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AULA 4 NEUROEDUCAÇÃO E NEURODIDÁTICA – COMO O CÉREBRO APRENDE Prof.ª Susane Garrido 2 TEMA 1 – EMOÇÕES SOCIAIS E EMOÇÕES EPISTÊMICAS O presente tema trata da segunda parte das emoções como altamente interferentes nos aspectos cognitivos, com base na abordagem de Armony e Vuillelmier, Damásio e Pinker, entre outros. 1.1 Emoções sociais Similarmente a algumas emoções morais, mais contrafactuais, conforme as definições vistas anteriormente, temos uma categoria de emoções denominada “emoções sociais”, as quais são usualmente provocadas por situações de cunho social. Segundo Bernett et al. (2009), as emoções sociais requerem atividade cognitiva por meio da representação de estados mentais de outras pessoas. Por estarem conectadas diretamente ao convívio social, essas emoções correspondem à vergonha, inveja, ciúme, admiração, culpa, gratidão, piedade, entre outras, quase sempre quando outros agentes humanos (ou imaginários) estão presentes. Tais emoções podem servir, por exemplo, para regular o comportamento social, atitudes sociais nos outros, ou alcançar objetivos. Embora já tenhamos visto várias emoções enquadradas em diferentes categorias, o que importa é enxergá-las e reconhecê-las dentro dos contextos que as cercam, para compreendermos se estão mais para um lado ou para outro, e assim podermos tratá-las, principalmente para fins cognitivos, foco da nossa disciplina. Alguns alunos, no decorrer das aulas, manifestam comportamentos diferentes do esperado para as situações de aprendizagem, e normalmente não compreendemos o que se passou; muitas vezes, chegamos até a puni-los. O reconhecimento dessas categorizações emocionais não só é importante a título do próprio conhecimento, mas pode nos ajudar a regular nossas emoções, modificando metodologias, abordagens, recursos e até mesmo linguagens. Antonio Damásio, no seu Livro da consciência: a construção do cérebro consciente (2010), define “emoções sociais” como estados mais discriminativos e complexos, um conjunto de sentimentos mais subjetivos (o caráter da subjetividade eleva todas as emoções), incluindo pena, vergonha, embaraço, culpa, orgulho, inveja, gratidão, admiração, indignação e desprezo. Essas emoções estão normalmente associadas a um contexto e funcionam para ele, não necessariamente para outros. 3 O mesmo autor tratou dos aspectos sociais da consciência e classificou as emoções sociais (quase sempre vinculadas ao outro) em quatro tipos: indignação moral, a qual explicita a violação de normas de conduta ou de convivência por parte de outro indivíduo, que “precisa ser punido” (visão dessa emoção) – biologicamente, as sensações de nojo e raiva são aparentes; o embaraço, vergonha e culpa, emoções que ocorrem quando o próprio indivíduo viola as normas de conduta mas tenta evitar a punição por parte dos demais, o que o mantém em isolamento ou em autopreservação; biologicamente, provoca sensações de medo ou tristeza; a simpatia e a compaixão, quando há um reconhecimento automático do sofrimento do outro indivíduo e a ação é o conforto e a tentativa de reconstruir um equilíbrio nele; biologicamente, causa tristeza, mas também uma certa satisfação com o exercício do conforto; e a última, o espanto, emoção associada ao altruísmo, cooperação, o que gera felicidade e alegria. 1.2 Emoção e comunicação não verbal, e cognição social Pouco tempo nos separa filogeneticamente de outros primatas. Apesar disso, nós humanos somos bem diferentes e possuímos capacidades cognitivas exclusivas, ainda que em número limitado, voltadas para uma habilidade específica: a cognição social (Gazzaniga, 2009). Esta consiste na: capacidade de interagir de forma eficaz e segura com conespecíficos. […] a cognição social humana compreende quatro habilidades especializadas: [1] um senso coerente de self, [2] a capacidade de acompanhar os estados mentais dos outros, [3] controle de emoções e impulsos socialmente inadequados e [4] sensibilidade a ameaças de exclusão ou agressão de outras pessoas. […] achados recentes de neuroimagem que suportam a visão de que a cognição social tem um status privilegiado no repertório cognitivo humano. (Gazzaniga, 2009, p. 961) As emoções (sociais e de outros tipos) são parte essencial da cognição social. Uma das formas pela qual elas medeiam e favorecem as relações humanas é a comunicação não verbal. Expressamos nossas emoções em nossos rostos e posturas corporais. Também reconhecemos as emoções de outras pessoas, obtendo uma retroalimentação sobre nosso comportamento. Essa interação circular auxilia a adaptação dos seres humanos entre si e entre outros animais. Uma estrutura crucial para que a comunicação não verbal ocorra é a amígdala, diretamente relacionada à leitura e ao reconhecimento das expressões faciais (Ferreira, 2014; Gazzaniga; Mangun, 2014). 