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Policy Brief Junho de 2022 O Sistema Financeiro Internacional: principais características, transformações e desafios Arthur Bernardes de Oliveira Pontos-chaves • As transformações dos anos 70 e 80 evoluíram no sentido da consolidação de um novo regime financeiro internacional. As novidades deste novo regime ficam evidente como taxas de câmbio flexíveis em vez das taxas fixas e ajustáveis, liberdade sobre o movimento de capitais em vez de controle, predomínio do crédito direto securitizado no mercado internacional de capitais em vez do crédito intermediado pelo sistema bancário, predomínio dos capitais privados em substituição aos créditos oficiais, de governos e organismos internacionais e, por fim, ampla desregulamentação, liberalização e integração dos mercados financeiros, a nível nacional e internacional. • As crises dos últimos 30 anos foram marcadas principalmente pelo caráter altamente especulativo e contagioso, dado a maior integração dos mercados financeiros. A relação entre a desregulamentação dos mercados financeiros e as inovações financeiras, tais como securitizações e derivativos, a livre mobilidade de capitais e a volatilidade cambial e de juros foram em grande parte responsáveis pelas frequentes crises de balanço de pagamentos das economias emergentes e pelas crises de liquidez e solvência, como a crise financeira de 2008. • É necessário que o Brasil que o Brasil se atente aos movimentos dos últimos anos. As tendências de regionalização e nacionalismo, sobrecarregados pela grande competição de poder, combinados com a digitalização e novas tecnologias, sugerem que é improvável que o status quo persista. A incapacidade de mobilizar adequadamente uma resposta econômica coordenada e cooperativa pode deixar as principais economias, particularmente a China e a UE, sentindo a urgência de seguir caminhos separados. Tal desenvolvimento poderia catalisar esforços, por exemplo, para criar moedas de reserva rivais para desafiar o dólar americano e desencadear a fragmentação ou reordenação da hierarquia financeira global. Introdução O Sistema Financeiro Internacional atualmente é caracterizado por uma elevada integração entre os mercados financeiros, englobando tanto países centrais quanto periféricos. Esse quadro resultou da passagem de uma ordem regulada pelas instituições de Bretton Woods, para uma ordem mais liberal consolidada na década de 1990 e com as vitórias de Ronald Reagan nos Estados Unidos e Margaret Thatcher no Reino Unido. Esta nova arquitetura do SFI, se deu principalmente com a globalização financeira, que proporcionou a maior integração entre mercados financeiros e trouxe benefícios para a economia mundial, como maior produtividade. No entanto, para tal, foram promovidas uma sucessão de desregulamentações, na qual os países abandonaram cada vez mais as regulamentações sobre o comportamento das instituições financeiras. À medida que as economias se tornaram mais abertas, as nações ficaram mais expostas a choques externos, principalmente nações periféricas e emergentes como o Brasil, dado os fluxos voláteis de capital que aumentaram o potencial de turbulência. Também, dada uma maior integração entre as nações, uma crise sistêmica em uma passou a facilmente infectar as outras. As consequências da liberdade concedida ao setor financeiro e a proeminência de sua lógica especulativa são objeto de reflexão pela sociedade e alvos de fortes críticas. Nesse sentido, o objetivo desse trabalho é responder algumas questões importantes. O que é o Sistema Financeiro Internacional? Quais foram as principais transformações ocorridas nas últimas décadas? Por que elas contribuíram para a intensificação da ocorrência de crises financeiras? Qual a posição e a situação das economias emergentes, em especial a do Brasil? E por fim, o que pode ser concluído e feito pelas autoridades brasileiras? O que é o Sistema Financeiro Internacional? Um sistema financeiro refere-se a um conjunto de componentes e mecanismos como políticas monetárias, seguros e bancos que permitem que as transações econômicas ocorram. Existem muitos tipos