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cuja m atriz de pensam ento substancia um com prom isso com o desenvolvim ento de um a abordagem interdisciplinar aos problem as e ao desenvolvim ento hum ano, aplicada a indivíduos, grupos e com unidades. Isso, em essência, define o próprio surgim ento da Psicologia H um anista em sua retom ada dos valores renascentistas com ênfase na recuperação da im portância do hom em em seu tem po~ · contexto, valorizado em sua totalidade. Sim , quero a palavra últim a que tam bém é tão prim eira que já se confunde com a parte intangível do real. Ainda tenho m edo de m e afastar da lógica, porque caio no instintivo e no direto, e no futuro: a invenção do hoje é o m eu único m eio de instaurar o futuro. Clarice Lispector em sua Água Viva parece traduzir de m aneira sim ples e ainda assim m agnífica a im portância de um livro com o este, em que da palavra em erge a confinnação do vivido em sua concretude atual e do transcendente com o devir hum ano. D e um ponto de vista estritam ente pessoal, julgo im prescindível tam bém reverenciar o hom em M auro Am atuzzi, m eu colega e parceiro num processo em que a cronologia do tem po é de m enor importância face à grandeza do inusitado, das vivências diversas, das contradiç~- feitas de encontros e desencontros, da m agia em m om entos de descoberta acadêm ica. Em m eio ao turbilhão das pesquisas, dos relatórios, das reuniões adm inistrativas, sobrevive o aconchego de abraços essenciais, de olhares certeiros, a nos a~alentar acerte~ de que ainda nos im portam os com o outro, este ~ g o que ~ e amda ser cúm plice nas horas, tantas vezes vazias e despidas de significado~ em que o hum ano parece escapar de dentro de nossos papeis e desem penhos. Capítulo I J Hum anism o e Psicologia O texto a seguir corresponde originalmente a uma palestra pronunciada na IV Jornada de Psicologia Humanista, prom ovida pelo Centro de Psicologia da Pessoa e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em agosto de J 988, e depois publicada em Arquivos Brasileiros de Psicologia, 41, ( 4), pp. 88-95, set/nov. de 1989, com o título O significado da Psicologia Humanista, posicionam entos filosóficos implícitos. Ainda gosto bastante dele. Parece-me que ele aponta para a largueza do território de uma Psicologia realm ente Humana. Fiz pouquíssimas modificações, somente para adaptar o texto ao novo título. Hoje creio que é melhor falarm os do Humanismo na Psicologia, do que da Psicologia Humanista O essencial do que quero dizer a respeito desse assunto pode ser colocado em algu- m as poucas proposições. E a prim eira é a seguinte: o hom em não é um "bicho que fala'\_m!§ ele é a própria palavra, isto é, ele é palavra. Reen- contro aqui um a ideia que é tanto de Heidegger Vera Engler Cury : como de Buber: não é a linguagem que se encontra i no hom em , m as o hom em que se encontra na lin- .! guagem . A segunda proposição é que isso não é_· "poesia" ou jogo de palavras, como talvez possa parecer. '!'rata-se de um a afinnação muito precisa, j que nos ~oloca num outro âmbito de considera- J ções, ou seja, que im plica mudança radical de pon- to do .;.,. E • tm cira é j.......,re 'I"' ""' .. • \ 1 1. 1 1. \ i 1, 1 1., 1 1:;' ::,;'i 1 ( \' ! \.' ,. ,, 'i 1 \i I' i, ji:, I' r I' !j. 1 ,:1 ,1, 1:: 11 ,! 1. r ,,.,,..,.