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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE MEDICINA DEPARTAMENTO DE MEDICINA SOCIAL ADMINISTRAÇÃO E PLANEJAMENTO EM SAÚDE AURÉLIO ALEXSANDER PAULO RIBEIRO VINÍCIUS DA SILVA GREGORY ZILMA ROSA DA SILVA SISTEMAS DE SAÚDE: o caso do Haiti Porto Alegre 2023 Dados gerais A República do Haiti é um país caribenho, situado na América Central, fazendo fronteira com a República Dominicana na ilha de São Domingos. Possui um território total de 27750 km2 e sua capital é Porto Príncipe. Sua população é constituída por cerca de 11,7 milhões de habitantes e a densidade demográfica é de 292 hab/km2. A região da ilha Hispaniola foi visitada por Colombo em 1492 e, já no fim do século XVI, toda sua população nativa havia desaparecido. A parte ocidental da ilha, região onde hoje fica o Haiti, foi cedida à França em 1697. Em 1794, houve uma revolta de escravos que culminou no posterior processo de independência, em 1804, e que foi reconhecida em 1825. As línguas oficiais são o francês e o crioulo haitiano. Planisfério político – IBGE Quanto ao perfil demográfico regional, apenas cerca de 4,6% da população possui mais de 65 anos. A expectativa de vida ao nascer, em 2023, é de 64.8 anos. Abaixo, encontra-se uma comparação entre as pirâmides etárias do Haiti nos anos 2000 e 2023, que evidencia um aumento da população adulta e evidencia um razoável aumento na expectativa de vida: PAHO/WHO: Health in the Americas - Haiti Em 2022, a taxa de desemprego foi de 14.8%, a taxa de alfabetização da população foi de 83% e a taxa de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza foi de 58,5%. É digno de nota que, durante o período de 2000 a 2021, o país apresentou melhorias no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH): foi de um IDH de 0.470 para um IDH de 0.535, uma melhora de 13.8%. Apenas 47% da população tem acesso à energia elétrica e 38,9% possuíam acesso à internet. Não há dados disponíveis acerca do acesso ao saneamento básico. O Haiti apresentou, em 2022, um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 20.5 bilhões, enquanto o PIB per capita foi de cerca de US$ 1.748, 3. O Crescimento Anual do PIB, em 2022, foi -1,7%. A inflação anual nesse mesmo período foi 34%. Em 2020, a porcentagem do PIB total gasto pela gestão pública na área da saúde foi de 0.4%, enquanto que a porcentagem de gastos públicos totais em saúde foi 4,1%. Quanto aos principais agravos em saúde — conforme os dados da OPAS e do GBD — há elevada mortalidade infantil, principalmente decorrente de infecções respiratórias e diarréia. Condições de moradia insalubres e o baixo acesso ao saneamento básico levam a uma alta mortalidade em crianças com menos de 5 anos. Entre os anos 2000-2017, houve um decréscimo na taxa de mortalidade infantil de 80.3 para 59 mortes a cada 1000 nascidos vivos. Entretanto, estes índices ainda são maiores do que seus países vizinhos. Sobre imunizações, em 2022 a taxa de cobertura vacinal contra sarampo era de 76%, um decréscimo de 4% se comparado com os anos 2000. O país possui elevada taxa de mortalidade por câncer de colo de útero, mas a vacina contra HPV não se encontra disponível para toda população. A mortalidade materna estimada em 2022 é de 350 mortes a cada 100 mil partos com nascidos vivos. A média de filhos para cada mulher durante o mesmo período é 2.7 crianças. Os agravos comunicáveis são um sério problema de saúde pública no Haiti. O país possui uma das mais elevadas incidências de tuberculose na região. Em 2021, houveram 91 novos casos de tuberculose por 100 mil habitantes. A mortalidade total por tuberculose (para cada 100 mil habitantes e ajustada pela idade) foi de 9.2%. A mortalidade ajustada por idade por HIV foi 28,3%. O país enfrenta, também, sérios problemas com zoonoses: entre 2019 e 2021 foram reportados 6 casos de raiva em humanos. Doenças crônicas não comunicáveis — como diabetes, obesidade e hipertensão — coexistem com as demais doenças e tem se tornado um desafio adicional importante ao sistema de saúde haitiano. A prevalência de tabagismo em pessoas com mais de 15 anos foi 7,2% em 2023. Na mesma faixa etária, a prevalência de sobrepeso e obesidade foi de 54%. Em 2015, a prevalência estimada de hipertensão arterial sistêmica foi de cerca de 25%. Comparando a mortalidade ajustada por idade, em 2019 temos cerca de 218,1 mortes por 100 mil habitantes devido a doenças comunicáveis e cerca de 838,7 mortes por 100 mil habitantes por doenças não comunicáveis. GBD: compare Pressupostos Doutrinários e Operacionais do Sistema de Saúde De acordo com os artigos 19.