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Dificuldades de Aprendizagem e a Psicopedagogia Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Gerente Editorial CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA Projeto Gráfico TIAGO DA ROCHA Autoria FRANCIANE HEIDEN RIOS AUTORIA Franciane Heiden Rios Olá. Meu nome é Franciane Heiden Rios. Sou formada em Pedagogia, Mestre em Educação, Especialista em Educação Especial e Inclusiva e Tecnologias Educacionais. Estou na Educação desde o início da minha vida profissional, cursei Magistério, ingressei como estagiária e da escola nunca mais sai. Esse espaço rico de aprendizagens humanas me oportunizou pensar sobre diferentes questões e perceber as pessoas em suas diferentes necessidades. Durante dez anos fui servidora concursada, professora, do Município de São José dos Pinhais. Também atuei como Educadora pela Prefeitura Municipal de Curitiba e, atualmente, sou supervisora do curso de Pedagogia da UNIVESP – Universidade Virtual do Estado de São Paulo e diretora pedagógica da CuriosaIdade, instituição que atua em parceria com redes de ensino para desenvolvimento de boas práticas educativas tendo como subsídio a perspectiva do Desenho Universal para a Aprendizagem. Acredito no princípio básico da Inclusão e no respeito pela diversidade, portanto, escrever, palestrar, capacitar ou qualquer outra ação ou prática profissional relacionada a este tema são hoje meu foco de atuação. Desejo que tenhamos juntos um caminho rico de aprendizagens significativas, que o material aqui proposto em suas ideias, reflexões e discussões permitam a você um olhar sensível à diversidade no que tange aos distúrbios e transtornos de aprendizagens, contribuindo para espaços escolares inclusivos e respeitosos. ICONOGRÁFICOS Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: OBJETIVO: para o início do desenvolvimento de uma nova compe- tência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de se apresentar um novo conceito; NOTA: quando forem necessários obser- vações ou comple- mentações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações escritas tiveram que ser priorizadas para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofundamen- to do seu conheci- mento; REFLITA: se houver a neces- sidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou dis- cutido sobre; ACESSE: se for preciso aces- sar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso se fazer um resumo acumulativo das últi- mas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma atividade de au- toaprendizagem for aplicada; TESTANDO: quando o desen- volvimento de uma competência for concluído e questões forem explicadas; SUMÁRIO Conceitos e Limites da Abordagem Psicopedagógica .............. 10 História e Definição da Psicopedagogia Enquanto Área de Atuação Profissional............................................................................................................................................ 10 Saberes e Práticas Relacionadas ao Psicopedagogo .......................................... 13 Identidade do Psicopedagogo .............................................................................................. 16 Áreas de Investigação da Psicopedagogia .................................................................. 18 Principais Teorias para a Abordagem Psicopedagógica ............22 Psicopedagogia e seu Corpo Teórico ..............................................................................22 Teorias Comportamentalistas ................................................................................................25 Teorias Cognitivistas .....................................................................................................................28 Teorias Humanistas ....................................................................................................................... 30 Epistemologia Convergente de Jorge Visca .................................... 32 Fundamentação Teórica da Epistemologia Convergente .................................32 As Etapas do Diagnóstico Psicopedagógico Clínico: O Passo a Passo ..37 Entrevista Inicial ............................................................................................................ 38 Entrevista Operatória Centrada na Aprendizagem - EOCA .......... 39 Provas e Testes .............................................................................................................. 41 Anamnese (História de Vida) ................................................................................42 Informe Diagnóstico (Devolutiva) .....................................................................43 Abordagem Centrada na Pessoa e a Psicopedagogia ................45 Fundamentos da Abordagem Centrada na Pessoa ...............................................45 Processos Psicopedagógicos na Perspectiva da ACP ....................................... 48 7 UNIDADE 04 Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 8 INTRODUÇÃO Você sabia que na Psicopedagogia a cada dia se avança mais em estudos e processos específicos? Isso quer dizer que profissionais, além de exercerem a profissão, têm se preocupado e se debruçado em pesquisar e produzir conhecimento e saberes que subsidiem sua atuação. Esse movimento pode parecer óbvio, o de pesquisar o que se pratica, entretanto, no campo da Educação, no qual o abismo entre teoria e prática é um dos desafios a ser transposto, esse cenário deve ser destacado. Mas, o que isso representa para sua formação? Além do desafio de lidar com conhecimentos de diversas áreas, muitas delas complexas, tais como a Neuropsicologia, isso significa desenvolver sua competência crítica para, diante dos conhecimentos já estruturados, perceber que sua ação é capaz de resultar em novos conhecimentos. No decorrer dessa unidade, veremos o trabalho de Visca e Rogers, bases que orientam de formas diversas o trabalho psicopedagógico e suas abordagens resultam basicamente desses processos: diante do que se tinha enquanto teorias e do que se tinha enquanto necessidade prática, o que fazer? Visca “convergiu”, Rorges “divergiu” e você, qual caminho seguirá? Afinal, não existem receitas ou “fórmulas mágicas” no processo de aprendizagem, principalmente diante de transtornos e distúrbios de aprendizagem, a melhor estratégia é aquela que o aluno aprende e apenas você, que estará frente a frente com ele poderá fazer essa escolha e, por vezes, não haverá o que escolher. Você terá que trilhar um novo caminho, propor um novo método, estabelecer uma nova estratégia. Para isso, você precisará de conhecimentos sólidos, afinal, as teorias nos permitem consistência nas tomadas de decisão e, consequentemente, diminuem as chances de errarmos. Mas, a diferença nesse processo psicoeducativo nunca será o método e sim o profissional por trás dele, ou seja, você e toda a formação e humanização que carrega. Entendeu? Ao longo desta unidade letiva você vai mergulhar neste universo! Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 9 OBJETIVOS Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 4 – Dificuldades de aprendizagem e a Psicopedagogia. Nosso objetivo é auxiliar você no desenvolvimento das seguintes competências profissionais até o término desta etapa de estudos: 1. Definir o conceito e identificar os limites da atuação da Psicopedagogia. 2. Compilar e entender as principais teorias que subsidiam a atuação psicopedagógica. 3. Interpretar e aplicar os processos da abordagem psicopedagógica à luz da Epistemologia Convergente de Jorge Visca. 4. Aplicar os processos da abordagem psicopedagógica à luz da perspectiva humanista, pautada na Abordagem Centrada na Pessoa, de Carl Rogers.Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento? Ao trabalho! Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 10 Conceitos e Limites da Abordagem Psicopedagógica OBJETIVO: Ao término deste capítulo, você terá conceituado Psicopedagogia, sendo capaz de identificar o campo de atuação do psicopedagogo e os limites de sua prática. Isto será fundamental para o exercício de sua profissão. Os profissionais que buscarem intervir em processos psicoeducativos sem a compreensão efetiva de suas atribuições e limites de sua formação poderão comprometer os resultados esperados junto aos estudantes ou junto ao indivíduo atendido. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante!. História e Definição da Psicopedagogia Enquanto Área de Atuação Profissional A história da Psicopedagogia data dos anos 1940, especificamente 1946, quando Boutonier e George Mauco fundaram os primeiros centros psicopedagógicos na Europa, dirigidos por profissionais da área da saúde e pedagogos, unindo conhecimentos da Psicologia, Psicanálise e Pedagogia com o objetivo de readaptação de crianças tidas como “socialmente inadequadas” por questões comportamentais, seja na escola ou em casa e, atendendo também, a estudantes com dificuldades de aprendizagem (BOSSA, 2000). Essa corrente europeia influenciou a perspectiva americana da área, implicando as primeiras experiências na Argentina, sendo a cidade de Buenos Aires a primeira a oferecer cursos de formação em psicopedagogia. No Brasil, a Psicopedagogia remonta à década de 1970, principalmente com os estudos de Jorge Visca e os movimentos acadêmico-científicos em Porto Alegre. As primeiras ofertas de formação receberam o nome de “Reeducação Psicopedagógica”, “Psicopedagogia Terapêutica”, “Dificuldades Escolares”, ou seja, evidenciavam a direção Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 11 do trabalho do psicopedagogo para o atendimento de indivíduos com danos sociais em diversas áreas em decorrência das dificuldades que manifestavam. Com a urgência e ampliação das discussões na área da educação e a necessidade de rever protocolos relacionados à Educação Inclusiva, influenciado ainda pela reforma psiquiátrica e outros eventos paralelos que repercutiam no atendimento educacional de pessoas com deficiência, a Psicopedagogia torna-se campo em evidência, aumentando sua demanda social e se articulando como uma associação de classe profissional, resultando, em 1980, na Associação Estadual de Psicopedagogos de São Paulo e, em 1985, na Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp). VOCÊ SABIA? Você sabia que a reforma psiquiátrica no Brasil, efetivada com a Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, interferiu significativamente na concepção e no delineamento do trabalho do psicopedagogo? Saiba mais sobre esse assunto no artigo “A assistência psiquiátrica no Brasil e em Minas Gerais: a infância e a adolescência numa perspectiva manicomial”, de autoria de Fábio Walace de Souza Dias, disponível aqui. Enquanto área, a Psicopedagogia pode ser entendida como: uma nova área de atuação profissional que busca uma identidade e que requer uma formação de nível interdisciplinar, o que já é sugerido no próprio termo Psicopedagogia. (BOSSA, 1995, p. 31) Como área de aplicação, vem avançando em corpo teórico-prático próprio, o que contribui com a delimitação do seu campo de atuação e, apesar da busca por construtos teóricos identitários, cabe lembrar que a Psicopedagogia “surgiu na fronteira entre a Pedagogia e a Psicologia, a partir das necessidades de atendimento de crianças com distúrbios de aprendizagem” (KIGEL, 1998, online), portanto, suas bases terão como Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem https://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/OK_REV_2-ARTIGO%20REVISTA%20UFSJ%20INFANCIA%20E%20adolescencia%20revisado%20(1).pdf 12 referência a de outros campos, o que não a desqualifica enquanto campo científico. Com as mudanças de perspectivas diante das condições sociais já mencionadas – seja em decorrência das questões relacionadas à reforma psiquiátrica, seja dos processos da Educação Inclusiva –, a Psicopedagogia avança para outro enfoque, o preventivo. Além de sua atuação terapêutica diante das ocorrências, passa a antecipar e intervir em possíveis estruturas que podem resultar em déficits e dificuldades. REFLITA: Podemos identificar o caráter preventivo da Psicopedagogia quando essa, inserida no espaço na escola, por exemplo, atua na formação dos professores para que esses qualifiquem seus recursos e estratégias didático-metodológicas, ampliando as possibilidades de aprendizagem na diversidade das necessidades dos estudantes. Figura 1 - Diversidade Fonte: Pixabay. Enquanto prevenção, conforme aponta Scoz (1998, p. 96-97), a Psicopedagogia tem como objeto de investigação o “ser humano em desenvolvimento enquanto educável”. Já na perspectiva terapêutica, sua Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 13 ação centra-se na “identificação, análise, elaboração de uma metodologia de diagnóstico e tratamento das dificuldades de aprendizagem”. De forma global, a Psicopedagogia tem como objeto a melhoria das relações com a aprendizagem, seja na antecipação com a promoção de estratégias diversificadas e de boas-práticas, atuando com a formação continuada dos atores do processo educativo ou na construção de rotinas e práticas para qualificação dos processos do aprender pelo estudante, seja na intervenção com vistas à melhoria do desempenho da aprendizagem dos alunos em situação de dificuldade ou com transtornos diversos que resultam em déficits. Atuação que demanda saberes multidisciplinares para a sustentação de práticas efetivas. Saberes e Práticas Relacionadas ao Psicopedagogo O primeiro elemento teórico conceitual inerente ao psicopedagogo é o entendimento, diferenciação e relação entre ensinar e aprender. • Ensinar relaciona-se com a oferta de conteúdos, informações e/ ou modelos que servirão como “substância” para a aprendizagem. Remetendo à escola, seria o que a instituição oferta, disponibiliza e promove para que o aluno possa estudar, ou seja, acessar, interagir e refletir sobre os conteúdos e transformá-los em conhecimento. • Aprender relaciona-se com a ação individual do sujeito. É a apropriação e significação do indivíduo às informações, conteúdos e modelos. Remetendo à escola, é o que o aluno aprendeu com aquilo que lhe foi ofertado pela instituição. Portanto, percebendo que ensinar e aprender são conceitos que avançam para além da escola, sendo possível nas diversas instituições sociais (família, igreja, organizações civis, grupos de amigos etc.). Outro saber significativo ao psicopedagogo é a compreensão da relevância do papel do contexto nos modelos de aprendizagem, sendo necessário em sua prática considerar os eventos e relações estabelecidas nesses cenários. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 14 Com o avanço das necessidades de atuação do psicopedagogo, muitos outros saberes tornam-se necessários. Entretanto, podemos organizar um tripé de ação que, de maneira generalista, aplica-se a todos os cenários possíveis: Figura 2 - Tripé da ação do psicopedagogo Fonte: Elaborado pela autora (2019). ACESSE: O que é Psicopedagogia? – Canal: Papo de Criança. A Psicóloga Domitila Miranda convidou Priscilla Lima, psicopedagoga de Manaus, para um Papo de Criança sobre a Psicopedagogia. Priscilla e Domitila definem lindamente essa área tão importante para o desenvolvimento das nossas crianças. Acesse aqui. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem https://www.youtube.com/watch?v=d-2_5H9KJPI 15 Esse tripé permite ao psicopedagogo ampliar e alinhar seus objetivos de atuação. Dentre as várias possibilidades, podemos citar as seguintes atividades em seu escopo de atuação: • Orientação de estudos – organização da vida escolar. • Apropriaçãodos conteúdos escolares – mediar e ampliar as possibilidades de apropriação de conteúdos e saberes de disciplinas escolares nas quais o estudante apresenta baixo desempenho. • Desenvolvimento do raciocínio – proporcionar contextos de observação, estímulo e diálogo para a reflexão e construção de conhecimento. • Atendimento à criança – atendimento às demandas da criança, sempre orientado pelo código de ética profissional, pelo trabalho multidisciplinar e pelos princípios que embasam a legislação nacional em vigor. Para tanto, no desenvolvimento de suas atividades, torna-se indispensável a esse profissional formação sólida em três áreas, conforme você pode observar na figura a seguir: Figura 3 - Três áreas de formação do psicopedagogo Fonte: Elaborado pela autora (2019). Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 16 Ao psicopedagogo se faz imprescindível uma formação que o permita: saber as teorias, saber como fazer uso dessas teorias e saber como essas teorias estão sujeitas às condições subjetivas e relacionais, fator preponderante em sua prática psicoeducativa. É a partir da articulação desses três “saberes” que o psicopedagogo poderá avaliar a possibilidade, a disponibilidade e a efetividade, seja dos aspectos cognitivos, afetivos ou executivos da condição de aprendizagem dos sujeitos. Identidade do Psicopedagogo A Psicopedagogia é uma profissão em processo de regulamentação, a qual conta com um conselho de classe que busca homogeneizar aspectos de sua atuação. Entretanto, há uma pressão social para que a regulamentação seja aprovada, definindo principalmente o perfil acadêmico daqueles que poderão atuar enquanto psicopedagogos. ACESSE: Você pode verificar a tramitação da legislação e dos processos relacionados à regulamentação da profissão do psicopedagogo no site da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp, especificamente aqui. Mesmo que ainda não se tenha a regulamentação efetiva, o Código Brasileiro de Ocupações – CBO aponta um perfil coeso do psicopedagogo: Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem http://www.abpp.com.br/documentos_referencias_legislacao.html 17 IMPORTANTE: Código/Família/Ocupação: 2394-25 Psicopedagogo - quadro de técnicos da educação. Descrição sumária: Implementam, avaliam, coordenam e planejam o desenvolvimento de projetos pedagógicos/instrucionais nas modalidades de ensino presencial e/ou a distância; participam da elaboração, implementação e coordenação de projetos de recuperação de aprendizagem, aplicando metodologias e técnicas para facilitar o processo de ensino e aprendizagem. Atuam em cursos acadêmicos e/ou corporativos em todos os níveis de ensino para atender as necessidades dos alunos, acompanhando e avaliando os processos educacionais. Viabilizam o trabalho coletivo, criando e organizando mecanismos de participação em programas e projetos educacionais, facilitando o processo comunicativo entre a comunidade escolar e as associações a ela vinculadas. Atuam no contexto clínico, avaliando as funções cognitivas, motoras e de interação social dos clientes e promovendo a reabilitação das funções prejudicadas dos mesmos. (MTE, CBO, 2019, online). O texto na íntegra pode ser conferido aqui. É fundamental destacar que CBO se trata da classificação de ocupação e não avança para a identificação da qualificação profissional para atuação, delimitando ou indicando a formação acadêmica ou necessidade de vivência prática para o exercício profissional. Torna-se, portanto, superficial em aspectos relacionados à configuração do profissional atuante. SAIBA MAIS: Código de Ética do Psicopedagogo. Um dos documentos de referência para o trabalho do psicopedagogo é seu Código de Ética. Esse documento é de leitura obrigatória, afinal, nesse texto estão descritos os parâmetros e orientações para os profissionais da Psicopedagogia brasileira quanto aos princípios, normas e valores constituintes da boa conduta profissional. Você pode acessá-lo aqui. Apesar da carência normativa, é possível traçar o perfil do psicopedagogo pela necessidade social de sua existência, fato que resulta, Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTituloResultado.jsf) http://www.abpp.com.br/documentos_referencias_codigo_etica.html 18 inclusive, na indicação e discussões de regulamentação profissional. Nesse sentido, o psicopedagogo assume papel de pesquisador, assessor, orientador, supervisor e educador. Áreas de Investigação da Psicopedagogia Como vimos, historicamente a Psicopedagogia teve início no atendimento às dificuldades e patologias relacionadas à aprendizagem, porém, está cada vez mais atuando em caráter preventivo. Assume como ação a investigação das possíveis perturbações no processo de aprendizagem no contexto, favorecendo processos de integração e troca. Essa mudança de abordagem é convergente com a premissa da Educação Inclusiva e com o respeito à diversidade, afinal, a ação passa a ser centrada na promoção de orientações metodológicas às necessidades específicas dos grupos e indivíduos, respeitando seu contexto. Nesse processo, algumas áreas são fundamentais a serem investigadas: Figura 4 - Principais áreas de investigação da Psicopedagogia Fonte: Elaborado pela autora (2019). Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 19 Essas áreas cumprem com o desejo da Psicopedagogia de “saber mais” sobre as potencialidades e dificuldades do outro, compreendendo os elementos que interferem no processo de ensino-aprendizagem para que, com essas informações, as intervenções sejam as mais assertivas possíveis, e permitam a superação ou minimização dos problemas de aprendizagem. SAIBA MAIS: Atividades diárias e práticas psicopedagógicas. Assista à reportagem do programa Fantástico sobre o acompanhamento de pessoas diagnosticadas com TDA/H e que fazem acompanhamento, nesse caso, psicológico. Entretanto, é possível identificar as práticas relacionadas à psicopedagogia. Muitas vezes, a Psicopedagogia terá sua atuação em estruturas tidas como pré-requisitos às aprendizagens formais, centralizando as ações na busca de estratégias para a descoberta e manutenção de processos para a autoria de pensamento, contribuindo para que os estudantes sejam capazes de aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Mais que desempenho acadêmico, esse trabalho remete ao autoconhecimento, à autonomia. É, portanto, indispensável pela significação social que representa. Na efetivação da Educação Inclusiva, a Psicopedagogia assume a perspectiva de valores e de atitudes, da dimensão pessoal, emocional e de alteridade, condizentes com a perspectiva globalizadora que orienta e determina os objetivos da aprendizagem para a sociedade atual. Nesse sentido, a investigação psicopedagógica possível pelo olhar, pela escuta e pelas intervenções propostas considera o espectro subjetivo da relação estabelecida entre ensinante e aprendente frente ao conhecimento, afinal: Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem https://www.youtube.com/watch?v=c2AdfdqFlLo 20 Necessitamos um modo diferente de analisar a relação entre o futuro e o passado para entender o que acontece em todo processo de aprendizagem. Aprender é construir espaços de autoria e, simultaneamente, é um modo de situar-se novamente diante do passado. (FERNÁNDEZ, 2001, p. 69) Assim, o trabalho psicopedagógico, seja em seu caráter preventivo ou terapêutico, busca sempre a reconstrução dos processos. Para tanto, busca definir papéis, valorizar novos conhecimentos, compreendendo e considerando as diversas formas de aprender, de avaliar o conhecimento, pessoas, papéis, processos, produtos e objetivos. Podendo atuar em escolas, clínicas, hospitais, empresas e onde mais se faça necessário qualificar ensino e aprendizagem. RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmotudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que no Brasil a Psicopedagogia remonta à década de 1970, com destaque para o atendimento de indivíduos com danos sociais em diversas áreas em decorrência das dificuldades de aprendizagem que manifestavam. Enquanto área, a psicopedagogia “surgiu na fronteira entre a Pedagogia e a Psicologia, a partir das necessidades de atendimento de crianças com distúrbios de aprendizagem” (KIGEL, 1998, online), portanto, suas bases têm como referência a de outros campos, o que não a desqualifica enquanto campo científico. Observou-se que, em decorrência das questões relacionadas à reforma psiquiátrica e da Educação Inclusiva, a Psicopedagogia avança para um enfoque preventivo, além de sua atuação terapêutica. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 21 Assim, de forma global, a Psicopedagogia tem como objeto a melhoria das relações com a aprendizagem. Cabendo ao psicopedagogo uma formação que o permita saber as teorias, saber como fazer uso dessas teorias e saber como essas teorias estão sujeitas às condições subjetivas e relacionais, fator preponderante em sua prática psicoeducativa. Por fim, foi visto que o trabalho psicopedagógico, seja em seu caráter preventivo ou terapêutico, busca sempre a reconstrução dos processos e, para tanto, objetiva definir papéis, valorizar novos conhecimentos, compreendendo e considerando as diversas formas de aprender, de avaliar o conhecimento, pessoas, papéis, processos, produtos e objetivos. Este profissional pode atuar em escolas, clínicas, hospitais, empresas e onde mais se faça necessário qualificar ensino e aprendizagem. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 22 Principais Teorias para a Abordagem Psicopedagógica OBJETIVO: Ao término deste item, você será capaz de identificar três das principais teorias que sustentam as abordagens psicopedagógicas, bem como diferenciá-las. Isso será fundamental para o exercício de sua profissão, afinal, trata- se de fundamentação técnica essencial para escolhas assertivas e encaminhamentos corretos. As pessoas que tentarem intervir no campo da psicopedagogia sem esses conhecimentos poderão prejudicar as pessoas que pretendem ajudar, afinal, a escolha metodológica errada tende a acentuar as dificuldades de aprendizagem. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante!. Psicopedagogia e seu Corpo Teórico Como vimos, a Psicopedagogia surge na “fronteira” da Pedagogia e da Psicologia, portanto, conhecer seus fundamentos requer compreender as possíveis articulações dos subsídios teóricos dessas duas áreas em relação ao processo de ensino-aprendizagem. De forma geral, as ações psicoeducativas buscam referências em outras áreas e as transpõem às necessidades de seus objetivos, modulando, transformando e, principalmente, respeitando, sob princípios éticos, os limites que lhe são impostos pela própria formação e expertise do profissional. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 23 REFLITA: Um exemplo real dos “limites éticos” que podemos observar no trabalho do psicopedagogo é relacionado à medicamentalização dos estudantes com algum transtorno que resulta em déficit de aprendizagem. Por mais que a avaliação e as informações decorrentes do trabalho do psicopedagogo sejam imprescindíveis para a avaliação do acompanhamento médico, prescrever, indicar ou retirar o tratamento medicamentoso cabe ao médico que acompanha o estudante. É atribuição do psicopedagogo, quando possível, se assim tiver informações para tanto, apresentar um perfil comparativo por meio de informe psicopedagógico do estudante antes da medicação e após o início do tratamento no que se refere às condições necessárias para a aprendizagem, por exemplo: antes, seu foco de atenção tinha baixa duração, mas após a medicação o estudante passou a persistir durante mais tempo nas atividades propostas. Porém, qualquer encaminhamento, por mais que seja “alternativo”, “substitutivo” ou “complementar”, fere o código de ética profissional. Assim, florais, terapias cognitivas e/ou comportamentais e outros tratamentos ou acompanhamentos que são da área da saúde ficam a cargo dos profissionais responsáveis, sendo o psicopedagogo um auxiliar para o perfil do estudante. Esse é o limite da profissão que precisa ser observado. Para Bossa (2005), a Psicopedagogia enquanto área de confluência do psicólogo e do educador e diante do seu objetivo de trabalho necessita sustentar-se em teorias que permitam ao profissional compreender como se aprende, para poder ensinar a aprender. Parece óbvio, porém, não é, afinal, se retornarmos ao espaço escolar, vemos a diferença desse objetivo: na escola, o objetivo é ensinar, de formas diversas, respeitando as condições dos estudantes para avaliá-lo conforme suas aprendizagens. Na Psicopedagogia, o objetivo centra-se em “ensinar o estudante” como aprender nesses processos de ensino, especificamente, instrumentalizando-para que se aproprie de conhecimentos, técnicas e pré-requisitos necessários para a interiorização do universo de representações simbólicas que a escola lhe oferta. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 24 Nesse trabalho, o psicopedagogo recorre a critérios para compreender as lacunas ou falhas na aprendizagem por meio da investigação diagnóstica, processo de leitura complexo e multifacetado, no qual são identificadas as condições individuais, familiares, socioculturais, educacionais e de aprendizagem. Figura 5 - Totalidade do ser humano Fonte: Pixabay. Assim como a maioria das áreas do conhecimento, a Psicopedagogia possui diferentes correntes de pensamentos. Essas diferenças não são encaradas como certas ou erradas, mas pelo viés de abordagem distinta diante das situações evidenciadas que, por fim, acabam por privilegiar uma área do conhecimento em detrimento de outra. Podemos destacar as seguintes áreas: • Psicologia: principalmente com as contribuições da Epistemologia e da Psicologia Genética, que se encarregam de analisar e descrever o processo construtivo do conhecimento pela interação do sujeito com o meio. • Linguística: pela compreensão da linguagem enquanto construto social e cultural inerente ao ser humano. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 25 • Pedagogia: pelas diversas abordagens do processo ensino- aprendizagem do ponto de vista de quem ensina. • Neuropsicologia: pelas discussões que possibilitam compreender os mecanismos cerebrais e as atividades mentais. No sentido de teorias gerais, podemos evidenciar três grandes correntes na psicopedagogia: as Teorias Comportamentalistas, Teorias Cognitivistas e Teorias Humanistas, que veremos a seguir. Teorias Comportamentalistas A abordagem comportamentalista tem como percursor John B. Watson, entretanto, Skinner foi um dos psicólogos que teve seus estudos amplamente divulgados e absorvidos na educação. Na Psicologia é divulgada e mais conhecida pelo termo “Behaviorismo”, sendo destaque por, na época, ter caracterizado comportamento como objeto consistente, observável e mensurável, convergente com os preceitos do positivismo. SAIBA MAIS: O que é Positivismo? Acesse o site “Significados” e descubra a definição, conceitos e aspectos relevantes do Positivismo. Figura 6 - Skinner Fonte: Wikipedia Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 26 Seu escopo teórico desenvolveu-se no contexto da psicologia clínica, enfatizando o comportamento e suas relações com o meio, resultando nos conceitos de estímulo e resposta que permitiram compreender o ser humano como resultado das associações estabelecidas entre os estímulos do meio e as repostas que manifesta em comportamento. Para a abordagem comportamentalista, aprendizagem é entendida como uma “modelagem de comportamento”, portanto, com as contribuições deSkinner, acontece conforme figura a seguir: Figura 7 - Aprendizagem no Behaviorismo Fonte: Elaborado pela autora (2019). A aprendizagem, portanto, está relacionada ao condicionamento do comportamento operante que Inclui todos os movimentos de um organismo dos quais possa dizer que, em algum momento, tem um efeito sobre ou fazem algo ao mundo em redor. O comportamento opera sobre o mundo [...] quer direta, quer indiretamente. (KELLER apud MOREIRA, 1999, p. 331) Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 27 SAIBA MAIS: Reportagem: B. F. Skinner, o cientista do comportamento e do aprendizado. Leia aqui a reportagem da Revista Nova Escola sobre Skinner e compreenda um pouco mais os princípios desse psicólogo behaviorista norte americano para a educação, principalmente sobre sua percepção de planejamento passo a passo e de “modelagem” do aluno. Transpondo para a Psicopedagogia, a abordagem comportamental teria seu centro na relação funcional entre estímulo e resposta, atuaria na modelagem seja desses estímulos, seja da resposta. Para tanto, utilizaria do conceito de reforço enquanto ferramenta. DEFINIÇÃO: Para Skinner, podemos distinguir dois tipos de reforço, o positivo e o negativo. O primeiro operaria no sentido de fortalecer um comportamento, enquanto o segundo, no sentido de diminuir determinado comportamento. Para a extinção de comportamento, a ausência de reforço seria o ideal. Nessa lógica de “reforçamento”, dois outros conceitos são fundamentais a essa perspectiva: generalização e discriminação. Generalização contempla a capacidade de darmos respostas semelhantes às situações semelhantes, já discriminação, a capacidade de perceber diferentes estímulos e de dar respostas diferentes a cada um deles. Esses dois conceitos são fundamentais à aprendizagem escolar ao final de seu processo, afinal, espera-se que o estudante generalize o que aprendeu para outras situações semelhantes ou discrimine sua resposta em relação à especificidade do estímulo recebido. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem https://novaescola.org.br/conteudo/1917/b-f-skinner-o-cientista-do-comportamento-e-do-aprendizado 28 Muitas são as observações, críticas e reflexões acerca das abordagens comportamentalistas no processo psicoeducativo, entretanto, é fundamental evidenciar que muito se avançou desde os primeiros estudos e que outras correntes baseadas nessas premissas teóricas vêm despontando com resultados efetivos no trabalho com transtornos como o TEA, por exemplo. Assim, o objetivo aqui é de apresentar um contexto geral daquilo que caracteriza a corrente. Porém, não se irão esgotar as possibilidades que dela derivam, tampouco as abordagens de trabalho que dela se fazem possíveis. SAIBA MAIS: Método ABA e Autismo. Um dos métodos com evidências para atendimento de crianças no TEA é o ABA - Applied Behavior Analysis ou Análise Aplicada do Comportamento, que tem como base a teoria comportamental. Saiba mais aqui. Teorias Cognitivistas Outra corrente teórica é o Cognitivismo, que ao contrário do comportamentalismo, que se centra no comportamento humano, tem como proposta investigar os elementos que interferem no processo estímulo-resposta, ou seja, centra-se no processo de compreensão, de transformação, de armazenamento e da utilização dos saberes e informações no plano da cognição. De forma simplificada, essa corrente trabalha com os significados e o processo por meio do qual os indivíduos se relacionam e significam o mundo. Tem como representantes os teóricos da Psicologia Cognitiva como Piaget e Vygostsky que, apesar de não terem desenvolvido uma teoria especificamente da aprendizagem, serviram como base para o Construtivismo. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem http://entendendoautismo.com.br/artigo/metodo-aba-para-tratamento-de-autismo 29 Figura 8 - Piaget e Vygotsky Fonte: Wikimedia commons SAIBA MAIS: “Construtivismo na prática”, por Ana Ligia Scachetti e Camila Camilo. Para compreender um pouco mais sobre o Construtivismo, acesse a reportagem da Revista Nova Escola “Construtivismo na prática”. Nela as autoras buscam discutir e refletir sobre os mitos que cercam a teoria inspirada em pesquisadores como Piaget e Vygotsky, identificando como as aulas são valorizadas e ganham significado por meio dessa abordagem. Efetivamente, para a Psicopedagogia é fundamental destacarmos que essa teoria busca compreender a aprendizagem na correlação das habilidades presentes e das que precisam ser adquiridas, valorizando, portanto, processos de compreensão em relação às capacidades de memorização. Na prática, há o desmembramento de conceitos, a ampliação de etapas, a roteirização dos processos de resolução, permitindo uma melhor assimilação do conhecimento. Além disso, Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem https://novaescola.org.br/conteudo/3428/construtivismo-na-pratica 30 privilegiam-se metodologias que estimulam a interação e a reflexão com vistas à construção do conhecimento pelo indivíduo. Teorias Humanistas Como terceiro eixo teórico, temos a perspectiva humanista. Nessa corrente de pensamento, o centro não está efetivamente no processo de aprendizagem em si, mas, sim, no papel social que o ato de aprender representa para o indivíduo. Privilegia-se o desenvolvimento de suas habilidades e competências para a interação social, propõe-se fortalecer sua autoestima e sua inteligência emocional. Essa abordagem valoriza tanto o aspecto cognitivo, quanto o motor e o afetivo da criança, compreendendo que, para que seja possível a aprendizagem, o desenvolvimento deva acontecer de forma integral e integrada. Figura 9 - Diferenças entre as três teorias Fonte: Elaborado pela autora (2019). Como metodologia, essa perspectiva propõe ações que envolvam uma maior interação social, que sejam dinâmicas e que privilegiem a fala e a escuta afetiva. Entretanto, o que cabe destacar é que o processo de aprendizagem, independentemente da teoria privilegiada, deve ter como prática efetiva o engajamento do estudante, deve propor vivências empolgantes que os motive na descoberta de suas potencialidades e na superação de suas dificuldades. As perspectivas teóricas transpostas para a Psicopedagogia dispõem de conhecimentos teóricos e práticos, entretanto, cabe ao profissional identificar qual a abordagem mais efetiva e coerente com a situação observada. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 31 RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste item, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que a Psicopedagogia surge na “fronteira” da Pedagogia e da Psicologia e que, portanto, conhecer seus fundamentos requer compreender as possíveis articulações dos subsídios teóricos dessas duas áreas em relação ao processo de ensino-aprendizagem. Viu, ainda, que o limite da profissão precisa ser observado, não sendo da atribuição do psicopedagogo qualquer encaminhamento, por mais que seja “alternativo”, “substitutivo” ou “complementar”, que invada as áreas da saúde, tendo o objetivo da Psicopedagogia centrado em “ensinar o estudante” como aprender, especificamente instrumentalizando-o a se apropriar de conhecimentos, técnicas e pré-requisitos necessários para a interiorização do universo de representações simbólicas que a escola lhe oferta. Para tanto, vimos que o psicopedagogo recorre a critérios para compreender as lacunas ou falhas na aprendizagem por meio da investigação diagnóstica, por meio do processo de leitura complexo e multifacetado, no qual são identificadas as condições individuais, familiares, socioculturais, educacionais e de aprendizagem. Esses critérios podem ter base em três principais teorias: Comportamentalista, Cognitivista e Humanista. Vimos que a abordagem comportamentalista tem como precursor John B. Watson,entretanto, Skinner foi um dos psicólogos que teve seus estudos amplamente divulgados e absorvidos na educação. Viu-se que essa perspectiva é mais conhecida pelo termo “Behaviorismo” e centra-se no comportamento. Já o Cognitivismo tem como proposta investigar os elementos que interferem no processo estímulo-resposta, centra-se no processo de compreensão, de transformação, de armazenamento e da utilização dos saberes e informações no plano da cognição. E, por fim, vimos que na perspectiva humanista o centro não está efetivamente no processo de aprendizagem em si, mas, sim, no papel social que o ato de aprender representa para o indivíduo, privilegiando o desenvolvimento integral do indivíduo. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 32 Epistemologia Convergente de Jorge Visca OBJETIVO: Ao término deste item, você será capaz de estruturar uma avaliação psicopedagógica clínica a partir da Epistemologia convergente de Jorge Visca. Isso será fundamental para o exercício de sua profissão, afinal, trata-se de uma das abordagens mais utilizadas por psicopedagogos no processo de diagnóstico psicoeducativo. Para tanto, você aprenderá os fundamentos dessa abordagem, suas concepções e principais conceitos, pois, sem esses conhecimentos sua prática poderá não ser exitosa. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante!. Fundamentação Teórica da Epistemologia Convergente A abordagem proposta por Jorge Visca é uma avaliação psicopedagógica clínica, em um processo complexo de investigação da aprendizagem informal ou formal, seja de uma pessoa ou de um grupo. A investigação desse processo, em todas as instâncias, se dá com base nas relações socioculturais estabelecidas, conforme evidencia Bossa (2000, p. 85): Implica compreender a situação de aprendizagem do sujeito, individualmente ou em grupo, dentro do seu próprio contexto. Tal compreensão requer uma modalidade particular de atuação para a situação em estudo, o que significa que não há procedimentos predeterminados. Defino essa característica como configuração clínica da prática psicopedagógica. A metodologia do trabalho, ou seja, a abordagem e tratamento, enfim a forma de atuação se vai tecendo em cada caso, na medida em que a problemática aparece. Cada situação é única e requer do profissional atitudes específicas em relação àquela situação. (Bossa, 2000, p. 85) Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 33 Assume-se como Epistemologia Convergente por aliar subsídios da Psicanálise, da Epistemologia Genética, de Jean Piaget e da Psicologia Social, de Enrique Pichon Rivière, com destaque para os seguintes elementos de cada corrente: PSICANÁLISE: a mudança de perspectiva em relação à aprendizagem, considerando a satisfação do estudante nesse processo em detrimento da coerção. Portanto, buscam-se estratégias mais prazerosas e consequentemente, mais significativas, considerando a influência decisiva da dimensão afetiva na aprendizagem e no desenvolvimento humano. EPISTEMOLOGIA GENÉTICA: orienta a forma pela qual o sujeito constrói seus conhecimentos, contribuindo com os conceitos de equilibração, assimilação e acomodação, necessários à aprendizagem que se estabelecem. Ainda, essa teoria contribui com a organização de quatro períodos de pensamento, cada um deles marcado por avanços no desenvolvimento intelectual do sujeito que, por mais que possam apresentar pequenas variações, contribuem em perspectiva para a percepção de pré-requisitos e objetivos de desenvolvimento e aprendizagem na relação com a faixa etária. São esses os períodos: Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 34 Quadro 1 - Períodos do desenvolvimento cognitivo para Piaget ESTÁGIO IDADE APROXIMADA CAPACIDADES Sensório-motor 0 a 2 anos Conhecimento do mundo baseado nos sentidos e habilidades motoras. Ao final do período, emprega representações mentais. Pensamento pré- operatório 2 a 6 anos Uso de símbolos, palavras, números para representar aspectos do mundo. Fase do egocentrismo, sendo o mundo resultado de sua percepção imediata. Pensamento operatório-concreto 7 a 11 anos Aplicação de operações lógicas a experiências centradas no imediato. Início da verificação das operações mentais. Pensamento operatório-formal Adolescência em diante Pensamento abstrato, derivações sobre situações hipotéticas, raciocínio dedutivo, planejamento e imaginação. Fonte: Elaborado pela autora com base em Piaget (1998). PSICOLOGIA SOCIAL: fundamenta a perspectiva convergente ao preconizar a singularidade do sujeito diante do seu contexto sociocultural: “cada um de nós tende a aprender de múltiplas e diferentes maneiras, construindo ativamente os conhecimentos nas interações com os outros ao longo de toda a vida” (NOGUEIRA, 2009, p. 18). Figura 10 - Epistemologia convergente – Visca Fonte: Elaborado pela autora (2019). Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 35 IMPORTANTE: A epistemologia convergente busca superar as visões inativas e ambientalistas, partindo de uma visão integradora do conhecimento, tendo como objetivo analisar as dificuldades de aprendizagem como resultados múltiplo casuais, para os quais cada vertente teórica apresenta subsídios mais adequados para o encaminhamento (VISCA, 1991). Da Psicologia Social, Visca (1987) utiliza-se de quatro conceitos básicos que permitem a flexibilidade no processo de avaliação. São eles: Figura 11 - Conceitos básicos da avaliação psicopedagógica clínica - Pichon Rivière Fonte: Elaborado pela autora com base em Visca (1987). Esses quatro elementos compõem a base para o trabalho psicopedagógico e podemos resumi-los em: capacidade analítica e de compreensão das capacidades e dificuldades dos sujeitos e dos grupos; condição de utilização das categorias conceituais no momento adequado; capacidade de elaborar e colocar em prática um plano de ação coerente com o perfil de quem se atende e de si próprio. Todas as ações teriam como objetivo a aprendizagem, essa compreendida como um processo complexo, amplo e dinâmico, Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 36 concebido por Visca (1987) em quatro diferentes níveis, processo denominado de “esquema evolutivo da aprendizagem”: • 1º nível ou protoaprendizagem: aprendizagem resultante dos primeiros vínculos, principalmente, da interação da criança com seu cuidador, com a mãe na maior parte dos casos. • 2º nível ou deuteroaprendizagem: aprendizagem resultante das interações e mediações no grupo familiar. • 3º nível ou aprendizagem assistemática: aprendizagem instrumental de técnicas e de recursos que permitem desempenho e convívio em uma comunidade restrita. • 4º nível ou aprendizagem sistemática: aprendizagem resultante da interação em espaços restritos, como por exemplo, as instituições escolares. Figura 12 - Aprendizagem para a vida Fonte: ©Pixabay. Para subsídio do trabalho do psicopedagogo, Visca (1987) afirma que, sendo a aprendizagem um processo que ocorre durante toda a vida, o vínculo inadequado do indivíduo ao objeto em qualquer uma dessas etapas poderá resultar em déficit ou obstáculos à aprendizagem, organizados por ele da seguinte forma: Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 37 Figura 13 - Quatro tipos de obstáculos à aprendizagem Fonte: Elaborado pela autora com base em Visca (1987). Compreendendo a estruturação que fundamenta a Epistemologia Convergente, é possível avançarmos para sua operacionalização prática. As Etapas do Diagnóstico Psicopedagógico Clínico: O Passo a Passo Para Bossa (2000, p. 94), “pensar o trabalho psicopedagógico na clínica remete, neste caso, igualmente à prática”. Sendo assim, é fundamental compreender o passo a passo de cada sessão do trabalho clínico e sua importância para o acompanhamento integral. Seguiremos a estrutura de percurso prevista a seguir: Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 38 Figura 14 - Sugestãode percurso psicoeducativo baseado na Epistemologia Convergente Fonte: Elaborado pela autora (2019). Entrevista Inicial Essa etapa tem como objetivo principal conhecer o estudante, seu percurso, seu contexto e suas demandas, bem como, apresentar e esclarecer o acompanhamento psicopedagógico. Podemos definir como objetivos específicos: • Identificar a criança (nome), filiação (pai, mãe), data de nascimento, endereço, nome do responsável. • Delimitar os motivos do atendimento – queixas. • Investigar o processo de aprendizagem durante o percurso de vida. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 39 • Investigar o nível socioeconômico e cultural da família. • Investigar sobre atendimentos anteriores. • Perceber e mensurar as expectativas da família e da criança. SAIBA MAIS: Existem modelos pré-definidos e você pode adequá-los às suas necessidades e a seu roteiro de entrevista. Para tanto, é importante pesquisar modelos e outros suportes já efetivos. Clique aqui para conhecer algumas possibilidades. Entrevista Operatória Centrada na Aprendizagem - EOCA A Entrevista Operatória Centrada na Aprendizagem ou EOCA é uma forma de primeira sessão diagnóstica proposta por Visca (1987). Nela: A intenção é permitir ao sujeito construir a entrevista de maneira espontânea, porém dirigida de forma experimental. Interessa observar seus conhecimentos, atitudes, destrezas, mecanismos de defesas, ansiedades, áreas de expressão da conduta, níveis de operatividade, mobilidade horizontal e vertical etc. (WEISS apud VISCA, 2007, p. 57) Nesse sentido, as propostas a serem desenvolvidas durante a EOCA, bem como o material utilizado terão variações de acordo com a idade e escolaridade do indivíduo. Esses materiais diversos relacionados à aprendizagem, tais como lápis, cola, revistas, papéis diversos, entre outros, são entregues e se oportuniza ao estudante que os explore livremente enquanto são observados os seguintes aspectos: reação, organização, apropriação, imaginação, criatividade, preparação, regras utilizadas, disposição, coordenação, entre outros. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem https://blog.psiqueasy.com.br/2018/05/29/o-que-fazer-na-1a-sessao-psicopedagogica/ 40 Algumas considerações ao psicopedagogo são fundamentais nesse processo: • Não realize perguntas ao entrevistado que fujam da proposta da EOCA. Caso a criança realize alguma pergunta, reconduza-a para a atividade. A entrevista não deve ser interrompida. • Fique atento à postura física da criança, ao processo de respiração, a direção do seu olhar e o que diz a respeito da realização da EOCA. • Realize a seleção adequada de material para a abordagem, evite recursos distantes do cotidiano da criança. • Evite demonstração de satisfação, insatisfação ou surpresa com desempenho da criança. Esse momento não se caracteriza pela aprovação ou desaprovação, apenas observe e registre. • Evite nomear os materiais, pois esse também é um elemento a ser observado na criança. • Permita que a criança aja com autonomia e independência. Por meio desse processo de investigação, será possível averiguar as primeiras barreiras a serem transpostas no que se relaciona às dificuldades de aprendizagem, permitindo ao psicopedagogo organizar suas hipóteses para seu plano de trabalho, que será subsidiado pelas diversas possibilidades de provas e testes, para as variedades de idades e níveis de desenvolvimento, a serem escolhidos mediante a necessidade do estudante atendido. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 41 Provas e Testes São várias as provas possíveis a serem utilizadas para o diagnóstico educativo, dentre elas, as do diagnóstico operatório piagetiano e as provas projetivas na perspectiva de Visca. As provas operatórias de Piaget são as seguintes: Figura 15 - Provas operatórias Fonte: Elaborado pela autora com base em Visca (1997). Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 42 Já as provas projetivas seguem a seguinte classificação: • Vínculos escolares. • Vínculos familiares. • Vínculos consigo mesmo. Cada prova tem um objetivo específico, que deve ser mensurado pelo psicopedagogo em seu plano de ação. De maneira geral, as provas operatórias permitem obter dados para o conhecimento do funcionamento e desenvolvimento das funções lógicas da criança, já as provas projetivas permitem perceber os conteúdos afetivos constitutivos do processo por meio de uma investigação projetiva. Anamnese (História de Vida) Para Weiss (2004), a anamnese é crucial para o diagnóstico, pois possibilita a integração do passado, presente e do futuro da criança. Essa etapa tem como objetivo obter dados contextuais do desenvolvimento do estudante, permitindo uma melhor compreensão da condição do caso observado. Espera-se, nessa etapa, informações relacionadas aos seguintes aspectos: • Aspectos gerais: nascimento, gravidez, parto, pós-parto. • Aprendizagens informais: atividades de vida diária, brincadeiras, relação com os pares, etc. • Relações familiares. • A evolução escolar. • A expectativa e o diagnóstico. • Interesses e habilidades. • Condições clínicas e de saúde. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 43 Figura 16 - A criança em sua totalidade Fonte: Pixabay. Informe Diagnóstico (Devolutiva) Por fim, temos o informe diagnóstico, a devolutiva, que tem como objetivo esclarecer a problemática da criança com base nas hipóteses levantadas durante o diagnóstico. É aqui que o psicopedagogo repassa à família os resultados da avaliação por meio do relatório psicopedagógico, constatando a dificuldade e o plano de ação para a acompanhamento dessa condição. Para Visca (1987, p. 87), é após a devolutiva que se inicia o processo corretor: “temos o termo corretor que é formado por ‘co’ e ‘reger’, sendo o primeiro elemento – ‘co’ − uma forma prefixal latina da preposição com, e o segundo – ‘reger’ −, a ação do correto funcionamento de um aparelho ou organismo”. No caso da Psicopedagogia, do processo da aprendizagem. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 44 RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que a abordagem proposta por Visca trata-se de uma avaliação psicopedagógica clínica, que é um processo complexo de investigação da aprendizagem informal ou formal, que pode ser de uma pessoa ou de um grupo. Que recebe o nome de Epistemologia Convergente por aliar subsídios da Psicanálise, da Epistemologia Genética, de Jean Piaget e da Psicologia Social, de Enrique Pichon Rivière, em consonância com um processo estruturado de investigação diagnóstica. Ainda, observamos que Visca propõe quatro elementos como base para o trabalho psicopedagógico, sendo eles: a capacidade analítica e de compreensão das capacidades e dificuldades dos sujeitos e dos grupos; a condição de utilização das categorias conceituais no momento adequado; a capacidade de elaborar e colocar em prática um plano de ação coerente com o perfil de quem se atende e de si próprio. Por fim, estruturamos o passo a passo do processo, apresentando e explicando cada uma das etapas: Entrevista inicial, Entrevista Operatória Centrada na Aprendizagem – EOCA, Provas e Testes, Anamnese e Informe diagnóstico. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 45 Abordagem Centrada na Pessoa e a Psicopedagogia OBJETIVO: Ao término deste item, você será capaz de compreender os fundamentos essenciais da Abordagem Centrada na Pessoa e como ela se articula à prática psicoeducativa. Isso será fundamental para o exercício de sua profissão ao propor trabalhos de intervenção não diretivos em brinquedotecas, indicando outras possibilidades de trabalho relacionadas à Psicopedagogia. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamoslá. Avante! Fundamentos da Abordagem Centrada na Pessoa A Abordagem Centrada na Pessoa - ACP deriva da corrente humanista e tem Carl Rogers como referencial teórico. Sua fundamentação não pretende ser uma filosofia nem uma teoria, mas uma forma específica de se relacionar com o outro com base “numa crença na potencialidade interna dos organismos [...] e num respeito pela individualidade e singularidade humanas” (GOBBI et al., 2005, p. 16), tendo três pressupostos básicos: • Concepção do homem alicerçada na corrente humanista da Psicologia, sendo esse, “em essência, um organismo digno de confiança” (ROGERS, 1989, p. 16). • Abordagem fenomenológica, que privilegia a experiência subjetiva da pessoa. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 46 • Relação como sendo essencial para o processo e possível apenas a partir do encontro efetivo entre pessoas. Figura 17 - Carl Rogers Fonte: Wikimedia commons Nesse sentido, o psicopedagogo assume o papel de facilitador e condutor, dividindo as responsabilidades com o aluno, motivando-o por meio de recursos variados, das experiências e de situações de seu interesse, propondo que, diante de experiências maleáveis e contextualizadas, O indivíduo aceite cada vez com maior facilidade a sua própria responsabilidade perante os problemas que tem de enfrentar, e sinta-se cada vez mais afetado pelo comportamento que perante eles manifestou. O diálogo interior torna-se mais livre, melhora a comunicação interna e reduz o bloqueio. (ROGERS, 2001, p.160-162) SAIBA MAIS: Carl Rogers, um psicólogo a serviço do estudante. Saiba mais sobre Carl Rogers, fundador da terapia não diretiva, que propunha que a tarefa do professor é liberar o caminho para que o estudante aprenda o que quiser, no artigo de autoria de Marcio Ferrari, para a Revista Nova Escola, disponível aqui. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem https://novaescola.org.br/conteudo/1453/carl-rogers-um-psicologo-a-servico-do-estudante 47 Assim, a aceitação e compreensão são fundamentais no processo psicoeducativos, cabendo ao psicopedagogo reconhecer a individualidade do indivíduo em aspectos emocionais, atitudinais e de crenças, mesmo que sejam divergentes dos seus, buscando compreender o significado do que está sendo dito por aquela pessoa. Nesse processo, os conceitos de Tendência Atualizante e Não diretividade são fundamentais para a compreensão da ACP. Tendência atualizante: é o eixo central da ACP. Diz respeito à tendência do organismo em desenvolver todas as suas potencialidades de maneira a favorecer sua conservação e enriquecimento. Não se restringe apenas às condições elementares de subsistência, tais como alimentação, respiração etc., e preside igualmente as atividades mais complexas como a diferenciação dos órgãos e funções e as aprendizagens de ordem intelectual, social e prática. Pode ser designada como “tendência realizadora”, pois condiz com a busca da manutenção, crescimento e reprodução do organismo em qualquer condição que se apresente. Não diretividade: faz referência à autocompreensão que, contrariando as correntes da época, preconizava a autonomia e a capacidade da pessoa. Rogers defendia que o sujeito tem o direito e é capaz de escolher qual direção seguir, de que forma operar seu comportamento, podendo se responsabilizar por si mesmo (ROGERS, 1989). É preciso esclarecer que “não diretiva” não é sinônimo de “ausência de diretivas”, mas, sim, representa uma mudança de responsabilidade do processo: do psicopedagogo para o estudante (GOBBI et al., 2005). IMPORTANTE: A não diretividade é, antes de tudo, confiança na capacidade de autodireção da pessoa. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 48 Processos Psicopedagógicos na Perspectiva da ACP Nesse sentido, em qualquer abordagem na perspectiva da ACP haverá a valorização da relação em detrimento do diagnóstico, ou seja, o processo psicoeducativo de alunos com dificuldades de aprendizagem não se satisfaz com o diagnóstico e a evidência da dificuldade do aluno, relacionando as lacunas e o que deve aprender. Para a ACP, as intervenções do psicopedagogo devem desde o início ser sustentadas para além da aplicação de técnicas e métodos, devendo privilegiar a qualidade da relação que se estabelece no contexto pedagógico, afinal, elas determinam não só a aprendizagem, como também o desenvolvimento pessoal do estudante. Rogers (1977) aponta a compreensão empática como fundamental nesse processo, sendo essa entendida da seguinte forma: Capacidade de se imergir no mundo subjetivo do outro e de participar na sua experiência, na extensão em que a comunicação verbal ou não verbal o permite. É a capacidade de se colocar verdadeiramente no lugar do outro, de ver o mundo como ele o vê. (ROGERS; KINGET, 1977 apud GOBBI et al., 2005, p. 47) Dessa forma, para que se estabeleça o processo psicoeducativo, são necessários: respeito, confiança, aceitação, autenticidade e tolerância; indispensáveis ao processo de aprendizagem, afinal, em um ambiente no qual essas atitudes imperam As pessoas desenvolvem uma maior autocompreensão, uma maior autoconfiança, uma maior capacidade de escolher os comportamentos que terão. Aprendem de modo mais significativo, são mais livres para ser e transformar-se. (ROGERS, 1983, p. 50) No entanto, a questão que precisamos avançar é: como aplicar na Psicopedagogia essa abordagem em forma de uma prática? Primeiramente, é reconhecida a importância do