__...,.,.,.,.....,'S'YLl'C:ft>>»--c 10 M auro M artins Amatuzzi m udança radical de ponto de vista é o que m ais caracteriza a con- tribuição do hum anism o para a psicologia. Não se trata, com efeito, nem de um a m udança de objeto, nem de um a m udança de m étodo, e ~em m esm o, quem sabe, de um a m udança teórica. Trata-se na rea- hdade de um a m udança na relação com o objeto. Essa m udança é capaz de assum ir em determ inados m om entos o m esm o m étodo, só que num contexto onde o sentido global é outro, o que faz com que a visão resultante (a teoria, nesse sentido) seja outra, m ais abrangente, capaz de conter as visões anteriores, só que com o parciais, e reco- nhecidas com o parciais. N essa nova visão a teoria, aliás, se tom a ela m esm a relativa: não se trata m ais de teorizar, como um fim. A teoria passa a ser ela tam bém um m om ento de algo mais amplo, que é o que afinal im porta. E esse algo m ais am plo é antes um com prom isso que um a teoria. Um a das coisas que subjaz a essas proposições é que a consideração do sentido é fundam ental. Para com preender o ser hum ano, tenho que lidar com questões de sentido. A consideração do ser hum ano em term os de causa e efeito, antecedente e consequente,_ parte e todo, por m ais cabível, correta ou verdadeira que possa ser" não dá conta do que seja o ser hum ano com o totalidade em m ovim ento. Em outras palavras: posso explicar certas ocorrências hum anas ou com portam entos a partir de "causas" internas ou externas (m otivações inconscientes ou configurações de estím ulo, por exem plo), posso analisar relações de antecedente-consequente ( com o por exem plo o efeito de um a recom pensa), ou posso explicar certas coisas em função das relações parte-todo (com o por exem plo quando digo que o m odo de ser de um a pessoa é a repercussão individual de problem as ou situações coletivas bem caracterizáveis). Posso ainda descrever com o é que tudo isso se articula num a espécie de história geral de conflitos e fantasias, e que se aplicaria a todas as pessoas ou à m aioria (psicologia do desenvolvim ento). Cada um a dessas coisas é válida e possível, e de fato é feita, com m uitas pesquisas, certam ente. M as nenhum a delas em separado, e nem todas som adas, dão conta do.ser hum ano com o totalidade em m ovim ento. A lgo fica faltando, e não é algo que possa ser cum prido dentro de cada um daqueles enfoques. N ão é tantq que essas explicações estejam incom pletas. Sim , até estão, e haverá sem pre m ais a Por uma Psicologia Humana li pesquisar nessa linha. M as a incom pletude a que m e refiro é de outra ordem .-Talvez "explicações" dessa natureza não bastem , e por m ais que som em os explicações não estarem os entendendo ainda o principal desafio que se coloca para nós face ao nosso viver: E,..9!!.e vam os fazer com nossa vida? Que sentido vam os dar a ela, e de tal form a que não nos isole de um sentido m ais global? Sob esse enfoque o ser hum ano nos a arece não com o resultante e um a séne de coisas, m as com o, fundam entalm ente, o iniciante de um a série de coisas, e os desafios daquilo que ele deve criar não são respondíveis com explicações daquele tipo. O hom em só aparece naquilo que ele tem de m ais próprio, com a questão fil> sentido, não com a questão da causa explicativa. A relação , explicativa se refere ao hom em com o resultado, com o repertório, ou com o recebido, e, portanto, em definitivo, ao hom em como passado. Não se refere ao homem atual, ao hom em desafiado, ao hom em tendo que responder e posicionar-se, ao hom em presente (face a um futuro). Este hom em · atual, presente, desafiado, interpelado, em m ovim ento, é o que encontra as questões de sentido: essas são as questões presentes, que surpreendem o hom em com o existente (não apenas com o natureza, com o diria M erleau-Ponty). D izer que o hom em é um "bicho que fala" ( o que equivale a dizer que é um "anim al racional") é ficar no âm bito das explicações, e portanto, do hom em com o resultado. M as isso não é ainda o hom em atual. Só poderem os chegar a ele m udando o ponto de vista e assum indo as questões de sentido que definem sua atualidade. O que ele fala? O hom em atual, presente, existente, é constituído pelas í