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Psicologia Em Saúde Educação e Assistência Social

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Catalogação na Fonte Elaborado por: Josefina A. S. Guedes
Bibliotecária CRB 9/870
P974
2018
Psicologia em saúde, educação e assistência social / Tatiana
Benevides Magalhães Braga ... [et al.] (Organizadores) - 1. ed.
- Curitiba: Appris, 2018.
257 p. ; 21 cm (Educação, tecnologias e transdisciplinaridade)
Inclui bibliografias
ISBN 978-85-473-1778-2
 
1. Psicologia social. 2. Assistência social. I. Braga, Tatiana
Benevides Magalhães ... [et al.], orgs. II. Título. III. Série.
 
 
CDD 23. ed. – 302.
Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT.
Editora e Livraria Appris Ltda.
Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês Curitiba/PR
– CEP: 80810-002
Tel: (41) 3156-4731 | (41) 3030-4570
http://www.editoraappris.com.br/
http://www.editoraappris.com.br/
 
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2018 dos autores Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº
9.610/98.
Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.
Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de
14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.
FICHA TÉCNICA
EDITORIAL
Augusto V. de A. Coelho
Marli Caetano
Sara C. de Andrade Coelho
COMITÊ EDITORIAL
Andréa Barbosa Gouveia - UFPR
Edmeire C. Pereira - UFPR
Iraneide da Silva - UFC
Jacques de Lima Ferreira - UP
Marilda Aparecida Behrens - PUCPR
EDITORAÇÃO Fernando Nishijima
ASSESSORIA EDITORIAL Bruna Fernanda Martins
DIAGRAMAÇÃO Jhonny Alves dos Reis
CAPA Jhonny Alves dos Reis
REVISÃO
Andrea Bassoto Gatto
Mariana Laura Janaína Cunha Ferreira
GERÊNCIA COMERCIAL Eliane de Andrade
GERÊNCIA DE FINANÇAS Selma Maria Fernandes do Valle
COMUNICAÇÃO
Carlos Eduardo Pereira | Igor do
Nascimento Souza
LIVRARIAS E
EVENTOS
Milene Salles | Estevão Misael
CONVERSÃO PARA E-PUB Carlos Eduardo H. Pereira
 
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E
TRANSDISCIPLINARIDADE
DIREÇÃO
CIENTIFICA
Dra. Marilda A. Behrens –
PUCPR
Dra. Patrícia L. Torres –
PUCPR
CONSULTORES
Dra. Ademilde Silveira Sartori –
UDESC
Dra. Iara Cordeiro de Melo
Franco – PUC Minas
Dr. Ángel H. Facundo – Univ.
Externado de Colômbia
Dr. João Augusto Mattar
Neto – PUC-SP
Dra. Ariana Maria de Almeida
Matos Cosme – Universidade
do Porto/Portugal
Dr. José Manuel Moran
Costas – Universidade
Anhembi Morumbi
Dr. Artieres Estevão Romeiro-
Universidade Técnica Particular
de Loja/ Equador
Dra. Lúcia Amante – Univ.
Aberta/Portugal
Dr. Bento Duarte da Silva –
Universidade do
Minho/Portugal
Dra. Lucia Maria Martins
Giraffa – PUCRS
Dr. Claudio Rama – Univ. de la
Empresa/Uruguai
Dr. Marco Antonio da Silva
– UERJ
Dra. Cristiane de Oliveira
Busato Smith – Arizona State
University /EUA
Dra. Maria Altina da Silva
Ramos – Universidade do
Minho/Portugal
Dra. Dulce Márcia Cruz – UFSC
Dra. Maria Joana Mader
Joaquim – HC-UFPR
Dr. Edméa Santos – UERJ
Dr. Reginaldo Rodrigues
da Costa - PUCPR
Dra. Eliane Schlemmer –
Unisinos
Dra. Romilda Teodora Ens
– PUCPR
Dra. Ercilia Maria Angeli
Teixeira de Paula – UEM
Dr. Rui Trindade – Univ. do
Porto/Portugal
Dra. Evelise Maria Labatut
Portilho – PUCPR
Dra. Sonia Ana Charchut
Leszczynski – UTFPR
Dra. Evelyn de Almeida
Orlando – PUCPR
Dra. Vani Moreira Kenski –
USP
Dr. Francisco Antonio Pereira
Fialho – UFSC
Pareceristas Ad Hoc
Allan Saffiotti
Beatriz de Pala Souza
Carmem Lúcia B. Tavares Barreto
Henriette Tognetti Penha Morato
Kleber Barreto
Paula Carpinetti Aversa
Paulo Eduardo Rodrigues Alves Evangelista
Sashenka Mezza Mosqueira
Simone Dalla Barba Walckoff
 
