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1 FUNDAMENTOS DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO BACHARELADO LETRAS/LIBRAS 2 ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Imagens de textos bíblicos – Bíblia Física e de Aplicativo, respectivamente. .............................................................................................. 16 Figura 2- Imagens de trechos do livro do Pequeno Príncipe – Francês, Português e Espanhol respectivamente. .......................................................... 17 Figura 3- Harry Potter e a Pedra Filosofal – imagens do livro e DVD. ............. 18 Figura 4 - Imagens de interpretação simultânea realizadas em congressos – línguas orais. .................................................................................................... 37 Figura 5 - Entrevista com o tradutor Ulisses Carvalho. ................................... 40 Figura 6- Entrevista UFC 194 – Interpretação Consecutiva. ........................... 41 Figura 7- Intepretação consecutiva. ................................................................ 42 Figura 8 - Lei Nº 12.319 – Brasil, 2010. ........................................................... 63 Figura 9 - Livro: Libras em Estudo – Tradução/Interpretação.......................... 66 Figura 10– O tradutor e intérprete de Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa. ...................................................................................................... 76 Figura 11 - Artigo: Interpretar ensinando e ensinar interpretando: posições assumidas no ato interpretativo em contextos de inclusão para surdos – autora Audrei Gesser. ................................................................................................. 79 3 APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA A disciplina Fundamentos da Tradução e Interpretação objetiva disponibilizar novos conhecimentos e reflexões relacionadas aos conceitos de tradução e interpretação, bem como distinguindo-os, estabelecendo as relações e ligações dos estudos da tradução e interpretação na perspectiva das línguas de sinais. Também discutiremos sobre a formação profissional, problematizando a atuação e as competências necessárias para a formação de um novo profissional. Ao longo do texto estudaremos as temáticas a seguir: - Estudos da tradução: fundamentos históricos, conceitos, discussões relacionadas a formação profissional (unidade I); - Estudos da interpretação: fundamentos históricos, conceitos e aspectos relacionados a área (unidade II); - Estudos da tradução e interpretação da Língua de Sinais: fundamentos históricos, conceitos e aspectos relacionados às línguas de sinais, formação profissional (unidade III); Sempre que possível disponibilizamos vídeos, indicação de leituras, para que você complemente seu conhecimento. A partir de agora iniciaremos nossos estudos!!! 4 APRESENTAÇÃO DO PROFESSOR Sou a professora Maria Helena Nunes Almeida, possuo especialização em Língua Brasileira de Sinais e Metodologias Ativas, pela Faculdade Eficaz, graduação em Letras Libras - Bacharelado pela Universidade Federal de Santa Catarina e Licenciatura em Libras também pela Faculdade Eficaz. Atuo como intérprete Educacional desde o ano de 2009, a partir desta data, já trabalhei em diferentes níveis de ensino, em instituições públicas e privadas. Também atuo como intérprete/tradutora de Libras em outras áreas tais como contextos artísticos e culturais, conferências, programas e debates políticos, além de tradução de documentários. Na área da docência, atuei na graduação e pós-graduação. Atualmente, meus estudos estão voltados para a Tradução e Interpretação, Língua Brasileira de Sinais e Educação Especial. 5 Sumário UNIDADE I – ESTUDOS DA TRADUÇÃO ........................................................ 6 1 INTRODUÇÃO À UNIDADE .............................................................. 7 2 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS ....................................................... 8 3 CONCEITOS E ASPECTOS DA TRADUÇÃO ................................ 14 4 O PROFISSIONAL TRADUTOR ..................................................... 23 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................ 28 UNIDADE II – ESTUDOS DA INTERPRETAÇÃO ....................................... 31 1 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................ 32 2 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DA INTERPRETAÇÃO ................ 33 3 CONCEITOS E ASPECTOS DA INTERPRETAÇÃO ...................... 35 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................... 56 UNIDADE III – ESTUDOS DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS ............................................................................................................ 58 1 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................ 59 2 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS ................................................ 60 3 CONCEITOS E ASPECTOS DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO EM LÍNGUA DE SINAIS ............................................................................... 64 4 OS PROFISSIONAIS: TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS .. 75 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................... 86 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 87 6 DISCIPLINA – FUNDAMENTOS DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO UNIDADE I – ESTUDOS DA TRADUÇÃO Professora – Maria Helena Nunes Almeida Objetivo da aprendizagem; ● Definir conceitos da área de tradução; ● Compreender as especificidades da área; ● Reconhecer os processos de uma tradução; ● Demonstrar a importância de compreender a diferença existente entre tradução e interpretação; ● Apresentar exemplos da área de estudo. Plano de estudo: Tópico 1 – Fundamentos históricos. Tópico 2 - Conceitos e Aspectos da tradução. Tópico 3 - O profissional tradutor. 7 1 INTRODUÇÃO À UNIDADE Olá, caro aluno, seja bem-vindo à disciplina de Fundamentos da Tradução e Interpretação, durante todo esse percurso deste livro-texto, conheceremos diferentes conceitos e perspectivas relacionadas aos estudos da tradução, bem como refletir sobre as temáticas debatidas na área. A reflexão é de suma importância para você, futuro tradutor/intérprete. Atualmente, é comum viajarmos e conhecermos novos lugares com culturas e línguas diferentes, isto, porque a tecnologia e a mídia de fácil acesso, entre outros meios de comunicação nos permite evoluir com as trocas em nosso cotidiano. Tornou-se comum encontrarmos estrangeiros na cidade em que moramos, sendo assim, a tradução demonstra a sua relevância, como ferramenta social no mundo globalizado. Nesta unidade, dividimos, em três tópicos, os conceitos que embasam os estudos da tradução. Para tanto, daremos início à busca pelos conhecimentos da área, a partir de uma breve retomada histórica, uma vez que por meio desta retomada, poderemos compreender e perceber que a tradução não é algo atual, longe disso, ela vem sido discutida desde o surgimento da humanidade. Além da parte histórica, apreciaremos algumas conceituações imprescindíveis aos futuros tradutores e intérpretes. Enfatizamos que para atingir tal domínio e a formação que desejam, pretendemos colaborar de forma significativa com a sua preparação profissional e, assim, prepará-lo para exercer com maestria a relação da prática e da teoria. As teorias de tradução que estudaremos os ajudarão, e muito, em seu trabalho, pois a tradução não implica somente na passagemde uma língua para outra, sem reflexões, sem estratégias, sem escolhas tradutórias ou por palavras soltas, pelo contrário, a tradução é um ato extremamente complexo, que precisa ser pensado, não só uma, mas duas, três ou mais vezes para que a trabalho final chegue ao público-alvo da melhor maneira possível, de forma clara, que respeite sua língua e cultura. Em seguida, elencamos algumas definições para o termo tradução: tradução intralingual, tradução interlingual, tradução intersemiótica, 8 problematizando e exemplificando cada um destes itens. A questão da fidelidade no ato tradutório também será amplamente discutida, com vistas a refletirmos a respeito do que é ser fiel e, em que a questão da fidelidade implica no processo de tradução. Estas são algumas das questões que embasarão nossas discussões no tópico 2. No decurso do nosso estudo, moldamos, cuidadosamente, um caminho coeso e lógico, para que fosse possível compreendermos este último tópico de forma mais clara, por isso, no tópico 3, faremos discussões centralizadas nas habilidades e competências do profissional tradutor. Num primeiro momento, falaremos sobre a formação deste profissional, isto é, de que forma ocorreram as primeiras formações e, como está sendo feita na atualidade, deste modo, almejamos responder ao questionamento: será que já conseguimos atingir um nível de excelência nos cursos de graduação? Ainda no contexto de formação, abordaremos as particularidades em relação às competências necessárias ao tradutor, de maneira a tornar-se um profissional completo, apto a realizar seu trabalho com qualidade e ética, neste sentido: será que conhecer uma língua, significa que já posso ser um tradutor? A proposta desta unidade é criarmos uma base histórica e conceitual para estudos mais complexos, passo que daremos nas próximas unidades. Portanto, desenvolvemos um material que traz um processo crescente aos nossos saberes sobre a temática tradução e interpretação. Espero que vocês entendam o tamanho da responsabilidade e curtam esse mundo da tradução tanto quanto nós! Bons estudos. 