questões de sentido. Ora, a palavra é exatam ente a questão do ' sentido. P~r isso o hom em atual se encontra na palavra,e nâo o contrário. E na decifração de suas questões de sentido que o hom em :i pode se instaurar em sua atualidade. M as é preciso tom ar cuidado: essa. de~ifração pode ser vivida com o um a redução ao esquem a /l explicativo onde apenas encontrarem os o hom em -resultado e não o 'f hom em em sua atualidade. Isso, para M erleau-Pon~, seria ([ perm anec\:r no nível da palavra secundária, da fala inautêntica, do falar sobre, da fala sobre falas. A fala sobre falas é ainda um discurso no passado. A decifração do sentido só será um discurso no presente i se for vivencial, experiencial,. um a vivência do próprio sentido >i t i '~ !' 1 li 1 1 1 i i 1 i i1 i: :1: ·i. i i!i! 1 1 ,11 ,, 1 I''' 1 ! !i ,,. Ili' li!: /1:1 :J ,! '•·! i'::· ,, 1 I ',,, ,,1 I': 1•1 1' 1 1 i,1; /!;/i 11/1, 1:1 1 • :,1 :i::: '!,; ::!, !!/;1 ,, 1 i' i i 12 M auro M a11ins Am atuzzi Por um a Psicologia Humana 13 processo. O hom em com o resultado, ou a cultura com o produto, não são ainda o hom em atual ou a cultura que se faz. A credito que o sentido do hum anism o em psicologia é o de nos criando novos sentidos. É enfrentando os desafios que vou decifrando os sentidos e criando novos sentidos. A decifração dos sentidos que permanece no atual identifica-se com o enfrentamento dos desafios, e não é apen~ um estudo deles. O hom em atual, portanto, encontra-se no assum ir as questões de sentido e isso significa um a reviravolta com pleta de perspectivas t (do hom em -resultado para o homem-atu11I). E é exatam ente essa reviravolta que faz o sentido do hum anism o na psicologia. . 2 colocannos na postura do atual, do presente, do atuante, do em cursei; e todas as explicações só terão valor com o instrum entos para isso, m esm o que, com o instrum entos, perm aneçam aquém dessa atualidade. A ntes de passannos para um outro ponto, gostaria de trazer aqui ij um a consideração paralela que pode nos ajudar a com preender essa :: questão que acabo de fonnular. A diferença que existe entre essas duas { perspectivas é a m esm a que existe na consideração da cultura com o f resultado ( ou com o produto), e~ cultura com o ato cultural. Um a coisa é J estudar os produtos culturais (objetos, m áquinas, obras de arte, J utensílios, ou outros produtos com o a ciência, a religião, ou as estruturas 1 de parentesco ou estruturas de relações de trabalho etc.) de algum grupo :1 social ou sociedade. Aqui estam os estudando a cultura de um povo d com o algo dado, e, portanto, acabado. Outra coisa com pletam ente diferente ( em bora possa incluir a prim eira) é ser agente cultural, produzir cultura, inserir-se num m ovim ento vivo de produção cultural: ' A diferença entre essas duas coisas é clara. Ora, acontece que o tenno ; "cultura" pode ser definido em rim a dessas duas direções, originando-se ; daí m uita confusão. A cultura que é vista pelo estudioso não tem nada a J • ver com a cultura que é praticada pelo agente cultural. No prim eiro caso t tem os um produto acabado e m ais ou m enos estático: é a cultura com o j produto cultural. No segundo, tem os a cultura com o conteúdo de um ( m ovim ento incessante, algo em constante m utação. No prim eiro caso 1 fazem os história no sentido de retratar~ passado ( ou algo acabado), no iA segundo fazem os história no.sentido de construir a história em curso. E a t história que fazem os retratando só tem sentido em função da história que · estam os construindo. A cultura de um povo não é algo feito, m as algo que se faz, e reduzir um a coisa à outra é, na realidade, esm agar o potencial criativo de um povo, e tentar estagnar um m ovim ento, im pedindo que esse povo enfrente seus verdadeiros desafios. A cultura há que ser definida com o um processo vivo e não com o um conjunto de produtos acabados. O ser hum ano tem que ser captado em seu m ovim ento, e isso só pode ser feito movirnen_tand<>-§_;_ · ' V oltem o-nos agora para o Hum anism o, e vejam os o que essa palavra nos sugere. Podem os encontrá-la usada pelo m enos de quatro m odos diferentes em relação à Psicologia. 