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PROCESSOS PSICOLÓGICOS BÁSICOS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Mapear o histórico do diagnóstico do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. > Relacionar transtornos mentais e atenção. > Identificar tratamentos para transtorno de déficit de atenção e hiperati- vidade. Introdução A atenção é uma das funções superiores do ser humano, sendo considerada um dos componentes mais importantes do desenvolvimento cognitivo. Tem um papel fundamental na vida dos indivíduos, pois reflete a sua capacidade de selecionar e extrair o estímulo mais importante em um dado momento. Assim, pode-se ressaltar que a atenção está relacionada à qualidade com que os indivíduos desempenham as tarefas no seu dia a dia. O transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é considerado um transtorno do neurodesenvolvimento, pois seus principais sintomas ocorrem ainda na infância. No TDAH, os sintomas são classificados em três categorias: desatenção, hiperatividade e impulsividade. Pode-se caracterizar o TDAH como um transtorno em que o indivíduo apresenta dificuldade no nível de atenção em relação ao que se espera para a sua idade. Neste capítulo, você vai estudar o contexto histórico que envolve o TDAH e seu diagnóstico ao longo dos anos, além da sua relação com os demais transtornos mentais e as possibilidades de tratamento. Atenção e intervenção clínica Maria Mabel Nunes de Morais Diagnóstico e contexto histórico do TDAH Crianças com sinais parecidos com o que hoje chamamos de TDAH foram observadas desde meados de 1900. Alguns médicos, como Alexander Crichton e George Still, começaram a perceber comportamentos diferentes em algumas crianças e se preocuparam em estudar mais a fundo os aspectos que levavam aquelas crianças a agirem de tal forma. O médico escocês Alexander Crichton foi o primeiro a descrever sintomas semelhantes aos que hoje consideramos sintomas de TDAH, como a dificuldade que as crianças tinham em prestar atenção a qualquer objeto, assim como dificuldades em atender às demandas escolares. No entanto, os estudos de Crichton não apresentaram a observação de sintomas relacionados à hiperatividade. Em 1902, George Still, um pediatra inglês, começou a estudar crianças inquietas, impulsivas e desatentas. Após a epidemia de encefalite que ocorreu entre os anos de 1919 e 1920, muitos médicos pediatras perceberam o aumento no número de pacientes com sintomas hiperativos. A partir disso, com o aumento de estudos na área, começou-se a pensar que tais dificuldades apresentavam alguma conexão com lesões cerebrais, sendo enfatizada a importância do entendimento sobre os fatores neurológicos ligados a esses sintomas. Por isso, começaram a ser estudados os fármacos que poderiam ser úteis para controlar esses sintomas, como a benzedrina para reduzir a inquietude e melhorar a capacidade de concentração e motivação das crianças (VALENÇA; NARDI, 2015). Já na década de 1970, alguns estudos acabaram apontando, além da difi- culdade de atenção, problemas para controlar os impulsos, como principais sintomas para essa síndrome. O CID-9 nomeou a síndrome que tinha essas características como Síndrome Hipercinética da Infância e descreveu os seguintes sintomas: curto período de atenção, distraibilidade, hiperatividade e extrema impulsividade, alterações do humor e agressividade. Foi apenas em 1980 que surgiu o termo transtorno de déficit de atenção (TDA) no DSM-III (APA, 1980). De acordo com o DSM-III, o TDA era classificado em dois tipos: com hi- peratividade e sem hiperatividade, mas todos com componente atencional presente (APA, 1980). Já em 1987, foi lançado o DSM-III revisado, e todos os sintomas do transtorno foram considerados igualmente importantes. Surgiu, além disso, o novo termo: transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). Nessa nova descrição, eliminou-se o subtipo “sem hiperatividade” e substitui-se pelo subtipo “indiferenciado” (APA, 1987). Atenção e intervenção clínica2 Os estudos sobre o transtorno foram avançando e suas definições também. Hoje, o TDAH é descrito no DSM-5, que apresenta uma lista de 18 sintomas: nove relacionados à