2 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS Olá caros alunos, iniciaremos agora uma viagem para o mundo da tradução, uma área de estudo riquíssima e, a partir dela conseguiremos aprender e vivenciar outras culturas e línguas, porém adiantamos a vocês que esta é uma área de estudo muito desafiadora. No decorrer da disciplina vocês perceberão o quão rico e instigador é este campo de estudo, sendo, esta disciplina um começo para novas perspectivas e reflexões dos futuros profissionais. 9 Durante toda a disciplina refletiremos sobre o conceito de tradução e interpretação, os quais possuem perspectivas e conceitos diferentes, dependendo da vertente que se adota nos estudos. Neste material, separaremos as matérias da tradução dos estudos da interpretação, de forma a conceituarmos e compreendermos a diferença entre eles, tanto na concepção das línguas orais, quanto das línguas de sinais. O verbo “traduzir” vem do verbo latino traducere, que significa “conduzir ou fazer passar de um lado para o outro”, algo como “atravessar” (CAMPOS, 1987). O tradutor, em seus estudos relacionados às línguas orais também pontua que, “traduzir nada mais é que isto: fazer passar, de uma língua para outra, um texto escrito na primeira delas. Quando o texto é oral, falado, dizemos que há “interpretação”, e quem realiza então é um intérprete” (CAMPOS, 1987, p. 7). Quando estudarmos mais profundamente a temática na abordagem da língua de sinais, conheceremos diferentes alternativas e áreas de trabalho tanto na tradução quanto na interpretação não restritas a textos orais ou escritos. Autores defendem a ideia de que a tradução e interpretação são conceitos que se remetem a tarefas distintas. Traduzir estaria ligado à tarefa de versar de uma língua para outra trabalhando com textos escritos. Desse modo, o tradutor teria tempo para ler, para refletir sobre as palavras utilizadas e os sentidos pretendidos e, ao traduzir para a língua-alvo, poderia consultar dicionários, livros, pessoas na busca de trazer os sentidos pretendidos do modo mais adequado. Já interpretar está ligado à tarefa de versar de uma língua para outra nas relações interpessoais, trabalhando na simultaneidade, no curto espaço de tempo entre o ato de enunciar e o ato de dar acesso ao outro àquilo que foi enunciado. Assim, o intérprete trabalha nas relações sociais em ato, nas relações face a face, e deve tomar decisões rápidas sobre como versar um termo ou um sentido de uma língua para outra, sem ter tempo para reflexões. (LACERDA, 2015, p. 15). Em vários momentos, surgirão questionamentos sobre essas linhas de pesquisas, mas ao longo de nosso estudo nos comprometemos a deixar o mais claro possível, a fim de chegarmos a um consenso quanto às duas perspectivas. O objetivo deste consenso está ligado à última unidade, composta por exercícios práticos, os quais serão desafios e, ainda, abordarão a língua de sinais. 10 O campo de estudo que investigaremos tem caráter desbravador, isto é, seu início se deu a partir do momento que povos, culturas e línguas diferentes começaram a ter contato umas com as outras, como também com base na necessidade de comunicação entre os povos. Estas ações fizeram com que as práticas tradutórias começassem a surgir, obviamente, não como estudamos e vemos hoje, mas com suas particularidades conforme as diferentes épocas e contextos. Segundo Campos (1987), historicamente, a questão da tradução surgiu pela necessidade que todos os envolvidos na construção da maior torre já vista - Torre de Babel – tinham de se comunicar, visto que a ideia desta construção era que a mesma alcançasse o céu, entretanto este grande projeto não estava sendo visto com bom grado pelo Senhor dos Exércitos, sendo assim, fez com que todos os envolvidos no projeto não conseguissem/pudessem se comunicar mais. Pode-se mesmo dizer que, biblicamente ao menos, a tradução nasceu de uma confusão. Todo mundo conhece a história bíblica da Torre de Babel, uma torre que alguns homens queriam construir altíssima com a pretensão de por ela chegarem ao céu; mas o Senhor dos Exércitos não aprovou o projeto daqueles pretensiosos e resolveu atrapalhar a comunicação na Torre: fez que se confundissem as línguas, um sem compreender o que outro queria dizer, e a incrível construção ficou por terminar, a meio caminho do seu tão almejado objetivo. (CAMPOS, 1987, p. 10). As comprovações históricas mostram quão antiga é a ideia da possibilidade de diferentes povos e culturas se comunicarem. A prática tradutora é muito antiga, visto que a necessidade de comunicação entre culturas e povos é tão antiga quanto a prática. A antiguidade deste mito bíblico, que se lê no Antigo Testamento, pode dar uma ideia de como é velha neste mundo a prática da tradução; pois é de imaginar-se que em pouco tempo começasse a haver na Torre de Babel pessoas com certa capacidade de entenderem mais de uma língua ao mesmo tempo, e que essas pessoas entrassem a atuar como elos de comunicação entre as que tinham línguas diferentes, como intérpretes e tradutoras, portanto. E desde aí, desde os seus 11 primórdios, a tradução teve sempre quem se pronunciasse a favor dela ou contra ela. (CAMPOS, 1987, p. 10). Para entendermos um pouco mais sobre tradução, primeiramente, precisamos dialogar um pouco sobre linguagem, esta, que é tão essencial para a vida humana, pois é a partir da linguagem, que todas as relações sociais acontecem, a aprendizagem e a construção da identidade, além do mais, é por meio da língua que expressamos e disseminamos o conhecimento. A linguagem e a vida são uma coisa só. A linguagem não é nenhum detalhe, então, é essencial, é substancial. Não é acessório do humano,é condição da sua existência. O que vale para a língua vale também para as línguas – o que vale para as línguas vale também para a linguagem muito individual de cada falante: não existe identidade sem a língua. Não somos nada sem a língua. O meu falar caracteriza a minha personalidade; a minha língua seja ela o português brasileiro, seja ela Libras, seja ela a Língua de Sinais na Áustria, tem um forte impacto sobre a minha maneira de ver o mundo e sobre a minha maneira de ser alguém no mundo. (WERNER, 2009. p. 03). Como Werner (2009) expressa, brilhantemente, em suas escritas, a vida e a linguagem são uma coisa só, não conseguimos dissociar uma da outra. Vamos imaginar quão triste é não ter a possibilidade de se expressar, transmitir suas frustrações e alegrias, do transtorno em não ser entendido. Refletiremos sobre isso, mais detalhadamente, na última unidade que estudaremos juntos, porém, pensem comigo, quantos surdos ainda estão à mercê de uma vida restrita, sem língua alguma? Por muitas vezes nos vemos horrorizados pelos noticiários, vivenciados no nosso dia a dia - “meninas encontradas na floresta sem comunicação alguma”, “criança foi trancada no porão de casa e desconhecia as formas de linguagem quando encontrada”. Os noticiários são chocantes, mas já pararam para pensar que isso pode estar acontecendo próximo de nós? Quantos surdos vocês já conheceram que não possui e não domina nem a língua de sinais, nem a língua oral de forma escrita? Uma “comunicação” dentro de casa precária ou que simplesmente não exista, que não vão à escola, e quando vão, não possuem uma escolarização adequada, para que consigam desenvolver a língua? Esses 12 fatos são mais recorrentes do que imaginamos, a língua é essencial, e precisamos dela para viver. A linguagem permite à criança obter explicações sobre o funcionamento das coisas do mundo e sobre as razões do comportamento das pessoas. Se não houver uma base linguística suficientemente compartilhada, e um bom nível de competência linguística para permitir uma comunicação ampla e eficaz, o mundo da criança ficará confinado a comportamentos estereotipados aprendidos em situações limitadas. (CAPOVILLA, 2000, p. 100). Sendo assim, a linguagem é essencial à vida humana, para nos definirmos e construirmos como pessoas, para entendermos nosso papel perante a sociedade, para estabelecer nossa identidade cultural. O estudioso Capovilla (2000) nos permite compreender essa essencialidade de forma clara, para comprovarmos essa afirmação: A linguagem tem a importante função interpessoal de permitir a comunicação social, ela também tem a vital função interpessoal de permitir a comunicação social, ela também tem a vital função intrapessoal de permitir o pensamento, a formação e o reconhecimento de conceitos, a deliberada resolução de problemas, a atuação refletida e a aprendizagem consciente. (CAPOVILLA, 2000, p. 100). Enfim, é preciso entender o quão importante foi essa breve reflexão sobre a linguagem, pois sem ela não haveria a comunicação entre os povos, seja nas línguas orais ou nas línguas de sinais, não haveria a troca cultural entre os povos, como também, não haveria a tradução. Podemos, então, concluir e compreender a importância da língua como ferramenta social, como ferramenta cultural, sobretudo a sua relevância para a comunicação entre os seres humanos, logo, se temos a língua essencial às trocas sociais, temos a tradução somada a essa troca, ou seja, não se pode desligar o uso da língua, em diversos contextos sociais, e ato tradutório. Para Oustinoff (1956, p. 12), “a primeira função da tradução é, então, de ordem prática: sem ela, a comunicação fica comprometida ou se torna impossível”. O processo histórico que universalizou a tradução começou desde 13 sempre, podemos citar aqui como exemplo a primeira tradução da bíblia, atualmente, o texto bíblico é mais foi traduzido