de sistemas financeiros, desde aqueles usados para operar transações dentro de uma empresa, até aqueles que facilitam transações financeiras internacionais. Sem esses sistemas muitas atividades econômicas seriam difíceis, como negociar e investir (MANKIW, 2011). Hoje, as transações financeiras ocorrem em nível internacional, dentro do Sistema Financeiro Internacional (SFI). O SFI permite que os mercados financeiros troquem informações e impactem uns aos outros 24 horas por dia. À medida que a globalização financeira evoluiu, o sistema se tornou mais influente nas economias de muitos países. A evolução do SFI é marcada pelo estabelecimento de bancos centrais, tratados multilaterais e organizações intergovernamentais destinadas a melhorar a transparência, regulação e eficácia dos mercados internacionais. Em suma, pode-se conceituar o SFI como fluxos econômicos de moedas, comércios, aplicações, pagamentos, empréstimos transfronteiriços, realizados por governos, bancos, empresas ou até mesmo pessoas, e cuja principal finalidade é facilitar e regulamentar essa cadeia de atividade de maneira a maximizar os ganhos. Quais as principais instituições do SFI? Podemos dividir as principais instituições do SFI em duas categorias amplas, mercados financeiros e intermediários financeiros (MANKIW, 2011): Mercados financeiros: são o mecanismo que impulsiona as transações de quem oferece dinheiro a quem o procura. Aqueles que fornecem fundos para empréstimos – poupadores – o fazem porque desejam converter parte de sua renda atual em poder de compra futuro. Aqueles que exigem fundos para empréstimos – tomadores – o fazem porque querem investir hoje para ter capital adicional no futuro para produzir bens e serviços. Os dois principais mercados financeiros são o mercado de títulos e o de ações. Intermediários financeiros: são os intermediários entre os credores e os mutuários de uso final. Cumprem a função de alocar os fundos disponíveis com eficiência. Os principais intermediários financeiros são os bancos e os fundos mútuos. Outros atores importantes no SFI: 1. Corporações, em especial as transnacionais: realizam operações para atrair fontes estrangeiras de capital para financiar seus investimentos como venda de ações, empréstimos e venda de títulos da dívida da empresa no mercado internacional. 2. Bancos centrais, como o Banco Central Europeu e o Sistema de Reserva Federal dos EUA, que realizam operações de mercado aberto em seus esforços para atingir os objetivos da política monetária. Os bancos centrais são incluídos nos mercados financeiros globais indiretamente por meio de intervenções monetárias. 3. Instituições financeiras internacionais: como as instituições de Bretton Woods, bancos multilaterais de desenvolvimento e outras instituições financeiras de desenvolvimento fornecem financiamento de emergência a países em crise, fornecem ferramentas de mitigação de risco para potenciais investidores estrangeiros e reúnem capital para financiamento do desenvolvimento e iniciativas de redução da pobreza. 4. Organizações comerciais, como a Organização Mundial do Comércio, o Instituto de Finanças Internacionais e a Federação Mundial de Bolsas que tentam facilitar o comércio, promover padrões e patrocinar pesquisas e publicações estatísticas. 5. Organizações financeiras não bancárias: como grandes investidores institucionais – fundos de pensão, fundos mútuos, fundos de hedge, etc. – que realizam transações com o objetivo de diversificar suas carteiras de ativos no exterior. Principais canais de movimentação dos fluxos financeiros • serviços monetários e de liquidação para negociação de bens e serviços; • investimento estrangeiro em capital fixo e circulante (IDE); • operações com títulos e instrumentos financeirosdiversos; • assistência a países em desenvolvimento e contribuições do Estado às organizações internacionais A Globalização Financeira A globalização pode ser definida como uma fase em que as atividades das empresas, os fluxos comerciais e o sistema financeiro adquiriram um caráter mundial. O capitalismo contemporâneo tem como característica a intensa circulação do capital no qual há