4 Além de seu papel na comunicação não verbal, as expressões faciais podem ser consideradas estímulos condicionados com base em sua história de reforço em situações sociais anteriores. Por meio de interações entre a amígdala e o córtex pré-frontal (PFC), o processamento de baixo para cima e de cima para baixo molda esse aprendizado social. A conectividade pré-frontal da amígdala mais forte gera melhores resultados comportamentais, e a interrupção da conversa entre essas regiões está subjacente à desregulação da emoção em populações saudáveis e clínicas. Além disso, a amígdala e suas conexões com o PFC sofrem mudanças dinâmicas ao longo do desenvolvimento, o que provavelmente contribui para mudanças no desenvolvimento do comportamento emocional. (Gazzaniga; Mangun, 2014, p. 741) De especial interesse para esse tema, a leitura corporal (comunicação não verbal) ocorre predominantemente de forma automática, ou seja, sem que a percebamos ou controlemos. Isso se dá, em especial, por meio da ação de neurônios-espelho, ativados quando observamos as ações, intenções e/ou emoções de nossos semelhantes. Isso ocorre nos permitindo sentir em nós mesmos o que observamos externamente. Um feedback neurológico espontâneo, sentido por nós e por quem interage conosco sensorialmente. Ou seja, há uma influência mútua entre as pessoas. Nossa linguagem influencia automaticamente os demais e vice-versa. Se pudermos tomar consciência disso, visto que há um registro em nosso cérebro, incluindo as estruturas ligadas às emoções, poderemos nos beneficiar (Callegaro, 2011; Pillay, 2011). A maior parte de nossa comunicação é não verbal, implícita, não consciente e determinada pela emoção. Ela define a qualidade da comunicação e é mais poderosa que a comunicação verbal! Não percebemos nossas verdadeiras intenções de comunicar, nem os mecanismos que usamos para enviar e receber/interpretar/enviesar e filtrar as informações que nos chegam. Grande parte da informação é excluída antes de se tornar consciente (percebemos o que nos interessa), ou percebida, mas não processada, e/ou enviesada ou ainda esquecida. (Silva, 2019, p. 98) Perceber mais conscientemente a comunicação não verbal, tanto do professor como de seus alunos, tem se demonstrado instrumento importante no contexto educacional. Permite comunicação mais profunda, vínculos e relações de melhor qualidade (cognição social) e, possivelmente, um estímulo didático extra ao complexo processo de ensino-aprendizagem. No entanto, conhecimento adequado e treinamento sistemático são necessários (Silva, 2019). Tal treinamento permite o “controle cognitivo das emoções”, que possibilita o desenvolvimento e a modulação da atenção, a mudança cognitiva na avaliação do estímulo (se aversivo ou apetitivo) e a modulação da resposta (Gazzaniga; Ivry; Mangun, 2014). O controle das emoções será mais bem explorado futuramente. 5 1.3 Emoções epistêmicas Algumas emoções, como interesse, confusão, surpresa ou pavor, estão relacionadas, geralmente, aos atoscognitivos que levam à aprendizagem ou construção de conhecimento. São chamadas de “epistêmicas” por diversos autores (Morton, 2010; Silvia, 2010; Sousa, 2008 citados por Armony; Vuilleumier; 2013) porque, de acordo com a origem de “epistemologia” (episteme: “conhecimento certo”, “ciência”, e logos: “discurso”, “estudo”), elas se associam à ciência e ao conhecimento, definindo-se como estudo científico que trata dos problemas relacionados com a crença e com o conhecimento, sua natureza e limitações. Sob uma ótica neurocientífica, essas emoções produzem artefatos fundamentais para exploração, curiosidade e crescimento, desenvolvimento de competências em muitos domínios; sobre o interesse, por exemplo, a estrutura de avaliação foi estudada, e os resultados sugerem que os eventos de interesse são aqueles do tipo romance ou que possuem certa complexidade, mas desde que, neste último caso, gerem compreensão. 1.4 Emoção, motivação e ação As emoções emergem de sistemas neurológicos que avaliam a valência ou o significado dos estímulos que nos chegam, se estão de acordo ou em desacordo com nossas metas e necessidades, se são relevantes ou não. Por isso, modulam nossa atenção e percepção, avaliação (julgamento), modulam nossa tomada de decisão e nos preparam ou direcionam (motivação) para uma resposta adequada (ação) (Gazzaniga, 2009; Gazzaniga; Ivry; Mangun, 2014, 2019). Ou seja, a emoção é um dos elementos básicos da motivação. Mas o que seria motivação? Uma excitação direcionada a uma meta? Uma propensão (vontade) para ser ativo, de empreender um comportamento que resultará na conquista ou esquiva de algo? Segundo Herculano-Houzel (2010), a motivação: é fundamental por uma série de razões. Através de encorajamento do retorno positivo que sinaliza para a criança ou para o adulto em aprendizado, quando ele fez certo e deve continuar fazendo daquela maneira, então. A motivação também depende de uma dificuldade adequada, fácil demais é ruim, difícil demais também é ruim. Além dos efeitos diretos no aprendizado, a motivação é fundamental por outra razão: ela que permite que nós nos empenhamos na prática. É a motivação que faz com que nós nos dediquemos, de fato, a aprender 6 algo. E é através dessa relação entre a motivação e a prática que tem início um círculo virtuoso muito favorável ao aprendizado: quanto mais prática você tem, mais você melhora e, portanto, mais motivação encontra para continuar aprendendo. E quanto mais motivação você tem, mais você consegue se dedicar, mais vontade você tem de continuar se dedicando ao aprendizado e, portanto, mais horas de prática você adquire e acumula. Então, mais prática leva a mais motivação, que leva a mais prática, que leva a mais motivação, e o cérebro tem o que precisa para aprender de fato, para passar por todas aquelas modificações que permitem o aprendizado. (p. 27) A pesquisadora indica uma importante pista para compreender o processo de motivação: o retorno positivo (ou recompensa) – tema que logo abordaremos. Indica também a relação direta e crucial da motivação com a prática e a aprendizagem. Não é preciso estudar neurociência para compreender que, sem motivação, estudantes aprendem pouco ou insuficientemente, e com frequência abandonam seus estudos, restringindo ou eliminando oportunidades de sucesso. Entre os fatores que desmotivam estudantes, Jensen (2005, p. 103) indica: Falta de relacionamentos positivos, seja com professores