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Circuitos curtos de comercialização e os desafios

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124 
 
 
CIRCUITOS CURTOS DE COMERCIALIZAÇÃO E OS DESAFIOS PARA A 
TERRITORIALIZAÇÃO DA REFORMA AGRÁRIA POPULAR 
Fernanda Aparecida Matheus17 
Carlos Alberto Feliciano18 
 
RESUMO: O avanço do agronegócio e suas consequências para a saúde humana e ambiental 
recoloca para a sociedade brasileira o debate sobre o papel que o uso, a posse e a propriedade da 
terra e dos bens da natureza cumprem para a produção e reprodução da vida. Este trabalho tem 
como objetivo discutir como a concepção de Reforma Agrária Popular, as ações que veem sendo 
desenvolvidas pelos movimentos socioterritoriais e os desafios enfrentados para sua 
territorialização se inserem neste contexto. A elaboração deste se deu a partir de revisão 
bibliográfica e da sistematização de entrevistas realizadas no âmbito da pesquisa de doutorado em 
andamento, intitulada “Circuitos curtos de comercialização e suas contribuições ao processo de 
espacialização e territorialização da reforma agrária popular e da agroecologia no estado de São 
Paulo”. 
 
PALAVRAS-CHAVE: Sistemas alimentares; Soberania Alimentar; Agroecologia; Aliança campo-
cidade. 
 
INTRODUÇÃO 
O debate acerca dos desafios da territorialização da Reforma Agrária 
Popular está relacionado com aspectos sociais, econômicos e ambientais em 
múltiplas escalaridades e dimensões abrangendo desde a escala do campo de 
cultivo, da unidade de produção, que no caso das famílias assentadas é o lote, até 
chegar à organização dos sistemas alimentares em escala global. 
Compreendendo a Reforma Agrária Popular como um processo político-
organizativo dinâmico e dialético que se materializa em distintas escalaridades e 
dimensões, tendo como fundamento promover transformações estruturais no 
âmbito da sociedade, que ao enfrentar condicionantes históricas e conjunturais 
busca construir instrumentos e metodologias de ação que possibilitem angariar o 
apoio da população para fortalecer-se enquanto projeto político na disputa com o 
agronegócio por terra, recursos, espaços e territórios 
 
 
17 Doutoranda em Geografia, UNESP-FCT, bolsista CAPES, participante do CEGET-Presidente 
Prudente. Engenheira agrônoma, mestre em Desenvolvimento Territorial na América Latina e 
Caribe. Email: Fernanda.matheus@unesp.br 
18 Doutor em Geografia, pesquisador III do Departamento de Geografia UNESP – Presidente 
Prudente. Email: carlos.feliciano@unesp.br 
 
125 
 
(MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 2014), podemos 
interpretar que os desafios para a territorialização das experiências de circuitos 
curtos de comercialização em si e os desafios para a viabilização econômica das 
famílias assentadas compõem parte dos desafios para a territorialização da 
Reforma Agrária Popular enquanto projeto político amplo diante da luta de classes. 
Nosso foco de análise são os circuitos curtos de comercialização, 
enquanto modalidade de compra, venda e distribuição que privilegia a dinâmica de 
contato direto entre produtores e consumidores, seja pelo encurtamento das 
distâncias geográficas entre o ponto de produção do alimento e o ponto de venda 
aos consumidores e/ou a eliminação de intermediários no processo de 
comercialização (DAROLT, LAMINE E BRANDEMBURG, 2013). Práticas essas 
orientadas pelo questionamento ao sistema alimentar submetido à lógica do capital 
(DAROLT, LAMINE E BRANDEMBURG, 2013; MCMICHAEL, 2016) e pelos 
princípios da solidariedade, respeito e cuidados com a natureza, valorização do 
alimento em seus aspectos culturais e políticos, soberania alimentar e afirmação 
da identidade camponesa (ROVER; LAMPA, 2013; FRANQUES; FRANCO; 
RISSATO; CARMELO; SIQUEIRA; BUQUERA; ALVARES; NUNES, 2018). 
Este trabalho compõe parte do projeto de pesquisa em andamento, 
intitulado “Circuitos curtos de comercialização e suas contribuições ao processo de 
espacialização e territorialização da reforma agrária popular e da agroecologia no 
estado de São Paulo” e tem como objetivo refletir sobre os desafios para a 
territorialização da Reforma Agrária Popular e como estes se concatenam com a 
construção das iniciativas de circuitos curtos de comercialização, organizadas por 
famílias acampadas e assentadas e suas organizações. 
A análise das experiências de circuitos curtos de comercialização 
envolvendo famílias assentadas e suas organizações no estado de São Paulo nos 
apontam alguns dos desafios colocados para a territorialização da Reforma Agrária 
Popular. Com base em relatos de entrevistas realizadas com assentadas e 
assentados e dirigentes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST 
nas regiões de Ribeirão Preto, Sorocaba, Pontal do Paranapanema e Promissão 
elencamos alguns elementos que nos permitem interpretar tais iniciativas, 
enquanto experimentação prática do discurso que vem sendo construído para 
 
