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AULA 5 FUNÇÕES NEUROPSICOLÓGICAS COGNITIVAS – COGNIÇÃO E APRENDIZAGEM Profª Michelle Müller 2 TEMA 1 – O CÉREBRO EMOCIONAL Vamos começar nossos estudos com uma reflexão de Antônio Damásio: Uma vez extirpado o sentimento, seria impossível classificar quaisquer imagens como belas ou feias, agradáveis ou dolorosas, de bom gosto ou vulgares, espirituais ou terrenas. Se não dispuséssemos de sentimentos, poderíamos talvez ser treinados, com enorme esforço, para classificar estética ou moralmente os objetos ou os acontecimentos que nos rodeiam, à maneira de um robô? A hipótese é absurda. Teoricamente, seríamos obrigados a depender de uma análise deliberada de características e contextos num esforço brutal de aprendizagem. Mas tal aprendizagem é difícil de conceber sem as propriedades da recompensa e dos sentimentos que a acompanham. (Damásio, 2017, p. 148) Sem sentimentos, não há aprendizagem. Não há moral ou estética, também não há atenção nem a possibilidade de utilizar informações referentes a uma ameaça ou gratificação em situações futuras. Seres capazes de sentir evitam cometer os mesmos erros e percebem situações favoráveis, pois aprenderam com as experiências. E somente aprenderam porque sentiram e armazenaram o sentimento. Nesta e nas próximas aulas iremos aprender e refletir sobre as emoções e os sentimentos, bem como a maneira que estão associados à cognição. 1.1 Em que diferem sentimentos de emoções? Primeiramente, vamos distinguir dois conceitos que são usualmente confundidos: emoções e sentimentos. Emoção, como a origem do nome sugere (moção – “movimento”), é um fenômeno que envolve um movimento do organismo, uma orquestração de alterações no corpo, causada, de uma forma geral, pela necessidade de evitar o perigo ou de aproveitar uma oportunidade e, assim, prolongar a chance de sobrevivência do indivíduo. Estão programadas no nosso genoma e são modificadas pela experiência. Provocam mudanças geralmente perceptíveis, como aceleração dos batimentos cardíacos ou alargamento das pupilas. Foi a solução encontrada pela evolução para nos guiar como um piloto automático extremamente útil para a manutenção da vida. As emoções não são escolhidas nem conscientemente evocadas, mas respostas do organismo a estímulos. Essas respostas evoluíram de processos homeostáticos. Responsável pela sobrevivência até do mais simples dos seres, como bactérias, a homeostase busca, por meio de ações automáticas, regular 3 o organismo de forma que haja um saldo energético, uma reserva do que ele precisa para se manter vivo. As emoções são uma derivação mais complexa, pois requerem um sistema nervoso, fenômeno mais fundamental para a vida. De uma forma geral, preparam-nos para ameaças de forma eficaz, mas podem também trazer efeitos perturbadores e negativos, o que coloca as emoções, de forma injusta, em desvantagem em relação à razão, de acordo com a distorcida visão popular da eterna luta cérebro versus coração. Quando essas respostas são sentidas, quando o indivíduo se torna consciente delas, surge o sentimento – uma experiência subjetiva, não perceptível aos outros. Sentimentos podem ser mantidos na memória, compreendidos e expressos com a ajuda da linguagem. De acordo com Antônio Damásio (2017), as emoções nos mantêm vivos, enquanto os sentimentos promovem uma visão de mundo que pode ser preservada para servir como guia em situações futuras. É comum encontramos estudos que contradizem essa diferenciação e referem-se aos sentimentos, de forma geral – mesmo ao se tratar de experiências que envolvem a cognição – como emoções. Grande parte das teorias das emoções apresenta o sentimento como um dos componentes da emoção: o último. O primeiro seria a elicitação (que provoca as alterações biológicas), seguida de expressão, resposta automática e tendência à ação, conforme observa Sander (2013). Todas as experiências conscientes – do momento em que a luz de um abajur atravessa a retina até a leitura de um artigo antes de dormir – são acompanhadas de um sentimento. Essas experiências, captadas pelos órgãos do sentido, formam espécies de imagens mentais, processadas