ou amigos, incluindo-se também a falta de um melhor amigo; Aprendizado sem ou com pouca ajuda/apoio, seja dos pais ou mesmo de professores, com classes muito cheias (no contexto brasileiro); Desrespeito à cultura ou etnia do estudante; Percepção real ou imaginária de ameaças, no deslocamento para a escola em seus corredores ou mesmo na sala de aula (também no ambiente familiar e/ou social mais amplo); Anomalias cerebrais que impliquem disfunções no desenvolvimento e consequências em funções cognitivas; Uso de drogas lícitas, como o álcool, ou ilícitas, como a maconha; Percepção de conteúdos e atividades escolares que julgam irrelevantes em seu contexto: “Por que trabalhar duro quando o que você está fazendo não parece importar?” Note que todas as causas sugeridas implicam e/ou interferem direta ou indiretamente em processos afetivos ou emocionais. E a emoção também está relacionada ao sistema de recompensas do cérebro que, como indicou Herculano-Houzel (2010), está relacionado à motivação. Esse sistema é um dos principais indicadores cerebrais de que algo é bom ou dá certo e que, portanto, devemos repetir. 7 Ativar o sistema de recompensa significa aumentar o funcionamento de dois de seus componentes mais importantes: área tegmental ventral e o núcleo acumbente. A primeira recebe dos sentidos informações sobre o que está acontecendo com o corpo, e recebe do córtex pré-frontal, na parte da frente do cérebro, informações sobre as intenções que guiarão o comportamento atual. Se detectam que algo interessante acabou de acontecer, os neurônios da área tegmental ventral despejam dopamina sobre os do núcleo acumbente. A dopamina é uma substância neuromoduladora, ou seja, é capaz de modificar a atividade elétrica dos neurônios que a recebem. No nosso caso, a dopamina atua sobre o núcleo acumbente. Quanto mais dopamina é liberada sobre os neurônios do núcleo acumbente, maior é a ativação deste e, por mecanismos ainda desconhecidos, maior é a sensação de bem-estar e prazer que resulta daquele comportamento. (Herculano-Housel, 2010, p. 32) Em síntese, quando algo dá certo, ou quando algo de bom ocorre, sentimos prazer, como quando resolvemos ou aprendemos algo. Esse prazer tende a aumentar a frequência de comportamentos que nos levam até ele, ou seja, a manter e repetir mais e mais essas práticas (Jensen, 2005). E isso não é tudo: Ativação do sistema de recompensa não é apenas uma resposta ao que já deu certo. Com base nestas experiências anteriores, daquilo que dá certo, o cérebro é capaz de criar expectativas sobre o que pode dar certo. Nestes casos, o sistema de recompensa é ativado por antecipação, e esse prazer antecipado, que nós obtemos neste caso, é o que chamamos de motivação. É esta antecipação do prazer, com o que pode dar certo, que faz com que nós nos movamos, que saímos do lugar, literalmente, e passemos à ação. […] essa antecipação do prazer que é fundamental para o aprendizado, por uma série de razões. Primeiro, a motivação faz com que nos exponhamos à oportunidade para aprender. Então, a motivação leva à prática, ela facilita a prática. Segundo, que a ativação do sistema de recompensas libera sobre o cérebro substâncias que promovem diretamente os mecanismos moleculares do aprendizado, aquelas modificações que acontecem nas sinapses. Então, a ativação do sistema de recompensa, a motivação com o aprendizado, com qualquer outra tarefa, facilita fisicamente o aprendizado, o processo de aprendizagem do cérebro. (Herculano-Housel, 2010, p. 32-33, grifo nosso) Quando pensamos no sistema de recompensas, podemos considerar o valor crucial do reconhecimento que pode ser dado por outras pessoas – por exemplo, quando um professor elogia um estudante por uma tarefa na frente dos outros. Esses “reforços” são muito importantes. No entanto, é importante notar: o que recompensa uma pessoa pode desgostar outra. Há uma boa dose de idiossincrasia (os cérebros são singulares) no que se refere ao sistema de recompensa humano. Assim, é muito importante que educadores conheçam seus educandos e educandas para saber o que lhes dá ou não prazer – e isso também pode mudar com o tempo, com o contexto. Outro elemento muito importante é que comportamentos complexos podem não ser auxiliados ou até atrapalhados por recompensas externas. “Então, se você acha 8 que dar recompensas ajudará a desenvolver grandes mentes, éprovável que você fique desapontado” (Jensen, 2005, p. 104). Há uma natureza intrínseca da motivação. O cérebro faz suas próprias recompensas. Eles são chamados de opiáceos e podem produzir um pico natural semelhante ao produzido pela morfina, álcool, nicotina, heroína e cocaína. Provavelmente não importa para o cérebro se a recompensa é concreta – como dinheiro ou objetos de valor – ou mais cognitiva – como privilégio, status, reconhecimento, atenção, segurança ou fama. Trabalhando como um termostato ou um “personal trainer”, o sistema de recompensas do cérebro geralmente distribui bons sentimentos diariamente, o que sugere que o cérebro tem um viés embutido para experimentar causas e efeitos prazerosos. Mas as recompensas não são tão simples quanto uma pergunta sim-não. Acontece que o cérebro pode ter diferentes tipos de sistemas de sinal de recompensa […]. Um dos sistemas inclui códigos para previsão de recompensa, e o outro, para correção de erros. O primeiro sistema cria atenção (mais se o reforçador é aleatório), e o segundo cria melhor aprendizado. (Jensen, 2005, p. 104) Há contínuas variações naquilo que nos dá (ou não dá) prazer. Por exemplo, temos prazer por antecipar e muito prazer quando a recompensa é uma surpresa, o que é imediatamente