126 
 
fundamentar a concepção de Reforma Agrária Popular e ferramenta para o diálogo 
com a sociedade. 
Assim sendo, propomos a sistematização dos desafios em duas 
categorias, uma se refere aos desafios político-organizativos, ambientais e 
econômicos internos aos assentamentos e suas organizações. Outra categoria diz 
respeito aos desafios político-organizativos do MST na relação com a sociedade e 
outras organizações sociais e políticas, enquanto movimento socioterritorial 
(FERNANDES, 2000), com atuação e influência em escala local, estadual, nacional 
e internacional. Apesar da proposição destas duas categorias, com a finalidade de 
facilitar a sistematização neste trabalho, é preciso ressaltar que os desafios 
apresentam interfaces que fazem dialogar as tarefas internas nos assentamentos 
e externas, na relação com a sociedade e na proposição de um projeto político de 
superação das relações capitalistas de produção. 
O texto está organizado em três tópicos, além da introdução e das 
considerações finais. No primeiro tópico, discorremos sobre os desafios internos, 
ou seja, aqueles relacionados à vida interna e a organização dos assentamentos; 
no segundo tópico apresentamos o debate sobre os desafios externos, que dizem 
respeito à relação dos assentamentos e do MST com a sociedade e no terceiro 
tópico propomos uma síntese dos principais desafios e elencamos algumas ações 
que convergem neste sentido. 
 
DESAFIOS INTERNOS: A CENTRALIDADE DO ASSENTAMENTO PARA A 
PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DA VIDA E DE NOVAS RELAÇÕES 
Os desafios internos são aqueles intrínsecos a organização da vida nos 
assentamentos enquanto território de lutas e enfrentamentos ao latifúndio e ao 
agronegócio e de exercício cotidiano na construção de novas práticas e 
sociabilidades, baseadas no respeito e no cuidado com o ambiente e entres os 
seres humanos (GASPARIN; WITCEL; SANTOS (2021); MATHEUS; FELICIANO, 
2021). E por sua vez, segundo Martins, Nunes e Gasparin (2021) também se 
constituem em foco de disputas políticas, econômicas e territoriais. 
Neste contexto, o primeiro desafio interno nos assentamentos diz 
respeito à permanência nos assentamentos e viabilização econômica das famílias 
 