1. No sentido estrito o Hum anism o é um m ovim ento cultural, europeu, tendo seus prim órdios já no século XIV, e quê esteve m tunam ente hgado à Renascença. M as é talvez daí que o term o tenha se generalizado, podendo ser aplicado a qualquer filosofia que coloque o hom em no centro de suas preocupações, ou com o um adjetivo aplicável a outros m ovim entos, com o é o caso da ''psicologia hum anista" (ou do hum anism o na psicologia). O m ovim ento cultural da Renascença precisa ser entendido em função de seu contexto. D e algum m odo ele aparece com o um a espécie de reação contra um sobrenaturalism o · m edieval que na4uela época significava um desprezo pelo . que é hum ano: nada das coisas desta vida é im portante a não ser aquilo que aqui é um a aquisição de m éritos para a vida futura, eterna, após a m orte. A vida presente, nesse sentido, não é levada a sério em sua consistência própria, não tem valor nenhum em si m esm a. O próprio hom em , em si, em seu corpo, não precisa ser cultivado, um a vez que seu destino é a · m orte; o im portante é cuidar da alm a im ortal. As coisas do m undo são transitórias e um cenário passageiro para as coisas eternas, que são as que im portam . A arte, a ciência, a política, a beleza, a flexibilidade corporal não são coisas que devam deter o interesse do sábio, m as sim , as coisas eternas, ~brenaturais, as virtudes da alm a. A saúde do corpo, a m aturidade psicológica não são im portantes a não ser com o substrato m ínim o para as virtudes que nos preparam para a vida eterna O hum ano, o tem poral, este m undo são assim '" M auro M artins Amatuzzi altam ente desvaloriz.ados em favor do espiritual, do eterno, do sobrenatural. A cultura antiga, representante desse ~um ano, era, assim , mais ou m enos desprezada, ou então era ) hda com o um sím bolo ou apelo de algo outro, m aior. Não :, que isso tivesse caracterizado a Idade M édia toda. M as era a \ form a com o um a face do pensam ento m edieval foi lida a :, partir do ponto de vista da Renascença e do Hum anism o. f U m a nova necessidade nos faz frequentem ente caricaturar a · f- . visão anterior. Seja lá com o for, esse hum anism o nasceu sob t a bandeira da revalorização do hum ano, o que significava na prática um retom o aos clássicos, e à cultura pagã g greco-rom ana. O que é hum ano tem um valor em si mesmo e não coiµo m ero suporte ao sobrenatural; este m undo não ê apenas um cenário provisório e sem im portância para algo ! que ~ o tem n ~ a ver ~m ele; o tem po, o ~ue se constrói t paulatinam ente, o crescunento hum ano são 1D1portantes ( o tem po, e não a eternidade, é onde se constroem as coisas, e j estas coisas que construím os). O hom em é coipo tanto i quanto alm a, e é com o um todo que ele tem que ser cuidado.. 1 V irtude é o desenvolvim ento das potencialidades hum ana( . . e não algo acrescentado de fora. Para alguns isso representou um a rejeição da visão teológica das coisas, e no século X X isso é representado pelo hum arúsm o ateu ( cujo exem plo m ais contundente é Sartre). Para outros essa revalorização t do hum ano, do m undo, do tem po não se define por um J: posicionam ento antirreligioso ou ateu. Existe todo um 1· hum anism o cristão segundo o qual é na tram a deste m undo • que realidades definitivas estão sendo construídas ( e um •.; exem plo em inente desse hum anism o em nosso século é 1 Teilhard de Chardin). De qualquer