psicopedagogo em permitir aos estudantes que demonstrem seus interesses, afinal: O único aprendizado que influencia significativamente o comportamento é o aprendizado autodescoberto, auto apropriado. Um conhecimento autodescoberto, essa Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 49 verdade que foi pessoalmente apropriada e assimilada na experiência, não pode ser comunicada a outra pessoa. (ROGERS, 2001, p. 318) Ao demonstrar seus interesses, o psicopedagogo deve buscar articulá-los às aprendizagens significativas, aquelas que, por sua vez, conduzem a alguma modificação no comportamento. Sendo subjetiva, a aprendizagem deve respeitar a singularidade de cada indivíduo, assim, esse “contexto” é variável e deve ser pensado, compreendido e considerado pelo psicopedagogo, principalmente no fato de que não é possível exigir “que todos aprendam da mesma maneira e nem que pensem de forma igual, ela deve se organizar no e pelo indivíduo e não para o indivíduo” (ROGERS, 2001, p. 183). Enquanto métodos e técnicas, temos um vasto repertório que podemos utilizar consonantes à ACP, dentre eles a ludoterapia ou brinquedoterapia que têm potencial para atendimento de diversas idades. A brinquedoterapia tem como premissa a utilização dos espaços, tempos e objetos, a partir da brincadeira, enquanto recurso terapêutico. Propõe que a partir dos jogos e brincadeiras as crianças se expressem – sejam sentimentos, pensamentos, problemas, enfim, a vastidão do que as aflige, utilizando o brincar enquanto forma de comunicação. Ainda, nesse espaço de interações possíveis, a criança desenvolve autonomia, iniciativa e poder de decisão, podendo compreender o mundo e a si mesma. Figura 18 - Ludoteca Fonte: Wikimedia Commons. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 50 Na perspectiva da ACP, a utilização da brinquedoterapia ocorre de forma não diretiva, ou seja, a própria criança decide o caminho a ser trilhado, assume a responsabilidade desse processo e enfrenta os desafios para a resolução dos problemas que surgirão. Para o psicopedagogo, esse espaço se constitui como local de aceitação e compreensão da criança, é necessário que demonstre verdadeiro interesse, estabelecendo uma relação sincera, para que a criança se sinta confortável com suas escolhas, brincadeiras e expressões. Seu papel psicoeducativo é de escuta atenta, pontuando determinados comportamentos e mediando as explicaçõesnecessárias às demandas dessa criança, permitindo seu crescimento. Figura 19 - Autonomia Fonte: Wikimedia Commons. Garcia (2005) aponta oito princípios básicos para o trabalho com crianças em brinquedotecas na perspectiva da ACP, são eles: 1. Desenvolver relacionamento de confiança com a criança. 2. Aceitar a criança completamente, permitindo-a se sentir livre para expressar seus sentimentos, pensamentos e atitudes. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 51 3. Estabelecer um sentimento de permissividade, já que é a partir dele que a criança irá se sentir segura para se expressar e ter confiança para resolver as situações. 4. Promover reconhecimento e reflexão dos sentimentos, ou seja, conduzir a criança à percepção e reflexão sobre o seu comportamento, sem tentar aplicar uma interpretação, objetivando que ela o perceba. 5. Respeitar e entender que a escolha da criança e que as mudanças também dependem dela. 6. Permitir que a criança indique o caminho, legitimando a atitude não diretiva. A criança na sala de ludo brinca, brinca e brinca e com o passar das sessões fica explicito suas dificuldades, medos, frustrações, alegrias e tristezas. Ela mesma mostra o trajeto de sua caminhada e suas variadas estradas, ora com flores, ora com pedras, ora com sol, ora com chuva, com facilidades ou dificuldades ela vai descobrindo o que faz sentir-se melhor, e assim gradativamente vai crescendo e amadurecendo. (GARCIA, 2005, p. 194) SAIBA MAIS: Veja como montar um espaço para interação e brincadeiras, acesse o artigo “Como organizar a brinquedoteca”, disponível aqui. 7. Ter atenção e paciência, respeitando a diversidade de tempos e permitindo um ambiente libertador e tranquilizador. 8. Estabelecer limites para que a criança tenha consciência de sua responsabilidade, posto que é a partir da disciplina e dos limites que isso será possível. Na perspectiva da ACP, a ludoterapia/brinquedoterapia consiste em uma das estratégias possíveis que podem e devem ser empregadas pelo psicopedagogo com o objetivo de auxiliar o aluno na compreensão e aceitação de si mesmo, conduzindo a uma mudança que o permita Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem https://gestaoescolar.org.br/conteudo/334/como-organizar-a-brinquedoteca 52 suplantar suas dificuldades de aprendizagem. Entretanto, como evidenciamos desde o início, não há “receitas mágicas”, ensinar, aprender e superar desafios são processos tão complexos como a essência humana. O bom profissional é aquele que saberá perceber que cada criança é única e que a melhor abordagem, método ou teoria é aquela que contribui para a aprendizagem e desenvolvimento da criança em questão, portanto, tenha sempre o máximo de conhecimento em mãos. RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que a Abordagem Centrada na Pessoa - ACP deriva da corrente humanista e tem Carl Rogers como referencial teórico. Sua fundamentação não pretende ser uma filosofia nem uma teoria, mas uma forma específica de se relacionar com o outro, respeitando sua individualidade e singularidade. Prevê ao psicopedagogo o papel de facilitador e condutor, que divide as responsabilidades com o aluno, motivando-o por meio de recursos variados, das experiências e de situações de seu interesse, propondo que, diante de experiências maleáveis e contextualizadas, manifeste sua responsabilidade perante os problemas que tem de enfrentar. Tem como preceito o caráter não diretivo, relacionado à autocompreensão que, contrariando as correntes da época, preconiza a autonomia e a capacidade da pessoa, premissa que, antes de tudo, confia na capacidade de autodireção do indivíduo. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 53 Indica que o psicopedagogo deve buscar aprendizagens significativas, compreendendo o “contexto” como variável e que deve ser pensado, compreendido e considerado “no e pelo indivíduo e não para o indivíduo” (ROGERS, 2001, p. 183). Enquanto métodos e técnicas, vimos a brinquedoterapia como uma proposta integrativa que, tendo como premissa a utilização dos espaços, tempos e objetos a partir da brincadeira, permite à criança desenvolver autonomia, iniciativa e poder de decisão, compreendendo o mundo e a si mesma. Por fim, como evidenciamos desde o início, reforçamos que não há “receitas mágicas”, ensinar, aprender e superar desafios são processos tão complexos como a essência humana e o bom profissional é aquele que saberá perceber que cada criança é única e que a melhor abordagem, método ou teoria é aquela que contribui para a aprendizagem e desenvolvimento da criança em questão. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 54 REFERÊNCIAS BARBOSA, H. Psicomotricidade: otimizando as relações escolares. In: COSTALLAT, D. et al. A psicomotricidade otimizando as relações humanas. 2. ed. rev. São Paulo: Arte & Ciência, 2002. (Coleção Estudos Acadêmicos). BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. de L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. BOSSA, N. A. A psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. BRUNNER, R.; ZELTNER, W. Dicionário de psicopedagogia e psicologia educacional. 5. ed. 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Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem Conceitos e Limites da Abordagem Psicopedagógica História e Definição da Psicopedagogia Enquanto Área de Atuação Profissional Saberes e Práticas Relacionadas ao Psicopedagogo Identidade do Psicopedagogo Áreas de Investigação da Psicopedagogia Principais Teorias para a Abordagem Psicopedagógica Psicopedagogia e seu Corpo Teórico Teorias Comportamentalistas Teorias Cognitivistas Teorias Humanistas Epistemologia Convergente de Jorge Visca Fundamentação Teórica da Epistemologia Convergente As Etapas do Diagnóstico Psicopedagógico Clínico: O Passo a Passo Entrevista Inicial Entrevista Operatória Centrada na Aprendizagem - EOCA Provas e Testes Anamnese (História de Vida) Informe Diagnóstico (Devolutiva) Abordagem Centrada na Pessoa e a Psicopedagogia Fundamentos da Abordagem Centrada na Pessoa Processos Psicopedagógicos na Perspectiva da ACP
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