juntamente com o sentimento que as acompanha. Tais imagens não são necessariamente visuais, mas podem ser auditivas, tácteis, gustativas ou mesmo relativas ao nosso universo interno, como os próprios sentimentos. Só são possíveis em seres com um sistema nervoso e que, portanto, sejam condicionados não apenas pela presença do estímulo, mas pela memória desse estímulo, o que ocorre por meio da representação mental das percepções associadas a ele. Essas imagens são como mapas que o cérebro cria mediante a integração das informações sensoriais e dos estados internos, o que nos permitem aprender, isto é, associar as novas informações àquelas já 4 mapeadas e aos sentimentos que elas evocam. Permitem-se, assim, o afastamento de situações desagradáveis – por serem associadas a algum tipo de ameaça – e a busca por aquelas favoráveis à manutenção da vida. Não existe consciência sem essas imagens mentais. “As imagens estão de tal modo desesperada pela companhia do afeto que até aquelas que são elas próprias um sentimento podem ser acompanhadas por outros sentimentos, mais ou menos como os harmônicos de um som ou os círculos que se formam quando uma pedra atinge a superfície de um lago” (Damásio, 2017, p. 147). 1.2 Como classificam-se as emoções Não existe consenso em relação a quantas e quais emoções são consideradas básicas. O filósofo Descartes (citado por Sander, 2013), em meados do século XVII, chegou a uma lista a partir da qual, segundo ele próprio, surgiriam todas as outras emoções: admiração; amor; ódio; desejo; alegria; tristeza. Hoje geralmente são citadas as seguintes emoções: raiva; nojo; medo; prazer; tristeza; surpresa. Sendo assim, outras emoções seriam variações e combinações de emoções derivadas dessas seis. Outras classificações distinguem as emoções relacionadas à sobrevivência, como o medo, o nojo e a raiva, daquelas relacionadas à autoconsciência, como orgulho, culpa, inveja, vergonha e gratidão (Fontaine, 2009). Há estudiosos que as chamam de emoções morais ou autorreflexivas. Elas podem coincidir com outro grupo classificado como emoções morais, sociais e contrafactuais, como arrependimento ou remorso. Há também emoções classificadas como estéticas (Robinson, 2009), como admiração e fascínio, relacionadas às percepções suscitadas pela natureza ou pela arte. Em pesquisas lideradas por Damásio (2017) com o objetivo de investigar as áreas neurológicas, às quais podem ser atribuídos os sentimentos, foi constatada a ativação do córtex insular, que obviamente não é a única estrutura envolvida nesse processo, mas a mais representativa. Apesar de poderem ser combinados de forma que pareçam contraditórios, é possível afirmar que, neurologicamente, existe a distinção entre os sentimentos negativos e os positivos. Isso porque eles envolvem regiões diferentes do cérebro, segundo Liberman e Eisenberger (2009). 5 À frente de diversas pesquisas envolvendo as emoções, eles concluíram que entre as regiões envolvidas no network da dor, ou o negativo, estão a insula e o córtex angular anterior, enquanto o network do prazer envolve a amígdala, o córtex pré-frontal ventromedial e o estriado ventral (Liberman; Eisenberger, 2009). Assim, podemos concluir que o sistema límbico, geralmente associado às emoções, não responde sozinho por elas. TEMA 2 – A CONSTRUÇÃO DAS EMOÇÕES Conforme vimos na aula anterior, há um grupo de emoções consideradas básicas e universais, bem como as expressões que as acompanham. Entretanto, há um grande corpo de estudos que contradiz essa visão, sugerindo que emoções são construções sociais. Essa conclusão é baseada no fatode que existe uma diferença entre a resposta automática a um estímulo e a interpretação desse estímulo. Essa interpretação seria feita sempre com base nas experiências anteriores e, portanto, construída de acordo com as interações sociais e com o ambiente, não pré-programadas no cérebro. Esta aula traz informações sobre o papel do ambiente e da cultura na construção das emoções e sobre a possibilidade de buscarmos ativamente maneiras de termos um maior controle sobre o que sentimos. Com base em mais de duas décadas de pesquisas com neuroimagens e