fonna essa revalorização - . do hom em , das coisas do hom em , da história hum ana, daquilo que aqui efetivamente se faz, da atualidad~ ~o hum ano não se relaciona necessariam ente com uma pos1çao religio~ ou antirreligiosa. O que polariza esse m ovim ento é justam ente uma volta à atualidade do hum ano, e um acreditar que esse é o cam inho. ~ um a Psicologia Humana 15 2. Erich Fromm fala do humanismo não como um movimento localizado na Europa do século XIV. Ele fala de uma tradição da ética humanista _que encontra representantes em praticam ente todas as épocas do pensamento ocidental. Ele próprio pretende ser um pensador que se insere nessa tradição. ''Na tradição da ética humanista", diz ele, predomina a opinião de que o conhecim ento do homem é a base para o estabelecimento de nonnas e valores (1947, p. 31). ''Nomias e valores" aqui referem-se à questão do caminho, por onde vamos, que é a questão do sentido. Na tradição humanista essa questão se responde a partir de um conhecimento do homem. E Fromm continua:OstratadosdeéticadeAristóteles,SpinozaeDewey[ ... J são por isso, ao mesmo tem po, tratados de Psicologia Qd. ibid.). Q equacionamento e o encaminhamento desses problemas são ao mesmo tempo ética e psicologia. Etica, porque seu conteúdo é a questão do sentido, do por-onde-vamos; e psicologia, porque para isso nos debruçamos sobre o homem buscando um conhecimento de sua naturez.a. Um pouco antes Erich Fromm havia dito: Na éticà humanista o bem é a afirmação da vida, o desenvofvim ento das capacidades do hom em . A virtude consiste em assum ir-se a responsabilidade por sua própria existência O mal constitui a mutilação das capacidades do hom em ; ~ d e na i ~ l i d ~ t e si mesmo Qd. ibid., pp. 27-8). Rogers e M aslow aproxim am -se bastante de semelhantes concepções. No fundo existe uma crença no homem, uma confiança no que nele se manifesta. A expressão teórica disso é a tendência atualiz.ante de Rogers, ou o conceito de autoatualização de M aslow. O que está na raiz do hum anism o não é, pois, apenas um postulado teónco, ou um a hipóte_se, mas um a atitude · . concreta em favor do homem. Isso é mais fundam ental que as teorias que a partir daí se constroem. Teorias diferentes sobre o homem podem ser consideradas hum anistas. O que 1,s une não é tanto que todas aceitem detenninadas · afirm ações, mas uma atitude. Por isso Fromm fala de uma tradição ética: há valores envolvidos, mais que afirmações · abstratas. Há posicionam entos e com_p_romissos, e não ,. ftl)B '~V IH 'A ''-Y FI..('A '-'-V l'l•"'~'K e«+""""..,_"'" -- 17 M auro M artins Am aruzzi !2! uma Psicologia Humana apenas teses cogm ·ti (" • - . . . vas Isso nao quer dizer é claro que ,. esses posic10 d ' ' · nam entos evam ser ingênuos: existe toda questionam ento não era apenas teórico: teve inum eráveis m anifestações pessoais e coletivas, as quais certam ente tiveram um a im portância para a retirada das tropas am ericanas do Vietnã. Tudo isso representou um grande questionam ento coletivo do sentido da presença am ericana um a elabo - ' · . raçao cntica posterior que tende a confirm á-los e Isso no próprio Erich From m ) ' 3. A ndré A m ar num · - d · . · . . . ' . ª visao e conJunto da história da p_sicologia publicada num dicionário de psicologia francês, situa q~tro m om entos dessa história. O da psicologia hu~m sta, que, na sua consideração, é o que vem da Idade M édia ou m esm o da A ntigüidade grega, e vai até o com eço dã ~s~cologia científica; caracteriza-se basicam ente por um posicionam ento ético, isto é, por um a não-dissociação entre um a pesquisa objetiva, digam os, e um posicionam ento de :i valores: é a psicologia brotando do contexto de um a ética de :, üiiiã'visão do sentido da existência O segundo m om ento' é o da psicologia científica onde exatam ente se dá essa ruptura (Í entre a objetividade científica e a ética. Ele situa depois, ;: com o terceiro e quarto m om entos, a psicanálise e a i\ psicologia fenomenológica, e neste últim o, principalm ente, com eçam a reaparecer coisas do prim eiro m om ento. .