127 
 
assentadas, com a superação da situação de precariedade a que estão submetidos 
grande parte dessas unidades territoriais e o acesso a condições de produção e 
comercialização a preços justos. Havendo, para tanto, necessidade de políticas 
públicas para o apoio à instalação de infraestruturas, subsídios para a produção 
agroecológica, agroindustrialização e comercialização e organização de um 
esquema de logística de escoamento. 
A organização interna nos assentamentos, a organização do território, o 
fortalecimento da base social e da coletividade, apresentam-se como fatores 
fundamentais, assim como a questão administrativa e a busca pelo 
aperfeiçoamento dos instrumentos e metodologias de planejamento e gestão das 
iniciativas de circuitos curtos de comercialização. “Pra você desenvolver um 
processo de comercialização você precisa estar organizado, não é simples, não é 
fácil e nem é de uma hora paraoutra, então exige um trabalho de organização” 
(ANGELO DIOGO MAZIN, ASSENTADO E DIRIGENTE DO MST NA REGIÃO DE 
PROMISSÃO/SP, EM: 05 AGO. 2021). 
A produção de alimentos saudáveis, através da agroecologia denota um 
amplo leque de dimensões atinentes à matriz tecnológica e a dimensão da falta de 
acesso a tecnologias que diminuam a penosidade do trabalho e possibilitem a 
produção livre de venenos, sem uso de agrotóxicos, adubos químicos e minerais 
de origem industrial. “As tecnologias produzidas hoje, são tudo para o agronegócio, 
tudo para monocultura, tudo para o grande capital, enquanto que para a agricultura 
familiar ainda é muito pouca tecnologia” (JOICE APARECIDA LOPES, 
ASSENTADA E DIRIGENTE DO MST NA REGIÃO DE PROMISSÃO, EM: 02 JUL. 
2021). Bem como da organização interna dos assentamentos e da mobilização das 
famílias assentadas visando “internalizar do ponto de vista, de que é preciso 
produzir coisas saudáveis e é preciso mudar o jeito de se produzir” (GILMAR 
GERALDO MAURO, DIRIGENTE NACIONAL DO MST, EM: 21 MAI. 2021), 
promover a agroecologia enquanto sistema de produção, de viver e gerar vida, 
entender os seres humanos como parte do ambiente. 
Que quando você produz com a agroecologia, você gera vida em todos os 
sentidos, né. Quando você produz, a maneira de você viver, de lidar com 
a terra, de lidar com os alimentos, a produção consorciada, que você mexe 
na terra. E quando você começa a mexer na terra, então, tem várias vidas 
 
128 
 
ali, né. Que nós depende deles para poder gerar nossa produção. Então, 
isso você está ajudando também no sistema de produção, porque você 
também está mexendo, tem muitos seres vivos na terra (NIVALDA ALVES 
DE JESUS, ASSENTADA EM RIBEIRÃO PRETO, EM: 28 SET. 2021). 
 
Para tanto se sente a necessidade da sistematização das experiências, 
o aperfeiçoamento da práxis mediante o esforço de sistematização e teorização 
das experiências pregressas e em andamento, a valorização dos sujeitos 
envolvidos e a ampliação dos espaços e momentos de debates, experimentação, 
formação e capacitação das famílias. “Hoje a gente fala muito de agroecologia, 
porque nós participamos desses debates, porque a gente vivenciou, mas tem vários 
lugares que infelizmente não acompanham esse debate, não participam dessas 
atividades” (JOICE APARECIDA LOPES, ASSENTADA E DIRIGENTE DO MST NA 
REGIÃO DE PROMISSÃO, EM: 02 JUL.2021). 
As experiências de produção agroecológica e circuitos curtos de 
comercialização também são encaradas como dinâmicas que favorecem a 
construção de novas formas de sociabilidade, modificando as relações entre as 
pessoas, entre as pessoas e a coletividade e dos seres humanos com a natureza. 
De tal modo, que estas têm sido pautadas como ferramentas para incentivar a 
participação das mulheres e jovens nos processos produtivos, econômicos e 
decisórios e na vida comunitária, além de contribuir para romper com as 
desigualdades e opressão de gênero e de gerações. 
Na relação com seres humanos, essa questão da mulher, da juventude, 
das minorias, elas sempre estão em alta né, e de entender a juventude na 
atualidade, numa relação de expropriação de saberes anteriores e como 
é que traz esses jovens para ter referências nesse campo (MARIA 
RODRIGUES, ASSENTADA NA REGIÃO DE SOROCABA, EM: 24 SET. 
2021). 
 
Portanto, elementos centrais que podem inviabilizar uma nova forma de 
organização popular não dependem exclusivamente de sua organização territorial. 
Alguns elementos que são e vão desde pautas diretamente ligadas à ausência de 
políticas públicas que fortaleçam a permanência das famílias, até mesmo o 
enfrentamento de questões vinculadas a relações de poder como desigualdade de 
gênero e geração, que são produto e produtores das relações sociais 
contraditoriamente imputadas pela sociedade capitalista patriarcal. 
 