análises de estudos das emoções, a neurocientista Lisa Barrett (2017) concluiu que, por mais contraintuitivo que pareça, emoções ou expressões por elas evocadas não são necessariamente universais, além de suas interpretações serem consideradas pouco confiáveis. Inúmeras investigações lideradas pela autora mostram que uma mesma expressão facial pode representar inúmeras emoções, razão pela qual é extremamente dependente do contexto para poder ser identificada. Não existe, segundo Barret (2017), um circuito pré-programado no cérebro para processar as emoções. Elas são construções baseadas em predições, assim como acontece com toda a aprendizagem e interpretação do mundo. Para dar sentido a um estímulo, bem como a um sentimento, o cérebro recorre a experiências anteriores e prediz o que está acontecendo. Trancado na caixa escura do crânio, para dar sentido às informações que recebe e 6 integra, ele preenche lacunas e fabrica os detalhes por meio de experiências passadas. Dessa forma, ganhamos agilidade na interpretação das informações. Qualquer novo conhecimento interfere na construção de sentido feita pelas predições. Assim, quando olhamos a face de alguém, interpretamos a expressão com base nas experiências anteriores que podem ser associadas. Ou seja, percebemos o que está acontecendo ou o que poderá acontecer, o que o outro sente ou a emoção que determinado estímulo irá provocar em nós. Quando, por exemplo, você escuta uma mistura de vozes altas de crianças do outro lado do muro, seu cérebro faz uma associação com, possivelmente, um jardim de infância. Essa associação pode provocar determinadas emoções em você, de acordo com suas experiências passadas. Se por algum motivo você teve uma experiência ruim associada ao jardim de infância, seu corpo irá reagir de forma diferente daquela pessoa que lembra com saudade do filho em idade pré-escolar. A resposta fisiológica às vozes será diferente, construída pelo cérebro de acordo com sua vivência. Quando tal predição se mostra errada, ocorre uma nova aprendizagem. Assim, se nunca tivéssemos nossas expectativas enganadas, não teríamos como fazer novas associações e, consequentemente, ganhar novos conhecimentos. Se basearmos a compreensão das emoções não como fenômenos psicológicos, mas sim como reguladores dos processos biológicos essenciais para a manutenção da vida, chegamos à conclusão de que o conforto e o desconforto, o prazer e o desprazer – como motivadores da busca por oportunidades e prevenção contra ameaças – são fundamentais, universais e, portanto, pré-programados no cérebro de todas as criaturas com sistema nervoso. Na visão de Barrett (2017), no entanto, eles não são emoções, mas sentimentos simples que acompanham os processos fisiológicos e que atuam como um reflexo do que está acontecendo no corpo. Mas não trazem detalhes, isto é, não nos dizem muito sobre o que está acontecendo no mundo exterior. Tais detalhes são aprendidos socialmente e construídos pelo cérebro para que se constitua uma emoção – algo mais complexo e aprendido mediante tal valência (positivo e negativo). 7 Nesse caso há, portanto, uma interpretação diferenciada de um conceito, talvez pela falta de vocabulário que permita definições mais exatas relacionadas às emoções. Outro exemplo de como mudanças de conceitos podem mudar a perspectiva com que enxergamos o comportamento humano e de outros animais é em relação ao medo. Vejamos: O neurocientista Joseph Ledoux (2016), autor de diversos estudos sobre esse tema, defende que medo é um processo cognitivo e consciente. As alterações fisiológicas relacionadas a ele são respostas automáticas e inconscientes anteriores ao sentimento de medo propriamente dito. O cientista defende que os termos na ciência sejam mais bem definidos para que não se confundam comportamentos automáticos e pré-programados com aqueles que são aprendidos e conscientemente identificados. Deveríamos nos referir a respostas fisiológicas e subconscientes como comportamento defensivo. Segundo Ledoux (2016), o fato de um animal reagir da mesma forma como reagimos não significa que ele tenha o mesmo sentimento, que seja capaz de compreender suas