~ ti curioso notar que esse autor, sendo europeu, não fala da . i! psicologia hum anista tal côm o esse conceito aparece nos r'. Estados Unidos, com o algo bem específico, m ais do que no fi sentido de Erich From m , inclusive. Sua classificação sugere tam bém que além de. um posicionam ento ético \i indissociáveL um a psicologia hum anista im plicaria um a crítica à atitude científica. Retom arem os a esse ponto. V em os que esses três sentidos de hum anism o convergem [! em seu · denom inador com um , apontam para o m esm o ponto, têm o m esm o "sentido". . • ( 4. M as con~entre~o-nos _agora, então,_ na psicologia l hum anista no sentido restnto e contem poraneo do term o. E . aqui dois livros. que se tom aram clássicos, por exex_nplo, f · Psicologia Existencial Humanista, de Thom as Greem ng, e f A Psicologia do Ser, de A braham M aslow . É o tem po e a :Í década de 1960 nos Estados U nidos. Tem po de guerra do V ietnã; 'crise m oral, de valores. O país envolvido por um a guerra considerada absurda pelo povo am ericano. E esse i .. i' ri no m undo. Um a crise ética. Esta psicologia hum anista surgiu como uma reação, a partir aâ m satisfação sentida face aoscfoiscÕn_füntos teóricos mãis im portantes em psicologia: o behaviorismo e a p s i~ ; m com o face a uma descrença nas possibilidades da filosofia Não se tratava de negar as descobertas feitas no behaviorism o e na psicanálise, mas de um sentim ento de que eles, perm anecendo em suas perspectivas originais, não traziam as respostas de que se precisava: o ser humano com seus questionam entos atuais não estava lá, por mais válidas que fossem as explicações aí dadas. Poderíam os dizer que essa psicologia, perm anecendo nos quadros de sua ortodoxia, podia nos dizer como treinar um soldado, ou porque um soldado ficava perturbado quando voltava da guerra, mas não era esse o problem a do povo americano. O problem a era qual o sentido da guerra, e qual o sentido da vida e da m orte ( ou da m inha vida e m orte, ou de m eu filho ou de meu m arido). E aqui a psicologia tradicional não ajudava muito. E tudo isso era urgente: os jovens estavam morrendo, e o holocausto já estava no horizonte. Quanto à filosofia, para M aslow pelo m enos, ela aparecia com o um conjunto de palavras apenas, sem nad.a de m ais concreto. Quando o hum anism o afeta a psicologia, então, resulta daí não uma teoria específica, nem m esm o um a escola, m as sim um lugar com um onde se encontram (ainda que com pensam entos diferentes) todos aqueles psicólogos insatisfeitos com a visão de hom em im plícita nas psicologias oficiais disponíveis. O rótulo específico de psicologia hum anista é apenas um episódio, diria m om entâneo, de algo que tém um sentido m aior: a presença de um a atitude hum anista no interior da psicologia. - - .. M auro M artins Ama!tJZZi ~e~o qu_e p~sso colocar esse sentido m aior em quatro pontos: · pnm eira parte do livro de M aslow tem por título exatam ent ''U 'urisdi• - · . e m a J çao m ais am pla para a psicologia", e os_ dois ~pítulos que com põem essa parte são: "Para um a psicologia_ da saúde", e "O que a psicologia pode aprender co~ os e_xistencialistas". Trata-se, no fundo, de admitir que a psicologia possa trabalhar a questão dos fins, da saúde, dã ai:torrealização, e não apenas dos m eios, da doença ou do aJustam ento m ínim o. M as isso tudo é a questão do "para onde vam os". A psicologia não pode ser apenas um conjunto de conhecim entos técnicos a serviço de qualquer