela obviedade, vai além com a força normativa da letra constitucional. A maior contribuição que Hesse passa é sobre a viabilidade dessa força irradiadora. Sua crítica é frontal a Ferdinand Lassalle e seu não reconhecimento do peso jurídico da carta magna. Para Lassalle, a constituição apenas ganha força e ânimo face às estruturas reais de poder e força e, ainda assim, sua força é consentida por essas estruturas. Apresentada de forma sempre sumária a discussão sobre os elementos de Direito Civil Constitucional, devemos destacar que, no Brasil, será esse processo retardado face à sua própria instabilidade política e não centralidade econômica mundial. Nesse sentido, mesmo no imediato Pós-Guerra, as coisas não se alteraram tanto. É correto dizer que até meados dos anos 1980, o Direito Constitucional e o Direito Civil se mantinham desconectados, quase como se fossem água e óleo. Contudo, silenciosamente e com mais intensidade após a promulgação da Constituição de 1988, ocorreu no Brasil um fenômeno fragmentador do Direito Civil. O progressivo espaço que os estatutos adquiriram fez com que ocorresse uma espécie de “descodificação” no Direito Civil, não no sentido de desuso do Código – ainda o de 1916 – mas justamente o forçado convívio entre o código e as novas legislações – daí a fragmentação. Nesse contexto, as condições para que aquilo que ocorrera na Europa passasse também a existir no Brasil estavam enfim postas. O “ontem os códigos, hoje as constituições”, como dito pelo professor Paulo Bonavides, passa a ser, senão uma realidade completa, uma lógica que começa a fazer sentido. O que ocorre na prática é que a Constituição assumirá, em primeira face, o papel de vetor axiológico ao Direito Civil Brasileiro, e isso justamente perante a desfragmentação aludida anteriormente. Passará a ocorrer uma espécie de maximização do ditado constitucional, especialmente no que toca à fundamentalidade de seu texto que seja convergente aos institutos de Direito Privado. E a Constituição de 1988, não por acaso elogiosamente tratada por “Carta Cidadã”, é pródiga nessa fundamentalidade, tão adequada a servir de plataforma à irradiação que se desenhara então. As condições estão a partir daí consolidadas para que os elementos de Direito Civil Constitucional de fato existam, sendo esse movimento de releitura do Direito sob a perspectiva do vetor axiológico constitucional o objetivo de nossos estudos. Serve-nos bem para compreender essa nova realidade a metáfora do iceberg: a parte visível do bloco de gelo é a lei, e a parte não visível desse mesmo bloco o direito imerso, onde está o referido vetor axiológico. Esse movimento maximizador derivará a centralidade do direito privado. Em um primeiro momento em que o codificado era letra máxima esculpida, o sujeito abstrato e o proprietário ocupavam a escala de prioridade. Com essa derivação azeitada pela grandeza jurídica dignidade da pessoa humana, a pessoa concreta assumirá protagonismo. Em linguagem simplificada, a centralidade vai do “agente” para “a gente”. Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online Exercícios de fixação 1 – Na ótica Ferdinand Johann Gottlieb Lassalle (1825-1864), o texto Constitucional é: a) mais que tudo, um valor sociológico. b) uma peça indutora à sociedade. c) anteparo às forças econômicas. d) instrumento de justiça social. e) a norma fundamental. 2 – Pode-se afirmar da lógica pós-positivista e reconhecendo a direta eficácia do disposto fundamental ao Direito Civil: a) A centralidade do Direito Civil está no proprietário. b) O titular e sujeito abstrato é o foco da aplicação. c) A minimização da fundamentalidade do Direito. d) O incremento da cultura positivista. e) O reconhecimento de um Direito imerso à lei. 3 – O movimento de descodificação do Direito e que foi motivador da frase “Ontem os códigos, hoje as constituições” do professor Paulo Bonavides traz por significado: a) Uma tendência de valorizar a norma agendi. b) A desvalorização da facultas agendi. c) A horizontalidade do Direito Fundamental. d) O enfraquecimento do juspositivismo. e) A uniformização da jurisprudência. 4 – O fenômeno conhecido por “descodificação” do Direito Civil pode e deve ser entendido a) pelo ato de extrair da norma seu inteiro significado. b) pela retirada da norma do contexto do código que está inserida. c) por sempre atribuir à lei o caráter de princípio. d) pela criação de antinomias entre a lei e a constituição. e) pelo surgimento em profusão de leis especiais. Nesta aula: Verificamos que, na atualidade, os entendimentos do Supremo Tribunal Federal tendem a contemplar a aplicabilidade direta e imediata do Direito Fundamental. Na próxima aula, você estudará os seguintes assuntos: Críticas à sistemática atual de aplicabilidade. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. BODIN DE MORAES TEPEDINO, Maria Celina. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, v. 17, n. 65, p. 21-32, jul./set. 1993. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991 LOBO, Paulo. Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2018. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 20. ed. Atualização: Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 1. RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Estatuto epistemológico do Direito Civil contemporâneo na tradição de civil law em face do neoconstitucionalismo e dos princípios. O Direito, v. 143, p. 43-66, 2011. SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. SCHREIBER, Anderson; KONDER, Carlos Nelson. Uma agenda para o direito civil constitucional. Revista Brasileira de Direito Civil, v. 10, n. 4, p. 9-27, 2016. TEPEDINO, Gustavo. O Novo Código Civil: duro golpe na recente experiência constitucional brasileira. Revista Trimestral de Direito Civil. n. 7, jul.-set. 2001. TEPEDINO, Gustavo. Parte Geral do Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. 5 – A maximização da fundamentalidade das constituições repercutida ao Direito Privado e Cotidiano – em outras palavras, ao Direito Civil – poderá ser encerrada na Filosofia do Direito como a) Endurecimento do positivismo jurídico. b) Derrogação da circularidade das cláusulas abertas. c) Restrição à hermenêutica constitucional. d) Aumento do estruturalismo jurídico. e) O fato de o direito ir do agente para a gente. Síntese Próxima aula Referências
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