º e 23.º da Constituição da República do Haiti, o Estado é obrigado a garantir o direito de todos à saúde e a fornecer-lhes os recursos necessários para preservar, defender e restabelecer a sua saúde em todo o país. Os componentes do sistema de saúde haitiano são: O setor público, que inclui o Ministério da Assistência Social e o Ministério da Saúde Pública e População (MSPP); O setor privado com fins lucrativos, que inclui todos os profissionais privados; e o setor privado sem fins lucrativos, que inclui associações, fundações e ONGs; O setor misto, sem fins lucrativos, que inclui pessoal do Ministério da Saúde empregado por organizações religiosas ou privadas (ONG); E por fim, o sistema médico tradicional, representado por praticantes tradicionais da cura, como bokor, hougan e outros curandeiros. Este setor desempenha um papel crucial no sistema, sendo frequentemente buscado como a primeira opção pela população, independentemente de sua posição social, status financeiro ou nível educacional. Estes curandeiros tradicionais permanecem amplamente disponíveis e acessíveis em comunidades locais, garantindo uma maior acessibilidade tanto geográfica quanto cultural. É possível ainda organizar o Sistema de Saúde do Haiti em três níveis: No primeiro nível, temos as Unidades Comunitárias de Saúde (UCS), que formam uma rede dividida em dois escalões. O primeiro escalão é composto pelos Serviços de Saúde de Primeiro Escalão (SSPE), que incluem dispensários, centros de saúde com ou sem leitos. Já o segundo escalão abrange os Hospitais Comunitários de Referência (HCR). No segundo nível, encontramos dez Hospitais Departamentais e clínicas especializadas. E o terceiro nível é caracterizado pelos Hospitais Universitários e pelo Hospital Especializado. Na cidade de Porto Príncipe, existem cinco Hospitais Universitários, incluindo um hospital público, o Hospital da Universidade do Estado do Haiti. No seu conjunto, o sistema possui 908 estruturas de serviços e cuidados distribuídas da seguinte forma: 278 instituições públicas (30,62%), 419 instituições privadas (46,14%) e 211 instituições mistas (23,24%). Teoricamente, essa rede formal está organizada em 58 Unidades Comunitárias de Saúde (UCS), cada uma atendendo uma população de 80.000 a 140.000 habitantes. As UCS têm a responsabilidade de garantir a prestação de um pacote mínimo de serviços (PMS) e coordenar a rede de saúde do primeiro nível. No entanto, apesar dos esforços, esse modelo não é aplicado em todo o país. As razões mais importantes para esse desenvolvimento desigual são, por um lado, a falta de vontade política e, por outro lado, a falta de recursos para estabelecer e manter essas estruturas. Além disso, a área geográfica das UCS não corresponde à divisão administrativa nacional, e o modelo de descentralização não foi seguido por todos os setores. Sessenta e um por cento de todas as instalações de saúde estão localizadas em áreas rurais, sendo a maioria delas de propriedade do MSPP. Cerca de 50% das instalações privadas com fins lucrativos e 55% das instalações de ONG estão localizadas em áreas rurais, sendo que há também uma super-representação na área metropolitana. No geral, as instalações privadas não prestam contas pelos serviços que oferecem e não enviam sistematicamente relatórios ao MSPP. O sistema de saúde no Haiti fornece cuidados formais a somente 60% da população. Esse acesso limitado é compensadoem parte pelo uso da medicina tradicional como primeira abordagem diante da doença, também chamada de "Medsin fèy" ou "Medsin Ginen". Em 70% dos casos, ela representa o primeiro recurso da população em caso de problemas de saúde. A "Medsin Fey" é baseada em plantas e envolve frequentemente a transmissão de conhecimento dentro das famílias; ela é imediatamente acessível à população através de automedicação ou da intervenção do círculo familiar. A "Medsin Ginen" envolve uma pessoa com um dom, como curandeiros ou parteiras tradicionais. O setor privado é muito importante, especialmente o com fins lucrativos, e sua articulação com o setor público merece