registrado. O prazer recebido por uma recompensa externa ou pela previsão de recompensa pode também declinar com a repetição (por isso a surpresa se destaca), visto que o cérebro se adapta ou se habitua rapidamente a recompensas, ou seja, o que funciona num dado momento pode e provavelmente não funcionará em outro. Na 1ª série, um adesivo de “ouro” pode ser uma recompensa perfeita. Até a 3ª série, a criança quer um biscoito e, na 5ª série, apenas uma pizza servirá. (Observe a escalada de valor.) Na 8ª série, as pizzas não são tão boas, e os caras querem um skate, PlayStation, Xbox ou Nintendo. Na 11ª série, as garotas querem joias ou um carro novo. Adesivos há muito tempo deixaram a equação. (Jensen, 2005, p. 104) Considerando a complexidade do processo de motivação, Jensen (2005, p. 106-108) arrisca-se e indica algumas sugestões práticas para aumentá-la: Use as recompensas de forma judiciosa, para certos grupos, por curtos momentos e por razões específicas – a repetição de recompensas produz o decaimento do desempenho; é a antecipação da recompensa que cria os melhores efeitos, não a recompensa em si; Use recompensas concretas, econômicas e fáceis de fornecer, planejando eliminá-las gradualmente. Explore o máximo da antecipação da recompensa; 9 Explore recompensas abstratas, sem valor monetário, como reconhecimentos (como elogios e certificados) ou celebrações (jogos, atividades divertidas, privilégios) usadas de forma imprevisível; Desenvolva a motivação intrínseca – permita que os alunos tomem decisões e deixe que eles aprendam a se tornar responsáveis pelo resultado de suas escolhas. Considerar o que é relevante, o que faz sentido para os estudantes é crucial. O que não faz sentido não motiva! Construa projetos em conjunto, considerando interesses, habilidades. Tomar decisões em conjunto pode ser motivador. Só participa das decisões quem tem valor, e sentir-se valorizado tende a ser um elemento motivador. Procure “orquestrar” um ambiente com desafios significativos e com baixo estresse; O sistema de recompensa e de emoções funciona em conjunto. Com base na memória emocional, a amígdala atribui valor e processa as emoções por ordem de importância. O sistema de recompensa produz recompensas primárias, ligadas diretamente às necessidades de sobrevivência (comida, bebida, sexo e abrigo), secundárias, ligadas às necessidades de sobrevivência de forma indireta (status social, reconhecimento, valor social, gratidão, confiança, informação, contato físico e altruísmo), e também de caráter individual, ligadas à história de vida da pessoa. Juntos, esses sistemas são cruciais para o processo de motivação, que leva à ação (prática), crucial ao aprendizado (Herculano-Housel, 2010; Jensen, 2005; Pillay, 2011). TEMA 2 – EMOÇÕES E CONSCIÊNCIA 2.1 Base teórica Para Damásio (2010), a grande discussão sobre o “erro de Descartes” (que virou um livro, inclusive) trata justamente do equívoco da separação de mente e corpo. Segundo o filósofo, a alma (razão pura) é independente do corpo e das emoções, e não ocupa lugar no espaço; Damásio propõe que somos fruto do cérebro, e este é provido de emoções que coabitam tudo. Para Pinker, neurocientista também evolucionista, a mente é o que o cérebro faz, e disso provém o todo: as emoções, a consciência, as funções cognitivas, a linguagem e demais aspectos já discutidos anteriormente. 10 A consciência para Pinker está plenamente associada ao “eu”, quando esse “eu” está processando algum tipo de pensamento; conforme um exemplo que cita em Como a mente funciona (1999), você pode dirigir, prestar atenção no trânsito, passar as marchas, frear e fazer uma série de outras ações, sem sequer supor como esses mecanismos acontecem dentro de seu cérebro, na sua mente, assim como não conhecemos os processos emocionais que acompanham essas ações para nos mantermos em estado de alerta. No entando, realizamos a tarefa de dirigirde de forma praticamente inconsciente (dos processos). A consciência para Pinker é um ato de racionalidade que tem a ver com a cognição. Ainda sob a perspectiva de consciência cognitiva de Pinker (1999), assim como de Andler (1998), alguns fundamentos de relevância precisam ser considerados: Um indivíduo com consciência apresenta o autorreconhecimento, ou seja, ao visualizar-se em um espelho, conhece-se a si distinguindo-se dos demais; até pouco tempo atrás acreditava-se que somente os seres humanos possuíam essa característica, entretanto, alguns estudos mais recentes apontam para alguns animais com esse feito também: chimpanzés, bonobos, gorilas, orangotangos, baleias-orcas, elefantes e outros (Teste…, 2019); A compreensão de sentenças ambíguas é um feito de consciência e, até hoje, só pertence aos seres humanos, justamente por estar associada à linguagem. Por exemplo, na célebre frase de Abraham Lincoln: “Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos todo o tempo”, os seres humanos conseguem distinguir o que cada sentença diz, mesmo que haja amibiguidade e repetição dos termos “enganar" e “tempo”. Para outro neurocientista, Daniel Dennett (2010), a concepção de consciência, mente e cérebro é um pouco mais complexa. Para ele, o cérebro não tem condições de lidar ou ordenar a quantidade de informações e de ideias que lá estão, então a consciência não seria exatamente um meme qualquer que pula para fora, mas uma “máquina virtual” criada para controlar o jorro de ideias, uma espécie de “filtro” dos memes que estão enterrados em sua cabeça. E o nome que você dá para essa máquina, enfim, é “eu”. (Rezende; Versignassi, 2004) E as emoções? Como ligam-se à consciência? 