desatenção, seis relacionados a hiperatividade, e três relacionados à impulsividade. Nessa nova versão, o termo “subtipo” foi re- tirado, optando-se por usar o termo “apresentação”. Dessa forma, temos apresentação com predomínio da desatenção, apresentação com predomínio da hiperatividade/impulsividade e apresentação combinada (APA, 2014). Confira no Quadro 1 todos os critérios para o diagnóstico do TDAH de acordo com as recomendações do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5). Quadro 1. Critérios para o diagnóstico do TDAH Desatenção Seis (ou mais) dos seguintes sintomas persistem por pelo menos seis meses em um grau que é inconsistente com o nível do desenvolvimento e têm impacto negativo diretamente nas atividades sociais e acadêmicas/profissionais: frequentemente não presta atenção em detalhes ou comete erros por descuido em tarefas escolares, no trabalho ou durante outras atividades, como negligên- cia, não atenção aos detalhes, trabalho impreciso; frequentemente tem dificuldade de manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas, como dificuldade de manter o foco durante aulas, conversas ou leituras prolongadas; frequentemente parece não escutar quando alguém lhe dirige a palavra direta- mente, como parecer estar com a cabeça longe, mesmo na ausência de qualquer distração óbvia; frequentemente não segue instruções até o fim e não consegue terminar trabalhos escolares, tarefas ou deveres no local de trabalho, como começar as tarefas, mas rapidamente perder o foco e facilmente perder o rumo; frequentemente tem dificuldade para organizar tarefas e atividades, como dificuldade em gerenciar tarefas sequenciais, dificuldade em manter materiais e objetos pessoais em ordem, apresentar trabalho desorganizado e desleixado, mau gerenciamento do tempo, dificuldade em cumprir prazos; frequentemente evita, não gosta ou reluta em se envolver em tarefas que exijam esforço mental prolongado, como trabalhos escolares ou lições de casa, pre- paro de relatórios, preenchimento de formulários, revisão de trabalhos longos; frequentemente perde coisas necessárias para tarefas ou atividades, como materiais escolares, lápis, livros, instrumentos, carteiras, chaves, documentos, óculos, celular; (Continuação) Atenção e intervenção clínica 3 Desatenção com frequência é facilmente distraído por estímulos externos, como por pensa- mentos não relacionados; com frequência se esquece de atividades cotidianas, como realizar tarefas e obrigações, retornar ligações, pagar contas, manter horários agendados. Hiperatividade e impulsividade Seis (ou mais) dos seguintes sintomas persistem por pelo menos seis meses em um grau que é inconsistente com o nível do desenvolvimento e têm impacto negativo diretamente nas atividades sociais e acadêmicas/profissionais: frequentemente remexe ou batuca as mãos ou os pés ou se contorce na cadeira; frequentemente se levanta da cadeira em situações em que se espera que permaneça sentado, como sair do seu lugar em sala de aula, no escritório ou em outro local de trabalho ou em outras situações que exijam que se permaneça em um mesmo lugar; frequentemente corre ou sobe nas coisas em situações em que isso é inapropriado; com frequência é incapaz de brincar ou se envolver em atividades de lazer calmamente; com frequência apresenta muito agitação, agindo como se estivesse “com o motor ligado”, como se sentir desconfortável em ficar parado por muito tempo, por exemplo, em restaurantes e reuniões (outros podem ver o indivíduo como inquieto ou difícil de acompanhar); frequentemente fala demais; frequentemente deixa escapar uma resposta antes que a pergunta tenha sido concluída, como terminar frases dos outros, não conseguir aguardar a vez de falar; frequentemente tem dificuldade para esperar a sua vez, como aguardarem uma fila; frequentemente interrompe ou se intromete, como meter-se nas conversas, jogos ou atividades, começar a usar as coisas de outras pessoas sem pedir ou receber permissão, intrometer-se ou assumir o controle no que outros estão fazendo. Fonte: Adaptado de American Psychiatric Association (APA, 2014). (Continua) Atenção e intervenção clínica4 O contexto histórico científico do TDAH se