uma livre movimentação de bens, serviços e, principalmente, capitais (GILPIN, 2001). Gráfico 1. Fluxos financeiros internacionais (1989-2010) Fonte: Bank of International Settlements Como é possível perceber no Gráfico 1, os fluxos financeiros internacionais aumentaram significativamente nas últimas décadas. Os fluxos financeiros são enormes, segundo algumas estimativas as transações diárias dos mercados financeiros são 50 vezes maiores do que as transações do comércio mundial, isso ocorre graças à característica volátil dos capitais financeiros. Um dos componentes mais importantes da globalização financeira são as inovações financeiras e tecnológicas, com a criação de novos instrumentos financeiros como certificados de depósito, swaps cambiais, etc. As inovações tecnológicas aumentaram a velocidade das transações e seus volumes. Inovações no setor de telecomunicações, por exemplo, ajudam os bancos a atrair poupanças de todo o mundo e a enviar fundos nas condições de maiores lucros e menores custos. O uso do SWIFT permite que os bancos de investimento concluam transações tanto em títulos quanto em moeda estrangeira. O processo de desregulamentação e de liberalização financeira A década de 1970 representou a passagem da ordem regulada de Bretton Woods para uma ordem mais liberal baseada no sistema dólar-flexível com mobilidade de capital. A desregulamentação e a liberalização financeira foram incitadas principalmente pela estratégia dos Estados Unidos de reforçar sua hegemonia mundial. Nesse sentido, uma ordem financeira livre se estruturou com o desmonte de Bretton Woods (1966-71), ganhando força na década de 1980 e se consolidando nos anos 1990 (PILHON, 1999). As transformações dos anos 70 e 80 evoluíram no sentido da consolidação de um novo regime financeiro internacional. As novidades deste novo regime ficam evidente: taxas de câmbio flexíveis em vez das taxas fixas e ajustáveis, liberdade sobre o movimento de capitais em vez de controle, predomínio do crédito direto securitizado no mercado internacional de capitais em vez do crédito intermediado pelo sistema bancário, predomínio dos capitais privados em substituição aos créditos oficiais, de governos e organismos internacionais e, por fim, ampla desregulamentação, liberalização e integração dos mercados financeiros, a nível nacional e internacional. O SFI passou a ser regido e pautado pela autorregulação dos mercados financeiros. Esta nova arquitetura do SFI foi capitaneada por um conjunto de instituições e práticas de regulação debilitadas que não exercem controle efetivo sobre os fluxos de capitais internacionais. A crescente mobilidade internacional do capital acentuou-se e os Estados recorreram, cada vez mais, a taxas de câmbio mais flexíveis e moedas flutuantes. A instabilidade inspirou o surgimento de inovações financeiras, como a securitização e os derivativos. Os dois passaram a dominar as transações financeiras, fazendo emergir novos atores nos mercados financeiros, cujos comportamentos comandam os rumos do capitalismo no século XXI. As instituições financeiras não bancárias, em especial, grandes investidores institucionais – fundos de pensão, fundos mútuos, fundos de hedge, etc. – se tornaram protagonistas no mundo das finanças. Essas instituições, além concorrerem com os bancos como intermediários financeiros pelas atividades de securitização, passaram a assumir o controle acionário de grandes empresas pela intervenção nos mercados de capitais. Operando em várias praças financeiras, os fundos mútuos passaram a usar e abusar da técnica de alavancagem, tornando o SFI ainda mais instável (PLIHON, 1995). Quadro 1. O processo de liberalização financeira na América Latina Na América Latina, a cooptação ao movimento de liberalização e desregulamentação econômico-financeira se deu via organizações internacionais, que atuaram como mecanismos de exercício da hegemonia norte-americana. As economias da América Latina, que enfrentavam uma severa restrição de crédito externo por causa da crise da dívida externa nos anos 1980, foram socorridas nos anos 1990 pelo Banco Mundial e o FMI, que condicionaram seus créditos à