11 Vamos por partes. Para Damásio (2010), a emoção vem antes de qualquer consciência; ela seria uma espécie de imagem mental formada por várias coisas ao mesmo tempo, aspectos fisio e biológicos, como a dilatação da pupila, o prazer, a liberação de endorfina, a descarga de adrenalina e a tensão muscular. A partir daí é que a mente tende a processar a ocorrência e tomar uma decisão. Há diferenças nos pensamentos de ambos os autores, já que para Damásio a emoção e o sentimento compõem a mente, e não o pensamento e a razão. Ainda em Damásio (2015): a consciência e a mente vinculam-se estreitamente a comportamentos externos que podem ser observados por terceiras pessoas. Em todos nós ocorrem estes fenômenos – mente, consciência na mente e comportamentos – e sabemos muito bem como eles se correlacionam entre si, primeiro graças à autoanálise,segundo, em razão de nossa propensão natural a analisar os outros. (p. 22) Mas há mais similaridades entre esses neurocientistas. Tanto para (Pinker, 1999, 2012) quanto para Damásio, a consciência não se traduz apenas como “estado de vigília”. A seguir, algumas premissas para tratarmos de emoção e consciência utilizando os estudos de Damásio: A consciência e o estado de vigília, assim como a consciência e a atenção básica, apresentam distinções, embora andem juntas. Para Damásio, um paciente pode estar desperto e até atento, mas não ter consciência normal; A consciência e a emoção não são separáveis pois, quando a consciência estiver abalada ou comprometida por algum dano, a emoção também estará; A consciência e a emoção impactam o corpo. São sistêmicas; A consciência central, fenômeno biológico simples, ocorre no tempo presente (nem passado, nem futuro), e isso dá uma simples existência ao “eu”, denominado por Damásio como “self”; Entretanto, há uma consciência complexa (e ampliada), derivada das memórias e intensificada pela linguagem, que dá uma identidade ao “self”; é histórica, conhecedora do mundo e distingue os indivíduos uns dos outros; é capaz de reconhecer a própria imagem no espelho. 12 TEMA 3 – ESTADO DE VIGÍLIA, ATENÇÃO PLENA E COMPORTAMENTO INTENCIONAL 3.1 Base teórica Para esses aspectos e conceitos, vamos trazer Damásio, extraindo traços da obra O mistério da consciência (2015), que aborda o corpo, as emoções e o conhecimento. Antes, ressaltemos o papel biológico da emoção, para elucidar por que Damásio, Pinker (1999, 2002, 2012) e outros autores buscam sinalizar a relevância de uma visão mais sistêmica sobre corpo, mente, cérebro e emoções, entre outros aspectos que constituem os seres humanos. As emoções são adaptações singulares que integram o mecanismo com o qual os organismos regulam sua sobrevivência. […] as emoções são um componente de nível razoavelmente superior dos mecanismos de regulação da vida. Esse componente situa-se entre o kit de sobrevivência básico (por exemplo, regulação de metabolismo, reflexos simples, motivações, biologia da dor e do prazer) e os mecanismos do raciocínio superior, ainda fazendo parte, contudo, da hierarquia dos mecanismos de regulação da vida. (Damásio, 2015, p. 53) O estado de vigília e a consciência estão normalmente juntos, entretanto, há situações em que isso não ocorre necessariamente – quando estamos em estado de sono com sonhos, pois, mesmo não acordados, temos alguma consciência do que ocorre; isso é constatado se, ao acordarmos, temos memória do sonho. Ou seja, havendo ligação com a memória, temos uma certa consciência; a outra situação dessa dicotomia ocorre quando estamos acometidos por algum distúrbio neurológico em que não temos consciência, mesmo em estado de vigília. Nas situações do sono em que não há sonhos, ou situações de coma ou de anestesia, não há estado de vigília nem de consciência. Mas é preciso distinguir esses dois estados pois, embora andem juntos quase sempre, não são a mesma coisa. No estado de vigília, o cérebro e a mente estão devidamente ligados, e isso proporciona um “certo cuidado” com o próprio organismo, para o qual imagens internas e do meio em que este se encontra estão sendo formadas. Os reflexos podem ser acionados, e a atenção básica, por exemplo, pode ser orientada para estímulos de necessidades do próprio organismo, ou seja, o funcionamento desse estado mantém o organismo “em pé”; mas nesse processo a consciência pode estar ausente. 13 De acordo com Damásio (2015, p. 80), em um processo clássico de consciência, a presença de atenção voltada a um objeto externo denota, normalmente, a presença de consciência, mas não necessariamente, pois, para ser um ato consciente de fato, a atenção deve perdurar por um tempo longo, e não por segundos. Por exemplo, há casos de síndromes ou doenças neurológicas, como o mutismo acinético, que ocorrem por alguns segundos, não sendo, portanto, movimentos conscientes. Entretanto, se não houver atenção diante de um objeto externo, isso não significa que não haja consciência, mas que talvez a atenção esteja voltada para um objeto interno, como os casos de concentração, de paixão e até mesmo de reflexão. Isso também ocorre nos momentos de confusão, estresse ou sonolência. Com relação aos comportamentos, há uma intrínseca e complexa relação entre os pensamentos e a evocação de memórias, o que pode gerar emoções falsas (em relação aos objetos) e, por sua vez, comportamentos baseados nas observações (com base nesse repertório muito particular) que fazemos dos sinais emocionais encontrados no comportamento das pessoas. Em suma, isso se assemelha e muito ao mito da estereotipia de Pinker (1999), no qual, principalmente para julgamentos, observamos algumas propriedades de um determinado evento (do tipo: quando lembramos de um mafioso e citamos um “italiano”) e determinamos uma categoria para essa propriedade, embora esta poderia coabitar mais de uma categoria. Isso gera um comportamento. Do ponto de vista cognitivo, relações entre emoções e consciência devem ser observadas e cada vez mais estudadas, pois não é apenas o cérebro que aprende, mas o todo, pois carregamos sensoriais biológicos que precisam ser retroalimentados para termos continuidade como espécie; precisamos de regulações emocionais para podermos avançar e ampliar atos cognitivos, não somente para nossa sobrevivência, mas para um equilíbrio entre as demais espécies, uma vez que, tendo o exercício da consciência de forma mais elevada que outros animais, podemos potencializar um mundo melhor para todos. 