faz importante para entender melhor como chegamos ao processo de diagnóstico que fazemos atualmente. É importante ressaltar que o diagnóstico do TDAH é essencialmente clínico, tendo apoio dos critérios de diagnóstico do DSM-5 que foram apresentados no Quadro 1. No entanto, alguns fatores podem estar influenciando o compor- tamento das crianças e devem ser considerados como fatores de risco para TDAH, tais como: mudança no ambiente familiar, grande número de crianças em sala de aula e o avanço tecnológico. Esses fatores podem influenciar para o diagnóstico de TDAH de forma precipitada. Por isso, é necessária uma avaliação ampla e multiprofissional (MEDEIROS et al., 2012). Deve-se ampliar a discussão sobre o diagnóstico do TDAH para além dos critérios clínicos apresentados no DSM-5, considerando os contextos histórico, social, familiar e cultural em que a criança está se desenvolvendo. Só assim será possível compreendermos o transtorno em sua completude e alinhar a melhor forma de intervenção para a criança. TDAH e outros transtornos mentais Estima-se que o TDAH seja uma das principais fontes de encaminhamento das crianças em idade escolar para consultas com neuropediatras. Por muitas vezes, essa condição do neurodesenvolvimento é acompanhada de algum outro transtorno, seja de aprendizagem, seja psiquiátrico (ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016). O TDAH inicia na primeira infância e pode permanecer na idade adulta, ocorrendo em 10–60% dos casos (ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016). Há, além disso, maior probabilidade de estar atrelado a outros transtornos mentais. Sendo o TDAH o transtorno principal, os demais transtornos que apresentam manifestação comportamental junto aos sintomas do TDAH são considera- dos comorbidades clínicas. As mais comuns são os seguintes: transtorno de aprendizagem, transtorno opositor desafiador, transtorno da conduta, transtorno de ansiedade, transtornos de humor e transtorno relacionado ao abuso de substâncias (COSMO; SENA; ARAÚJO, 2015). Por isso, é importante que sejam realizados diagnósticos precisos, em relação tanto ao TDAH quanto à comorbidade que o indivíduo possa apresentar, para que o planejamento do manejo terapêutico consiga alcançar todas suas esferas e dificuldades (ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016). O Quadro 2 apresenta as principais comorbidades que podem ser encon- tradas no TDAH. Atenção e intervenção clínica 5 Quadro 2. TDAH: comorbidades Comorbidade Prevalência Transtorno de aprendizagem 19 a 26% dos casos Transtorno opositor desafiador Em torno de 60% dos casos Transtorno da conduta 30 a 50% dos casos Transtorno de ansiedade 25 a 40% dos casos Transtorno do humor 50% dos casos Abuso de substâncias 11,1% dos casos Fonte: Adaptado de Cosmo, Sena e Araújo (2015). De acordo com os estudos atuais sobre os transtornos, a apresentação clínica e sintomática de mais de um transtorno no indivíduo não tem ocor- rência rara. Na verdade, a ocorrência de transtornos isolados, ou seja, sem comorbidades, é que não é tão comum. De fato, o transtorno de atenção mais prevalente em crianças em idade escolar é o TDAH. Por isso, é comum que essas crianças apresentem dificuldades de aprendizagem, já que o TDAH afeta o desenvolvimento de várias habilidades cognitivas, como atenção, memória, planejamento, autorregulação e controle inibitório. Sendo esse transtorno acompanhado de uma comorbidade, a dificuldade no desenvolvimento pode ser ainda maior (ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016). Nas subseções seguintes, você vai acompanhar a relação do TDAH com diversos outros transtornos, entendendo como pode aparecer nas crianças em forma de comorbidades e compreender como ocorre um diagnóstico diferencial. TDAH e transtorno opositor desafiante O transtorno opositor desafiante (TOD) é caracterizado por apresentar padrões de oposição desafiantes na idade pré-escolar que se prolongam durante o ensino fundamental. As crianças desenvolvem relacionamentos difíceis com os professores, pais e outras figuras de autoridade. Além disso, o indivíduo pode apresentar humor instável, com irritabilidade fácil, podendo ter crises de