ser aprimorada. Vale ressaltar que os efeitos da catástrofe de 12 de janeiro de 2012 nas estruturas administrativas e nos serviços de saúde foram dramáticos. É importante destacar que existe uma falta de coordenação e dificuldades em estabelecer redes que aproveitariam um sistema estruturado de referência/contrarreferência no modelo de saúde haitiano. Na prática, o sistema de saúde haitiano apresenta, em todos os níveis, problemas significativos de funcionalidade, organização, gestão e controle da prática, resultando em uma oferta de cuidados fragmentada, pouco acessível e de baixa qualidade. As fraquezas na governança do setor incluem a falta de um quadro legal apropriado, uma estrutura organizacional do Ministério da Saúde Pública que não permite o cumprimento de suas funções essenciais, deficiências quantitativas e qualitativas de recursos humanos e materiais, a multiplicidade de atores com motivações e filosofias de ação diversas, e uma capacidade fraca de planejamento e coordenação intra e inter-setorial. Financiamento do Sistema de Saúde Embora o sistema de saúde haitiano possua quantidade elevada de recursos se comparado a outros países de baixa renda (mensurado como despesa total em saúde como porcentagem do PIB), os recursos ainda estão aquém do esperado se comparados aos demais países caribenhos e latinos. Em 2014, a despesa total em saúde foi 7,6 % do PIB. Nos últimos 20 anos, a despesa total em saúde aumentou principalmente devido ao financiamento de organizações não governamentais (ONGs), enquanto o governo teve um papel modesto. O financiamento externo é propagado através de instituições sem fins lucrativos, que repassam doações às ONGs. Assim, o aumento no financiamento externo mudou a composição da despesa total em saúde. Em 1995, as famílias eram os principais financiadores do sistema de saúde através de pagamentos out-of-pocket (46% das despesas totais em saúde), seguidos do governo (41%) e ONGs (14%). A partir de 2014, a proporção da contribuição do governo reduziu drasticamente (foi de 41% para 21%) e os pagamentos out-of-pocket foram de 46% para 35%. Enquanto isso, houve aumento na contribuição por parte das ONGs (aumento de 14% para 45%). World Bank: Better Spending, Better Care A taxa de crescimento do gasto total em saúde aparenta ser muito volátil, por isso a falta de previsibilidade se impõem como um obstáculo ao planejamento do sistema de saúde. Entretanto, de acordo com o Banco Mundial, a despesa total em saúde per capita do Haiti seria suficiente para promover recursos básicos de saúde, principalmente com enfoque na atenção primária. Um estudo de custeio realizado pelo MSSP, em 2006, demonstrou que US$ 9,5 de custo normativo per capita seriam suficientes para providenciar um pacote de serviços de saúde básicos a toda a população. Vale destacar que, se essa previsão se confirmar, isso representaria 8% da despesa total em saúde. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), US$ 50 per capita garantiriam o acesso básico ao serviço de saúde. O Banco Mundial afirma que, mesmo adotando a recomendação da OMS, o Haiti possuiria recursos suficientes para fornecer um pacote de serviços essenciais de saúde para população se o financiamento público, privado e externo fossem direcionados e usados adequadamente para esse propósito. Um estudo de Jones e colaboradores demonstrou que cerca de 50% da população haitiana, principalmente em áreas rurais, faz uso da medicina tradicional para tratar problemas de saúde. Este constitui um segmento adicional do mercado privado em saúde no país. Outro estudo demonstra que a densidade de “curandeiros” em Artibonite é de 107 para cada 10 mil habitantes, enquanto a densidade de profissionais de saúde é cerca de 2,7. Quanto à remuneração de médicos, os dados são escassos. Sabe-se, entretanto, que uma consulta com o profissional aumentou cerca de 48 vezes entre os anos de 1980 e os anos 2000, passando de um valor de 25 Gourdes para mais de 1.200 Gourdes. Segundo dados do BDEX, o salário médio de um médico haitiano varia entre R$ 2760 a R$ 7960. No ano de 2004 o Governo do Haiti lançava um Programa Econômico e Social que caracterizava os sistema de saúde como deficitário, e elencou: uma fragmentação entre o setor público e privado; um total de 722 estabelecimentos de saúde, sendo 37% deles pertencentes ao MSSP (25 hospitais, 28 centros de saúde com leitos. 