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Unidade 2 Livro Didático Digital Toxicologia Analítica: Clínica e Forense Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Gerente Editorial CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA Projeto Gráfico TIAGO DA ROCHA Autoria FLÁVIA DEFFERT AUTORIA Flávia Deffert Olá! Sou formada em Farmácia pela Universidade Federal do Paraná, onde também cursei o Mestrado em Ciências Farmacêuticas. Já dei aulas para o Ensino Técnico e Graduação de Elementos de Farmacologia e Farmacotécnica. Hoje, curso pós-graduação lato sensu em Gestão por Processos e da Qualidade e em Gestão de Serviços de Saúde na FAE Business School. Sou apaixonada por aprender e por ensinar. Amo o que faço e pretendo fazer a diferença na sua profissão. Por isso, fui convidada pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte comigo! ICONOGRÁFICOS Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: OBJETIVO: para o início do desenvolvimento de uma nova compe- tência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de se apresentar um novo conceito; NOTA: quando forem necessários obser- vações ou comple- mentações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações escritas tiveram que ser priorizadas para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofundamen- to do seu conheci- mento; REFLITA: se houver a neces- sidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou dis- cutido sobre; ACESSE: se for preciso aces- sar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso se fazer um resumo acumulativo das últi- mas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma atividade de au- toaprendizagem for aplicada; TESTANDO: quando o desen- volvimento de uma competência for concluído e questões forem explicadas; SUMÁRIO Princípios de Toxicocinética ................................................................... 10 Conceitos .............................................................................................................................................. 10 Toxicocinética ..................................................................................................................................... 13 Absorção e distribuição ........................................................................... 19 Absorção ................................................................................................................................................ 19 Vias de exposição ou administração de substâncias químicas 21 Biodisponibilidade .......................................................................................................22 Distribuição ..........................................................................................................................................24 Armazenamento de substâncias químicas ...............................................26 Barreiras físicas contra xenobióticos .............................................................27 Biotransformação e excreção ................................................................30 Biotransformação ........................................................................................................................... 30 Hidrólise ..............................................................................................................................32 Redução ..............................................................................................................................34 Oxidação .............................................................................................................................35 Conjugação...................................................................................................................... 38 Excreção ............................................................................................................................................... 40 Excreção renal ............................................................................................................... 40 Excreção fecal ............................................................................................................... 41 Excreção via leite materno ....................................................................................42 Excreção via ar exalado ...........................................................................................43 Toxicodinâmica ............................................................................................44 7 UNIDADE 02 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 8 INTRODUÇÃO A Toxicologia é uma ciência milenar que estuda todas as substâncias que possam causar algum tipo de efeito no organismo seja em nós, humanos, como também, nos animais e nas plantas. Como já diria o pai da Medicina, Paracelso: “Dosis sola facit venenum” – “Somente a dose faz o veneno. Paracelso, no século XV, já afirmava o que hoje conhecemos como “excessos”, “fatores de risco”, “substâncias potencialmente carcinogênicas”, causadores de morte por intoxicação. A Toxicologia Analítica é uma ferramenta que dá suporte a diversas áreas da Toxicologia, tais como a clínica, a ambiental, a forense, a ocupacional e a de alimentos. Nesse sentido, Paracelso, também, afirmou: “Todos são interligados. O céu e a terra, ar e água. Todos são, uma só coisa; não quatro, e não duas, e não três, mas um. Se não estiverem juntos, há apenas uma peça incompleta”. Isso nos faz refletir, sobre o equilíbrio causado pela quantidade, pelo que é bom e o que é ruim, sofre a falta e excesso na vida de um organismo. Doenças, intoxicações, drogas lícitas, drogas de abuso, plantas, gases, radiação, suicídio e homicídio são algumas das palavras-chave para o nosso trabalho! Chamaram a sua atenção? Pois agora é hora de explorá- las! Vamos lá? Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 9 OBJETIVOS Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 2. Nosso objetivo é auxiliar você no desenvolvimento dos seguintes objetivos de aprendizagem até o término desta unidade letiva: 1. Explicar os princípios de Toxicocinética. 2. Compreender a absorção e a distribuição na Toxicocinética. 3. Compreender a biotransformação e excreção na Toxicocinética. 4. Reconhecer a toxicodinâmica. Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento? Ao trabalho! Como o estimado cientista Albert Einsten certa vez afirmou “A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original”. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 10 Princípios de Toxicocinética OBJETIVO: Ao final deste capítulo, você será capaz de explicar os princípios de Toxicocinética. Com isso, teremos a base para compreender assuntos mais complexos, que empregam vocabulário próprio e conceitos que, para quem não é da área, podem ser difíceis. Então, vamos que vamos! Conceitos Vamos revisar rapidamente alguns conceitos antes de continuarmos com o nosso próximo assunto, ok? a. Toxicologia: ciência que estuda os efeitos nocivos decorrentes de interações de substâncias químicas em organismos vivos. b. Efeito nocivo: substância que cause transtornos das capacidades funcionais ou da capacidade do organismo para compensar uma nova exposição; diminui a capacidade do organismo de manter a homeostasia, reversíveis ou irreversíveis; aumenta a suscetibilidade aos efeitos indesejáveis de outros fatores ambientais como outros agentes químicos, físicos, biológicos ou sociais. c. Agente tóxico ou toxicante: entidade química capaz de causar dano ao sistema biológico, alterando uma função ou levar à morte. d. Veneno: substância (ou substâncias químicas)que provoca a intoxicação ou morte em baixas doses. e. Droga: toda substância capaz de modificar o sistema ou estado fisiológico e patológico com ou sem intenção de benefício ao sistema biológico. f. Fármaco: substância de estrutura química definida que altera o sistema fisiológico ou patológico e pode ser utilizada para o diagnóstico ou tratamento para o benefício do organismo vivo ao qual foi administrado. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 11 g. Antídoto: agente capaz de antagonizar os efeitos tóxicos de substâncias. h. Toxicidade: capacidade dos agentes tóxicos de promoverem injúrias às estruturas biológicas, por meio de interações físico- químicas. i. Ação tóxica: maneira pela qual um agente tóxico exerce sua atividade sobre as estruturas teciduais. j. Risco: probabilidade estatística de uma substância química provocar efeitos nocivos em condições definidas de exposição. k. Intoxicação: processo patológico causado por substâncias químicas endógenas ou exógenas e caracterizadas por alterações bioquímicas no organismo. l. Xenobiótico: substância química estranha ao organismo vivo. VOCÊ SABIA? A Toxicologia pode ser dividida de acordo com os campos de trabalho. A Toxicologia Analítica trata da detecção do agente químico ou de seus metabólitos para prevenir ou diagnosticar as intoxicações. No aspecto forense, a Toxicologia tem a finalidade de detecção e identificação de agentes tóxicos para fins médico-legais em material biológico ou outros materiais diversos. A Toxicologia Analítica também é o ramo responsável pelo monitoramento terapêutico para o acompanhamento de pacientes submetidos a tratamentos prolongados a fim de correção de doses, da farmacoterapia, ou da avaliação do risco causado por tratamento de baixo índice terapêutico. Em tempos de Olimpíadas e Copas do Mundo muito se houve falar de doping, a Toxicologia Analítica também realiza a identificação e a quantificação dessas drogas para o aumento de desempenho em esportes. O controle antidopagem será assunto para outro momento. Já a Toxicologia Ambiental trata do controle de agentes tóxicos presentes no meio ambiente e que, por muitas vezes, são gerados pelos próprios homens - poluentes. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 12 A Toxicologia Biológica ou Ocupacional preocupa-se com a exposição ocupacional às substâncias químicas, por meio de análises para a detecção pré e pós exposição ao tóxico, além de maneira curativa/ terapêutica. O diagnóstico laboratorial da intoxicação, aguda ou crônica, representa uma importante ferramenta aos médicos para a escolha do tratamento e do acompanhamento do paciente. Outro campo de atuação é no controle da farmacodependência para o controle terapêutico do uso de drogas psicoativas, ilícitas ou não, como para a verificação do uso. Todas essas aplicações da Toxicologia Analítica têm muita correlação com a Toxicologia Clínica ou Médica, desempenhando um papel relevante no diagnóstico das intoxicações e identificação de agentes tóxicos. Assim, o objeto de estudo da Toxicologia é a intoxicação e os agentes tóxicos, sua finalidade é o diagnóstico, o tratamento e a prevenção das intoxicações. Por fim, as fases da intoxicação podem ser didaticamente descritas como: 1. Fase de exposição – fase em que alguma das superfícies do organismo, seja interna ou externa, entra em contato com o toxicante. Na fase de exposição é importante notar qual a área do organismo que foi exposta, a qual concentração do agente tóxico, por quanto tempo e por quantas vezes. Também, são importantes a via de introdução e as propriedades físico-químicas da substância. Essas características, veremos nessa unidade, são fatores que afetam a disponibilidade do xenobiótico do organismo; 2. Fase toxicocinética – essa fase inclui todos os processos entre a absorção e a excreção do agente tóxico, passando pela distribuição, biotransformação e armazenamento, em alguns casos. Na fase toxicocinética, poderemos verificar qual a biodisponibilidade daquela substância no organismo; 3. Fase toxicodinâmica – compreende a interação entre as moléculas da substância química com sítios de ação/receptores causando respostas bioquímicas e, posteriormente, fisiopatológicas; Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 13 4. Fase clínica – há a apresentação de sinais e sintomas, com alterações fisiopatológicas detectáveis por meio de análises laboratoriais e físicas que caracterizam a interação do agente tóxico com o organismo. Agora que revisamos e aprendemos mais alguns conceitos, vamos dar continuidade ao nosso trabalho! SAIBA MAIS: Os livros base utilizados para a elaboração desse material foram: Fundamentos de Toxicologia de Casarett e Doull, dos autores Klaassen e Watkins (2012), e Fundamentos de Toxicologia, de Seizi Oga e colaboradores (2014). Toxicocinética DEFINIÇÃO: A Toxicocinética, da mesma forma que a farmacocinética, trata das fases de absorção, distribuição, biotransformação e excreção do fármaco ou agente tóxico. Essa fase envolve reações que tornam as substâncias disponíveis para a ação nos receptores. Assim, é fácil supor que as características físico-químicas das substâncias e de seus metabólitos possam influenciar em cada etapa da toxicocinética. Outros fatores que estão relacionados ao organismo daquele que foi exposto também pode causar alterações na forma que o agente tóxico ou seus metabólitos se deslocam pelo corpo. IMPORTANTE: É importante reforçar que a fase de toxicocinética e toxicodinâmica são as mesmas da farmacocinética e farmacodinâmica. Lembra do que Paracelso falou? A diferença é a dose. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 14 No caso dos fármacos, são substâncias químicas que são ingeridas com a intenção de curar ou tratar. Já, em relação aos agentes tóxicos, na maior parte das vezes, não são intencionalmente absorvidos pelo organismo e causam alterações e disfunções fisiológicas podendo acarretar, inclusive, na morte do indivíduo. Assim, ao longo dessa unidade se houver alguma ilustração que apresente um fármaco qualquer, pode-se considerar, também, como se fosse um agente tóxico e vice-versa. Figura 1 – Representação esquemática da toxicocinética Fármaco no local da administração 1 – Absorção (entrada) 3 – Biotransformação 2 – Distribuição 4 – Excreção (saída) Fármaco e/ou metabólito(s) na urina, bile. Lágrima, leite, saliva, suor ou fezes Fármaco no plasma. Fármaco nos tecidos. Metabólito(s) nos tecidos. Fonte: Adaptado de Whalen, Finkel e Panavelli (2016). Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 15 VOCÊ SABIA? O organismo de um ser vivo, pluricelular tem como unidade fundamental a célula, a qual liga-se intimamente a outras para a formação dos tecidos e órgãos? Pois é, cada célula tem sua maquinaria própria e são nelas que estão presentes os receptores celulares. Para que qualquer substância alcance a esses receptores, inicialmente, é necessário que haja o transporte da substância da parte externa do organismo, órgão ou tecido para a parte interna. A pele, os pulmões e o sistema digestório são as principais barreiras protetoras de organismos vivos, como os mamíferos, de um grande número de toxicantes. Alguns outros, como os agentes tóxicos e os corrosivos – bases, ácidos e agentes oxidantes – podem atuar diretamente na pele. Se pensarmos em medicamentos, essas barreiras são muito estudadas para que os fármacos possam transpô-las eficientemente e passar à corrente sanguínea. Então, usualmente, seja um agente tóxico ou seja um fármaco, há necessidade de que haja a transposição dessas barreiras para a entrada na corrente sanguínea e, após, dentro do próprio organismo. Por um tecido, a substância pode ser transportada por entre células, como por dentro das células. O transporte por dentro das células é muito mais lento que o por entre as células. No caso da pele, ainda podehaver o transporte para dentro do organismo por meio dos anexos, ou seja, orifícios pilossebáceos e, ainda, glândulas sudoríparas. As membranas celulares medem aproximadamente 7,5 a 10 nanômetros de espessura e são elásticas. São compostas por uma dupla camada de fosfolipídios, com porções externas hidrofílicas e internas hidrofóbicas. Nas membranas, diversas proteínas se espalham, sendo que algumas delas atravessam toda a sua espessura, projetando-se para além de suas superfícies. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 16 Os mecanismos de transporte pela membrana celular podem ser: a. Difusão passiva – a força motora da absorção passiva de uma substância e ́ o gradiente de concentração através da membrana que separa dois compartimentos corporais. Xenobióticos lipofílicos com pesos moleculares superiores a 500 Da, tendem a passar com dificuldade pela membrana lipídica. Esse também é o caso das substâncias que têm potencial muito alto de estabelecer ligações de hidrogênio. Em geral, a velocidade da passagem dos xenobióticos lipofílicos através da membrana é proporcional ao coeficiente de partição octanol/ água ou log P. De fato, substâncias com log P relativamente alto, como o pesticida DDT e o contaminante ambiental TCDD (log P de aproximadamente 7), são facilmente absorvidas para dentro da membrana lipídica. b. Difusão facilitada – substâncias podem entrar na célula por meio de proteínas transportadoras, transmembrana especializadas que facilitam a passagem de moléculas grandes. Essas proteínas transportadoras sofrem alterações conformacionais, permitindo a passagem de xenobióticos ou moléculas endógenas para o interior da célula, movendo-os de áreas de alta concentração para áreas de baixa concentração. Esse processo não requer energia, pode ser saturado e pode ser inibido por compostos que competem pelo transportador. c. Transporte ativo – esta forma de entrada também envolve trans- portadores proteicos específicos que atravessam a membrana. Somente as substâncias que se assemelham às de metabólitos de ocorrência natural que se utilizam desses transportadores, são as que podem ser transportadas por esses transportadores proteicos específicos. O transporte ativo é dependente de energia e, também, e ́ saturável. Os sistemas de transporte ativo são seletivos e podem ser inibidos competitivamente por outras substâncias cotransportadas. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 17 d. Endocitose e exocitose – estes tipos de absorção são usados para transportar moléculas excepcionalmente grandes através da membrana celular. A endocitose envolve o engolfamento da substância para o interior da célula, pela compressão da vesícula contendo as substâncias. A exocitose é o inverso da endocitose. Muitas células usam a exocitose para secretar substâncias. Figura 2 – Mecanismos de transporte de substâncias em um organismo vivo Fonte: Adaptado de Whalen, Finkel e Panavelli (2016). Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 18 Outros fatores, os físico-químicos que comentamos anteriormente, também influenciam na absorção e no transporte de substâncias. São eles: a. Grau de ionização da substância – a maioria das substâncias necessitam estar na forma não ionizada para que possam ser absorvidas. No caso dos fármacos, a maioria é ácido ou base fraca; logo, o ácido deve estar protonado e a base, por sua vez, não. b. Fluxo de sangue no local de absorção – com exceção das radiações ionizantes que não necessitam do sangue para serem transportadas para o restante do corpo, as demais substâncias necessitam ou apresentam células que são o alvo de sua ação. Assim, quanto maior for o fluxo sanguíneo da área, maior será a absorção/ transporte da substância. Por isso, por exemplo, um dependente de cocaína ou a cheira, ou a aplica na gengiva ou mucosa oral. Nesses locais a irrigação sanguínea é maior, por isso, a absorção e o efeito são mais rápidos. c. Área ou superfície disponível para a absorção – quanto maior a área de contato, maior será a absorção. Já chegamos a comentar que a área de exposição é um dos fatores para o aumento da toxicidade. Lembra? Um exemplo clássico de aumento de área disponível para a absorção de substâncias é o intestino que por conta de suas microvilosidades aumenta cerca de 1000 vezes a área em contato com os nutrientes/substâncias tóxicas/microrganismos/ medicamentos presentes no bolo alimentar. d. Tempo de contato/exposição – em se tratando de agentes tóxicos, quanto maior o tempo de exposição, maior será o efeito tóxico. RESUMINDO: Neste capítulo, vimos os princípios e conceitos ligados à Toxicocinética, bem como seus campos de atuação – Toxicologia Analítica e Toxicologia Biológica ou Ocupacional. Por fim, vimos a representação esquemática da toxicocinética e os mecanismos de transporte de substâncias em um organismo vivo. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 19 Absorção e distribuição OBJETIVO: Ao final deste capítulo, você terá compreendido a absorção e a distribuição na Toxicocinética. Com isso, teremos a base para compreender assuntos mais complexos, que empregam vocabulário próprio e conceitos que, para quem não é da área, podem ser difíceis. Então, vamos que vamos! Absorção A primeira etapa da toxicocinética ou farmacocinética é a absorção. A absorção é conceituada como a passagem de uma substância de uma face externa para o sangue. As principais vias de administração de medicamentos, que, de forma geral, são as empregadas para intoxicações. É importante dizer que as mesmas vias que oferecem ação mais eficaz para os medicamentos, são aquelas que podem intoxicar com a maior facilidade. Na figura a seguir podemos observar listadas algumas vias de administração de medicamentos. Atenção: para a via parenteral, não há a fase de absorção, pois já é aplicado diretamente na corrente sanguínea. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 20 Figura 3 – Vias de administração usualmente empregadas para medicamentos Fonte: Whalen, Finkel e Panavelli (2016). Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 21 Vias de exposição ou administração de substâncias químicas Vamos agora para as vias de exposição? a. Via entérica: um dos locais mais importantes para a absorção de substâncias tóxicas ingeridas junto a alimentação. Klaassen e Watkins (2012) explicam: A absorção de toxicantes pode ocorrer ao longo de todo o sistema digestivo (SD), mesmo na boca e no reto. Se um toxicante e ́ uma base ou um ácido orgânico, ele tende a ser absorvido por difusão simples na parte do SD na qual ele está ́ presente na forma mais lipossolúvel (não ionizada). A maior parte ingressa no organismo por difusão simples. Substâncias lipossolúveis são absorvidas por esse processo mais rápida e amplamente do que substâncias hidrossolúveis (KLAASSEN; WATKINS, 2012, p. 60). b. Via pulmonar: toxicantes absorvidos pelos pulmões geralmente são gases, vapores de líquidos voláteis ou volatilizáveis e aerossóis. O grande protetor contra intoxicações nessa via é o nariz, que recoberto por muco que retém partículas sólidas e até mesmo aerossóis e gases. Para os gases, o transporte se dá por diferença da concentração do gás no sangue e no pulmão, também por solubilidade do toxicante. Então, o sangue distribui e transfere as moléculas de gás para o tecido ate ́ que o equilíbrio seja atingido. Após liberar parte do gás para os tecidos, o sangue retorna aos pulmões para receber mais gás. Em relação às partículas e aerossóis, partículas de 2,5 um de diâmetro são depositadas, sobretudo, nas regiões traqueobrônquicas, a partir das quais são retiradas pelo movimento retrógrado da camada de muco das porções ciliadas do sistema respiratório. Já, partículas com até ́ 1 um de diâmetro ingressam nos sacos alveolares dos pulmões. Podem ser absorvidas para o sangue ou eliminadas pela linfa após serem retiradas pelosmacrófagos alveolares. Se o material particulado for tóxico, a severidade da resposta pode estar relacionada ao tamanho da partícula. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 22 c. Via dérmica: para ser absorvido através da pele, um toxicante deve atravessar a epiderme ou as glândulas sudoríparas, as sebáceas e os folículos pilosos. Nessa via alguns fatores interferem ativamente na absorção de moléculas, como: espessura do extrato córneo, a idade do ser, região anatômica, a hidratação do estrato córneo, o tipo cutâneo, além das demais que já conversamos. d. Via parenteral: a via parenteral introduz o fármaco diretamente na circulação sistêmica. Ela e ́ usada para fármacos que são pouco absorvidos ou instáveis no trato gastrointestinal. Apesar de favorecerem a ação rápida dos medicamentos, em caso de intoxicações são irreversíveis, podendo levar o indivíduo a morte. Fazem parte da via parenteral a via de administração intravenosa, intramuscular, subcutânea e intraperitoneal. As vias intramuscular e subcutânea são absorvidas em velocidade menor, mas ingressam diretamente na circulação; enquanto a intraperitoneal apresenta metabolismo pelo fígado antes de ser distribuído pelo organismo. Biodisponibilidade Dentro da fase de absorção, o conceito de biodisponibilidade é muito importante. Ele diz respeito à quantidade de substância que realmente passa na corrente sanguínea, pode ser um fármaco ou um medicamento, por exemplo. Vamos imaginar um medicamento x. O indivíduo toma 1 comprimido de 100mg desse medicamento e, somente, 30mg é absorvido na forma inalterada, isso quer dizer que a biodisponibilidade desse medicamento é de 30%. A biodisponibilidade é determinada a partir do gráfico gerado por meio da concentração plasmática do fármaco em função do tempo, pode-se mensurar a área sob a curva (ASC). A ASC reflete a extensão da absorção do fármaco. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 23 Figura 4 – Biodisponibilidade demonstrada em duas vias de administração de medicamentos: endovenosa e via oral Fonte: Whalen, Finkel e Panavelli (2016). IMPORTANTE: Destacar que para os medicamentos que têm a função curativa, a biodisponibilidade próxima a 100% é desejada para que o cálculo e ajuste de doses tenham maior acurácia. Para substâncias tóxicas, o contrário é verdadeiro. Fatores que alteram a biodisponibilidade são: o efeito/metabolismo de primeira passagem (substância ingerida tem o ativo transferido para as veias porta, são metabolizados pelo organismo e, só então, os metabolitos são transferidos para a circulação sistêmica), também influenciam a solubilidade, a instabilidade da substância, além do tamanho da partícula, do tipo de sal, do polimorfismo cristalino, do revestimento entérico e a presença de excipientes. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 24 Dois outros conceitos são especialmente importantes quando tratamos de fármacos ou quando é necessário realizar um comparativo entre agentes tóxicos: • Bioequivalência: duas formulações são bioequivalentes se elas apresentam biodisponibilidades comparáveis e tempos similares para alcançar o pico de concentração plasmática (WHALEN; FINKEL; PANAVELLI, 2016). • Equivalência terapêutica: duas formulações são terapeuticamente equivalentes se elas são equivalentes farmacêuticos, isto e ́, se apresentam a mesma dosagem, contém a mesma substância ativa e são indicadas pela mesma via de administração, com perfis clínicos e de segurança similares (WHALEN; FINKEL; PANAVELLI, 2016). Distribuição Após chegar na circulação sanguínea, o agente tóxico/fármaco é distribuído pelo organismo por meio da corrente sanguínea. Distribuição é o processo pelo qual uma substância reversivelmente abandona o leito vascular e entra no interstício (líquido extracelular) e, então, nas células dos tecidos. EXPLICANDO MELHOR: Essa passagem depende do débito cardíaco e do fluxo sanguíneo regional, da permeabilidade capilar, do volume do tecido, do grau de ligação das substâncias às proteínas plasmáticas e tissulares e da lipofilicidade relativa à molécula. A maioria desses fatores nós já discutimos no início dessa unidade, o que difere é a ligação às proteínas plasmáticas e a lipofilicidade. Quanto à ligação às proteínas, as substâncias que se encontram ligadas a proteínas plasmáticas reversivelmente têm o seu deslocamento para o tecido retardado, visto que, enquanto permanecerem ligadas, as substâncias Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 25 não conseguirão passar para o tecido. Em relação à lipofilicidade, aquelas moléculas mais apolares, ou seja, mais lipofílicas, apresentam uma maior permeabilidade que as hidrofílicas, considerando a própria natureza da membrana celular. A distribuição final depende amplamente da afinidade do xenobiótico para vários tecidos. Isso quer dizer que cada molécula é atraída para determinadas células ou tecidos do organismo. Para continuarmos a entender a distribuição, é importante saber que os líquidos no organismo são distribuídos em três compartimentos ou, também, chamado de águas: (1) Água plasmática. (2) Água intersticial. (3) Água intracelular. A água extracelular e ́ formada por água plasmática mais água intersticial. • Água ou compartimento plasmático: se uma substância tem massa molecular muito alta, ou liga-se extensamente às proteínas, passa a ser muito grande para atravessar as fendas dos capilares. Desse modo, e ́ efetivamente aprisionado dentro do compartimento plasmático (vascular). • Líquido extracelular/ água intersticial: se uma substância apresenta baixa massa molecular e é hidrofílica, pode atravessar as fendas endoteliais dos capilares para o líquido intersticial. Contudo, as moléculas hidrofílicas não conseguem atravessar as membranas celulares, para a fase interna: líquido intracelular. Por isso, esses fármacos se distribuem em um volume que e ́ a soma do volume de plasma com a água intersticial, os quais, juntos, constituem o líquido extracelular. O volume de distribuição aparente e ́ o volume de líquido necessário para conter todo o agente tóxico ou o fármaco do organismo na mesma concentração presente no plasma. Ele e ́ calculado dividindo-se a dose que alcança a circulação sistêmica pela concentração no plasma no tempo zero. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 26 Sobre esse assunto Klaassen e Watkins (2012) complementam: A distribuição de toxicantes e ́, em geral, complexa, e a ligação ou dissolução em diversos locais de armazenamento do organismo, como tecido adiposo, fígado e ossos, e ́ um fator crítico para a distribuição dos agentes químicos (KLAASSEN; WATKINS, 2012, p. 64). Armazenamento de substâncias químicas O armazenamento pode se dar tanto em órgãos alvo quanto em outros tecidos e pode alterar, significativamente, a concentração da substância livre no organismo. Então, se o agente tóxico acaba se acumulando em um local em que não é seu sítio de ação, pode-se encarar como um sistema de proteção do organismo, pois esse está “dificultando” o acesso daquela substância a seu sítio ativo. No entanto, a medida em que há a metabolização e excreção da substância e seus metabólitos, a substância vai sendo liberada de seu local de armazenamento. Os principais sítios de armazenamento são: a. Proteínas plasmáticas: albumina, transferrina, globulinas e lipoproteínas. A ligação entre as substâncias e as proteínas são realizadas por forças hidrofóbicas, pontes de hidrogênio e forças de van der Waals. Como já discutimos e pelos tipos de interações química entre as proteínas e os agentes, essa ligação é reversível. Pelas características dessas ligações químicas, também pode- se compreender que pode haver disputa de xenobióticos e metabolitos endógenos pela ligação em uma mesma proteína. b. Fígados e rins: esses órgãos se ligam muito facilmente a substâncias químicas por meio de proteínascomo a ligandina e a metalotioneína que tem alta afinidade, respectivamente, por compostos orgânicos e metais. c. Tecido adiposo: substâncias lipofílicas, sejam agentes tóxicos como fármacos, podem se acumular na gordura corporal. Apesar de parecer uma solução para evitar a toxicidade, em situações da utilização da gordura como fonte energética pelo corpo, pode Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 