reações automáticas e de fazer uma interpretação cognitiva da situação, embora mais lenta. É provável que aves e mamíferos, na ausência do estímulo, sejam capazes de projetar situações ameaçadoras aprendidas por meio de experiências anteriores, o que se constitui no medo. No final do século XIX, o filósofo William James e seu colega Carl Lange (citados por Gazzaniga; Heatherton; Halperin, 2016) propuseram uma explicação um tanto revolucionária a respeito das reações fisiológicas a emoções, como o medo. A teoria, que ficou conhecida como James-Lange, chamou a atenção para os processos subcorticais e, portanto, subconscientes, que precedem os sentimentos. Eles sugerem que não corremos de ursos porque temos medo, mas temos medo porque justamente corremos de ursos. O medo, segundo essa visão, surgiria como consequência do comportamento defensivo pré-programado, não o contrário. Ledoux (2016) concorda que o medo vem depois, pois é um processo cognitivo e, por isso, mais lento. No entanto, alerta que isso não é consequência do movimento do organismo, mas sim da consciência do perigo da situação, isto é, uma capacidade de interpretar as respostas fisiológicas. Damásio (2017), por sua vez, concorda que a emotividade não pode ser considerada um processo fixo e lembra que os mais variados fatores 8 ambientais podem agir sobre a ativação emotiva, mas destaca que, apesar de serem educáveis e fluídos, os afetos influenciam todos os comportamentos e decisões – mesmo aquelas aparentemente arquitetadas de forma ponderada e racional. Conforme Damásio (2017, p. 16) “Ao que parece, a maquinaria dos nossos afetos é educável, até certo ponto, e boa parte daquilo a que chamamos de civilização ocorre através da educação dessa maquinarias no ambiente da nossa infância, em casa, na escola, e no ambiente cultural”. TEMA 3 – O CONTROLE SOBRE AS EMOÇÕES As evidências de que emoções são construções do cérebro baseadas nas experiências, conforme vimos na aula anterior, carrega uma boa mensagem: como não são fixas ou pré-programadas, temos mais controle sobre elas do que costumamos imaginar. Nesta aula, vamos entender melhor como isso é possível. Se o cérebro as construiu, poderia também desconstruí-las, se conseguirmos mexer nos componentes utilizados. É o que Barrett (2017) chama de “ser o arquiteto das próprias experiências”. Como forma de nos prevenir de possíveis ameaças, nosso cérebro exagera nas previsões negativas, como uma mãe superprotetora que, para evitar riscos, exagera nos cuidados em relação ao filho, o que pode o prejudicar. Uma das formas de dominar as emoções, modificando as predições que o cérebro faz, é conscientemente relacionar as repostas fisiológicas do corpo. Por exemplo, associar os rápidos batimentos cardíacos que caracterizam a ansiedade a sentimentos positivos, como a excitação ou o ânimo frente a um desafio. Trata-se se um exercício consciente de associação e de desassociação que vem ganhando respaldo científico. Outra tática é prestar atenção nos movimentos do corpo, como batimentos cardíacos, suor, sensações noestômago, dor de barriga, e procurar identificar as necessidades fisiológicas que podem estar por trás dessas reações, que podem ser motivadas pelo sono, cansaço, pela fome ou desidratação. A disciplina também é uma forma eficaz de ganhar controle sobre as emoções. Um dos pilares da filosofia oriental é uma virtude que está 9 diretamente relacionada à ação: se amadurecermos nossa disciplina para fazermos alguma atividade, essa ação, por si só, transforma os sentimentos. A disciplina se impõe sobre a vontade e nos coloca no domínio do nosso comportamento, permitindo que as emoções sejam moldadas pela ação, e não o contrário. O que você faz hoje ajuda a construir suas predições para amanhã. TEMA 4 – EMOÇÕES E LINGUAGEM A linguagem cumpre um importante papel na formação das emoções. A afirmação pode parecer contraintuitiva, mas nesta aula você entenderá melhor essa relação. Uma série de pesquisas indica que o aprendizado de palavras relacionadas aos diversos estados emocionais levam a um refinamento dos sentimentos. Em um experimento com pessoas com aracnofobia (horror a aranhas), foram