129 
 
 
DESAFIOS EXTERNOS: ESTABELECER ALIANÇAS PARA ENFRENTAR O 
SISTEMA ALIMENTAR DO AGRONEGÓCIO 
A territorialização de uma concepção de reforma agrária que tem como 
base o questionamento da mercantilização da terra, dos recursos naturais e dos 
alimentos e a proposição de uma dinâmica de reprodução social baseada na 
democratização dos meios de produção e no estabelecimento do princípio do 
cuidado e do respeito na relação sociedade-natureza impõe desafios de caráter 
político, social, econômico, ambiental e ético (MARTINS; NUNES; GASPARIN, 
2021). Exige um reposicionamento não apenas das camponesas e camponeses e 
suas organizações, mas da classe trabalhadora como um todo (THOMAZ JR. 
2010). 
Deste modo, os desafios referentes à territorialização da Reforma 
Agrária Popular, portam uma dimensão externa a organização da vida e da 
produção nas áreas de assentamentos que relaciona a uma série aspectos da vida 
da em sociedade, contexto em que os circuitos de comercialização e a produção 
agroecológica assumem centralidade. 
Comercializar a produção das áreas de reforma agrária e romper com a 
lógica do mercado capitalista, estabelecer outro tipo de relação social entre quem 
consome com quem produz, dos seres humanos com o alimento e com seu 
processo de produção. Para as entrevistadas e os entrevistados é imprescindível 
que a relação não seja entre o comprador/consumidor e a prateleira, é preciso que 
quem está comprando conheça o processo de produção e as relações 
socioambientais envolvidas, as condições de trabalho e a organização do território, 
do uso do solo, da água e aos recursos naturais. 
Os relatos de entrevistas nos apontam que os desafios externos estão 
pautados pelo discurso da necessidade de demonstrar para a sociedade o papel 
da reforma agrária no enfrentamento à fome, na garantia de produção voltada para 
o abastecimento do mercado interno. 
a reforma agrária é importante, porque, é ela quem produz alimento, é a 
agricultura familiar, o pequeno produtor que de fato produz comida. A 
gente sabe bem, que 70% da comida que vai na mesa do povo é produzida 
e que o agronegócio ele não produz comida, ele produz commodities 
 
130 
 
(JOICE APARECIDA LOPES, ASSENTADA E DIRIGENTE DO MST NA 
REGIÃO DE PROMISSÃO, EM 02 JUL.2021). 
 
 Soma-se a isto a argumentação sobre necessidade de espacializar e 
territorializar as iniciativas de circuitos de comercialização, como forma de 
promover o debate com a população urbana, fazer propaganda e articular apoio de 
outros segmentos da classe trabalhadora à luta pela reforma agrária e as lutas pela 
superação do modo capitalista de produção, além de incentivar os processos de 
construção de hortas urbanas, a organização comunitária e o princípio da 
solidariedade de classe. 
As iniciativas de circuitos curtos de comercialização, também podem 
contribuir para repensar a organização da vida em sociedade, novos arranjos para 
as cidades, mais próximas da produção, eliminar intermediários entre produtores e 
consumidores. Colaborar para pesquisas e ações que visem a transformação de 
resíduos orgânicos em insumos para a agricultura, um modo de fomentar a 
agroecologia e minimizar os impactos causados pelos resíduos nas cidades. 
Assim, as experiências de circuitos curtos de comercialização em 
andamento tem cumprido papel fundamental neste sentido, porém ainda estão 
restritas a um determinado público, sendo então, imprescindível promover 
condições de acesso à alimentação saudável às trabalhadoras e trabalhadores com 
menor poder aquisitivo nas periferias e criar outras possibilidades de produção de 
alimentos para comercialização a preços simbólicos no meio urbano. “Porque esse 
tudo por R$ 1,00 não é pra vender a comida, é pra fazer política com o povo, pra 
discutir, pra conversar” (GILMAR GERALDO MAURO, dirigente nacional do MST, 
em: 21 mai. 2021). 
Nesta perspectiva, a questão alimentar diz respeito não apenas ao 
acesso, mas de como a produção e consumo de alimentos se inserem na dinâmica 
de reprodução do capital. 
Hoje ela está quase inserida em um contextomaior de fazer frente ao 
capitalismo e a essa tendência imposta pelo capital de morte, de fazer com 
que essa comida capitalizada, essa comida mercantilizada imponha uma 
mudança estrutural na própria questão do metabolismo do sistema atual 
e à nossa vida no planeta Terra (KELLI CRISTINE MAFFORT, 
DIRIGENTE NACIONAL DO MST, EM: 20 AGO. 2021). 
 