raiva incontroláveis (COSMO; SENA; ARAÚJO, 2015; ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016). Atenção e intervenção clínica6 O TDAH pode ser confundido com o TOD, mas, no TDAH, o indivíduo evita a escola ou atividades laborais por apresentar dificuldades em manter sua atenção sustentada na realização de tarefas e não por não se adequar ou se ajustar às demandas das pessoas que o cercam, como ocorre no TOD (VALENÇA; NARDI, 2015). TDAH e transtorno de ansiedade A associação do transtorno de ansiedade com o TDAH ocorre de uma forma bem específica. As crianças com TDAH e ansiedade tendem a apresentar pior desempenho escolar, pior autoestima e menor capacidade de memória de trabalho quando comparadas às crianças sem a comorbidade da ansiedade (FERREIRA-GARCIA, 2015). Além disso, “[…] os sintomas de ansiedade parecem estar correlacionados com características clínicas menos impulsivas, mas não indicam menor interferência nas atividades cotidianas ou melhor prognóstico” (FERREIRA-GARCIA, 2015, p. 110). Para que seja possível um tratamento adequado diante desse quadro combinado, é importante que, na avaliação, sejam realizadas perguntas que remetam a situações que deixem a criança assustada, preocupada ou ansiosa em diversos contextos. É importante realizar entrevistas com os pais e professores da criança (FERREIRA-GARCIA, 2015). TDAH e transtornos de humor Os transtornos de humor (THs) aparecem como comorbidades no TDAH em 50% dos casos, sendo mais comum os seguintes: transtorno depressivo maior, transtorno bipolar, transtorno ciclotímico e transtorno distímico. Apesar de ter uma ocorrência frequente, essas comorbidades, muitas vezes, são subestimadas. Isso ocorre porque, na maioria dos casos, não é realizado o diagnóstico preciso, e o indivíduo acaba sendo diagnosticado apenas com TDAH ou com algum dos THs. Isso dificulta o tratamento adequado para o caso (COSMO; SENA; ARAÚJO, 2015). Transtorno bipolar O transtorno bipolar (TB) caracteriza-se por ser uma condição crônica em que ocorre um período de baixa do humor (depressão) e outro de elevação do humor (mania ou hipomania). Ocorre também a irritabilidade e o descon- trole de impulsos diante de frustrações (APA, 2014). Entre TDAH e TB, temos Atenção e intervenção clínica 7 alguns sintomas em comum, como falar em excesso, agitação, labilidade afetiva, distração e impulsividade. No entanto, é possível diferenciá-los, pois o indivíduo com TB pode apresentar humor elevado, grandiosidade, pensamento acelerado, diminuição da necessidade do sono (quando na mania ou na hipomania) e irritabilidade (quando na fase da depressão) (APA, 2014; COSMO; SENA; ARAÚJO, 2015). Transtorno depressivo maior O transtorno depressivo maior (TDM) é uma condição em que o indivíduo apresenta diminuição do interesse em fazer as coisas, humor deprimido, perda ou ganho de peso, insônia ou hipersonia, agitação ou retardo psicomotor, fadiga ou perda de energia e sentimentos de inutilidade ou culpa (APA, 2014). O TDM e o TDAH apresentam alguns sintomas em comum, como diminuição da atenção, da memória e concentração (APA, 2014; COSMO; SENA; ARAÚJO, 2015). Para efeitos do diagnóstico diferencial entre os THs e o TDAH deve-se considerar a capacidade atencional e o controle motor, observando a frequência, a duração, a persistência e a constância dos sintomas (COSMO; SENA; ARAÚJO, 2015). O diagnóstico correto é imprescindível para o tratamento adequado. Não há dúvidasde que as comorbidades psiquiátricas em doenças neu- robiológicas são eventos comuns. Por isso, devem ser avaliadas com clareza, sendo complementares na avaliação da psiquiatria infantil à neuropediátrica. Tratamento para o TDAH Na presente seção, serão apresentadas as principais formas de tratamento e intervenção para o TDAH. Para tanto, abordaremos o quadro clínico desse transtorno, sua principal apresentação neuropsicológica e, por fim, os métodos de tratamento considerados eficazes atualmente. O quadro do TDAH é caracterizado por alterações comportamentais sig- nificativas. O indivíduo vai apresentar fragilidade no componente atencional e terá dificuldades para prestar atenção nos detalhes, tendo uma maior probabilidade de apresentar erros