avaliadas três abordagens distintas, e aquela que utilizava o repertório mais rico de sensações mostrou-se mais eficaz e duradoura do que as outras (Kircanski; Lieberman; Craske, 2012). Em outro conjunto de pesquisas, foi constatado que aqueles que possuem um vocabulário emocional mais refinado apresentam mais flexibilidade para regular suas emoções e são menos propensos a beber em excesso quando sob muito estresse e a agir agressivamente em situações em que são contrariados (Kashdan; Barrett; McKnight, 2015). Trata-se de um processo top-bottom de se trabalhar as emoções. Como você viu anteriormente, os estímulos que envolvem o pensamento – ou seja, que operam no modo cognitivo – agem sobre as emoções e vice-versa. Quase todos os processos mentais ocorrem por uma via de mão dupla. Ademais, palavras são como lanternas da mente. Quanto maior o vocabulário aprendido, mais refinado o pensamento. “Os limites de minha linguagem significam os limites do meu mundo”, escreveu Wittgenstein (2008, p. 245, grifos do original). O mundo do mencionado filósofo alemão inclui o mundo das emoções. Como se fossem lanternas da mente, as palavras nos permitem um refinamento também dos sentimentos. Quando nomeamos um sentimento, passamos a identificá-lo melhor em si e também nos outros. Nossa consciência sobre os ingredientes que compõem esse sentimento nos fazem ter mais controle sobre ele. Sem um nome para me ajudar a compreender um 10 sentimento, não sei exatamente o que sinto e, sem saber, também não posso lidar bem com isso. Lisa Barrett (2017) defende que as palavras permitem um repertório mais flexível de sentimentos. De acordo com a autora, o conhecimento das palavras certas dá ao cérebro a capacidade de predizer, categorizar e perceber as emoções – ferramentas para que possamos trabalhar em respostas mais flexíveis e funcionais a tais emoções. Ainda segundo Barrett (2017): O que eu descrevo é granularidade emocional, um capacidade que algumas pessoas apresentam de construir experiências emocionais mais refinadas. Tais pessoas são experts em emoções: fazem predições e constroem instâncias de emoções que são modeladas para de encaixar em cada situação específica. As palavras são armazenadas no cérebro, dentro de uma rede de associações, formando conceitos. Toda a aprendizagem é feita com conceitos, e conceitos guiam as previsões que o cérebro faz constantemente. As previsões provocam alterações fisiológicas, e as alterações determinam como nos sentimos. Os sentimentos, portanto, alteram o pensamento, assim como o pensamento altera o sentimento. Desse modo, uma forma de trabalhar as emoções de cima para baixo, ou seja, do domínio cognitivo para o subcortical, seria o conhecimento de um amplo vocabulário, que possa expressar da forma mais acurada possível o leque de nuances emocionais que as diversas situações e estímulos podem evocar. Dentro dessa mesma perspectiva, o psiquiatra Daniel Siegel (2016) defende que o vocabulário relacionado às inúmeras experiências internas seja ensinado a crianças e adolescentes como forma de educação emocional. Ele chama a técnica de “name it to tame it” (uma rima em inglês que significa “nomeie para amansar ou domar”). Não saber o que se sente, conforme o autor, pode ser confuso e até aterrorizante. Ademais, tanto a linguagem verbal quanto seu uso na comunicação cumprem um importante papel nessa aprendizagem. Dividir a sua experiência com outros pode muitas vezes fazer com que momentos terríveis sejam compreendidos e não se transformem em trauma. Tanto seu mundo interno quanto relações interpessoais irão se beneficiar da identificação do que está acontecendo, trazendo mais integração à sua vida. (Siegel, 2016) 11 Barrett (2017), dentro dessa mesma linha de raciocínio, explica que os resultados do ensino de conceitos não se restringem a um enriquecimento cognitivo, mas expandem-se ao universo social e emocional, afetando profundamente essas experiências. Existem estudos que confirmam esse raciocínio. Em uma investigação conduzida pelo Centro de Inteligência Emocional de Yale (Brackett et al., 2012), foram trabalhados conceitos emocionais em 62 classes de crianças