finalidade; é J enquanto tom a para si tam bém essa questão que ela se faz ·i afinal um a ciência do hom em , e não antes. j Isso tem a vercom a neutralidade ética da ciência com o 4 algum a coisa . a ser redim ensionada ( é acredito que essa ;j questão não se aplique apenas às ciências hum anas). A :j ciência só é eticam ente neutra form alm ente, abstratam ente. íl O ato científico concreto nunca é neutro: ele se insere num i contexto de sentido e serve a algum a direção do cam inhar hum ano. Para nos convencerm os disso, basta q1;1;e * considerem os os critérios de financiam ento de pesquisa. . ) M as essa não neutralidade vai m ais longe e toca na própria l questão do alcance do saber: aquilo que eu vejo depend~ do ponto de vista a partir do qual m e coloco P'.111' olhar. E só k dentro de um posicionam ento de com prom isso com o ser hum ano corno um todo ( coisa que não é nada abstrata, m as acarreta até posições políticas) que m eus olhos se abrem para detenninados aspectos do ser hum ano, ou que m e E disponho a pc::squisar determ inados problem as e de um f detenninado m odo. . Í 2. H usserl foi tJrn dos que iniciou guestionam ent~ da - aplicação do m étodo científico à reahdade ~um ana. Nao se .1 .d de das conclusões M as se discute_ o alcance negaavaia · . ? delas. A quilo que elas afirm am caracte~ ? ser hum ano H l a origina· lidade da consc1enc1a fica fora do · Para usser , · t r alcance do m étodo das ciências naturais exatam en e po sua realidade intencional ( que só é captada através da questão do sentido). Por uma Psicologia Humana 19 A ~ti~de científica define um tipo de relação (a relação obJet1ficante) que não capta a pessoa atual mas apenas o ser hum ano como resultado. Para Buber, o centro da p~ss~a só se revela no ato da relação. As afirmações , cientificas podem ser verdadeiras mas não caracterizam aqwlo que é especificam ente humano. A m aneira com o costum a ser tratado o processo de comunicação dentro de uma abordagem científica seria um exem plo interessante. O processo pode ser dividido em seis momentos: I) o da mensagem intencional a ser comunicada; 2) o da codificação da mensagem; 3) a comunicação ou expressão propriamente dita; 4) a recepção da comunicação através das janelas sensoriais; 5) a decodificação no nível central superior; e 6) a compreensão da mensagem. Tenho seis coisas diferentes e bem específicas (e um distúrbio de comunicação pode ser situado em um desses seis estágios). Por mais útil que possa ser tal esquema, em termos de com preensão do que V!=lll a ser a comunicação ou mesmo o ato expressivo, nada de mais falso do que esse retrato. Para não falar senão de um aspecto, a própria mensagem depende dos passos seguintes, neles se transforma, não está plenamente constituída independentemente deles. Ela só se tom a o que é quando já não é mais pura mensagem intencional (mas já é . com unicação, por exemplo). A ciência tradicional não tem com o lidar com isso. Um outro exemplo é o do gesto significativo:. o dedo que aponta para a lua, por exemplo. Idiota é aquele que, quando aponto para a lua, olha para meu dedo. A essência de um gesto só é dada fora dele. Olhando para o dedo, por mais que o analise e disseque cientificam ente, não chegarei à lua, e portanto, nem mesmo à realidade de minha mão atual como gesto, como presença Ora, o homem é essencialmente um gesto, em sua presença ou em sua existência, Ele é um atribuidor de sentido, e é assim que ele constitui um mundo e se constitui a si mesmo na relação com o mundo. Se separarm os as coisas, com partim entalizando-as, não mais verem os a realidade significativa, a atual, o presente. N a~ m ais diferente de Ull1 movimento que um retrato, nada m ais . diferente de um ser vivo que um cadáver. -- M auro M artins AmatUZz; Capítulo