nas atividades escolares, bem como di- ficuldades para acompanhar instruções longas e para permanecer atento até o final da tarefa (ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016). Em relação ao perfil Atenção e intervenção clínica8 neuropsicológico do indivíduo, uma discussão ampla vem sendo o foco de muitos estudiosos. Algumas dificuldades relacionadas às funções executivas têm sido documentadas, principalmente nos componentes de planejamento, organização, flexibilidade cognitiva e controle inibitório. Além disso, também é comum que o sujeito apresente dificuldades relacionadas à memória de trabalho (operacional) (MEDEIROS, et al., 2012; ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016). Além das dificuldades cognitivas, o indivíduo pode apresentar com- portamento hiperativo, sendo observada atividade motora intensa durante a maior parte do tempo. Apresenta comportamento de agitar as mãos ou pés, remexer-se na cadeira, não conseguir permanecer sentado e falar muito. Já os comportamentos gerados pela impulsividade podem aparecer na dificuldade de aguardar a sua vez, responder à pergunta antes do término ou intrometer-se na conversa do outro (APA, 2014; ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016). Após realizar o diagnóstico de TDAH, é importante deixar claro para o paciente e familiares que esse é um problema crônico (ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016) e que o objetivo do tratamento não é curá-lo, mas melhorar sua qualidade de vida e ajudar a diminuir o sofrimento. Além disso, os tratamentos podem contribuir para reorganizar o seu comportamento e possibilitar um rendimento satisfatório no meio familiar, na escola e na sociedade (ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016). O diagnóstico e o tratamento devem ser realiza- dos por uma equipe multidisciplinar. Cada tratamento deve ser planejado individualmente levando em consideração os sintomas predominantes, as comorbidades, o nível de desenvolvimento, sexo, idade, ambiente familiar e ambiente escolar. O tratamento farmacológico pode ser necessário. O que irá justificar o uso de medicamentos em crianças com TDAH é se há prejuízos no desempenho escolar e/ou dificuldades nos relacionamentos interpessoais. Vale ressaltar que o tratamento farmacológico se diferencia dependendo da presença ou não de comorbidades como as citadas anteriormente (BARBIRATO et al., 2015; ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016). Quando há TDAH sem comorbidade, inicia-se o tratamento com psicoestimulantes com o objetivo de diminuir a impulsividade e a atividade motora, aumentar a vigilância, melhorar o de- sempenho da memória e, consequentemente, os desempenhos acadêmico e social (ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016). A prescrição dos fármacos, quando houver necessidade, deve ser realizada pelos neuropediatras e/ou psiquiatras. Confira no Quadro 3 os principais fármacos utilizados no tratamento do TDAH. Atenção e intervenção clínica 9 Quadro 3. TDAH: tratamento farmacológico Fármacos Doses usadas em crianças Mentilfenidato 0,25–2 mg/kg/dia D-anfetamina 0,2–0,5 mg/kg/dia Imipramina 1–2 mg/kg/dia Pemoline 37,5 mg/kg/dia Deanol 15–20 mg/kg/dia Nortriptilina 1–3 mg/kg/dia Amitriptilina 0,5–2 mg/kg/dia Clorimipramina 1–3 mg/kg/dia Fluoxetina 0,5–2 mg/kg/dia Bupropiona 1–5 mg/kg/dia Atomexetina 1,2–1,9 mg/kg/dia Fonte: Adaptado de Rotta, Ohlweiler e Riesgo (2016). É imprescindível que o tratamento farmacológico seja associado ao trata- mento psicoterápico. O psicólogo pode contribuir no processo de adesão ao tratamento medicamentoso, além de apresentar intervenções associadas aos demais transtornos psiquiátricos, como ansiedade, depressão e bipolaridade. Além disso, deve haver intervenção com outros profissionais, como neurop- sicólogo, professores e psicopedagogos. O intuito do acompanhamento com a equipe é repensar as estratégias de aprendizagem diante das dificuldades apresentadas pela criança. Por isso, esse acompanhamento deve ser pensado de forma individualizada. Acompanhe o exemplo de caso a seguir para que você possa com- preender como o TDAH aparece na prática clínica. H., oito anos de