3.2 Possibilidade prática – treino da atenção Como indicado, há uma certa relação entre consciência e atenção. Um ato consciente necessita da atenção mantida por certo período de tempo. Ainda, nossos pensamentos se alimentam de memórias, que podem gerar falsas emoções, que nos induzem (motivam) a comportamentos (ações) não adequados. 14 A relação entre cognição e emoção é intrínseca e complexa. A cognição tende a ser mais consciente, mas pode funcionar amplamente de forma automática, como sugerem os modelos contemporâneos de processamento mental (Callegaro, 2011). Em contrapartida, o processamento emocional é mais inconsciente ou automático, mas pode também ser, ao menos em parte, observado e controlado conscientemente (Gazzaniga; Ivry; Mangun, 2019). A atenção parece ser um elemento crucial tanto para processos emocionais, podendo regulá-los, como cognitivos, podendo melhorá-los. Ela pode ser orientada/controlada por estímulos, como um som alto súbito, sendo chamada de reflexa. Nesse caso é desencadeada de baixo (de estruturas subcorticais) para cima (para estruturas corticais). Um evento emocional – um rosto que expressa raiva, por exemplo – atrai e captura a atenção. Também é ativada por processos metabólicos e ações instintivas, como a busca por água e alimento, proteção e sexo. Nesse caso a atenção é automática, não voluntária. Sua contrapartida – a atenção voluntária – é praticamente o oposto, tendendo a ser mais pela vontade consciente. Assim, é dirigida de cima para baixo, ou seja, coordenada por estruturas corticais. Nossos objetivos, expectativas e recompensas orientam o que focamos. Por exemplo, ao ler este texto você provavelmente está excluindo da sua atenção estímulos distraidores, mas a qualquer momento um estímulo mais intenso ou mais atrativo (emocionalmente) lhe captura a atenção, e você se distrai. Como pode ser observado, há uma certa disputa pela orientação da atenção, entre objetivos interna e voluntariamente definidos e demandas externas do ambiente ou estímulos internos involuntários, como lembranças (Callegaro, 2011; Cosenza; Guerra, 2011; Gazzaniga; Ivry; Mangun, 2019; Marti; Garcia-Campayo; Demarzo, 2016). Não podemos focar váriascoisas ao mesmo tempo, então, ao focarmos uma, desfocamos várias outras. Em nosso contexto educacional, isso pode ser a diferença entre aprender ou não! Mesmo que o aprendizado ocorra também de forma implícita, não consciente (Callegaro, 2011), a atenção é chave para que possa ser maximizado: A grande porta de entrada do aprendizado é a atenção. […] nós só conseguimos prestar atenção em uma coisa de cada vez. Mesmo quando nós achamos que estamos prestando atenção em duas ou três coisas ao mesmo tempo, na verdade, o que estamos fazendo é alternar rapidamente entre uma coisa e voltar. […] a atenção é esse filtro que o cérebro usa para decidir qual informação será processada de maneira 15 especial, de maneira dedicada a cada instante. Isso quer dizer que, de todas as informações disponíveis a cada instante, apenas uma sobrevive a esse filtro, e todas as outras são eliminadas. Essas que são eliminadas não ganham acesso ao que chamamos de memória de trabalho, o que é a memória de curta duração que o cérebro tem, que permite que nós trabalhemos com várias informações ao mesmo tempo. […] a atenção é um grande filtro, é a porta de entrada que permite que a informação com a qual você está lidando no momento seja transferida para memória de trabalho, seja processada na sua memória de trabalho, quer dizer, seja associada a outras informações, seja relacionada a outras coisas que você está aprendendo. Dali, então, ganha acesso a outros sistemas de memória mais duradouros. (Herculano-Housel, 2010, p. 28-29) Se “a grande porta de entrada do aprendizado é a atenção”, poderia ela ser treinada? A resposta chama-se mindfulness, expressão que pode ser traduzida como “atenção plena”, a qual se refere ao traço ou estado mental de estar atento, intencionalmente, à experiência presente. […] está atento, de forma deliberada, ao desenvolver, com aceitação e sem julgar. O traço mindfulness descreve a personalidade que tende a adotar uma atitude de aceitação – centrada no presente – em relação à própria experiência. […] aceitação não significa resignação; é uma tentativa de não julgar, uma curiosidade isenta de julgamento, ou abertura ao desenvolvimento da experiência imediata, seja ela positiva ou negativa. Assim, mindfulness envolve dois componentes fundamentais: autorregulação da atenção e uma orientação aberta à experiência. (Marti; Garcia-Campayo; Demarzo, 2016, p. 19-20) Regular a atenção significa dirigir e manter o foco na experiência presente, percebendo-se melhor as sensações físicas, os sentidos sensoriais e os estados/ experiências mentais ou subjetivas. Em tempos de hiperestímulos (“infoxicação”) e multitarefas, mindfulness não é apenas um grande desafio, mas uma