adoção de políticas de liberalização e desregulamentação. O Consenso de Washington também preconizou que o mercado seria o melhor mecanismo para expandir a riqueza, cabendo assim ao FMI e ao Banco mundial recomendar disciplina fiscal dos governos; privatização; desregulamentar a economia e a legislação trabalhista; liberalizar o comércio externo; e eliminar restrições ao investimento direto estrangeiro. (COX, 1993). As Crises Financeiras dos últimos 30 anos Uma crise financeira resulta da inabilidade de os mercados financeiros funcionarem eficientemente, levando a uma acentuada contração na atividade econômica (MISHKIN, 1998). Com a desregulamentação dos mercados dos países centrais e a incorporação das praças financeiras dos países emergentes ao processo de globalização, ocorreram uma sucessão de crises financeiras, começando pelo crash das bolsas de 1987 e pela eclosão de uma bolha especulativa nos mercados imobiliários e de securities em 1989. Além das crises da década de 1980, várias outras ocorreram na década de 1990, como a crise mexicana em 1994, a crise asiática em 1997, as crises cambiais na Rússia, no Brasil e na Argentina em 1998, e a bolha Dotcom, em 2001. As crises dos últimos 30 anos foram marcadas principalmente pelo caráter altamente especulativo e contagioso, dado a maior integração dos mercados financeiros. A relação entre a desregulamentação dos mercados financeiros e as inovações financeiras, tais como securitizações e derivativos, a livre mobilidade de capitais e a volatilidade cambial e de juros foram em grande parte responsáveis pelas frequentes crises de balanço de pagamentos das economias emergentes e pelas crises de liquidez e solvência, como a crise financeira de 2008 (PLIHON, 1995). É fato que os fluxos financeiros internacionais são direcionados para as áreas e regiões onde há demanda por eles e oportunidades de obter maiores retornos. Nesse sentido, fluxos de capital para os mercados emergentes na Europa Oriental, Ásia e América Latina são geralmente vistos como atraentes em tempos de estabilidade macrofinanceira global, como durante parte da década de 1990. No entanto, na periferia, as variações dos fluxos de capitais de curto prazo se mostraram intensas e suscetíveis a “manias e pânicos”, resultando em várias crises financeiras. Neste sentido, muitos economistas acreditam que as crises são inerentes ao sistema capitalista, que além de afetar a confiança dos agentes econômicos sobre a eficiência do SFI, trazem grandes prejuízos para as economias nacionais e para toda a população. Dessa forma, é interessante observar duas das principais crises financeiras com suas respectivas particularidades como a crise asiática de 1997-98 e a crise financeira de 2007-08. A Crise Asiática de 1997-98 “A desordem financeira global do fim dos anos 90 foi o mais recente episódio numa série de “manias, pânicos e colisões” financeiras que abalaram o capitalismo internacional nos últimos trezentos anos.” (GILPIN, 2001) A crise asiática foi desencadeada por uma mudança no sentimento do mercado que levou a grandes reversões dos fluxos de capital. Essa mudança no sentimento do mercado se espalhou rapidamente por toda a região e depois para outras regiões, tornando o contágio um fator importante no desenvolvimento da crise.A crise financeira asiática começou na Tailândia em 1997 e logo se espalhou pela maior parte do Sudeste Asiático. Os efeitos da crise foram sentidos em todo o mundo. Durante o boom econômico ocidental do final da década de 1990, os investidores começaram a investir pesadamente nas economias dos países em desenvolvimento, especialmente da Ásia. As economias asiáticas estavam crescendo e pareciam o local perfeito para a expansão. Muitos desses países, incluindo a Tailândia, atrelaram o valor de sua moeda ao valor do dólar americano. Isso tornou a taxa de câmbio simples, mas também facilitou bastante para esses países tomar dinheiro emprestado do exterior porque os credores haviam descontado o risco da taxa de câmbio. Durante esse período, o valor do dólar americano estava aumentando, o que significava que o valor dessas moedas atreladas também estava