no mundo, foram muitas e muitas línguas, atingindo diferentes povos, culturas e regiões da terra. Segundo Oustinoff (1956), os textos bíblicos foram o objeto de maior empreendimento dentro da história da tradução, e isso até os dias atuais. Com a tradução podemos manter uma língua viva e transformar a sua condição de sobrevivência para Oustinoff (1956, p. 12), “uma língua que não se consegue mais traduzir é uma língua morta, antes de a tradição vir a ressuscitá- la”. Se ignorarmos a existência da tradução, perderemos uma língua e, consequentemente, uma cultura e um povo. Assim, vemos, mais uma vez, a importância da tradução e como ela pode colaborar ao uso e à difusão da língua de um povo a outro grupo social. Caros alunos agora chegamos ao fim da nossa primeira reflexão, logo, destacam-se dois pontos cruciais, primeiramente, a importância da linguagem para o ser humano, e não menos importante da tradução como ferramenta social, em prol da continuidade destas línguas e da comunicação entre os povos. Ou seja, espera-se do profissional, nos casos da tradução cultural, um grau de intervenção bastante acentuado, inclusive ciente de que suas escolhas lexicais, terminológicas e culturais podem afetar os processos de visibilização ou de apagamento de certos povos. (SANTOS e FRANCISCO, 2018, p. 2940). Oustinoff (1956) conclui que “a tradução é uma operação de natureza dinâmica, nunca estática”, por isso o tradutor e o intérprete estão em evidência na sociedade, por esse motivo os estudos e as pesquisas pertinentes à área estão crescendo cada vez mais e, estão em constante debate. 14 3 CONCEITOS E ASPECTOS DA TRADUÇÃO Iniciaremos este segundo tópico, informando que discutiremos aqui conceitos importantíssimos, que você como futuro tradutor e intérprete de Língua Brasileira de Sinais, precisa compreender, dominar e distinguir. No decorrer deste tópico estudaremos os diferentes tipos de tradução - tradução intralingual, tradução interlingual e tradução intersemiótica, à luz do estudioso Roman Jakobson (1959). A tradução intralingual, também chamada de reformulação, implica em uma interpretação dos signos verbais por meio de outros signos verbais, porém dentro da mesma língua. Vocês podem estar se perguntando, como assim professora, dentro da mesma língua? Sim, é possível ocorrer tradução dentro da mesma língua, podemos citar o exemplo de textos mais antigos, escritos em português e a reformulação destes mesmos textos para o português atual. Como falamos no tópico anterior, a bíblia é o texto em maior evidência dentro da área da tradução, mostraremos para vocês um exemplo, para que fique mais claro o entendimento sobre a concepção de tradução intralingual utilizando como base as escrituras bíblicas. 15 Com o avanço da tecnologia, são inúmeros os aplicativos, disponíveis para baixarmos em nossos celulares, tablets e computadores. Buscamos no aplicativo a palavra “bíblia”, para minha surpresa existem diferentes opções e com diferentes focos – Bíblia para criança, mulheres, linguagem atual, entre outros – optamos pela Bíblia na linguagem atual, quando instalada, buscamos então o trecho bíblico que fala sobre a Torre de Babel, assunto pertinente à tradução, e que já estudamos, anteriormente. Mas professora aonde você quer chegar com tudo isso? Pois então, na imagem que veremos a seguir, temos um exemplo de tradução intralingual. A primeira imagem (Capítulo 11 de Gênesis – texto conciso) da Figura 1, foi retirada de uma bíblia física, com uma escrita mais tradicional, já na segunda imagem, temos o mesmo texto proveniente de um aplicativo intitulado “Bíblia Linguagem Atual”, que como o nome diz, faz uso de uma linguagem mais atual, simples e compreensível. Quando olhamos as imagens, percebemos, facilmente as reformulações existentes entre um texto e outro. Analisemos a imagem presente na Figura 1, quais consideraçõesvocê pode fazer em relação às duas imagens? Você acha que mudou o sentido? O significado? E o objetivo final do texto? 16 Figura 1 - Imagens de textos bíblicos – Bíblia Física e de Aplicativo, respectivamente. Fonte: Imagem da autora No versículo 3 dos excertos da Figura 1 temos um exemplo claro da tradução intralingual, vamos juntos analisar as escolhas feitas nos dois textos: isto é, as escolhas lexicais e terminológicas foram diferentes, porém a mensagem é a mesma, obtendo, assim, o mesmo sentido e objetivo ao final do texto. Desta feita, observa-se que o sentido do texto permaneceu, nas duas versões, ou seja, estão falando de materiais para a construção. O significado de contar um momento da rotina de construção permaneceu, portanto se a primeira versão for lida por um adolescente dos dias de hoje terá um pouco de dificuldade em reconhecer alguns termos e construir o significado. Veja a comparação no Quadro 1 - Quais considerações você pode fazer em relação às duas imagens? Você acha que mudou o sentido? O significado? E o objetivo final do texto? Quadro 1 – Versículo 3 – Gênesis – Bíblia Física e Aplicativo Disseram uns aos outros: “Vamos fazer tijolos e cozê-los ao fogo”. Usaram tijolos, em vez de pedras, e betume, em vez de argamassa. [...] Tornemos célebre nosso nome, para não sermos dispersos sobre toda a terra”. Um dia disseram uns aos outros: - Vamos, pessoal! Vamos fazer tijolos queimados! Assim, eles tinham tijolos para construir, em vez de pedras, e usavam piche, em vez de massa de pedreiro. [...] Assim ficaremos famosos e não seremos espalhados pelo mundo inteiro. Fonte: elaborado pela autora. Observa-se que o significado do texto pode mudar, dependendo de quem faz a leitura e, por isso, a tradução intralingual tem seu valor e sua necessidade, de acordo com o público a que se destina. Desta maneira, a tradução intralingual consiste na tradução para o mesmo signo linguístico, por exemplo: do português para o português, do inglês para o inglês, isto é, do inglês britânico para o inglês americano. Outro exemplo que podemos oferecer é com a tradução de uma sinalização de um adulto surdo para uma criança surda, isto é, o sinalizante, provavelmente, utiliza sinais mais simples e compreensíveis para uma criança em fase de desenvolvimento de língua. 17 Outro conceito importante que precisamos aprender é o de tradução interlingual, este é um pouco mais fácil de compreender, pois é mais comum ao nosso cotidiano. Tradução interlingual consiste em interpretação de signos verbais por meio de outra língua. Por exemplo: do inglês para o português, Italiano para o Francês, Português para Libras e, assim por diante. Na imagem da Figura 2 temos a exemplificação deste conceito. Figura 2- Imagens de trechos do livro do Pequeno Príncipe – Francês, Português e Espanhol respectivamente. Fonte: Mensagens 10, 2019. As três imagens referem-se a um pequeno trecho muito conhecido do livro “Pequeno Príncipe” do autor Antoine de Saint-Exupéry, cuja primeira versão foi lançada em 1943. Temos a tradução em três línguas: Francês, Português e Espanhol. Por último, mas não menos importante, temos a tradução intersemiótica, esta consiste em uma interpretação dos signos verbais por meio de sistemas de signos não verbais. Alguns exemplos seriam: vídeos, história em quadrinhos, música, dança, pintura, cinema, entre outros. É possível também, encontrarmos tradução intersemiótica entre dois signos não verbais. 18 Na imagem da Figura 3 contemplamos um nítido exemplo de tradução intersemiótica - o livro do Harry Potter, da autora J. K. Rowling, que foi adaptado e produzido para as telas do cinema. Em uma das imagens temos a capa do livro e na outra a capa do DVD do filme. Figura 3- Harry Potter e a Pedra Filosofal – imagens do livro e DVD. Fonte: Imagem da autora. Na Figura 3 podemos observar um exemplo de tradução intersemiótica, um livro que foi traduzido/adaptado para as telonas. Os próximos conceitos que estudaremos neste tópico serão de língua- fonte e língua-alvo. Língua-fonte é a língua que o tradutor ou intérprete vê ou ouve e, a partir dela faz todo o processo tradutório para outra língua. Já a língua-alvo, é a língua de destino de todo o processo de tradução. Por exemplo, em um seminário de Literatura Brasileira, a língua-fonte, na qual está sendo produzido o discurso é o Português e, a língua-alvo, pela qual está ocorrendo o processo de interpretação, é a Libras, podendo, então, ser compreensível aos públicos a que se destinam: o ouvinte e a comunidade surda. 