 
131 
 
Deste modo, o debate dos circuitos curtos de comercialização e da 
Reforma Agrária Popular estão embutidos desafios referentes modificações nos 
hábitos alimentares, da qualidade dos alimentos, do controle das grandes 
corporações transnacionais na produção e distribuição, o que se traduz em um 
modelo de produção e consumo pautado pela destruição ambiental, pela 
simplificação dos agroecossistemas, pela padronização e artificialização dos 
alimentos, pelo elevado consumo de petróleo tanto na produção quanto no 
deslocamento dos alimentos, pelo uso de agrotóxicos e transgênicos. 
Trata-se de construir o enfrentamento aos danos ambientais provocados 
pelo agronegócio e fortalecer a agroecologia, as camponesas, os camponeses, os 
povos tradicionais em frações do território em que o uso e apropriação não estejam 
pautados em relações capitalistas de produção. E fazer dialogar a temática 
ambiental, a discussão da produção de alimentos, a luta pela reforma agrária e a 
luta de classes. 
 
PRINCIPAIS DESAFIOS E AS AÇÕES DO MST PARA E NA 
TERRITORIALIZAÇÃO DA REFORMA AGRÁRIA POPULAR 
 A partir das entrevistas atuamos no sentido de identificar os desafios 
que estão colocados para a territorialização da Reforma Agraria Popular, tentando 
correlacioná-los as possíveis contribuições das experiências de circuitos curtos de 
comercialização. Neste sentido, pudemos afirmar tais iniciativas como potentes 
instrumentos para a promoção do debate político, como espaço de formação 
política e ideológica, para o estabelecimento de parcerias tanto políticas quanto 
técnicas. 
A seguir no quadro 1, apresentamos uma síntese dos desafios internos. 
Com base nos relatos de entrevistas já discutidos no tópico 1, conseguimos 
identificar 4 grandes desafios, estes por sua vez estão correlacionados a linhas de 
ação, que orientam um conjunto de ações e iniciativas no sentido de fortalecer os 
assentamentos enquanto territórios fundamentais para a materialização e 
territorialização da Reforma Agrária Popular. 
 
 
 
132 
 
 
Quadro 1 – Síntese dos desafios internos e ações relacionadas 
Desafios Linhas de ação 
Viabilizar econômica das 
famílias assentadas 
Lutas por acesso a políticas públicas 
 
Desenvolver processos agroindustriais e de 
comercialização com preços justos 
Estruturar processos de 
resistência ao agronegócio e 
enfrentamento ao projeto de 
privatização dos 
assentamentos 
Fortalecer a organização interna e a 
coletividade 
Desenvolver e aperfeiçoar instrumentos e 
metodologias de planejamento e gestão 
política, social, econômica e ambiental dos 
territórios 
Construir a agroecologia Espacializar, territorializar e fortalecer as 
experiências existentes 
Estimular processos de formação, 
capacitação, intercâmbios, experimentação 
e propaganda 
Forjar novas sociabilidades Combater a opressão e as violências de 
gênero e gerações 
Valorizar e dar visibilidade ao trabalho das 
mulheres e da juventude 
Incentivar a participação das mulheres e 
jovens nos processos produtivos, 
econômicos e políticos 
Organização: MATHEUS, F.A. (2021). 
Fonte: Relatos de entrevistas. 
 