aumentando. Tudo parecia estar indo bem até que os investidores começaram a perder a confiança nas economias em que haviam investido. A inadimplência na América Latina e o surgimento de mão de obra barata e produtos acessíveis da China estimularam essa queda na confiança. Uma vez que os primeiros investidores começaram a sacar seu dinheiro depois que a dívida do governo começou a ser rebaixada, o resto dos investidores seguiu o exemplo e exigiram seus investimentos de volta. De repente, as empresas e os governos perderam seus financiamentos e não conseguiram mais cumprir suas obrigações financeiras. Gráfico 2. Taxa de câmbio das principais moedas asiáticas em relação ao dólar Fonte: Bloomberg, FMI Como pode ser observado no Gráfico 2, os especuladores atingiram a taxa de câmbio entre o dólar americano e as moedas asiáticas, conseguindo quebrar a paridade. O baht tailandês, bem como as outras moedas asiáticas, rapidamente perderam valor, e os governos e empresas se viram nadando em dívidas que não podiam pagar. O diagnóstico posterior das origens da crise expôs consideráveis lacunas de informação entre as autoridades, os participantes do mercado financeiro e a comunidade internacional, atingidos pelo “pânico financeiro”. Quadro 2. O Brasil nos anos 90 Nos anos de 1990, os efeitos negativos que as relações financeiras internacionais acarretaram para o desenvolvimento da economia brasileira decorreram da má articulação entre fatores negativos internos e externos, tais como o regime de finanças especulativas, privadas, securitizadas, de curto prazo e concentradas no mercado internacional de capitais, a inexistência de um projeto de desenvolvimento nacional ou mesmo de qualquer estratégia de crescimento. Na ideologia do Plano Real, o desenvolvimento nacional deveria ficar a cargo do funcionamento das leis do mercado e, para que o mercado possa desempenhar esse papel, o governo deveria restringir-se a garantir a estabilidade dos preços, privatizar os setores estratégicos e abrir a economia ao comércio e às finanças internacionais. Nesse sentido, o que se viu foi o aumento da vulnerabilidade da economia brasileira. A crise financeira de 2008-2009 Na esteira da bolha Dotcom de 2001, o Federal Reserve (FED) empurrou as taxas de juros para os níveis mais baixos vistos até então na era pós-Bretton Woods em tentativa de manter a estabilidade econômica. Combinadas com a política federal de incentivo à aquisição de imóveis, essas baixas taxas de juros ajudaram a desencadear um forte boom nos mercados imobiliário e financeiro. Inovações financeiras, como novos tipos de hipotecas subprime, permitiram aos mutuários obter empréstimos imobiliários generosos com base na expectativa de que as taxas de juros permaneceriam baixas e os preços das casas continuariam a subir. No entanto, de 2004 a 2006, o FED aumentou as taxas de juros na tentativa de manter as taxas de inflação estáveis na economia. À medida que as taxas de juros aumentavam, o fluxo de novos créditos para o setor imobiliário se moderou. As taxas de hipotecas ajustáveis existentes e empréstimos ainda mais exóticos começaram a ser redefinidas a taxas muito mais altas do que muitos esperavam. O resultado foi o estouro do que mais tarde foi amplamente reconhecido como uma bolha imobiliária. Durante o boom imobiliário americano, as instituições financeiras começaram a comercializar títulos lastreados em hipotecas e produtos derivativos em níveis sem precedentes. Quando o mercado imobiliário entrou em colapso em 2007, esses títulos caíram vertiginosamente. Os mercados de crédito que financiaram a bolha imobiliária rapidamente seguiram os preços da habitação em queda quando uma crise de crédito começou a se desenrolar em 2007. As coisas vieram à tona no ano seguinte com a falência do Lehman Brothers, o quarto maior banco de investimento do país, em setembro de 2008. O contágio rapidamente se espalhou para outras economias ao redor do mundo, principalmente na Europa. Principais elementos da crise de 2007-08 (MANKIW, 2011) Grande declínio nos preços de alguns ativos: em 2008 e 2009, esse ativo era imobiliário. Insolvências generalizadas