19 Durante todo o processo tradutório precisamos ter a preocupação em relação à estrutura da língua, a intenção do autor, bem como o respeito cultural da língua-alvo. Quando pensamos em todos estes referenciais no campo da tradução, chegamos a um ponto primordial para analisarmos, que é a coerência que o trabalho teve em seu produto final. Todos estes questionamentos englobam a discussão e reflexão de um único conceito - o da ‘fidelidade’ - um tema polêmico, notório quando buscamos este tema na Internet e, encontramos as discussões realizadas há muito tempo no campo no que tange à tradução. Segundo Vasconcelos e Junior (2009, p. 12) a fidelidade está relacionada a questão da autonomia do tradutor/ intérprete, pois no momento em que é realizado determinada leitura daquele trabalho que está sendo realizado, as concepções teóricas condizem com a realidade vivida naquele momento. Será que uma tradução termo a termo, palavra a palavra significa ser coerente e atinge o objetivo do texto-fonte? Vamos pensar nas possibilidades dos erros que podem ocorrer devido à semântica da palavra, bem como outras possibilidades, como a incompatibilidade com a estrutura linguística entre outros. A tradução termo a termo leva, tanto em um caso como no outro, a resultados desastrosos, agravados pela rapidez do exercício, mesmo quando se trata de passagens tão fáceis de entender (...). (OUSTINOFF, 1956, p. 100). Por exemplo, como sinalizar em Libras a frase: QUANDO EU TINHA 10 ANOS, GOSTAVA MUITO DE BRINCAR DE BONECA Português QUANDO – EU – TER – 10 – ANOS – GOSTAR – MUITO – BRINCAR – BONECA Tradução palavra por palavra PASSADO - IDADE - 10 - GOSTAVA (INTENSIDADE) - BONECA – BRINCAR Tradução de sentido Nesse exemplo, observamos que a tradução de sentido fica mais coerente ao objetivo final do texto, sendo que a tradução palavra por palavra 20 pode ficar incompreensível para o interlocutor surdo, visto que não respeita a estrutura linguística da Língua Brasileira de Sinais (SVO). A maior vantagem de uma representação dessas é ressaltar o fato de que a tradução não é simplesmente uma operação literária ou uma operação linguística, mas também uma operação conceitual: o tradutor não é um mero executor, um simples técnico da linguagem. As operações nas quais ele se empenha são da ordem do conceito. (OUSTINOFF, 1956, p. 103). Vocês devem estar se perguntando: mas por que estamos falando sobre tradução palavra por palavra se o assunto era fidelidade, professora? Como disse Oustinoff (1956), traduzir não é meramente uma operação literária ou linguística, estamos falando em passagens de conceitos, conceitos coerentes na língua-alvo, mantendo o objetivo da mensagem do locutor e respeitando sua cultura. Contudo, se concluímos que toda a tradução é fiel às concepções textuais e teóricas da comunidade interpretativa a que pertence o tradutor e também aos objetivos que se propõe, isso não significa que caem por terra quaisquer critérios para a avaliação de traduções (ARROJO, 1986, p. 45). A questão da fidelidade é muito ampla, vai depender da interpretação que o tradutor aplica ao texto-fonte, bem como sua própria concepção de tradução,conforme Arrojo (1986) pontua em seus textos. Sendo assim, nós tradutores seremos fiéis à nossa interpretação textual do texto-fonte e a nossa interpretação do texto-fonte implica em vários outros fatores externos, como: sentimentos, pensamentos e a nossa construção social de um modo geral. No entanto, por mais que o tradutor esteja imbuído do sincero propósito de oferecer um texto isento de vícios, incorreções e imprecisões (não querendo, aqui, dar uma ideia negativa da tradução), por vezes, os obstáculos são intransponíveis e aquilo que pretendia ser uma tradução se torna inevitavelmente também uma interpretação. Isso acontece por uma simples razão: toda língua possui suas peculiaridades, sua beleza, seus trocadilhos e suas ambiguidades poéticas, resistindo a todos os esforços do tradutor no sentido de adaptá-la a outro idioma. (PENA, 2009, p. 3). 21 Por fim, sabemos que a tradução ocorre em um determinado tempo e cultura, porém o importante na questão da fidelidade é o tradutor saber transformar a mensagem da língua-fonte para a língua-alvo, levando em consideração o sentido, o objetivo daquele texto e a estrutura das línguas envolvidas. Reflita! Há uma banda curitibana formada por mulheres, cujo objetivo é disseminar a independência e a valorização das mulheres no hodierno, o nome é Mulamba. Pensando nisso, convido vocês a ouvirem uma música da banda e a analisar sua letra, que tem uma forma única de lidar com o cotidiano feminino. Pergunto a vocês: as mulheres surdas precisam participar desta luta também? Como poderiam ter acesso a essa música? Óbvio, que por meio de uma interpretação/tradução em Libras, sendo assim, solicito que leiam a letra da música, pensem em alguns dos conceitos aprendidos – intralingual, interlingual, fidelidade – e assistam ao vídeo da interpretação feita pelo Jonatas Medeiros, TILS da UFPR. Ontem desci no ponto ao meio dia Contramão me parecia Na cabeça a mesma reza Deus, que não seja hoje o meu dia Faço a prece e o passo aperta Meu corpo é minha pressa Ouviu-se um grito agudo engolido no centro da cidade E na periferia? Quantas? Quem? O sangue derramado e o corpo no chão Guria Por ser só mais uma guria Quando a noite virar dia Nem vai dar manchete (nem vai dar manchete) Amanhã a covardia vai ser só mais uma que mede, mete, e insulta Vai filho da puta Painho quis de janta eu Tirou meus trapos, e ali mesmo me comeu De novo a pátria puta me traiu E eu sirvo de cadela no cio E eu corro (eu corro) Pra onde eu não sei (pra onde eu não sei) Socorro (socorro) Sou eu dessa vez (sou eu dessa vez) E eu corro (eu corro) Pra onde eu não sei (pra onde eu não sei) Socorro (socorro) Sou eu dessa vez (sou eu dessa vez) Hoje me peguei fugindo E era breu, o sol tinindo Lá vai a marionete Nada que hoje dê manchete (E ainda se escuta) 22 A roupa era curta Ela merecia O batom vermelho Porte de vadia Provoca o decote Fere fundo o forte Morte lenta ao ventre forte Eu às vezes mudo o meu caminho Quando vejo que um homem vem em minha direção Não sei se vem de rosa ou espinho Se é um tapa ou carinho O bendito ou agressão E se mudasse esse ponto de vista E o falo fosse a vítima O que o povo ia falar? Trocando, assim, o foco da história Tirando do homem a glória De mandar nesse lugar Socorro tô num mato sem cachorro Ou eu mato ou eu morro E ninguém vai me julgar E foda-se se me rasgar a roupa Te arranco o pau com a boca E ainda dou pra tu chupar Pra ver como é severo o teu veneno Eu faço do mundo pequeno E Deus permita me vingar E Deus permita me vingar E Deus permita me vingar E eu corro Pra onde eu não sei (pra onde eu não sei) Socorro Sou eu dessa vez Morreu na contramão atrapalhando o sábado (Pra onde eu não sei) Agonizou no meio do passeio público (Sou eu dessa vez, e eu corro) Morreu na contramão como se fosse máquina (Pra onde eu não sei, socorro) Seus olhos embotados de cimento e tráfego (Sou eu dessa vez) Amou daquela vez como se fosse máquina (Pra onde eu não sei, socorro) Amou daquela vez como se fosse a última (Sou eu dessa vez) Link do vídeo da música: https://www.youtube.com/watch?v=ZdpZ-93uUnY Link do vídeo da interpretação: https://www.youtube.com/watch?v=_CqXvDF8SJg Analisem se a mensagem foi passada, se o objetivo da música foi atingido, pensem sobre a construção das línguas e suas estruturas: há a utilização de elementos gramaticais da Libras presentes na interpretação que 23 deixou o significado claro ao público-alvo? E, por fim, entendam como é importante e fundamental o papel do tradutor e intérprete de Libras. 4 O PROFISSIONAL TRADUTOR Caros alunos, neste último tópico da unidade haverá uma discussão sobre a formação do tradutor. Durante este capítulo fizemos algumas breves comparações/relações com as línguas sinais, desta feita, isso será discutido de maneira mais aprofundada em nossa última unidade, inicialmente abordaremos as línguas orais. Como vimos anteriormente, os tradutores surgiram a partir da necessidade da comunicação e troca entre os povos, uma atividade milenar. Contudo, a grande preocupação até os dias atuais diz respeito ao modo como ocorre a formação destes profissionais. 24 Recentemente a tradução começou ganhar espaço no meio acadêmico. Antes estar neste espaço, era discutida de forma breve, com pouca notoriedade dentro da área da Literatura e da Linguística. Segundo Paschoal (2007) somente a partir de 1970, a tradução começou ganhar popularidade, o que instigou discussões relevantes a seu respeito e, assim, ganhou espaço como disciplina específica, mas considerada, apenas, uma formação complementar nos cursos de Letras. Sabemos que o ato de traduzir requer muitas competências, o que implica numa formação mais específica e completa, pois a formação de um professor de línguas requer outras competências profissionais. No Brasil, a Tradução, situada na área de Letras, é muitas vezes considerado um complemento da formação e, consequentemente, não proporciona ao futuro profissional o instrumental de que precisa para exercer sua função, já que é restrita: não se pretende dizer que os conhecimentos adquiridos no curso de Letras não sejam necessários à formação do tradutor, mas é preciso aceitar que os níveis de exigência e conhecimento de algumas disciplinas podem variar significativamente na formação do tradutor e do professor de línguas estrangeiras. (PASCHOAL, 2007, p. 216). Conforme estudamos durante toda essa unidade comprovamos que o processo de tradução não é somente a transferência de ideias de uma língua para outra, a tradução precisa levar em consideração a cultura, o público-alvo, a língua, entre outras peculiaridades do processo tão rico e detalhado que é o processo tradutório. Sendo assim, Paschoal (2007) pontua alguns vieses que a formação de um tradutor precisa ter, a fim de mostrar como a formação necessita ser o mais completa possível, pois o futuro profissional necessita dominar e adquirir o conhecimento exigido para a atuação na área. Dentre alguns pressupostos que consideramos mais importantes para a formação de tradutores, indicamos os seguintes: a) língua materna, b) língua estrangeira, c) relações entre teorias linguísticas e tradução, d) cultura estrangeira, e) tradução de textos técnicos. (PASCHOAL, 2007, p. 217). 