42 centros de saúde sem leitos e 174 dispensários), enquanto os demais 60% correspondiam a 112 estabelecimentos mistos, explorados pela maioria dos funcionários e pago pelo setor público e 328 estabelecimentos privados; estabelecimentos com déficits em infraestrutura e manutenção; 83% das consultas ocorriam em áreas urbanas e em clínicas privadas; médicos geralmente possuíam um segundo emprego e empregavam as dependências do hospital para uso pessoal, com pagamentos muitas vezes sendo realizados diretamente aos médicos, sem conhecimento do estabelecimento. Recursos Humanos: A prestação de serviços de qualidade exige a disponibilidade de pessoal médico e paramédico qualificado em quantidade suficiente. Normas e padrões internacionais relacionados às proporções de profissionais de saúde por habitante em um país foram definidos. A análise da situação haitiana revela um déficit significativo em seu sistema de saúde, especialmente em relação a profissionais-chave (médicos, enfermeiros, parteiras). O índice é de 0,64/1.000 habitantes, onde a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda um mínimo de 2,5/1.000 habitantes. Isso resulta em uma lacuna de 20.2591 profissionais de saúde em 2016, considerando os setores público e privado. Surpreendentemente, o sistema de formação, embora altamente liberalizado, produz profissionais em quantidade suficiente para cobrir anualmente 1/6 da população. No entanto, após a formação, 24% dos médicos, 87% das enfermeiras e 59% das parteiras permanecem desempregados devido a recrutamentos insuficientes, criando potenciais candidatos à migração internacional. Os profissionais disponíveis estão desmotivados e mal distribuídos: 88% atuam em áreas urbanas, enquanto apenas 12% estão em áreas rurais, onde reside 49% da população. O país adotou um modelo de cuidados de saúde baseado em Agentes de Saúde Comunitários Polivalentes (ASCP). No entanto, em junho de 2017, quase 3/4 desses ASCP eram pagos por doadores, levantando preocupações sobre a sustentabilidade do financiamento a longo prazo. Além disso, há a questão relacionada ao escopo de trabalho do ASCP para a integração de programas prioritários em nível comunitário, especialmente em relação à prevenção e ao tratamento do HIV/AIDS devido à eliminação de agentes verticais. Há também um desequilíbrio na distribuição de pessoal médico pelos departamentos geográficos do país. O Oeste (2,27), o Centro (2,33) e o Noroeste (2,88) são os departamentos mais bem providos. A disponibilidade e o desempenho dos recursos humanos para o setor são condicionados por: - A ausência de planejamento estratégico das necessidades do setor. - A fragilidade do sistema de credenciamento das escolas privadas de formação de profissionais de saúde. - A aplicação de currículos pouco adaptados às necessidades do sistema de saúde e a produção de profissionais que não atendem aos perfis necessáriospara a prestação de serviços e cuidados de saúde. - A falta de mecanismos de acompanhamento do desempenho dos profissionais. - A ausência de uma política de desenvolvimento de recursos humanos e retenção de pessoal no setor público, em uma conjuntura fortemente marcada pela atração exercida pelo setor privado e por ONGs que oferecem condições de trabalho, incluindo oportunidades salariais, mais atrativas. - A falta de um sistema de registro de profissionais médicos e paramédicos. O número exato de médicos e enfermeiros que atuam no setor privado não é suficientemente conhecido e não está sujeito a nenhum controle. - A inexistência de ordens para as profissões de saúde. A distribuição por categoria e por departamento do pessoal médico e paramédico público é indicada na tabela abaixo. Embora a situação dos Recursos Humanos em Saúde (RHS) seja desafiadora no Haiti, ela também apresenta sinais encorajadores. Mesmo em número insuficiente, a força de trabalho em saúde inclui uma variedade de profissionais qualificados em especialidades médicas e paramédicas para operacionalizar o Pacote Essencial de Serviços destinado à população. Para garantir o continuum de cuidados, o Ministério da Saúde Pública e da População (MSPP) iniciou o processo de integração dos ASCP no orçamento do Estado e, numa perspectiva mais ampla, a absorção de contratados pagos pelo tesouro público ou pelos doadores. A