I II A diferen a entre a es uisa ob·etiva e a artici ante tam bém ilustra a m esm a questão. Não se trata apenas de um a diferença de m étodo para se conseguir o m esm o resultado. O saber produzido é concretam ente outro, o . . assunto pesquisad? é outro, o possuidor do saber é outro. Silêncio e Palavra Trata-se de um a diferença na form a de conceber a relação : h~ ana e o conhecim ento. :, 3. QQ.sto d~ ente~der a atitude fenom enológica por com para'2o S .. : co?I a atitude m gênua e a crítica. Segundo a atitude ingênua, .li existe um m undo independente, constituído por si m esm o, e '1 ~m o tal cognoscível (e M aslow fica ainda nessa atitude, ao ~j qu~ par~e; ê o preço que ele paga por não ter sido um pouco m ais filosofo). Já na atitude crítica, sabem os que o que (t Jlllltam ente com a questão do sentido, temos tam bém a questão da palavra, não menos im portante para caracterizar o hwnano. Nada entenderemos do "aparelho significatório" ( expressão que poderia substituir a de "aparelho psíquico') sem levar em conta a intencionalidade e a linguagem . F.$e texto foi publicado originalm ente em 1992, na revista Estudos de Psicologia (PUC-Campinas), 9(3), pp. 77-96, com o título O süêncio e a palavra. Faço aqui pequenas alterações de detalhes apenas para m elhor expressar o que está sendo exposto. No item III, quando se trata do secundário, houve m odificações um pouco m aiores, m as m esm o assim consistiram apenas em acréscimos de algwnas poucas frases visando explicitar a relação do -tem a com a psicologia e a psicoterapia. ercebem os desse .m undo depende de nossos referenciais. il Costum a-se referir a Kant, com sua crítica ao conhecim ento, f para o nascim ento m ais forte dessa atitude; é preciso ;' relati~ o conhecim ento e estudar os referenciais através : dos quais ele se dá. Creio que a atitude fenom enológica vai além da crítica, e eu a form ularia assim : é só na interação que J terem os o verdadeiro conhecim ento. O conhecim ento 1) compõe a interação hum ana com o m undo, é um aspecto dela. ~; ~ma_ m tei:açâo s~ conhecim ento é po?re e de um nívef /i infenor, e ilude se nao nos derm os conta disso. O hum anism o t; em psicologia aponta para um a atitude Jenomenologica. . . . , . 4. E só nessa postura totalm ente diferente que se revela O ~: E stecapítulopodenaterosegum tesubt_itulo. hom em no que ele tem de próprio. A quilo que se revela aí é ;: um a leitura de M erleau-Ponty a partir das um a totalidade em m ovim ento, um a criatividade, e não íl' preocupações de um psicoterapeuta. De com pletam ente isolável de totalidades m ais abrangente;,o b fato, ele não pretende reconstituir o pensam ento hom em com o pessoa atual é o hom em com o palavra, isto é, desse M erleau-Ponty em seu contexto próprio e a com o abertura para algo outro, onde corpo e alm a são (;. pàrtir das questões que ele se colocava. M as visa indissociáveis (não podendo ser com preendidos um sem o 1:- responder a um a pergunta com o "em que esse filó- outro); é ato e não resultado (isto é, existe na interação com · sofo nos faz pensar, a nós psicoterapeutas?", ou · o m undo e com os outros hom ens); é busca de sentid<?, "em que ele pode nos ajudar a pensar nossas pró- atribuição e com unicação de sentido, criação ~e m ais : prias questões?". É claro que essa elaboração ~res- ~ - N o fundo, a m eu ver, a presença do Hum anism o na . supõe um â prim eira leitura dos textos a partir da Psicologia é a presença de um a saudade. _ Saudade . do qual algum as pistas foram surgindo. Um a dessas hom em atual, desafiado no presente em relaçao ao sentido l pistas é a ideia de silêncio, não apenas com o ausên- de sua vida. eia de ruídos, m as com o algo positivo e em brioná- t /. . .
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