25 Para Paschoal (2007) a formação do tradutor contribui para o desenvolvimento das habilidades necessárias para atuação, sendo que em um curso de formação não é necessário a sistematização e normalização em diferentes etapas, mas sim, que as formações busquem a cooperação de diferentes disciplinas,buscando uma formação geral e completa em todos os âmbitos, língua e tradução. Segundo Pagano (2009), a formação do tradutor requer o desenvolvimento de habilidades que vão muito além do conhecimento linguístico, por isso os cursos de formação precisam ter um olhar especial com a prática tradutória e o processo tradutório em si, garantindo ao estudante de tradução o desenvolvimento de percepções mais acentuadas em relação à prática, conhecer as teorias e oportunizar a reflexão destas ações e, ainda, fazer a relação prática versus teoria. Conforme suas reflexões, Paschoal (2007) compreende que a grande preocupação que os cursos e os formadores necessitam ter é a clareza das intenções neste contexto, que é formar tradutores e não teóricos da tradução. Arrojo (1986) também complementa esse pensamento dizendo: ao considerarmos a tradução uma atividade essencialmente produtora de significados, e ao considerarmos o trabalho do tradutor pelo menos não complexo quanto o do escritor de textos “originais”, fica evidente que não pode haver fórmulas mágicas nem atalhos fáceis para se aprender a traduzir (ARROJO, 1986, p. 76). Como pontua Arrojo (1986) não existem fórmulas mágicas e caminhos fáceis para ser um tradutor, é necessário que compreendamos a importância que a profissão tem diante de seu papel social, por isso prescinde de muito estudo, dedicação, envolvimento na cultura-alvo e empenho. 26 A formação adequada do profissional tradutor implica no domínio das estratégias tradutórias, as quais ele deve ter ao realizar o seu trabalho. Posto isto, enumeramos algumas das principais competências que o tradutor precisa ter – competência linguística, competência tradutória e, por último, e não menos importante, a competência referencial. Segundo Pagano (2009, p. 12) “a prática da tradução requer estratégias de diversas naturezas, algumas das quais podem ser adquiridas por meio da experiência, sendo que outras podem ser desenvolvidas ou aperfeiçoadas pela formação profissional”. Competência linguística segundo Roberts (1992, apud Quadros, 2004) é a habilidade que o profissional precisa ter em manipular as línguas envolvidas nos processos tradutórios, compreender e usar as línguas enredadas em todos os seus aspectos, expressando-se corretamente, fluentemente e da forma mais clara possível, na língua-alvo. Além da complexa tarefa de dominar as línguas envolvidas no processo, aprender a traduzir significa necessariamente aprender a “ler” (...) aprender a “ler” significa, portanto, aprender a produzir significados, a partir de um determinado texto, que sejam “aceitáveis” para a comunidade cultural da qual participa o leitor (ARROJO, 1986, p. 76). É importante compreendermos que a competência linguística engloba as duas línguas envolvidas, isso significa que tanto o tradutor quanto o intérprete 27 precisam dominar a língua em todos os seus níveis, lexical, semântico, sintático, pragmático, as terminologias, entre outros. Para Vasconcellos e Junior (2009, p. 15) “A competência linguística é uma condição essencial – ou seja, sem ela não é possível realizar um ato tradutório – mas não suficiente – ou seja, apenas o conhecimento dos dois códigos não faz de um indivíduo um tradutor/intérprete.”. Isso significa, caros alunos, que só dominar a língua, não te constitui um tradutor ou um intérprete, existem outras exigências e competências que estes profissionais necessitam ter para desempenhar a função. Vamos usar como exemplo a Libras, visto que hoje em dia é comum e normal (ainda bem!), as pessoas procurarem fazer cursos de Libras, muitos acabam se aprofundando no assunto, buscam outros meios e se tornam fluentes na Língua Brasileira de Sinais, mas será que para atuar como um tradutor ou intérprete conhecer a língua basta? Como eu disse desde o começo desta unidade, o ato tradutório é muito mais complexo do que imaginamos. Outra competência importante deste tripé profissional é a competência referencial, esta como diz o nome, é a competência de buscar, dominar e socializar com o assunto abordado no trabalho aceito. Sabemos que a formação dos tradutores é muito ampla (falaremos mais sobre isso na unidade III), isto é, a formação não ocorre em áreas específicas de atuação, por isso o tradutor precisa buscar o conhecimento nas áreas específicas de atuação. Já a competência tradutória contempla várias outras habilidades, segundo Pagano (2009) “pode ser definida como todos aqueles conhecimentos, habilidades e estratégias que o tradutor bem-sucedido possui e que conduzem a um exercício adequado da tarefa tradutória”. Conforme Hurtado (2005) indica, o conceito de competência tradutória já vem sendo discutido e estudado desde os meados de 1990, diante dessas discussões realizadas foram várias as perspectivas e modelos propostos para conceituar e explicar essa competência. Vários destes modelos buscam pontuar as habilidades que compõem esta competência - como cita Hurtado (2005), “conhecimento linguístico, culturais, de documentação, capacidade de transferência etc.”. Porém são diversas as perspectivas referentes a este ponto: 28 Outros autores (Lowe, Pym, Hatim e Mason) preferem falar de “habilidades e destrezas tradutórias”. Lowe aponta características tais como: compreensão leitora e capacidade de redação, velocidade etc.; Pym destaca a habilidade de gerar diferentes opções e de selecionar uma única delas em função dos fins específicos e do destinatário; Hatim e Mason postulam destrezas de processamento do texto original (reconhecer a intertextualidade, localizar a situacionalidade, inferir a intencionalidade, valorizar a informatividade etc.) e de processamento do texto de chegada (estabelecer intertextualidade e situacionalidade, criar intencionalidade, equilibrar a informatividade etc.) e habilidades de transferência para renegociar estrategicamente com eficácia, eficiência e relevância. (HURTADO, 2005, p. 23). Então, é necessário ter um equilíbrio nestas competências e habilidades. O profissional deve pensar no público-alvo e fazer o seu máximo para atingi-lo, por isso, estamos aqui, neste momento, buscando um bom desenvolvimento nas habilidades e competências. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 29 Compreendemos durante esta unidade o quão complexo é o trabalho do tradutor, uma vez que traduzir não é apenas a passagem de uma palavra de uma língua para outra, vai muito além, como falamos durante toda essa leitura. Quão trabalhoso é o processo tradutório, cabendo a nós, profissionais tradutores, fazer escolhas que sejam mais viáveis e coerentes à língua-alvo, à cultura e ao público que irá utilizar aquela tradução. Precisamos estar cientes e conscientes do trabalho que assumiremos, além disso, nos questionarmos a respeito da nossa competência sobre determinado trabalho. Sempre nos perguntarmos: será que eu possuo as competências necessárias para exercer e assumir esse trabalho? Isto porque está em nossas mãos, literalmente, o entendimento e até a única forma de adquirir informações sobre alguns assuntos. É importante compreendermos que no mundo complexo da tradução não podemos viver sozinhos, a crítica construtiva de outro colega de profissão, que exerce a função há mais tempo, por exemplo, só vem a colaborar e aprimorar nosso serviço. Quando surgem dúvidas sobre alguma coisa no momento da tradução podemos buscar livros, glossários, dicionários, como também, fazer trocas e reflexões com os nossos pares, que já possuem mais experiência e tempo de trabalho. As trocas são riquíssimas e nos ajudam a construir nossa identidade profissional! Busquem colocar em prática tudo que aprendemos durante esta unidade, agora é o momento de fazer a relação teoria e prática, que é tão importante neste processo de formação de vocês. A partir deagora as suas escolhas tradutórias serão mais conscientes e caberá a você distinguir se foi uma boa escolha ou não. Lembre-se sempre de seu papel social como tradutor, se pensarmos, especificamente na comunidade surda, imaginem que maravilhoso seria se tudo fosse de fácil acesso e compreensível a eles? Cabe a nós (sim, nós tradutores, surdos e comunidade em geral) lutarmos pelo direito linguístico e tradutório destes cidadãos, para que eles possam ter o direito de informação tanto quanto nós. 30 Nunca se esqueça: a tradução permite que línguas e culturas continuem vivas e cabe a nós esta tarefa. Por isso, sempre anseie em conhecer, estudar, aprimorar e refletir sobre o seu ato tradutório. 31 DISCIPLINA – FUNDAMENTOS DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO UNIDADE II – ESTUDOS DA INTERPRETAÇÃO Professora – Maria Helena Nunes Almeida Objetivo da aprendizagem: ● Definir conceitos da área de interpretação; ● Compreender as especificidades da área; ● Reconhecer os processos de uma interpretação; ● Apresentar exemplos da área de estudo. Plano de estudo: ● Tópico 1 – Fundamentos históricos da Interpretação. ● Tópico 2 – Conceitos e aspectos da interpretação. 