das instituições financeiras: quando os preços das casas caíram, um grande número de proprietários parou de pagar seus empréstimos. Essas inadimplências levaram várias instituições financeiras à falência. Declínio na confiança nas instituições financeiras: à medida que as insolvências aumentavam, todas as instituições financeiras se tornavam possíveis candidatas à próxima falência. Indivíduos e empresas com depósitos não segurados nessas instituições sacaram seu dinheiro. Crise de crédito: enfrentando uma onda de saques, os bancos começaram a vender ativos e cortar novos empréstimos. O sistema financeiro tinha dificuldade em desempenhar sua função de direcionar os recursos dos poupadores para as mãos dos tomadores de empréstimos. Desaceleração econômica: com as pessoas incapazes de obter financiamento para novos projetos de investimento, a demanda geral por bens e serviços diminuiu. Como resultado, a renda nacional caiu e o desemprego aumentou. Círculo vicioso: a crise econômica reduziu a lucratividade de muitas empresas e o valor de muitos ativos. Assim, começamos de novo no primeiro passo, e os problemas no sistema financeiro e a crise econômica se reforçaram. Gráfico 3. Queda da média Dow Jones de produção industrial em 2008 Fonte: Bloomberg Como pode ser observado no Gráfico 3, a crise representou uma queda expressiva na produção econômica, levando à falência muitas instituições financeiras nos EUA e na Europa. É estimado que as famílias americanas perderam cerca de US$ 19 trilhões em patrimônio líquido como resultado da queda do mercado de ações, de acordo com o Departamento do Tesouro dos EUA. Em abril de 2009, o G-20 se reuniu em Londres para discutirem ações conjuntas que pudessem combater a crise internacional. Além disso, um dos pontos de discussão na reunião do G-20 em Londres foi o aumento da representação dos países em desenvolvimento no FMI. Nessa reunião todos os países emergentes, inclusive Brasil e China, tentaram ampliar sua participação na instituição e cobraram do Fundo uma maior representatividade (CARDIM CARVALHO, 2012). Desafios contemporâneos De acordo com o Consenso de Washington, o mercado seria o melhor mecanismo para expandir a riqueza. Entretanto, é fato que tais medidas impuseram aos países da América Latina, um maior grau de vulnerabilidade devido a maior exposição desses países aos riscos decorrentes da liberalização financeira e abertura comercial. Com a crise financeira recente, a arquitetura do SFI tem sido questionada. O desenho do SFI proporciona uma enorme autonomia aos norte-americanos desde Bretton Woods até a emergência do novo regime do SFI e os dias atuais. O estabelecimento da nova ordem econômico- financeira possibilitou a reprodução acelerada do capital, no entanto, a crise de 2007-8 marca uma perturbação nesta dinâmica. As consequênciasda liberdade concedida ao setor financeiro e sua lógica especulativa passaram a ser objeto de reflexão pela sociedade e alvos fortes de críticas. As tendências de regionalização e nacionalismo, sobrecarregados pela competição de poder, combinados com a digitalização e novas tecnologias, sugerem que é improvável que o status quo persista. A incapacidade de mobilizar adequadamente uma resposta econômica coordenada e cooperativa pode deixar as principais economias, particularmente a China e a UE, sentindo a urgência de seguir caminhos separados. Tal desenvolvimento poderia catalisar esforços para criar moedas de reserva rivais para desafiar o dólar americano e desencadear a fragmentação ou reordenação da hierarquia financeira global. Se no passado o FMI e o Banco Mundial contribuíram para financiar economias subdesenvolvidas, constata-se que hoje o Fundo não tem recursos suficientes para atender às necessidades de financiamentos de grandes emergentes, tendo os BRICs juntos hoje um peso maior na economia mundial do que a comunidade europeia. Por fim, vale destacar que os formuladores de políticas de mercados emergentes, como o Brasil, enfrentam um desafio de precisão, pois devem instituir cuidadosamente políticas macroeconômicas sustentáveis durante a sensibilidade do mercado, sem provocar os investidores a retirar seu capital para mercados mais fortes. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES O SFI é um sistema complexo que funciona e muda com o clima econômico e político. Apesar da experiência vivida na década de 1990 ter feito com que muitos países da periferia, inclusive o Brasil, passassem a ser mais cautelosos com a liberalização e desregulamentação financeira, ainda é preciso ter cautela. Verifica-se que a capacidade de alguns Estados de se blindarem a ataques especulativos, depende da capacidade destes de elevarem suas autonomias no Sistema Internacional, sendo a China um exemplo no início da década de 2010 até os dias atuais. Nesse sentido, o que os formuladores de políticas econômicas do Brasil podem fazer? Participar ativamente dos debates promovidos pelas instituições financeiras internacionais e organizações comerciais, com o objetivo de defender os interesses nacionais e seu projeto de desenvolvimento; Manter um posicionamento estratégico frente ao jogo de poder global que tem se verificado nos últimos anos, não se esquivando de se posicionar nos debates globais, mas também não se comprometendo de forma que importantes fontes de investimento não migrem para outros mercados; Continuar adotando medidas financeiras disciplinares como fiscalização das empresas financeiras, medidas em defesa do consumidor, combate a fraudes e controle da especulação, a fim de se obter maior prudência nas práticas de intermediários financeiros. Manter e promover o acúmulo de reservas internacionais, bem como avaliar a diversificação de moedas de reserva, com o objetivo de preparar a economia para possíveis choques externos inesperados; Regulamentar, principalmente, inovações financeiras do campo digital, que têm ganhado força e são possíveis fontes de instabilidade, como as criptomoedas, bancos digitais, etc.; No campo doméstico, é necessário que o Estado garanta crédito à própria produção nacional, o que implica não ser refém de investimentos externos voláteis, como também garantir que as empresas nacionais possam honrar os compromissos com os fornecedores; Promover maior coesão interna, a fim de não ceder a possíveis pressões por maior desregulamentação por parte dos mercados, independente da corrente de pensamento do governo, e se posicionar de forma mais autônoma no Sistema Internacional quando for preciso. https://pt.wikipedia.org/wiki/Dow_Jones_Industrial_Average https://pt.wikipedia.org/wiki/EUA https://pt.wikipedia.org/wiki/Europa REFERÊNCIAS CARDIM CARVALHO, F. O G-20 e a Reforma do Sistema Financeiro Internacional: possibilidades e limitações (Cap. 1). In: CINTRA, M. A. M.; GOMES, K. R. (Orgs.). As Transformações no Sistema Financeiro internacional (Vol. 1), Brasília: IPEA, 2012. COX, Robert W. Gramsci, Hegemony and International Relations: an essay in method. In: GILL, S. Gramsci, Historical Materialism and International Relations. Cambridge University Press, Cambridge Studies in International Relations, No. 26, 1993. EVANS, T. Cinco explicações para a crise financeira internacional. Revista Tempo do Mundo, v. 3, n. 1, 2011. GILPIN, R. Global Political Economy: understanding the International Economic Order. Princenton: Princenton University Press, 2001. Cap. 10, p. 261-277. GONÇALVES, Reinaldo; BAUMANN, Renato; PRADO, Luiz Carlos Delorme & CANUTO, Otaviano. A Nova Economia Internacional: Uma Perspectiva Brasileira. 8a. edição. Rio de Janeiro: Campus, 1998. MANKIW, N. G; BALL, L. M. Macroeconomics and the Financial System. New York: Worth Publishers, 2011. MISHKIN, Frederic S. International Capital Movements, Financial Volatility and Financial Instability. NBER Working Paper, 6390. Cambridge, Massachusetts: no National Bureau of Economic Research, 1998. PLIHON, D. A Ascenção das Finanças Especulativas. Economia e Sociedade, Campinas, (5): 61-78, dez. 1995. PLIHON, D. “Desequilíbrios Mundiais e Instabilidade Financeira: A Responsabilidade das Políticas Liberais. Um Ponto de Vista Keynesiano. In: CHESNAIS, François (org.). A Mundialização Financeira: Gênese, Custos e Riscos. São Paulo: Xamã, 1999.
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