necessidade para a saúde física e emocional: mindfulness está relacionado a vários indicadores da saúde física e psicológica como, por exemplo, maior equilíbrio do sistema nervoso autônomo (simpático e parassimpático), níveis mais elevados de afeto positivo, satisfação com a vida, vitalidade e menores níveis de afetos negativos e de outros sintomas psicopatológicos. (Marti; Garcia- Campayo; Demarzo, 2016, p. 21) O treino da atenção permite menor reatividade aos estímulos externos (atenção reflexa) e maior regulação e flexibilidade cognitiva e emocional. Consequentemente, reduz o estresse tanto agudo como crônico e seus efeitos negativos no cérebro. No ambiente escolar, isso pode ser crucial, tanto em termos de saúde física e psíquica como no desempenho da aprendizagem: Os alunos que vêm para a escola de ambientes estressantes têm demonstrado níveis mais altos do hormônio do estresse cortisol. A elevação crônica do cortisol mostrou danificar as células no hipocampo, uma região do cérebro importante na aprendizagem e na memória. Portanto, reduzir o estresse nos estudantes é mais do que a saúde 16 emocional; é fundamental para a biologia da aprendizagem em si. As escolas estão apenas recentemente experimentando práticas de atenção plena, meditação e movimento com consciência. (Lyman, 2016, p. 57) Pesquisas sobre os efeitos do mindfulness têm sido realizadas há mais de 30 anos, e sua influência no ambiente escolar tem sido verificada por estudos sistemáticos. Em um desses estudos, 10 programas de intervenção dessas práticas à educação foram revisados (Meiklejohn et al., 2012). Os resultados com alunos de ensino fundamental e médio indicam benefícios sociais, emocionais e cognitivos: incluem melhoras nos seguintes aspectos: na memória de trabalho, atenção, competências acadêmicas, habilidades sociais, regulação das emoções, autoestima, estado de ânimo e redução da ansiedade, do estresse e da fadiga. (Marti; Garcia-Campayo; Demarzo, 2016, p. 116) No Brasil, programas têm sido realizados em muitas escolas públicas e privadas, por exemplo, em Porto Alegre, Curitiba e São Paulo (Fontoura, 2018; Silva, 2019). Mas quais efeitos essas práticas produzem no cérebro? O córtex cingulado anterior torna-se mais ativo e aumenta de tamanho. Essa estrutura se relaciona com a atenção e capacidade de manter o foco na situação imediata. Como há o treino da percepção corporal, uma estrutura ligada diretamente a isso, a insula, também se amplia e amplifica sua atividade. Também há maior desempenho do córtex pré-frontal, crucial para manter e dirigir a atenção, bem como regular as emoções e tomar decisões. Por falar em emoções, as amígdalas, estruturas cruciais no sistema emocional, se tornam menos ativas, principalmente para estímulos ameaçadores – sua principal função! Ou seja, quem pratica a atenção plena pode se tornar menos reativo a esses estímulos (Cozenza, 2018; Marti; Garcia-Campayo; Demarzo, 2016). Pode-se pensar que mindfulness é uma tendência do futuro, sendo aplicado em diferentes áreas, como na educação, saúde física e mental, segurança e negócios (organizações). Inclusive tem sido aplicado nacionalmente em políticas públicas, como no Reino Unido (Loughton; Morden, 2015). TEMA 4 – EMOÇÃO E TOMADA DE DECISÃO Segundo Barrett (2005), no cérebro humano existe uma estrutura que pode ser considerada a estrutura das emoções (mesmo não sendo a única); é a 17 amígdala, com forma de amêndoa e se localiza no lobo temporal medial, antes do complexo que compreende o hipocampo. A primeira vez em que ela foi observada e associada às emoções foi num experimento de Klüver e Bucy em 1939, quando eles observaram o comportamento dos macacos após lesões do lobo temporal medial, que incluíam a amígdala, o hipocampo e os córtices circundantes. De acordo com as observações desses cientistas, os macacos exibiam um padrão de comportamento denominado “cegueira psíquica”, marcado por reações emocionais estranhas, como a aproximação de um objeto que lhes causava medo, como uma cobra, e sob essas circunstâncias, não gerava mais. Aproximadamente 20 anos depois, o neurologista Weiskrantz (1956) identificou a amígdala como a estrutura do lobo temporal medial cujo dano é diretamente responsável pela cegueira psíquica. Para Daniel Goleman (1995), que ficou famoso por seu trabalho sobre inteligência emocional, se a amígdala assumir o controle do cérebro, ficamos irracionais, pois perderemos o controle emocional, visto que sua principal função é integrar as emoções com os padrões de resposta correspondentes a elas, seja em nível fisiológico ou comportamental. Goleman denomina esse desequilíbrio como “sequestro da amígdala”, e explica que isso ocorre quando, dependendo de um determinado estímulo a que somos submetidos, a amígdala pode “roubar” as ativações de outras áreas do cérebro, não só do sistema límbico, do qual faz parte, mas, por exemplo, roubar do córtex frontal, responsável pelo raciocínio lógico e planejamento. Ainda segundo Goleman, em outras circunstâncias, após emoção intensa normalmente gerada por situações de estresse, temos dificuldades em tomar decisões (entreoutras características), porque a amígdala “rouba a ativação” de outras áreas responsáveis e inunda nosso corpo com adrenalina e cortisol, não nos permitindo pensar. Essas características que envolvem a amígdala e que Goleman aborda de forma até engraçada se expressam dessa forma porque a amígdala é uma estrutura muito primitiva do nosso cérebro, que nos coloca em constante estado de alerta desde nossos ancestrais em situações de luta e fuga. Esses traços instintivos nos mantêm em estado de sobrevivência. É de extrema