32 1 INTRODUÇÃO À UNIDADE Caros alunos, durante a leitura desta unidade, aprenderemos um pouco sobre o mundo da interpretação, tentei organizar essa disciplina de forma que estudássemos de forma separada o conceito de tradução e interpretação, porém, como vocês já perceberam, são conceitos estudados de forma conjunta e, muitas vezes, indissociáveis. Durante a unidade II, retomaremos alguns pontos históricos sobre o profissional intérprete, bem como, todo processo de formação destes profissionais. As teorias que trabalharemos são baseadas nas línguas orais, porém sempre farei relações com as línguas de sinais. Trabalharemos com conceitos importantes, como: interpretação simultânea, consecutiva e sussurrada. O intuito é fornecer a vocês, futuros profissionais, exemplos práticos, a fim de visualizarem, de forma mais ampla, a complexidade e responsabilidade do futuro trabalho de vocês. O intérprete, em sua formação, precisa conhecer e dominar estas modalidades de interpretação, pois cada trabalho exigirá uma forma de atuação e cabe ao profissional saber qual é a melhor modalidade de interpretação para cada trabalho. Esta é uma das competências necessárias, que o intérprete deve possuir: saber analisar e escolher o que é mais apropriado diante das circunstâncias de trabalho. Estudaremos, também, a questão da memória e da complexidade do processo de interpretação, visto que, diferentemente, da tradução, a interpretação pode ocorrer de forma simultânea e de contato direto com o público-alvo, o que torna o trabalho mais complexo, podendo ocorrer interferências externas e até problemas técnicos com os equipamentos. Para refletirmos melhor sobre esse ato, usaremos como base Fábio Alves (2009), que em suas pesquisas, discorre sobre memória de curto e longo prazo. Falaremos sobre a importância do trabalho em dupla, da afinidade, respeito e parceria, que deve ocorrer entre os profissionais durante o trabalho, 33 visto que o mesmo exige alta complexidade cognitiva e qualquer deslize no ato interpretativo pode ocasionar um abalo emocional. Para finalizarmos, espero que vocês leiam e olhem, com muita atenção e carinho, todos os vídeos que sugerimos neste capítulo, pois, por meio deles vocês poderão fazer a relação teoria e prática. Vocês, também podem buscar o conhecimento em outros lugares além desta apostila, como, por exemplo, pelo Youtube, o qual consiste em um instrumento riquíssimo, que só veio fortalecer e aumentar nosso conhecimento. Sabendo onde procurar e como procurar, este meio tecnológico é como um grande livro aberto, que nos proporciona conhecimento e incontáveis relações teóricas e práticas. Bons estudos! 2 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DA INTERPRETAÇÃO Olá, caros alunos, no decorrer do estudo deste tópico, conheceremos e construiremos alguns conceitos da área da interpretação, seguindo a mesma linha de pensamento que utilizamos na unidade anterior, todavia, agora, o foco é um pouco diferente, pois exibiremos em detalhes os estudos na interpretação. Perceberemos que muitas coisas vão ao encontro dos estudos da tradução, mas como já explanamos a temática anteriormente, você perceberá que muitas teorias trabalham, não só a tradução, mas também a interpretação dentro da mesma perspectiva. Apesar disso, aqui, separaremos estes dois estudos porque nos estudos da Língua Brasileira de Sinais, estes temas são vistos separadamente, cada um com uma função. Conforme estudamos na primeira unidade, a tradução surgiu a partir da necessidade das trocas já em épocas remotas. A interpretação também não surgiu de modo muito diferente, com base nos livros históricos, a interpretação surgiu durante a guerra, porém, como objeto de estudo é uma área muito recente. Apesar de evidências históricas mostrarem que a interpretação como atividade nas áreas do comércio, diplomacia e 34 negociações de guerra data de milhares de anos, a história moderna da interpretação inicia-se há apenas 100 anos, com as negociações do Tratado de Versalhes, após a I Guerra Mundial, centrada principalmente na interpretação de conferências (PÖCHHACKER, 2004, p. 28, apud CARNEIRO, 2017, p. 3). Segundo Carneiro (2017) logo que este tipo de trabalho começou a ser executado chamou a atenção dos pesquisadores pelo fato de ser uma atividade, extremamente, complexa e única. Impulsionando, a partir de então, os estudos pertinentes à área e a preocupação de formar os profissionais para exercer esse tipo de trabalho. Esse novo campo de estudos logo chamou a atenção dos psicólogos pesquisadores, que se interessaram principalmente pela simultaneidade da escuta e da fala em dois idiomas diferentes e por medições do lapso de tempo ocorrido entre uma e outra. Na década de 1960, impulsiona-se a profissionalização dos intérpretes devido à criação de escolas de tradução/interpretação e à fundação de associações internacionais como a FIT (International Federation of Translators) e a AIIC (International Association of Conference Interpreters), esta última na década de 1950. (CARNEIRO, 2017, p. 3). Conforme Carneiro (2017) explicita em suas pesquisas, todo esse desdobramento histórico favoreceu e incentivou a realização de pesquisas acadêmicas, além do surgimento de escolas específicas para a profissionalização desta função “estabelecendo uma íntima ligação entre a prática profissional, o treinamento em nível universitário e uma linha de pesquisa em tradução/interpretação na Universidade de Paris 3 – Sorbonne Nouvelle” (PÖCHHACKER, 2004, p. 28-29 e p. 35 apud CARNEIRO, 2017, p. 3). O processo de surgimento de o intérprete de Língua de Sinais ocorreu de forma diferente e, também, podemos dizer que isso aconteceu recentemente. Trataremos mais profundamente deste processo histórico e de profissionalização na próxima unidade, pois abordaremos, especificamente, a área da Língua de Sinais. 35 3 CONCEITOS E ASPECTOS DA INTERPRETAÇÃO Iniciaremos nosso estudo em relação aos conceitos e teorias ligadas à área de interpretação. Como dito anteriormente e reiterado ao longo dos nossos estudos, percebemos que o conceito de tradução e de interpretação são utilizados, por muitos pesquisadores das línguas orais, como sinônimos, entretanto, durante esta disciplina e toda a graduação Letras/Libras, vocês compreenderão que na perspectiva das línguas de sinais essas terminologias possuem significados e implicaçõesdiferentes. O primeiro conceito que estudaremos é a interpretação, encontramos este tipo de exercício tanto nas línguas orais como nas línguas de sinais, ela abarca as modalidades oral-auditiva e visual-espacial. Os intérpretes trabalham em situações de tempo real e possuem o diferencial de ter o contato direto com o público-alvo. Características que diferem interpretação de tradução, já que esta, normalmente possui um tempo prévio de estudo e preparação para realizar o trabalho, além disso, o contato com o público-alvo ocorre indiretamente. 36 Quando pensamos na perspectiva das línguas de sinais, esse contato com o público ocorre de forma bem diferenciada em relação às línguas orais, isto é, enquanto o intérprete de língua oral fica dentro de uma cabine, o intérprete de língua de sinais fica em contato direto e exposto para todo o público, seja no palco ou em um local mais próximo do público-alvo, entretanto, exemplificando como ocorreria aqui no Brasil, isso ocorre quando a palestra é ministrada do português (língua-fonte) para a Libras (língua-alvo). Nesta esteira, tivemos alguns avanços no Brasil, por exemplo, em congressos internacionais e específicos da Língua de Sinais, o intérprete já trabalha dentro de uma cabine, quando a interpretação ocorre em Libras (língua- fonte) para o Português (língua-alvo), o que antes ocorria de forma mais ‘precária’, pois o profissional fazia a interpretação sentado no auditório junto aos outros participantes (o que implica em muitas interferências), hoje, este trabalho ocorre dentro de uma cabine, com abafamento de som, sem interferências tecnológicas e humanas, assim como em interpretações de línguas orais. Claro, estamos falando de congressos maiores, com mais recursos, porém já é uma nova perspectiva e novas possibilidades para a realização de um trabalho mais adequado e seguro. Em uma situação ideal, o intérprete funciona como um transformador. Entra 110, sai 220. Entra 220, sai 110. Entra espanhol, sai português. Entra português, sai espanhol. Como a comunicação é processo dinâmico, a situação envolve mais que a mera substituição de palavras. a depender das línguas em questão, pode haver alterações estruturais e semânticas a compensar, além de expressões idiomáticas que não encontram correspondente imediato na língua de chegada. Há sempre alguma variação, e o intérprete se vê diante da necessidade não apenas de trasladas palavras, mas de adaptar conceitos. (MAGALHÃES, 1963, p. 45). A interpretação simultânea é a mais comum encontrarmos em congressos e/ou eventos. Interpretação simultânea significa ‘ao mesmo tempo’, o que quer dizer que ocorre durante a fala do palestrante, conforme ele vai explicitando seu discurso por meio da língua-fonte, o intérprete vai fazendo a interpretação para a língua-alvo. Magalhães (1963) descreve como ocorre a interpretação simultânea na perspectiva das línguas orais: 37 Já na interpretação simultânea propriamente dita, os intérpretes se isolam em uma cabine à prova de som e recebem o áudio por meio de fones de ouvido. À medida que escutam, vão produzindo um novo discurso na língua-meta ao microfone. A interpretação é levada aos participantes por meio de ondas de rádio (ou luz infravermelha) e captada por meio de receptores sem fio e fones de ouvido individuais. (MAGALHÃES, 1963, p. 45). A Figura (4) ilustra esta experiência para que possamos perceber as particularidades da interpretação simultânea. Figura 4 - Imagens de interpretação simultânea realizadas em congressos – línguas orais. Fonte: VoiceLink: Tradução Simultânea – 2019. Existe um pequeno atraso entre a fala do emissor e o intérprete, isso acontece devido ao processo interpretativo, como este ocorre de forma simultânea, logo, é rápido e demanda grande esforço cognitivo do intérprete. O processo de interpretação simultânea tem mais a ver com a compreensão e expressão de ideias que com comparação entre línguas, já que todo o processo se dá na velocidade da fala (cerca de 150 palavras por minuto). Devido à velocidade com a qual se deve realizar o trabalho, ele demanda altos níveis de esforço cognitivo do intérprete. Todo o processo pode ser dividido em três fases: a compreensão, a desverbalização e a reexpressão. (CARVALHO, 2007, p. 51). 