No âmbito das iniciativas de circuitos curtos de comercialização ademais 
da ação de compra e venda de produtos da reforma agrária. Geralmente, cada 
grupo que se articula promove a distribuição de materiais informativos e de 
propagada; a realização de atividades de formação política e capacitação técnica, 
que envolvem debates sobre reforma agrária, agroecologia e produção 
agroflorestal, conjuntura, funcionamento da sociedade capitalista; mutirões de 
plantio e reflorestamento e momentos de confraternização que inclui o preparo e o 
consumo de alimentos agroecológicos, típicos e processados artesanalmente. 
Essas ações apresentam reflexos tanto externamente aos assentamentos na 
relação com a sociedade, quanto na mobilização e animação da base social 
assentada. 
 
133 
 
Quem acompanha algumas atividades, quem participa de algumas ações, 
quem participa das feiras agroecológicas, porque as feiras, não são 
somente uma feira, ela é uma feira, mas ela tem os debates sobre a 
questão do uso de agrotóxicos, ela tem as atividades desenvolvidas com 
esse tema, então é além de uma feira, ela vai ser também um trabalho de 
base, ela também ajudar fazer na prática aquilo que você tanto fala (JOICE 
APARECIDA LOPES, ASSENTADA E DIRIGENTE DO MST NA REGIÃO 
DE PROMISSÃO, EM: 02 JUL.2021). 
 
A seguir no quadro apresentamos um síntese com 3 grandes desafios 
no que se refere a relação dos assentamentos e do MST com a sociedade. As 
linhas de ação orientam iniciativas que dão visibilidade ao debate sobre reforma 
agrária e agroecologia e à produção e organização dos assentamentos. 
 
Quadro 2 – Síntese dos desafios externos e ações relacionadas 
Desafios Linhas de ação 
Enfrentamento à fome Desenvolver produção voltada ao mercado 
interno 
Lutas por políticas públicas 
Possibilitar o acesso das populações de 
menor poder aquisitivo e desempregadas a 
alimentos saudáveis 
Ampliar o contato e as 
relações com a sociedade e as 
alianças políticas 
Promover o debate sobre a importância da 
Reforma Agrária Popular e o consumo de 
alimentos saudáveis, os intercâmbios 
campo-cidade e as parcerias com instituições 
de pesquisa 
Realizar propaganda da Reforma Agrária 
Popular 
Apoiar as lutas da classe trabalhadora 
urbana 
Construir e fortalecer iniciativas de circuitos 
de comercialização, de organização 
comunitária e hortas urbanas 
Combater o agronegócio e o 
sistema alimentar baseada na 
lógica do capital 
 
 
Incentivar o consumo de alimentos saudáveis 
Denunciar o uso de agrotóxicos e 
transgênicos 
Envolver a classe trabalhadora urbana nas 
lutas contra a degradação ambiental e do 
trabalho 
Apoiar as lutas dos povos tradicionais na 
defesa dos seus territórios e modos de vida 
Organização: MATHEUS, F.A. (2021). 
Fonte: Relatos de entrevistas. 
 
 
134 
 
Atividades como as feiras da reforma agrária, realizadas em nível local, 
estadual e nacional, a comercialização de cestas agroecológicas promovem o 
contato das trabalhadoras e trabalhadores do campo e da cidade; contribui para a 
construção de uma identidade; reconecta as pessoas que vivem nas cidades com 
a terra, com a natureza e com a produção dos alimentos; desmistifica a imagem 
negativa que a imprensa impõe à sociedade. Demonstram a capacidade de 
produção, de mobilização e organização dos assentamentos e representam uma 
espécie de convocação para que a sociedade se mobilize em torno de um modelo 
de sistema alimentar e outro projeto societário. Vale frisar que a realização destas 
atividades extrapola o aspecto da comercialização e assume um caráter cultural, 
de formação, capacitação e de articulação política. 
 