em sessões de meia hora por semana, durante dois anos, e avaliados seus desempenhos tanto acadêmico quanto social. Em ambos domínios, aquelas que participaram do programa apresentaram melhores resultados que alunos que não tiveram a instrução. Além disso, segundo Barret (2017): Quando você ensina conceitos emocionais às crianças, você está fazendo mais que comunicar. Está criando a realidade dessas crianças – uma realidade social. Você está da do a elas ferramentas para regular seu equilíbrio fisiológico, encontrar significado nas suas sensações e influenciar os outros de forma mais eficaz. São habilidades que elas usarão a vida inteira. TEMA 5 – MOTIVAÇÃO E APRENDIZAGEM A experiência de sermos quem somos é uma experiência social. Temos uma mente que foi moldada e que funciona, conforme vimos na Aula 2, em conjunto com outras mentes, mesmo quando estamos sozinhos. Todas as habilidades trabalhadas na educação – da linguagem ao cálculo – estão diretamente vinculadas à cultura e ao meio social em que crescemos. A aprendizagem depende das interações e das emoções que as acompanham, o que significa que nenhum saber é adquirido de forma racional, sem envolver o corpo, uma vez que emoção é um fenômeno que afeta o afeta inteiramente, não apenas a mente. Todo o pensamento é emocional, pois a emoção e a cognição não podem ser vistas como processos separados, mas sim como aspectos que constituem o pensamento. Vimos, há pouco, a função homeostática da emoção, reguladora dos processos biológicos e da manutenção da vida. Mas em cérebros mais complexos podemos atribuir às emoções também a função de gerenciar a relação do indivíduo com o meio social. Elas regulam e modificam o organismo em si e como parte de uma cultura, de forma intra e interpessoal. Praticamente todas as nossas decisões ocorrem dentro da esfera social, pois são motivadas pelas relações e são feitas com base naquilo que sentimos. A aprendizagem, 12 dessa forma, é motivada pela cultura e pelas necessidades sociais, ao passo que estas são reguladas pela emoção. Quando aprendemos com um propósito – que é necessariamente criado com a participação da emoção e do meio social – conseguimos direcionar e sustentar a atenção. A motivação, com os neurotransmissores que ela envolve, mantém-nos focados e engajados pelo simples fato de que o cérebro entende a atividade como importante para a sobrevivência do indivíduo enquanto parte de um grupo do qual depende para se desenvolver. Até recentemente, emoções eram vistas de certa maneiracomo obstáculos aos processos cognitivos, considerados superiores. Damásio e Immordino-Yang (2007) retratam essa visão fazendo uma analogia com crianças pequenas em uma loja de variedades, interferindo e desarrumando a ordem e a posição dos produtos em suas fileiras. No entanto, emoções servem como suporte à cognição. Sua má reputação deriva da interferência das emoções consideradas negativas no pensamento e na aprendizagem, mas elas só respondem por uma parte desse universo tão complexo e frequentemente mal interpretado. Hoje sabemos que mesmo as habilidades mais técnicas, que envolvem o pensamento lógico e memorização, não podem ser recrutados sem a participação das emoções. E quanto mais são evocadas, maior o envolvimento, atenção e retenção. As emoções sinalizam no cérebro o que é importante e, por isso, nos mantêm em alerta e envolvidos, o que é essencial para a aprendizagem. Os aspectos da cognição que são mais recrutados na educação, incluindo aprendizagem, atenção, memória, tomada de decisão, motivação e funcionalidade social são, ao mesmo tempo, afetados pela emoção e somados aos processos da emoção. [...] A percepção de uma situação potencialmente emocionante, seja ela real ou imaginada, tem o poder de induzir à emoção assim como uma corrente de eventos psicológicos que irão promover mudanças tanto no corpo como na mente. Essas mudanças na mente envolvem processos como o foco da atenção, a evocação de memórias relevantes e associações entre acontecimentos e suas consequências, que, entre outras coisas, são o alvo da educação. (Damásio; Immordino-Yang, 2007, p. 3) Um dos aspectos particulares do universo