relevância conhecer o papel da amígadala na nossa vida, na medida em que o senso comum normalmente infere que a tomada de decisão é 18 uma atitude muito mais racional do que emocional. Entretanto, está na deficiência ou infericiência de um comportamento emocional a dificuldade em tomar decisões racionais. Segundo Damásio (2010), a razão, por si só, não sabe quando começar ou parar de avaliar custos e benefícios para uma tomada de decisão. É o quadro referencial das nossas emoções que seleciona as opções. Damásio passa a apresentar uma série de argumentos anátomo-fisiológicos sobre a formação e o processamento de imagens no cérebro, e defende que nosso raciocínio é feito de sequências ordenadas de imagens. Esses dados apontam para uma íntima relação entre as estruturas cerebrais envolvidas na gênese e na expressão das emoções (o sistema límbico) e áreas do córtex cerebral ligadas à tomada de decisões, como o córtex frontal (Tomaz; Giugliano, 1997, p. 409). Ainda de acordo com os estudos de Damásio (2010), as emoções primárias envolveriam disposições inatas para responder a certas classes de estímulo, controladas pelo sistema límbico: já as emoções secundárias seriam aprendidas e envolveriam categorizações de representações de estímulos, associadas a respostas passadas, avaliadas como boas ou ruins; as estruturas do córtex cerebral seriam o substrato neural das emoções secundárias, mas a expressão dessas emoções também envolveria as estruturas do sistema límbico. Apesar desta inter-relação, essas duas formas de emoção são distintas. Isto é evidenciado, por exemplo, pelo fato de um sorriso espontâneo ser diferente daquele intencional. Os sentimentos seriam a experiência de tais mudanças associadas às imagens mentais da situação. Desta forma, a emoção está intimamente associada à memória; ou seja, ao contexto em que é adquirida na experiência individual. (p. 410) TEMA 5 – CONSCIÊNCIA E LINGUAGEM A compreensão da linguagem para Steven Pinker (2012) apresenta características um tanto quanto controversas com relação a condicionantes culturais como usualmente outras linhas teóricas defendem. Para ele, a linguagem é inata, característica de quase todos os animais e, no caso dos seres humanos, comum histórico genético evolutivo e de composição biológica. Pinker foi influenciado por Noam Chomsky, ao considerar a linguagem como algo inato, do tipo instinto. Chomsky foi cognitivista precursor da gramática gerativa das décadas de 1950 e 1960, contemporâneo de Piaget. No entanto, apesar de ser um revolucionário nos estudos da cognição e da linguagem, não era um evolucionista, pois considerava a teoria de Darwin uma crença, não uma 19 ciência. “Chomsky se precipitou ao rejeitar a seleção natural por falta de consistência, como se ela não passasse de uma crença em alguma explicação naturalista de um traço” (Pinker 2002, p. 459). Entretanto, apesar de Pinker ser um evolucionista, ele não defende a ideia de que a espécie humana deriva ou é uma evolução de outra espécie, no caso os chimpanzés; o autor defende que a evolução se deu para ambas as espécies, mas em níveis diferenciados. No nosso caso, os primeiros traços de existência da linguagem datam de 2,5 milhões de anos, começando pelo nosso ancestral, o Homo habilis; com a evolução, atinge o Homo sapiens e Homo sapiens sapiens, ainda nos dias de hoje. Pinker (2002) diz que a linguagem humana é muito diferente dos sistemas de comunicação dos animais, que se baseiam em um repertório finito de chamados para avisar a presença de predadores, reivindicar territórios etc.; um sinal analógico contínuo que registra a magnitude de um estado; e uma série de variações aleatórias sobre um tema. Enquanto isso, a linguagem humana organiza-se na forma de uma gramática infinita, uma gama sem fim de palavras e frases; digital, que proporciona a possibilidade de combinações; e composicional, na qual cada combinação possui um significado diferente (Tiveran, 2018). Assim, as relações entre linguagem e consciência são exploradas por terrenos diversos, carregando especificidades, como é o caso da linguística, que ao explorar essa relação, cria a “psicolinguística”, a qual se encarrega de estudar a consciência linguística. Vista sob essa perspectiva, a aquisição de linguagem pela criança, em um primeiro momento, tem por finalidade obter um fim, ou seja, a criança a usa naturalmente como mediação. No entanto, ao iniciar a escolarização, essa mesma criança irá se deparar com a relação fonema/grafema, e nesse caso a intencionalidade da linguagem passa a ser consciente, pois disso depende a aprendizagem da leitura. Ao tratarmos a linguagem como mediação natural e como algo imperativo para outro, como é o caso da alfabetização, temos duas vertentes da consciência humana como amparo do processo de evolução dos indivíduos. A linguagem possui um predecessor biológico mas evolui no âmbito social. Sendo assim, as construções cognitivas individuais são extremamente influenciadas pelas construções sociais, tal qual Vygotsky, que defende sua perspectiva de aprendizagem com base na relação social com o outro e na 20 construção de autonomia, conforme o desenvolvimento proximal, oriundo de sua teoria. 21 REFERÊNCIAS ANDLER, D. Introdução às ciências cognitivas. São Leopoldo: Unisinos, 1998. ARMONY, J.; VUILLEUMIER, P. The cambridge handbook of human affective neurosciences. Cambridge, MA: Cambridge Press, 2013. BARRETT, L. F. Independent systems for emotion and cognition: emotion and consciousness. New York: The Guilford Press, 2005. CALLEGARO, M. M. O novo inconsciente. Porto Alegre: Artmed, 2011. 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