CONSIDERAÇÕES – ALGUMAS ENTRE TANTAS POSSÍVEIS 
Pelo exposto ao longo do texto, observamos que os desafios 
identificados no âmbito da territorialização da Reforma Agrária Popular apresentam 
caráter de enfrentamento ao agronegócio e ao sistema alimentar baseado na lógica 
do capital. Assim, a luta pela reforma agrária e pela democratização do acesso a 
alimentos saudáveis é uma luta política pela transformação nas estruturas de 
poder, nas relações humanas e nas relações sociedade-natureza. 
Mas vale ressaltar que estas lutas congregam múltiplas dimensões e 
escalaridades e abrangem ações e iniciativas que vão desde as unidades de 
produção nos assentamentos, passando pelo assentamento enquanto território de 
disputa e em disputa, até alcançar a escala nacional e internacional de disputa porterras, territórios, recursos naturais, políticas públicas e modos de vida. E se 
materializam em ações cotidianas concretas internamente nos assentamentos e na 
relação entre assentamentos, MST e sociedade. 
Neste sentido compreendemos as experiências de circuitos curtos de 
comercialização em andamento no estado de São Paulo como práticas sociais, 
instrumentos e metodologias com efetivo potencial para contribuir no processo de 
territorialização da Reforma Agrária Popular, visto que colaboram para viabilizar 
economicamente as famílias assentadas, para a organização interna nos 
assentamentos, para a promoção da agroecologia, para o acesso de populações 
 
135 
 
de menor poder aquisitivo a alimentos saudáveis, para a construção de alianças e 
constituição de uma identidade entre trabalhadoras e trabalhadores do campo e da 
cidade tendo o alimento como elemento mobilizador e articulador. 
 
REFERÊNCIAS 
DAROLT, M. R.; LAMINE, C.; BRANDENBURG, A. A diversidade dos circuitos 
curtos de alimentos ecológicos: ensinamentos do caso brasileiro e francês. In: 
Construção social dos mercados. Agriculturas: experiências em agroecologia, v.10, 
n.2, jun. 2013. 
FERNANDES, B.M. Movimento social como categoria geográfica. Terra Livre, São 
Paulo, n.15, 2000. 
FRANQUES, B.; FRANCO, F. S.; RISSATO, J.; CARMELO, J.; SIQUEIRA, J.; 
BUQUERA, R. B.; ALVARES, S. R.; NUNES, T. P. Desafios e superação na 
comercialização de produtos orgânicos na região de Sorocaba. In: MING, L.C.; DO 
VAL, M.F.; FRANCO, F.S.; CARMO, M.S.; MOREIRA, M.S. (Org.). Plantando 
sonhos. Experiências em agroecologia no Estado de São Paulo. Feira de Santana: 
Sociedade Brasileira de Etnobiologia e etnoecologia, 2018. 
GASPARIN. G.; WITCEL, R.; SANTOS, M. Acampamentos e assentamentos. In: 
DIAS, A. P.; STAUFFER, A. B.; MOURA, L. H. G.; VARGAS, M. C. Dicionário de 
agroecologia e educação. 1. Ed. São Paulo: Expressão Popular; Rio de Janeiro: 
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, 2021. 
MARTINS, A.; NUNES, D.; GASPARIN, G. Reforma agrária popular. In: DIAS, A. 
P.; STAUFFER, A. B.; MOURA, L. H. G.; VARGAS, M. C. Dicionário de 
agroecologia e educação. 1. Ed. São Paulo: Expressão Popular; Rio de Janeiro: 
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, 2021. 
MATHEUS, F. A.; FELICIANO, C. A. Reforma agrária, agroecologia e os desafios 
para a construção de novas formas de relação sociedade-natureza durante e pós-
pandemia. Retratos de Assentamentos, v.24, n.1, 2021. 
MCMICHAEL, P. Regimes alimentares e questões agrárias. 1. ed. São Paulo: 
Editora UNESP; Porto Alegre: Editora UFRGS, 2016. 
MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Programa agrário. 
Documento aprovado no VI Congresso do MST. São Paulo: MST, 2014. 
 
136 
 
ROVER, O. J.; LAMPA, F. M. Rede de agroecologia: articulando trocas mercantis 
com mecanismos de reciprocidade. In: Construção social dos mercados. 
Agriculturas: experiências em agroecologia, v.10, n.2, jun. 2013. 
THOMAZ JR., A. O Agrohidronegócio no centro das disputas territoriais e de classe 
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