idade, sexo masculino, atualmente cursa o 4º ano do ensino fundamental em uma escola pública. A criança foi trazida pela mãe para uma avaliação neuropsicológica com objetivo de identificar áreas de maior compro- metimento, especificamente com relação às funções executivas. À época da avaliação, H. já tinha o diagnóstico de TDAH, dado por uma equipe multidisciplinar Atenção e intervenção clínica10 quando tinha sete anos de idade. As queixas principais relatadas pela mãe do paciente referem-se à desatenção e a constantes brigas na escola, além de comportamentos de enfrentamento dentro de casa. H. também apresenta dificuldades escolares (SEABRA; DIAS, 2012). Nesse exemplo de caso, é possível perceber que, apesar de o TDAH ser um transtorno relacionado ao déficit na atenção, pode prejudicar também o desenvolvimento das funções executivas, principalmente planejamento, controle inibitório, flexibilidade cognitiva e memória de trabalho, como já foi mencionado neste capítulo. Por isso, é importante que se faça o mapeamento das funções cognitivas do indivíduo para termos um panorama para o processo de intervenção e tratamento. Ao longo desse capítulo você pode amadurecer seu conhecimento sobre o TDAH. No decorrer do percurso histórico, foi possível entender como esse transtorno foi amadurecendo por meio de estudos científicos até chegar na nomenclatura e no quadro clínico que temos hoje, sendo parte fundamental para realizar o diagnóstico e o tratamento de forma adequada. Considerando que o TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento e seu início se dá em idade escolar, é comum encontrarmos crian- ças com TDAH que apresentam dificuldades nos processos de aprendizagem escolar. Os déficits na atenção de forma significativa podem comprometer o rendimento na escola. Por isso, é importante refletir sobre a importância de manter a criança na escola regular, com intuito de potencializar a educação inclusiva e a diversidade no estilo de aprendizagem de todos os alunos (ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016). Referências APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-III. Porto Alegre: Artmed, 1980. APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-III-R. Porto Alegre: Artmed, 1987. APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. BARBIRATO, F. et al. Tratamento farmacológico com estimulantes no transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. In: NARDI, A. E.; QUEVEDO, J.; SILVA, A. G. (org.). Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: teoria e clínica. Porto Alegre: Artmed, 2015. p. 171-176. COSMO, C. S. A.; SENA, E. P.; ARAÚJO, A. N. Comorbidades no transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: transtornos do humor. In: NARDI, A. E.; QUEVEDO, J.; SILVA, A. G. (org.). Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: teoria e clínica. Porto Alegre: Artmed, 2015. cap. 5. Atenção e intervenção clínica 11 FERREIRA-GARCIA, R. Comorbidades no transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: transtornos de ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno do estresse pós-traumático. In: NARDI, A. E.; QUEVEDO, J.; SILVA,A. G. (org.). Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: teoria e clínica. Porto Alegre: Artmed, 2015. cap. 11. MEDEIROS, N. A. et al. Transtorno do déficit de atenção/hiperatividade e funções executivas: estudos de casos. In: SEABRA, A. G.; DIAS, N. M. (org.). Avaliação neuropsi- cológica cognitiva: atenção e funções executivas. São Paulo: Memnon, 2012. cap. 18. ROTTA, N. T.; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. S. (org.). Transtornos da aprendizagem: aborda- gem neurobiológica e multidisciplinar. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016. SEABRA, A. G.; DIAS, N. M. (org.). Avaliação neuropsicológica cognitiva: atenção e funções executivas. São Paulo: Memnon, 2012. VALENÇA, A. M.; NARDI, A. E. Histórico do diagnóstico do transtorno. In: NARDI, A. E.; QUEVEDO, J.; SILVA, A. G. (org.). Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: teoria e clínica. Porto Alegre: Artmed, 2015. cap. 1. Atenção e intervenção clínica12
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