38 Carvalho (2007) divide esse processo em três etapas: compreensão, desverbalização e reexpressão. Conforme vimos na citação anterior, essas três etapas englobam todo o processo, desde o recebimento do discurso a partir da língua-fonte até a produção do discurso na língua-alvo. Vale-nos, neste momento, retomar algo que dissemos e solicitamos a reflexão de vocês na unidade anterior: será que saber/conhecer uma língua já permite que a pessoa se torne/seja um intérprete? Vocês podem perceber com os escritos de Carvalho, que o processo é muito mais complexo e rápido, por isso o intérprete além de dominar a língua, precisa também dominar as estratégias de interpretação. O processo funciona da seguinte forma: durante a fase de compreensão há a interpretação fonológica. O intérprete compreende o que foi dito e passa para a segunda fase, chamada de desverbalização. Na desverbalização, o profissional dissocia a forma linguística do conteúdo que está sendo passado. Neste momento os conhecimentos linguísticos e os complementos cognitivos se misturam. Durante a reexpressão, ocorre a reformulação linguística da ideia na língua de chegada. (CARVALHO, 2007, p. 51). Vamos pensar, se o intérprete não domina e não compreende esses processos, como será que chegará ao público-alvo essa interpretação? Como exposto, anteriormente, o processo e o esforço cognitivo são muito grandes, considerando um contexto em que o intérprete domina e possui as competências necessárias – linguística, referencial e tradutória –. Suponha-se, agora, que o intérprete não possua estas competências, será que o seu esforço para exercer a função não dobra? Não triplica? Podemos dizer por experiência própria, que no começo de nossa atividade como profissional, todo esse processo ocorria de forma mais sofrida, pois além do desgaste cognitivo, tinha também o desgaste emocional, percebíamos as escolhas equivocadas, o que implicava automaticamente em feedbacks negativos do público-alvo (já que é um contato direto), o qual piorava a situação emocional, prejudicando, consequentemente, o processo cognitivo e a continuação da interpretação. 39 Entre as estratégias cognitivas que utilizamos para traduzir existem algumas que podem nos servir de apoio interno ao longo do processo tradutório. Este apoio interno se dá, sobretudo, por meio do nosso conhecimento de mundo, que abrange nossos conhecimentos enciclopédicos, incluindo-se nele toda nossa bagagem cultural, e o conhecimento procedimental que nos ensina como utilizar o que já conhecemos. (ALVES, 2009, p. 57). Por isso, antes de assumirmos qualquer trabalho precisamos pensar, refletir e nos questionar: será que possuo competências necessárias para assumir esse serviço? Se eu não tenho, onde posso buscar? O que eu posso fazer para me preparar para a interpretação? Sobre o que eu posso ler? Reflita! A fim de refletirmos um pouco mais sobre o que falamos, a respeito de as competências necessárias para ser um intérprete, vamos ver a entrevista da professora Fernanda com o intérprete Ulisses Carvalho, que foi realizada em fevereiro de 2018 no seu canal do Youtube, em que falam sobre o perfil profissional, a formação, as competências. Ulisses é intérprete das línguas orais, porém as temáticas abordadas, durante a entrevista, vêm ao encontro com tudo que falamos até agora: Será que saber uma língua me torna um intérprete? Será que mesmo sendo intérprete posso abraçar o mundo e atuar em todas as áreas? Esperamos que vocês consigam, a partir destevídeo, minuciar a formação e a responsabilidade que vocês, como futuros profissionais, terão! Link para acesso: (para quem precisar é só ativar a legenda!) https://www.youtube.com/watch?v=3dW9WjajeE8 https://www.youtube.com/watch?v=3dW9WjajeE8 40 Figura 5 - Entrevista com o tradutor Ulisses Carvalho. Fonte: Canal do Youtube – Teacher Fernanda, 2018. Vejamos, a partir de agora, a interpretação sussurrada, a qual acontece do mesmo modo que a anterior: simultaneamente, porém, ao invés de ser para um grande público-alvo, tem como foco, apenas, uma ou duas pessoas. Segundo Magalhães (1963, p. 44) “há também a técnica conhecida como whispering ou chuchotage, que nada mais é que uma interpretação sussurrada ‘simultaneamente’ ao pé do ouvido de um ou dois convidados. A técnica sussurrada dispensa equipamentos”. Em seguida, temos a interpretação consecutiva, esta é um pouco mais complexa de entender, pois não é muito comum de encontrar este tipo de interpretação em congressos ou em eventos. Ela pode ocorrer da seguinte forma: o intérprete escuta/olha alguns trechos do discurso na língua-fonte e, posteriormente, após a pausa do emissor, o intérprete produz o texto na língua- alvo com suas próprias palavras, não seguindo, necessariamente, as mesmas frases, contudo mantém o mesmo objetivo e o sentido do orador. Em suma, este processo de interpretação acontece de forma intercalada, sendo o tempo dividido entre orador e intérprete e, o público tem acesso aos dois textos. 41 Com o intuito de exemplificar, citamos um exemplo que, normalmente ocorre na TV. A Figura 6 mostra a entrevista pós-luta do atleta Aldo. Para a realização da entrevista foi necessário o trabalho do intérprete, que optou por realizar um trabalho na forma consecutiva. É um exemplo simples, que nos ajudará a organizar e compreender este conceito de interpretação. Link para acesso do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=8Kmp7r3f0z0 Interpretação a partir do minuto 2:52 Figura 6- Entrevista UFC 194 – Interpretação Consecutiva. Fonte: Canal do Youtube: UFC – Ultimate Fighting Championship, 2015. Durante toda nossa disciplina, sempre que possível, utilizaremos e demonstraremos, de maneira prática, os conceitos que estamos estudando. A fim de nos apropriarmos e exemplificarmos, mais uma vez o conceito de interpretação consecutiva, analisaremos o vídeo ‘tradução consecutiva, um exemplo prático Voicelink Tradução Simultânea’. A transcrição e a tradução do vídeo foram realizadas pelo tradutor Alison Felipe Gesser, solicitei ao profissional que ao fazer a tradução para o português https://www.youtube.com/watch?v=8Kmp7r3f0z0 42 não a fizesse palavra por palavra, mas uma tradução literal, mantendo a fidelidade semântica, porém dentro da estrutura gramatical do português. O objetivo de utilizar essa estratégia tradutória é que vocês, caros alunos, consigam fazer reflexões significativas em relação às escolhas do intérprete. A Figura 7 traz dois tradutores, um homem que faz a leitura do texto em Espanhol, e a mulher que faz a interpretação consecutiva para o inglês, logo em seguida temos a transcrição do inglês e do espanhol, bem como, a tradução em português das duas falas. Link para acesso: https://www.youtube.com/watch?v=Nl1p7NRAOQI Figura 7- Intepretação consecutiva. Fonte: Agrupación de Intérpretes de Barcelona, canal do Youtube – Janapietro, 2012. HOMEM (ESPANHOL) MULHER (INGLÊS) Buenos días. Hoy les voy a hablar del curioso caso de un pueblo andaluz, en la sierra de Cádiz, que ha optado por una curiosa respuesta ante la crisis: aprender idiomas, y concretamente el alemán. El Good morning. Today we’re here to talk about a rather strange case of a village in Cadiz and Andalusia which has come up with a rather unusual solution to the crisis: it has decided to go for language learning https://www.youtube.com/watch?v=Nl1p7NRAOQI 43 pueblo se llama Espera. Sí: “Espera”. Y tiene 4 mil habitantes. Su economía dependía mucho últimamente de la Construcción. Llegó a tener hasta 37 empresas de hormigón prensado y casi toda la población masculina se dedicaba a esta actividad, entretanto muchas de las mujeres trabajaban en el campo. Pero, al pararse el boom del ladrillo, pues, todo se vino abajo. De todos modos, es curiosa la reacción que les lleva al aprendizaje de un idioma tan difícil como el alemán, precisamente. Porque en inglés se supone que habría más puertas. Aunque el inglés lo hable todo el mundo, la aprobación específica, temática, para un oficio o una profesión, podría parecer más adecuada. Pero no: los habitantes de Espera, o al menos 120 de ellos, han optado por aprender alemán. Y no es casualidad que la primera palabra que han aprendido a decir en alemán los habitantes de Espera sea precisamente la palabra “Arbeit”: “trabajo”. Hay que pensar en las cifras del pueblo para entender este fenómeno. Son francamente escalofriantes: 1234 demandantes de empleo, y eso en un pueblo de 4 mil habitantes. Algunos sobreviven a base de trabajo esporádico: campaña de la fresa en Huelva, cosecha de la fruta en Zaragoza, vendimia a finales de agosto, aceituna en noviembre... Pero cuando hay una familia a que mantener es muy duro vivir así, al menos por mucho tiempo, sin la menor seguridad de que incluso esos trabajos esporádicos persistan en el futuro. Y en España, más bien en Espera, se vislumbra ya el regreso de la otra estampa clásica de la migración de los años 60: la migración hacia Alemania. Pensemos que los años 60 y 70 Espera perdió habitantes. Pasó de 5 mil a 3 mil porque mucho se fueron, principalmente a Cataluña, Francia e incluso Alemania. Menos en la luna, dicen los lugareños, espereños hay en todo el mundo. Los de los años 60 tuvieron algunas sorpresas, como las retenciones de impuestos que eran muy altas y superiores incluso para los solteros. Si cobraban 1000 marcos alemanes, pues, – and not just any language: German. The village is called Espera and it has a population of 4 thousand. The economy of this village had