27 haver a liberação repentina da toxina ou fármaco, gerando uma intoxicação aguda. d. Ossos: Os ossos se tornam depósitos de xenobióticos quando essas substâncias são capazes de realizar trocas com os cristais de hidroxiapatita presentes na superfície óssea. Essa troca ocorre de forma muito dinâmica e pode ser ou não prejudicial ao organismo. Por exemplo: a deposição de chumbo não é prejudicial aos ossos, mas as de fluoreto e de estrôncio radioativo podem causar fluorose esquelética e osteossarcoma, respectivamente. Barreiras físicas contra xenobióticos Além de o organismo se proteger armazenando os fármacos ou tóxicos em diversos tecidos para a liberação lenta, duas outras barreiras são de fundamental importância para a manutenção da vida. A barreira hematoencefálica e a placenta. SAIBA MAIS: A barreira hematoencefálica protege o sistema nervoso central com quatro razões definidas: células endoteliais dos capilares da região são extremamente unidas deixando pouco ou nenhum poro para a passagem de moléculas e contém proteínas mdr ATP-dependentes que expulsam algumas substâncias químicas de volta para a corrente sanguínea. Além disso, os capilares estão envoltos por muitas células da glia que são células especializadas na “defesa” neuronal. Por fim, a concentração de células no líquido intersticial do sistema nervoso central é muito inferior que no restante do corpo o que reduz (e muito) a chance de transporte de moléculas. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 28 Figura 5 – Estrutura de capilares no fígado e em um capilar cerebral Fonte: Adaptado de Whalen, Finkel e Panavelli (2016). Para atravessar a essa barreira a molécula deve ser muito apolar, lembre-se que os neurônios possuem uma grande quantidade de gordura na bainha de mielina. Daqueles que conseguem atravessar, grande parte retorna a corrente sanguínea por meio de transportadores ativos e facilitados. É importante dizer que os recém-nascidos não possuem a barreira hematoencefálica completamente desenvolvida, razão pela qual são mais suscetíveis a agentes tóxicos e infecções que adultos. A outra barreira é a placenta. A placenta contém sistemas de transporte ativo e enzimas de biotransformação. Esses sistemas ajudam a proteger o feto de alguns xenobióticos enquanto regulam o movimento de nutrientes essenciais. No entanto, substâncias mais lipofílicas têm entrada por difusão passiva e facilmente atingem equilíbrio. Os autores Klaassen e Watkins (2012), resumem a distribuição de agentes tóxicos (serve também para os medicamentos) como: Os fatores mais determinantes que afetam a distribuição de xenobióticos são o fluxo sanguíneo nos órgãos e sua afinidade por um xenobiótico. A fase inicial de distribuição e ́ determinada fundamentalmente pelo fluxo sanguíneo para diversas partes do organismo. Entretanto, agentes químicos podem ter alta afinidade por um local de ligação ou por um constituinte celular e, com o tempo, serem redistribuídos para esses locais de alta afinidade (KLAASSEN; WATKINS, 2012, p. 65). Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 29 RESUMINDO: Neste capítulo, vimos como se dá a absorção e a distribuição de fármacos na Toxicocinética, bem como as vias de administração empregadas. Também vimos como se dá a administração, a exposição e o armazenamento de substâncias químicas. Por fim, entendemos o conceito de biodisponibilidade e como esta funciona. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 30 Biotransformação e excreção OBJETIVO: Ao final deste capítulo, você terá compreendido a biotransformação e excreção na Toxicocinética. Com isso, teremos a base para compreender assuntos mais complexos, que empregam vocabulário próprio e conceitos que, para quem não é da área, podem ser difíceis. Então, vamos que vamos! Biotransformação DEFINIÇÃO: Biotransformação é a a metabolização de substâncias endógenas e exógenas para substâncias mais hidrossolúveis, visando à excreção pela urina e fezes. As modificações ocorridas podem ativar substâncias, como alguns fármacos, outros são neutralizados e, ainda, outros mais, depois de metabolizados apresentam uma maior toxicidade. Os fármacos lipossolúveis são primeiramente biotransformados no fígado em substâncias mais polares (hidrofílicas), usando dois grupos gerais de reações, denominados Fase I e Fase II. Figura 6 – Representação gráfica das reações de biotransformação de fase I e II Fármaco (lipofílico) Fase I Após a Fase I, o fármaco pode ser ativado, permanecer inalterado ou, com mais frequência, inativado. Oxidação, redução e/ou hidrólise (polar) Fase II Produto de conjugação (hidrossolúvel) O fármaco conjugado geralmente é inativo. Alguns fármacos entram diretamente na Fase II de biotransformação. Fonte: Adaptado de Whalen, Finkel e Panavelli (2016). Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 31 As reações de Fase I convertem fármacos lipofílicos em moléculas mais polares, introduzindo ou desmascarando um grupo funcional polar, como –OH ou –NH2. Esse processo é realizado por enzimas que possuem alta especificidade de substrato, as quais, em sua maioria, são expressadas constitutivamente. Considerando que o DNA de cada indivíduo possui características únicas que trazem fenótipos como a cor dos olhos, do cabelo ou da pele, não é difícil de supor que cada enzima dessas pode apresentar algumas diferenças entre os indivíduos. Isso é o que faz com que determinadas pessoas metabolizem algumas substâncias muito mais rápido que outras. Quem nunca viu em alguma série ou filme em que o paciente acordou durante uma cirurgia? SAIBA MAIS: As enzimas catalisadoras das reações de biotransformação estão expressas em maior quantidade, para os vertebrados, no fígado. As reações catalisadas por enzimas biotransformadoras de xenobióticos são atualmente divididas em quatro classes: (1) Hidrólise. (2) Redução. (3) Oxidação. (4) Conjugação (Fase II). Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 32 Quadro 1 – Reações de biotransformação, suas enzimas e localização celular Fonte: Klaassen e Watkins (2012). Hidrólise As enzimas mais comumente encontradas são as carboxilesterases, as colinesterases e as paraoxonases. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 33 As carboxilesterases são glicoproteínas presentes no soro e na maioria dos tecidos que hidrolisam numerosos compostos lipídicos endógenos. Também, produz a partir de pró-fármacos ésteres ou amidas, metabólitos farmacologicamente ativos. Em contra ponto, também são capazes de converter xenobióticos em metabólitos tóxicos e tumorais. Já, as colinesterases têm grande importância na toxicidade dos inseticidas organofosforados, os quais inibem a acetilcolinesterase, assim, impedindo o término da formação do neurotransmissor acetilcolina. Nesse caso, os fatores que diminuem a atividade das esterases podem potencializar o efeito de organofosforados, enquanto o efeito contrário é protetor. Importante destacar que essa esterase além de produzir a acetilcolina, também é a responsável por degradá-la. Exemplo: Um exemplo disso é o gás sarin, arma química produzida durante o regime nazista na Alemanha. Esse gás é um organofosforado altamente potente que causa o acúmulo da acetilcolina nos receptores motores e neuronais, estimulando-os continuamente, o que causa defasagem de outros neurotransmissores como, também, de ATP. Isso pode levar o indivíduo à morte em poucos segundos. O antídoto para esse gás é a atropina junto a pralidoxima, desdeque empregadas logo após a exposição. A atropina é um antagonista muscarínico que apresenta maior especificidade com os receptores que o gás sarin, impedindo sua ação nas terminações nervosas. Por sua vez, a pralidoxima é capaz de “remover” o gás sarin do sítio esterásico da acetilcolinesterase. Ou seja, passa a preservar a enzima e protege os receptores. Por fim, as paraoxonases ou lactonases são enzimas ca ́lcio- dependentes e catalisam a hidrólise de uma ampla gama de compostos orgânicos. O uso das enzimas hidrolíticas pode ser para além da biotransformação de xenobióticos, podem ser para a transformação de pró-fármacos em fármacos, por exemplo. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 34 Redução Klaassen e Watkins (2012) explicam: Certos metais e xenobióticos contendo grupamentos aldeído, cetona, dissulfeto, sulfóxido, quinona, N-o ́xido, alqueno, azo ou nitro são frequentemente reduzidos in vivo. A reação pode acontecer enzimaticamente ou não enzimaticamente por meio da interação com agentes redutores (KLAASSEN; WATKINS, 2012, p. 74). As moléculas empregadas para a redução das demais são as formas reduzidas de glutationa, FAD, FMN e NADP. Atenção! Algumas enzimas que participam da redução de substâncias também são capazes de realizar a oxidação, são elas: álcool desidrogenase (ADH), aldeído oxidase e as do citocromo P450. • Azo e nitro redução: realizada pelos microrganismos da flora intestinal e citocromo P450 e NADP-quinona oxidorredutase. Necessita de NADPH e são inibidas por oxigênio. • Redução de carbonila: reduz aldeídos para álcoois primários e cetonas para álcoois secundários - aldo-ceto redutases (AKRs) e desidrogenases/redutases de cadeia curta (SDRs). Necessitam de NADPH. • Redução de dissulfetos: reduz dissulfeto para glutationa por um processo de três etapas. • Redução de sulfóxidos e N-óxidos: enzimas tioredoxinas. • Redução de quinona: quinonas para hidroquinonas. NADPH- quinona oxidorredutase-1 (DT-diaforase) e NADPH-quinona oxidorredutase-2. Atenção! “As propriedades da hidroquinona determinam quando, durante o metabolismo de xenobio ́ticos contendo quinina, a enzima atua como um antioxidante protetor ou um ativador pro ́-oxidante, levando a formação de espécies reativas de oxigênio e radicais livres semiquinona reativos” (Klaassen e Watkins, 2012). Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 35 • Desalogenação: desalogenação significa a retirada de elementos pertencentes a classe dos halogênios das moléculas de xenobióticos – flúor, cloro, bromo e iodo. Existem três mecanismos para a retirada desses átomos das moléculas: 1. Retirada do halogênio por um hidrogênio – desalogenação redutiva; 2. Retirada de um halogênio e um hidrogênio por um oxigênio – desalogenação oxidativa; 3. Retirada de halogênios de dois átomos de carbono adjacentes para a formação de ligação dupla entre carbonos – desalogenação dupla. Oxidação As principais enzimas que realizam a oxidação das moléculas orgânicas são: • Álcool desidrogenase: enzima citosólica presente em diversos tecidos. Existem cinco classes dessa enzima, sendo que a isoenzima de classe I responsável pela oxidação de etanol e outros álcoois alifáticos pequenos e as demais realizam reações químicas com moléculas gradativamente maiores. Essa enzima é a responsável pela primeira fase da biotransformação das bebidas alcoólicas, que transforma a molécula de etanol em acetaldeído. • Aldeído desidrogenase: existem 19 variáveis da enzima aldeído desidrogenase, sendo que dessas a ALDH2 está presente nas mitocôndrias e é responsável pela segunda fase da reação para a eliminação do etanol. As enzimas aldeído desidrogenase oxidam aldeídos em ácidos carboxílicos empregando NAD+ como cofator. IMPORTANTE: Outras enzimas são dihidrodiol desidrogenase, molibdênio hidrolase, xantina oxidorredutase, aldeído oxidase e monoaminoxidase. As monoaminoxidases são responsáveis pela desaminação oxidativa de aminas primárias, secundárias e terciárias, incluindo a serotonina e outros xenobióticos. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 36 Outras importantes reações de oxidação são as cooxidações dependentes de peroxidase, para essa reação há a redução do peróxido de hidrogênio e hidroperóxidos lipídico à oxidação de outros substratos. Uma peroxidase importante é a prostaglandina sintase que possui duas formas: ciclooxigenase-1 (COX-1) e ciclooxigenase-2 (COX-2) que são responsáveis pela síntese de substâncias pró-inflamatórias e regulação da angiogênese, são conhecidas pela transformação de xenobióticos em metabólitos ativos e tóxicos, potencialmente tumorigênicos. • Sistema de enzimas do citocromo P450: O citocromo P450 é uma superfamília de proteínas que está localizada nos microssomos, ou seja, no retículo endoplasmático das células. Por serem muitas enzimas diferentes, a nomenclatura se dá pela sigla CYP acompanhada por número – letra -número, sendo classificadas em subfamílias de acordo com a sua composição de aminoácidos. Figura 7 – Porcentagem da presença das isoformas para a transformação de fármacos Fonte: Adaptado de Whalen, Finkel e Panavelli (2016) Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 37 RESUMINDO: Esse sistema de enzimas está presente na maioria dos seres vivos, no caso das humanas, as mais estudadas são aquelas enzimas presentes nos hepatócitos. Elas são responsáveis pela biotransformação de xenobióticos e substâncias exógenas para transformá-los em substâncias mais hidrofílicas e, por consequência, polares a fim de serem mais facilmente eliminadas. Também, apresentam uma enorme importância na síntese das substâncias esteroidais. As reações conduzidas pelas enzimas do citocromo P450 são: hidroxilac ̧a ̃o de carbonos alifáticos ou aromáticos; epoxidac ̧a ̃o de ligações duplas; oxigenac ̧a ̃o e N-hidroxilac ̧a ̃o de heteroa ́tomos (S-, N- e I-); dealquilac ̧a ̃o de heteroa ́tomos (O-, S-, N- e Si-); transferência de grupos oxidativa; clivagem de ésteres; desidrogenac ̧a ̃o. SAIBA MAIS: A atividade dessas enzimas pode variar entre indivíduos devido a variabilidade genética e aos fatores ambientais que foi exposto. Dentre os fatores ambientais está a exposição a xenobióticos que podem induzir (aumentar a velocidade da reação) ou retardar a velocidade de reação. A indução de uma enzima CYP pode resultar em superexpressão dos genes para a sua produção ou a produção de citocromo P450 ou, ainda, a indução da velocidade de reação das já expressas. A erva de São João é V uma planta largamente reconhecida por seus efeitos antidepressivos, é indutora da enzima CYP3A4. Essa enzima é uma das mais importantes e é responsável por realizar a oxidação de uma série de medicamentos, toxinas, alimentos e xenobióticos. Devido a indução causada pela erva de São João na enzima CYP3A4 muitos outros medicamentos não são metabolizados, acarretando efeito terapêutico nulo ou reduzido, ainda, aumentando seus efeitos tóxicos. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 38 O resultado da indução gerada pela erva de São João é gerado também por uma grande quantidade de outras substâncias e pode ocorrer em qualquer uma das demais enzimas que fazem parte do sistema do citocromo P450. O oposto, a inibição, também é verdadeiro. Essas enzimas também podem realizar a ativação de xenobióticos. Por exemplo, a CYP3A4 ativa a aflatoxina B1 (produzida por fungos em amendoins) para o 8,9-epo ́xido, que e ́ hepatoto ́xico e tumorigênico, mas também, detoxifica a aflatoxina B1 por 3-hidroxilac ̧a ̃o para aflatoxina Q1. O balanço entre a ativação e a detoxificação é um sistema que depende de diversas variáveis. Apesar de não ser o nosso foco, após as referências, em suplementos, encontram-se tabelas para consulta dos substratos, indutores e inibidores de algumas enzimas do sistema P450. Note a quantidade de substratos para a enzima CYP3A4. Conjugação As reaçõesde conjugação envolvem a ligação de substâncias polares às moléculas dos xenobióticos para facilitar a excreção. Essas ligações são feitas por ligações covalentes e são consideradas de fase II. Elas ocorrem, geralmente, quando as reações de fase I não tornam a molécula polar o suficiente para garantir a excreção. Os fármacos que possuem um grupo –OH, –NH2 ou –COOH podem entrar diretamente na fase II e ser conjugados sem uma reação de fase I