Direção de Recursos Humanos (DRH) dotou-se de um Sistema de Informação e Gestão de Recursos Humanos (SIGRH) e está comprometida com a profissionalização da Gestão de Recursos Humanos (GRH), elaborando um perfil de carreira e operacionalizando um Sistema de Avaliação de Desempenho (SYSEP). Com essas iniciativas, o MSPP é constantemente citado como exemplo de gestão inovadora no país. Uma Estratégia de Recursos Humanos em Saúde para 2030 foi adotada na Assembleia Mundial da Saúde em maio de 2016. Em resumo, os quatro objetivos específicos da Estratégia Global visam a promover a tomada de decisões com base em evidências; aumentar os investimentos no campo das RHS; reforçar as capacidades institucionais para a governança no campo das RHS; e garantir a prestação de contas por meio do estabelecimento de um quadro eficaz de monitoramento e avaliação. Para alinhar-se a esse processo e estar em harmonia com a dinâmica internacional em curso, ao mesmo tempo em que aborda seus problemas específicos, o Haiti desenvolveu três etapas para alcançar essa estratégia global, levando em consideração suas realidades locais: Etapa 1 de 2018 a 2022: Estabelecimento do quadro para o desenvolvimento sustentável de RHS no Haiti; Etapa 2 de 2023 a 2027: Aceleração do progresso em direção ao desenvolvimento sustentável de RHS no Haiti; Etapa 3 de 2028 a 2030: Ajuste para avançar em direção à realização das metas da estratégia global 2030 no Haiti. Reformas no Sistema As ONGs desempenham um papel central nas políticas de saúde do Haiti. Nas últimas décadas, essas organizações têm crescido em tamanho e em influência no cenário internacional de apoio ao desenvolvimento. Elas atuam desde a atenção básica na saúde até a distribuição gratuita de medicamentos — inclusive para controle de doenças crônicas — que não são cedidos gratuitamente para a população. Contudo, o MSPP lançou o Plano Estratégico de Desenvolvimento dos Recursos Humanos para a Saúde 2030. A primeira fase abrangeu o período 2018-2022. Esse período, dedicado aos Agentes Comunitários de Saúde Polivalentes (ASCP), foi o primeiro passo num processo de planejamento estratégico para avançar em direção às metas da estratégia global. O custo do seu conteúdo programático ascende a 218.455.288 gourdes (aproximadamente 3.121.000 milhões de dólares) sem o custo de recrutamento de pessoal de saúde adicional para a operacionalização do Pacote de Serviços Essenciais (PES). Entre os principais objetivos destacam-se a ampliação do acesso à formação e à qualificação profissional e melhoria na qualidade da assistência à saúde. O projeto está sendo implementado desde 2022. No entanto, houve poucos avanços das estratégias propostas. Assistência e Previdência Social O sistema previdenciário haitiano é dividido em duas modalidades: um decreto que garante a aposentadoria para funcionários públicos e o Ofício Nacional de Aposentadoria (ONA), uma forma de pensão voltada para os demais trabalhadores. O decreto que assegura a aposentadoria aos servidores públicos entrou em vigor em 1975 e, desde então, tem passado por várias reformulações. A última atualização ocorreu em 2015. Por meio dele, o governo garante a aposentadoria aos ativos da administração pública, com idade mínima de 55 anos ou 52 anos, caso tenham alguma doença que permita a antecipação do benefício. Aos trabalhadores, o governo oferece um seguro: o Ofício Nacional de Aposentadoria (ONA), concedido por idade e por tempo de contribuição. A idade de aposentadoria é de 55 anos, com um mínimo de 25 anos de contribuição. Os aposentados são isentos de impostos. O Ministério da Saúde Pública e População (MSPP) tem lutado para coordenar e supervisionar a prestação de serviços de saúde e de previdência. Porém, existem muitas limitações de cunho social e econômico que embargam os projetos do Governo e fazem com que o sistema de referência não esteja funcionando bem. Entrevista com médico haitiano Tivemos a oportunidade de entrevistar o Dr. Yves, um médico formado no Haiti, detentor de um mestrado em saúde coletiva pela UFMT e que, atualmente, é doutorando em epidemiologia pela UFRGS. Durante a conversa, Yves compartilhou suas observações sobre os sistemas de saúde em ambos os países. No Haiti, Yves destacou a existência de três níveis do sistema de saúde: a atenção primária, a ambulatorial e a