been basically construction based up until recently there were 30 plus companies only in a special type of concrete. And while most of the men were working in that industry, the women largely attended the fields. But all of that came to sudden hot with the end of the construction boom and so now they are dealing with this. But it’s great strange it seems to me for them to have chosen German of all things as the way out of their current problems. You would think English for instance would be more of a door opener, although of course it’s also true that more people know it so it’s less of an edge or some sort of vocational training of specific training for a particular occupation would seem to be a more obvious solution, but whatever the reason the inhabitants of Espera, or at least 120 of them so far, have chosen to learn German. And not by chance have they chosen to learn as their first words of vocabulary the word “Arbeit” – in other words, “work”. Now the figures for Espera are absolutely horrendous when you think of 1234 jobseekers in the village with a total population of 4 thousand. Many people cope by taking seasonal work, they’ll harvest strawberries in Huelva, then will go to harvest fruit in Zaragoza, in August they will go to the grape harvest and then in late fall they will harvest olives. And they receive a lot of support from their families, but when you have a family to support it’s very difficult to cope with this kind of seasonal migration. It’s hard to support a family and there’s no guarantee that the work will still be there next season. So in a way Espera is now starting to go back to what it was in the 60s when many of the population emigrated to Germany. Now, the village of Espera seems to be returning now to a different imageof what it was like in the 1960s, with people emigrating on a more less seasonal basis to Germany. Because in fact of the 60s and the 70s the population of Espera dropped from 5 thousand to 3 thousand, with people 44 recibían solo 500. Pero, en fin... las cosas han cambiado bastante. En esa época, se emigraba por hambre. Y por ahora no es ese el caso de la emigración actual, gracias a subsidios, ahorrillos y desde luego mucho apoyo familiar. La iniciativa que les cuento es por lo menos curiosa. No se me habría ocurrido nunca, a pesar de que a mí me gustan los idiomas e incluso algo sé cómo aprenderlos. El alemán, dicen algunos intérpretes, solo se aprende bien de la madre o en la cama, y francamente dudo que la profesora del pueblo esté dispuesta a eso último. En todo caso, tiene una bien merecida fama de difícil, por ello hay que felicitar a esas personas que se han animado a hacer algo distinto ante la crisis. Aunque el primer paso tenga que ser aprenderse el nominativo, el acusativo, el dativo y el genitivo... y cosas tan raras como la luna sea masculina y el sol femenino. Pues¡mucha suerte y qué cundael esfuerzo! Muchas gracias. emigrating to Catalonia, France, and indeed Germany. In fact, the saying goes in the village that except for the moon there are Espera villages just about everywhere in the world. Now, in the 1960s the people who emigrated ran up against a number of surprises, such as high withholding tax, especially for singles. A single man might expect to be earning a thousand marks and then find that he only had five thousand... [correction] five hundred in his pocket at the end of the day. But there have been significant changes since then and why of the people of Espera emigrated out of hunger at the time they are now not quite in that dire position. They’ve got subsidies, they’ve got some savings and they certainly have family support where that’s available. So we can say that this is a rather unusual solution that they’ve taken. It’s rather striking. I have to say: I never would have thought of anything like that, because even though I’m somebody who likes languages and knows how to learn a language the saying amongst interpreters is that German can only be learned as a mother tongue or in bed. And of course, I seriously doubt the German teacher in Espera will be willing to put up with the second solution. But, in any case, German is acknowledged to be a rather difficult language. I have to congratulate these people who’ve come up with a different way to combat the crisis even thought that means they’ll have to learn the nominative, genitive, dative, and accusative cases... and weird things such as that the moon is masculine and the sun is feminine (which is the other way around from the way it is in Spanish). So in any case good luck! HOMEM – TRADUÇÃO DE APOIO AO LEITOR (ADAPTADO AO PORTUGUÊS) MULHER – TRADUÇÃO DE APOIO AO LEITOR (ADAPTADO AO PORTUGUÊS) Hoje, vou contar a vocês o curioso caso de uma pequena cidade da Andaluzia (Espanha), na serra de Cádis, que optou por uma resposta curiosa diante da crise: aprender idiomas – mais precisamente, o alemão. O nome da cidade é Espera. Isso Bom dia. Hoje estamos aqui para falar sobre um caso bastante curioso de uma pequena cidade em Cádis e Andaluzia (Espanha), na qual surgiu uma solução incomum para a crise: decidiu-se optar pela aprendizagem de idiomas – e não um 45 mesmo: “Espera”. E tem 4 mil habitantes. Nos últimos tempos, sua economia dependia muito do setor de construção. Ela chegou a ter 37 empresas de concreto estampado e quase toda a população masculina se dedicava à atividade, enquanto muitas mulheres trabalhavam no campo. Mas, quando acabou o auge do setor de construção, tudo caiu por terra. De qualquer forma, é curiosa a reação que leva aquelas pessoas à aprendizagem de um idioma tão difícil como o alemão, especificamente. Porque, em teoria, o inglês abriria mais portas. Embora o inglês seja falado no mundo todo, a aprovação específica, temática, para um ofício ou uma profissão, poderia parecer mais adequada. Mas, não: os habitantes da cidade de Espera, ou pelo menos 120 deles, escolheram aprender alemão. E não é coincidência que a primeira palavra que eles aprenderam a dizer em alemão seja, precisamente, “Arbeit”: “trabalho”. Para entender o fenômeno, é preciso pensar nos números da cidade, que, francamente, são arrepiantes: 1.234 candidatos a emprego – e isso em uma cidade pequena, de 4 mil habitantes. Alguns sobrevivem à base de trabalho temporário: a colheita de morangos em Huelva, a colheita de frutas em Saragoça, a vindima no final de agosto, azeitonas em novembro... Mas, quando é preciso sustentar uma família, é muito difícil viver assim, pelo menos durante muito tempo, sem a menor garantia de que até mesmo esses trabalhos temporários ainda existirão no futuro. E na Espanha – ou melhor, na cidade de Espera – já se observa a volta da outra visão clássica da migração dos anos 60: a migração à Alemanha. Tenhamos em mente que, nos anos 60 e 70, a cidade de Espera perdeu habitantes: passou de 5 mil a 3 mil, porque muitos foram embora, principalmente para Catalunha, França e, inclusive, Alemanha. Os habitantes nativos dizem que há espereños no mundo todo, exceto na lua. Aqueles que emigraram nos anos 60 tiveram algumas surpresas, como as retenções de impostos, que eram muito altas, até mesmo para pessoas solteiras. idioma qualquer: o alemão. O nome da cidade é Espera e sua população é de 4 mil habitantes. Sua economia é baseada no setor de construção, e, até recentemente, havia mais de 30 empresas trabalhando com um tipo especial de concreto. E enquanto a maioria dos homens trabalhava nessa indústria, a maior parte das mulheres participava do trabalho nos campos. Mas, repentinamente, tudo mudou, com o fim do auge da construção, e agora as pessoas estão lidando com isso. Mas é muito curioso, para mim, eles escolherem o alemão, entre tudo o que poderiam ter escolhido como saída para seus problemas atuais. Você pensaria que o inglês, por exemplo, abriria mais portas, embora, é claro, também é verdade que mais pessoas sabem inglês, então acaba sendo menos vantajoso... ou que algum tipo de treinamento vocacional ou específico, para uma determinada ocupação, pareceria uma solução mais óbvia, mas seja qual for a razão por trás da escolha dos habitantes de Espera, ou de pelo menos 120 deles até agora, eles escolheram aprender alemão. E, não por acaso, decidiram aprender, entre as primeiras palavras do seu vocabulário, a palavra “Arbeit”: “trabalho”. Atualmente, os números da cidade de Espera são terríveis quando se pensa que há 1.234 pessoas procurando emprego, de um total de 4 mil. Muitas pessoas dependem de trabalho temporário: colhem morangos em Huelva, depois vão colher frutas em Saragoça, em agosto vão para a colheita da uva, e, depois, no final do outono, vão colher azeitonas. E elas recebem apoio das suas famílias, mas, quando se tem uma família para sustentar, é muito difícil lidar com esse tipo de migração que ocorre por temporada. É difícil sustentar uma família e não há garantia de que o trabalho ainda estará lá na próxima temporada. Então, de certa forma, a cidade de Espera está começando a voltar ao que era nos anos 60, quando boa parte da população emigrou para a Alemanha. Agora, a pequena cidade de Espera parece estar 46 Se a pessoa cobrasse 1.000 marcos alemães por um trabalho, receberia apenas 500. Mas, enfim... as coisas mudaram bastante. Nessa época, as pessoas emigravam por causa da fome. E, por enquanto, não é esse o caso da emigração atual, graças a subsídios, pequenas economias e, sem dúvidas, muito apoio familiar. A iniciativa que estou contando a vocês é, no mínimo, curiosa. Eu nunca teria pensado nisso, apesar de gostar de idiomas e, inclusive, de
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