previa. São reações de conjugação: • Glicuronidação: emprega como substrato a uridina difosfato- ácido glicurônico. Os conjugados são polares e solúveis em água, promovendo a excreção via renal e pela bile. • Sulfonação: há a sulfonação (transferência de sulfonato) em xenobióticos e substâncias endógenas por meio das sulfotransferases. As moléculas conjugadas são excretadas pela urina. • Metilação: após a ligação de um radical metila, a molécula formada pode diminuir a solubilidade do composto em água e aumentar a Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 39 toxicidade ou aumentar a solubilidade. As reações são catalisadas pelas metiltransferases que aparentam ser específicas para um grupamento químico. Usualmente o radical metila não é inserido “sozinho”, além da reação necessitar de um cofator, geralmente, está ligado a um outro átomo ou molécula, como oxigênio, nitrogênio, enxofre, catecol, fenol etc. • Acetilação: principal rota de biotransformação de xenobio ́ticos contendo uma amina aromática (R–NH2) ou um grupamento hidrazina (R–NH–NH2). Em humanos há duas N-acetiltransferases que possuem cerca de 85% de semelhança na sequência de aminoácidos. Essas enzimas transformam aminas aromáticas para as suas amidas correspondentes, que são menos reativas ao DNA. Essas aminas apresentam maior ou menor risco de causar tumores, dependendo da sua natureza química e outros fatores de risco incumbentes ao indivíduo. • Conjugação com aminoácidos: os substratos para conjugação com aminoácidos são restritos a ácidos alifáticos, aromáticos, heteroaroma ́ticos, cinâmicos e arilace ́ticos. Para que haja a conjugação com aminoácidos não deve haver impedimento estérico em relação ao ácido carboxílico e nem pelos substituintes do anel aromático ou na cadeia lateral alifática. Os compostos após a conjugação são eliminados pela urina. • Conjugação com glutationa: a conjugação com glutationa é realizada pelas glutationas S-transferases e é uma importante etapa de detoxicação, pois é capaz de neutralizar moléculas que reagem com proteínas e ácidos nucleicos. Geralmente, os substratos para essas enzimas são hidrofóbicos, com átomo eletrofílico e reagem de forma na ̃o enzima ́tica com a glutationa. As glutationas S-transferases sa ̃o componentes celulares abundantes, respondendo por até ́ 10% da proteína celular total. Os conjugados com glutationa formados no fígado podem ser eliminadas pela bile e podem ser convertidos a ácidos mercaptu ́ricos nos rins para a excreção pela urina. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 40 Excreção Os agentes tóxicos ou fármacos após a metabolização, se tornando, assim, produtos mais polares e hidrofílicos podem ser excretados pela urina, suor, saliva, lágrimas e leite. Excreção renal A excreção renal das substâncias envolve os processos de filtração glomerular, secreção tubular ativa e reabsorção tubular passiva. Essa figura vai te ajudar a acompanhar o que está sendo descrito a seguir. Figura 8 – Representação esquemática da excreção renal de um fármaco Fonte: Whalen, Finkel e Panavelli (2016). Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 41 VOCÊ SABIA? A filtração glomerular inicia-se pela chegada das substâncias químicas ou seus metabólitos aos rins por meio das artérias renais. Essas substâncias difundem-se pelos capilares até o espaço de Bowman como parte do filtrado glomerular. Nesse ponto, não há influência da polaridade ou do valor de pH para a passagem desses elementos para o filtrado, mas há influência da velocidade de filtração glomerular e às proteínas plasmáticas afetam esse processo. Quando as substâncias não são transferidas para o filtrado glomerular, elas seguem pelas arteríolas eferentes até o túbulo proximal. A passagem para o túbulo proximal ocorre por dois mecanismos de transporte ativo – um para ânions e outro para cátions. Como prematuros e recém-nascidos não apresentam esses dois mecanismos bem desenvolvidos, podem apresentar retenção de alguns metabólitos. A reabsorção tubular distal ocorre devido ao aumento da concentração dos metabólitos e difunde-se para fora do lúmen, retornando à circulação sistêmica. Quando se realiza a modificação do pH da urina, pode-se evitar ou facilitar a reabsorção dessas moléculas, pode-se encarar esse fato como uma prisão iônica. Toxicantes com alto coeficiente de partição lipídeo/água são reabsorvidos de maneira eficiente, enquanto compostos polares e íons são excretados na urina. Excreção fecal A excreção fecal não elimina apenas material não digerível, elimina também quantidades variáveis de nutrientes e xenobióticos os quais são, intencionalmente ou não, ingeridos. Parte dos xenobióticos que compõem a massa fecal é proveniente da eliminação biliar. O fígado “filtra” o sangue que chega do sistema digestório por meio da veia porta, retirando diversas substâncias tóxicas e evitando que essas sejam distribuídas ao corpo pela corrente sanguínea sistêmica. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 42 Além disso, o fígado é o principal órgão para a biotransformação dos xenobióticos e, então, excreção dos metabólitos na bile. Quando excretados na luz intestinal, esses metabólitos, tóxicos ou fármacos podem ser eliminados pelas fezes ou reabsorvidos. IMPORTANTE: Durante a biotransformação uma série de compostos são conjugados a outras moléculas que altera o seu caráter para hidrofílico; dessa forma, quando a bile chega ao intestino, essas substâncias não conseguem passar pelo endotélio e ser reabsorvido, entretanto, a microflora intestinal pode hidrolisar os conjugados glicuronídeo e sulfato tornando- os suficientemente lipofílicos para reabsorção e circulação entero-hepática. Esse mecanismo é utilizado para a desintoxicação de algumas substâncias como o dimetilmercurio, em que se emprega a resina politiol que se liga ao mercúrio e impede a reabsorção. A flora intestinal também tem impacto sobre a reabsorção dos xenobióticos. Os microrganismos da flora intestinal alteram as moléculas dos xenobióticos favorecendo, na maioria das vezes, a sua reabsorção e não a eliminação. Excreção via leite materno A excreção via leite materno é de extrema importância considerando que os agentes tóxicos poderão agir no bebê que apresenta o sistema biológico imaturo. Os agentes tóxicos passam ao leite por difusão simples, havendo preferência pelas substâncias básicas, pois o valor de pH do leite é menor – mais ácido – ao do plasma. Como o leite e o colostro apresentam uma concentração alta de lipídeos, são as toxinas mais lipofílicas que são transferidas a esses líquidos. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 43 IMPORTANTE: Lembrar que o ser humano é o único mamífero que continua a consumir alimentos lácteos durante a vida adulta. Além disso, para a obtenção de uma maior produção e em menor tempo, diversas substâncias são empregadas para a criação de gado, caprinos e ovinos, por exemplo, que também passam ao leite do animal que passa ao organismo humano quando consumido. Excreção via ar exalado A excreção por exalação se dá para os gases e os líquidos voláteis que estão sob a forma de gás nos pulmões. Se diz que a eliminação desses gases é limitada a sua solubilidade, por consequência a perfusão. Assim, aqueles mais solúveis são eliminados mais facilmente que os insolúveis. Outras formas de excreção são pelo fluido cerebrospinal, suor e saliva. Na figura pode-se observar a rede datoxicocinética e toxicodinâmica. Use para relembrar os seus conceitos. Figura 9 – Representação gráfica do diagrama de intoxicação Reparo Sangue Agente químico Absorção Biotransformação Ex cr eç ão Metabólito não tóxico De to xifi ca çã o Ativação Ativação Detoxificação Metabólito tóxico Efeito farmacológico Efeito patológico Dano ao DNA DNA alterado R e p licação Reparo Fonte: Klaassen e Watkins (2012). Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 44 Toxicodinâmica OBJETIVO: Ao final deste capítulo, você será capaz de reconhecer a toxicodinâmica. Com isso, teremos a base para compreender assuntos mais complexos, que empregam vocabulário próprio e conceitos que, para quem não é da área, podem ser difíceis. Então, vamos que vamos! DEFINIÇÃO: A toxicodinâmica ou farmacodinâmica (quando o objeto é um fármaco) trata-se da interação da molécula do xenobiótico com o respectivo receptor onde terá a sua ação, causando o desequilíbrio homeostático. De forma resumida, é como as substâncias realizam alterações nas funções fisiológicas e bioquímicas do organismo. As bases fisiopatológicas são as quais delineiam quais os sinais e sintomas ou, ainda, ações terapêuticas de determinadas doenças. Os sinais e sintomas podem divergir em intensidade de pessoa para pessoa, devido a fatores constitutivos pela presença ou não de enzimas, expressão e número de receptores, além de outras alterações de origem genética. Fatores ambientais também podem levar a alterações no tipo e intensidade dos sintomas. REFLITA: Você deve estar pensando o que é que eu quero dizer com isso. A verdade é que da mesma forma que alguns medicamentos podem deixar uma pessoa sonolenta e sem dor, outra pode ficar acordada e sem dor, ou, ainda, e muito mais raramente, não fazer efeito algum. Não se esqueça que a população é representada graficamente pela curva de Gauss ou em formato de sino. A maioria da população está representada pelo meio da curva. No entanto, determinados indivíduos localizam-se em suas extremidades. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 45 Receptor é qualquer molécula biológica a ̀ qual uma substância ativa se fixa e produz uma resposta mensurável. A ação inicia-se pela ligação entre o agente tóxico e o receptor. Quanto mais estável e forte for essa ligação química, por mais tempo e mais grave será o seu efeito naquele receptor. A intensidade da resposta, por sua vez, e ́ proporcional ao número de complexos fa ́rmaco-receptor. Os receptores podem ser distribuídos em quatro famílias: 1. Canais iônicos disparados por ligantes. 2. Receptores acoplados a ̀ proteína G. 3. Receptores ligados a enzimas. 4. Receptores intracelulares. Figura 10 – Mecanismos de sinalização transmembrana divididos em seus quatro grupos de receptores Fonte: Whalen, Finkel e Panavelli (2016). Os receptores fazem à amplificação e a transdução dos sinais recebidos. Além disso, os receptores também têm a função de proteger a célula contra a estimulação excessiva. A administração repetida ou contínua de um agonista (ou um antagonista) pode causar alterações na responsividade do receptor. Pode ser por meio da dessensibilização que é quando há uma diminuição do efeito da substância seja pela ligação de alguma molécula que evite a ativação do sítio ativo por um agonista, seja pela internalização dos receptores. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 46 Do mesmo modo ocorre se um antagonista age, consecutivamente, em um grupo de receptores, a célula passará a expressar mais receptores com a intensão de recuperar a homeostasia. Os mecanismos de ação dos agentes tóxicos podem ser: • Alteração da expressão gênica: os agentes tóxicos podem alterar qualquer etapa da expressão gênica, seja na transcrição, na transdução ou, até mesmo, na divisão celular. Com isso alterações podem ser realizadas na função celular e, até mesmo, a carcinogênese. • Alteração química de proteínas específicas: algumas substâncias são capazes de se complexar a proteínas específicas, ativando ou inibindo a sua atividade. Alguns metais, por exemplo, complexam- se ao grupamento sulfidrila das proteínas, inibindo a função delas. • Alteração do funcionamento de células excitáveis: as células excitáveis são ativadas por meio de neurotransmissores que alteram o equilíbrio entre os íons intracelulares e extracelulares, acarretando uma diferença de voltagem. Essa alteração pode ocorrer de várias formas. SAIBA MAIS: Os agentes tóxicos podem alterar a disponibilidade do neurotransmissor, alterando a sua síntese, liberação, recaptura ou metabolização. A cocaína, o crack, entre outras drogas ilícitas, bloqueiam a recaptura de noradrenalina, dopamina e serotonina causando o acúmulo dos neurotransmissores na fenda sináptica e, consequentemente, os efeitos mediados por esses neurotransmissores. Esse mecanismo de ação é empregado em uma série de antidepressivos, como também, em alguns medicamentos para enxaqueca. Os xenobióticos também podem interagir com os receptores, de modo a tomarem o lugar do neurotransmissor e estimular ou inibir o seu estímulo. Por exemplo, o curare é um antagonista do receptor nicotínico da acetilcolina presente nas fibras musculares. O curare que é um veneno Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 47 de plantas da América do Sul era empregado na ponta de flechas para a caça por ameríndios, com funcionamento semelhante a cicuta, empregada para matar Sócrates. Ainda, podem interagir com canais iônicos o que também altera a diferença de potencial que, como já vimos, pode causar o estímulo ou a inibição contínua da célula. E, por fim, pode haver a alteração da fluidez das membranas celulares, desestruturando- as e prejudicando o seu funcionamento. • Prejuízo na síntese de ATP: a adenosina trifosfato (ATP) é a fonte energética da célula e é formada principalmente durante a cadeia respiratória, pelo ciclo de Krebs ou ácido cítrico. A inibição pode ser feita em qualquer etapa, seja na síntese da coenzima A, no transporte de elétrons, no transporte do oxigênio como aceptor final de elétrons e a fosforilação do ADP. • Aumento do cálcio intracelular: apesar de necessário, o excesso de cálcio é prejudicial à célula. O excesso pode ser causado pelo estímulo a entrada do íon na célula ou pela inibição da saída e, até, pela mobilização de reservas intracelulares. Como consequência pode haver a depleção das reservas de ATP, dissociação dos microfilamentos, ativação de enzimas hidrolíticas e a geração de espécies reativas de oxigênio e nitrogênio. • Indução do estresse oxidativo pela ação de radicais livres na membrana celular, em proteínas e/ou causando lesões no material genético. Como resultado da ação dos xenobióticos pode-se ter ações locais ou sistêmicas, com efeitos imediatos ou crônicos ou, ainda, retardados. Os sinais e sintomas podem diferenciar de indivíduo para indivíduo. RESUMINDO: Neste capítulo, vimos como se dá a toxicodinâmica. Ainda, vimos os mecanismos de sinalização transmembrana divididos em seus quatro grupos de receptores. Por fim, conhecemos os mecanismos de ação dos agentes tóxicos. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 48 REFERÊNCIAS KLAASSEN, C. D.; WATKINS, J. B. Fundamentos em Toxicologia de Casarett e Doull. 2. Ed. Porto Alegre: AMGH, 2012. SHIBAMOTO, T.; BJELDANES, L. F. Introduçã o à Toxicologia de Alimentos. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. OGA, S.; CAMARGO, M. M. A.; BATISTUZZO. Fundamentos de Toxicologia. 4. Ed. São Paulo: Atheneu, 2014. WHALEN, K.; FINKEL, R.; PANAVELLI, T. A. Farmacologia ilustrada. 6. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2016. Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 49 Suplemento I – Sistema P 450 Fonte: Klaassen e Watkins (2012). Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 50 Suplemento II – Sistema P 450 Fonte: Klaassen e Watkins (2012). Toxicologia Analítica: Clínica e Forense Princípiosde Toxicocinética Conceitos Toxicocinética Absorção e distribuição Absorção Vias de exposição ou administração de substâncias químicas Biodisponibilidade Distribuição Armazenamento de substâncias químicas Barreiras físicas contra xenobióticos Biotransformação e excreção Biotransformação Hidrólise Redução Oxidação Conjugação Excreção Excreção renal Excreção fecal Excreção via leite materno Excreção via ar exalado Toxicodinâmica
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