emocional humano é a capacidade de projetar situações e direcionar o comportamento de acordo com as emoções. Graças ao córtex pré-frontal, temos a capacidade de imaginar cenários possíveis e construir objetivos voltados a tais possibilidades. Esses objetivos constituem em uma motivação e funcionam como potentes motores 13 que nos dão energia, que garantem eficácia na realização de tarefas e, portanto, na aprendizagem. Quando damos a um estudante um propósito, uma razão que justifique seu esforço, ele tende a se focar, manter-se concentrado e persistir na atividade. A motivação ativa o sistema de recompensa do cérebro, mais especificamente o estriado ventral, e libera o mensageiro químico que conhecemos como dopamina, que nos garante a sensação de prazer. Esse processo nos dá energia e vontade de permanecermos focados na atividade. Mas o sistema de recompensa é também movido por novidades – o que pode se tornar um desafio, pois para dominarmos uma habilidade é necessário muita prática e repetição, que são o contrário de novidade. Uma das formas de evitar a evasão de tarefas que exigem concentração depois que deixam de nos trazer a atratividade do novo é encaixá-las na rotina para transformá-las em hábito. Os objetivos e a motivação inicial incitados por eles podem até servir como propulsores de um engajamento, mas é o hábito que irá mantê-lo. Outro fator que promove a persistência é a transformação dos objetivos, que de extrínsecos (relacionados a fatores interpessoais, profissionais ou financeiros) passam a intrínsecos, ou seja, movidos pela vontade, pelo prazer que a ação promove por si. Por exemplo: um estudante pode se comprometer em aprender uma disciplina nova para agradar aos pais, para ganhar um concurso, para melhorar suas chances profissionais no futuro ou para impressionar alguém. São todos fatores extrínsecos. Depois que ele começa a dominar o tema, começa a achá- lo cada vez mais interessante e continua a aprofundar os estudos movido pela curiosidade e vontade de aprender mais. Essa internalização da motivação, que são os fatores intrínsecos, são mais eficazes para sustentar o envolvimento por mais tempo. Os adultos têm mais consciência das conquistas e do caminho que leva a um objetivo de longo prazo, e conseguem se autodisciplinar para buscar esses ganhos. Nas crianças, a motivação é alimentada pelo feedback mais momentâneo, que pode envolver incentivos verbais, metas de curto prazo, visualização das conquistas individuais e do grupo. De acordo com Jeanne Ellis Ormrod (2014), nos primeiros anos do Ensino Fundamental, crianças tendem a ser movidas por objetivos intrínsecos — o entusiasmo e curiosidade. Após essa fase, objetivos extrínsecos 14 costumam tomar o lugar desses motivadores e elas passam a buscar a aprovação de pais e professores ao buscarem bons resultados em avaliações. Um sistema educacional baseado no ensino de uma grande quantidade de conteúdo, na necessidade de boas notas em provas escritas e na competição está por trás desse movimento. No entanto, aqueles que são movidos por objetivos extrínsecos e intrínsecos tendem a alcançar resultados melhores e mais consistentes. Com base na análise de um vasto corpo de pesquisas, Ormrod (2014) chegou aos seguintes benefícios da motivação: Direciona o comportamento aos objetivos particulares, interferindo nas escolhas que os estudantes fazem; Aumenta o esforço e a energia empregados na tarefa; Aumenta a persistência e o tempo dedicado à realização de uma atividade; Melhora processos cognitivos como atenção e compreensão; Melhora o desempenho acadêmico de uma forma geral. 15 REFERÊNCIAS ANTÔNIO DAMÁSIO – A diferença entre emoção e sentimento. David Pires, 26 fev. 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=2COAN5Y6S9U>. Acesso em: 29 ago. 2018. BARRETT, L. F. How Emotions Are Made: The Secret Life of The Brain. Wilmington: Mariner Books, 2017. BENGTSSON, S.L.; NAGY, Z.; SKARE, S.; FORSMAN, L.; FORSSBERG, H.; ULLEN, F. Extensive piano practicing has regionally specific effects on white matter development. Nature Neuroscience, v. 8, n. 9, p. 1148-1150, 2005. 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