hospitalar. Apesar do conceito de acesso universal, ele ressaltou a prevalência de doenças infecciosas, em contraste com o Brasil, onde as condições crônicas são mais proeminentes. Um ponto marcante mencionado por Yves foi a oferta de medicamentos gratuitos no Haiti para HIV e tuberculose, porém o acesso a tratamentos para diabetes e hipertensão não segue a mesma gratuidade. Além disso, o Haiti carece de vacinas contra o HPV, mas possui protocolos de Prevenção Pós-Exposição (PEP) e Profilaxia Pré-Exposição (PREP) para o HIV. No que diz respeito ao financiamento, Yves destacou a dependência significativa de recursos externos no Haiti. Enquanto isso, o sistema de saúde brasileiro demonstra uma maior robustez financeira. Em relação à saúde mental, o acesso limitado no setor público haitiano contrasta com a escassez de profissionais no setor privado. Yves enfatizou que, no Haiti, as consultas privadas são mais acessíveis financeiramente do que no Brasil. A entrevista com o Dr. Yves proporcionou uma visão valiosa das disparidades e semelhanças entre os sistemas de saúde do Haiti e do Brasil, destacando desafios e áreas de melhoria em ambos os contextos. REFERÊNCIAS: 1. Cavagnero, Eleonora Del Valle; Cros, Marion Jane; Dunworth, Ashleigh Jane; Sjoblom, Mirja Channa. "Better spending, better care: a look at Haiti's health financing: summary report (English)." Washington, D.C.: World Bank Group. 2. Global Burden of Disease - GBD Compare. Disponível em: https://vizhub.healthdata.org/gbd-compare/. Acesso em novembro de 2023. 3. Jones SG, Hilborne LH, Ross AC, Davis LM, Girosi F, Benard C, et al. "Haïti." In: Al J, et al., editors. Securing health: lessons from nation-building missions. Santa Monica, CA: Rand Corporation; 2006. 4. MacLeod, Murdo J., Ferguson, James A., Girault, Christian Antoine, and Lawless, Robert. "Haiti." Encyclopedia Britannica, 27 Nov. 2023, https://www.britannica.com/place/Haiti. Acesso em novembro de 2023. 5. Ministère de la Santé Publique et de la Population (MSPP) - Plan Directeur de Sante 2012-2022 - Disponível em <https://mspp.gouv.ht/site/downloads/Rapport%20Statistique%20MSPP%202014%20version %20web.pdf> Acesso em Novembro de 2023.6. Ministère de la Santé Publique et de la Population (MSPP) - Plan Stratégique de Développement des Ressources Humaines pour la Santé 2030 - Disponível em <https://www.hfgproject.org/haiti-plan-strategique-de-developpement-des-ressources-humain es-pour-la-sante-2030/> Acesso em Novembro de 2023. 7. Ministère de la Santé Publique et de la Population (MSPP) and Unite D’études et de Programmation (UEP) - Rapport Statistique 2014 - Disponível em <https://mspp.gouv.ht/site/downloads/Rapport%20Statistique%20MSPP%202014%20version %20web.pdf> Acesso em Novembro de 2023. 8. Misoczky, M. C., Bordin, R., & Barcelos, R. (2015). "Fortalecimento da Rede de Serviços de Saúde: um relato da cooperação Brasil/Cuba/Haiti." Porto Alegre: Pubblicato Editora Ltda. 9. Observatório Iberoamericano de Políticas Públicas em Saúde Bucal - "Sistema de saúde do Haiti." Disponível em: <https://sites.usp.br/iberoamericanoralhealth/perfil/haiti/sistema-de-saude-haiti/> Acesso em Novembro de 2023. 10. PAHO/WHO. Health in the Americas: Haiti. Disponível em: https://hia.paho.org/en/countries-22/haiti-country-profile. Acesso em novembro de 2023. 11. Petit-Frère I, Joseph JM, Hernrys JH. "Le droit médical Haïtien – état des lieux." In: Editions Uramel. 2009. 12. Plancher, Indy. "Análise Comparativa dos Sistemas de Saúde do Haiti e do Brasil Quanto ao Modelo de Gestão, Modelo de Atenção, Modelo de Financiamento e Recursos Humanos." 2018. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Saúde Coletiva) – Universidade Federal da Integração Latino Americana, Foz de Iguaçu, 2018. 13. World Bank Group - "Better Spending, Better Care: A Look at Haiti’s Health Financing." Disponível em: <https://documents1.worldbank.org/curated/en/790331522095815549/pdf/PUB-PUBLIC-Hai ti-FullReport-English.pdf> Acesso em Novembro de 2023. ANEXOS: ● Entrevistado: Yves Sanley Timothee — Médico pela Faculdade de Medicina de Notre-Dame Haïtï, mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Mato Grosso, doutorando em Epidemiologia pelo PPGEpi/UFRGS. Celular: +55 65 99310 8176 E-mail:thimotheeys@gmail.com mailto:thimotheeys@gmail.com
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