Aos atores que constroem a assistência em políticas públicas brasileiras:
profissionais, pesquisadores, participantes.
AGRADECIMENTOS
A realização das pesquisas e experiências que compõem
este livro não teria sido possível sem o apoio material,
institucional e financeiro das seguintes instituições, cuja
dedicação os autores agradecem: Universidade Federal de
Uberlândia;
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Rede
Municipal de Ensino de Poços de Caldas - MG; Secretaria de
Saúde de Poços de Caldas - MG; Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de Minas Gerais; Irmandade Nossa
Senhora do Rosário de Catalão - GO; Rede de Atenção
Psicossocial da Secretaria Municipal de Saúde de
Uberlândia.
PREFÁCIO
A coletânea de textos que se apresenta intitulada
Psicologia em saúde, educação e assistência social é uma
daquelas produções que esperamos ler quando estamos
atuando no campo das políticas públicas em saúde e em
educação.
Muito ouvimos sobre as dificuldades vividas no campo da
escolarização e da saúde mental. Dois campos que
dialogam diariamente, por meio de um número significativo
de crianças e adolescentes que, ao não se beneficiar da
escola a eles oferecida, são encaminhados aos postos de
saúde, às unidades básicas, aos pediatras, psicólogos e
demais profissionais da área para que possam encontrar em
que dimensão da vida esses estudantes possuem
dificuldades, problemas, transtornos que justificariam suas
dificuldades na escolarização. A produção de diagnósticos
de transtornos das mais variadas origens é constatada nos
dias de hoje, retirando das políticas educacionais e de saúde
a responsabilidade pela baixa qualidade da escola e dos
serviços que temos no campo da saúde e da saúde mental.
Como romper com esse círculo vicioso que medicaliza as
dificuldades escolares? Como criar condições para que os
estudantes possam apropriar-se do conhecimento
socialmente acumulado e possam viver uma relação
educativa, em que valores humanos e sociais estejam no
centro das práticas educacionais?
Tais perguntas têm norteado a relação educação e saúde
mental nos últimos tempos, fazendo parte de importantes
discussões nas áreas de Psicologia Escolar e Educacional,
Saúde Mental, Educação Básica e Serviço Social.
Esta coletânea desenvolvida por professores e psicólogos
que atuam nos dois campos, da saúde e da educação,
revela que é possível pensar e atuar nesses dois campos, de
maneira crítica, considerando os sentidos e os significados
atribuídos por adultos, adolescentes, crianças e suas
famílias.
Preconceitos, discriminações, humilhações são processos
sociais que precisamos considerar como constitutivos da
subjetividade humana, principalmente daqueles que se
encontram em situações de desigualdade social, que
pertencem às comunidades afrodescendentes, indígenas,
quilombolas, que vivem a deficiência em seus corpos, que
foram excluídos da escola regular, dentre outras.
Portanto, a Psicologia, nesta coletânea, ao considerar as
dimensões históricas e sociais que constituem esse
indivíduo, promove um conjunto de práticas de psicólogos e
psicólogas que passam a intervir nesse campo de forças,
além de propor alternativas de superação e de
enfrentamento. Busca nos referenciais teóricos da
fenomenologia, da filosofia da diferença, no movimento da
Psicologia Institucionalista, ou ainda, nos princípios que
regem os movimentos sociais, a luta antimanicomial e a
educação inclusiva, promover procedimentos
emancipatórios de coleta de informações, realizar ações de
acolhimento nos equipamentos de saúde e construir e
implementar instrumentos que hoje potencializam uma
visão de humanização na compreensão e no tratamento de
portadores de sofrimento mental.
Ler este livro é conhecer um pouco mais de uma
Psicologia que luta para inserir no campo das políticas
públicas a pessoa humana como centro. Para melhor
exprimir as propostas desta coletânea, inspiramo-nos em
uma frase do psicólogo Ignácio Martín-Baró, militante das
causas populares, quando ele afirma que “Realizar uma
Psicologia da Libertação exige primeiro conquistar a
libertação da Psicologia”. E esse é o caminho percorrido por
estes jovens psicólogos e psicólogas que buscam construir
uma Psicologia que se liberte das amarras de compreender
osofrimento, a humilhação, a violência como aspectos
meramente individuais para compreendê-los no contexto
social de sua produção. Ao compreender dessa forma,
possibilitam que tais práticas transformem-se em políticas
sociais, para que todos a elas acessem e se beneficiem.
Convido a todos e todas para ler e pôr em prática as
importantes contribuições desta obra.
Marilene Proença Rebelo de Sousa
Professora Titular do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do
Desenvolvimento e da Personalidade da Universidade de São Paulo
São Paulo, 09 de agosto de 2018.
 
SUMÁRIO
1
O PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO E A INCIDÊNCIA DE TRANSTORNOS
MENTAIS COMUNS EM CONGADEIROS, DA IRMANDADE NOSSA SENHORA
DO ROSÁRIO, DA CIDADE DE CATALÃO/GO
Ricardo Wagner Machado da Silveira, Fernanda Tomé Limírio, Frederico Guerreiro
Ferreira, Hugo Godoi Peixoto, Juliana Cavalcante do Nascimento Vieira, Lady
Daiane Martins Ribeiro, Maria de Lourdes da Cunha Piqui, Marilia Cardoso
Figueiredo, Mayara Lemes Cardoso, Nívia Mara Alves Rodovalho, Núbia Mical da
Silva Nascimento INTRODUÇÃO
1.1 METODOLOGIA
1.2 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS
DADOS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
2
CARTOGRAFIAS DE UM PROCESSO DE ANÁLISE INSTITUCIONAL EM UM
CAPSAD - CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL ÁLCOOL E DROGAS: OS
DESAFIOS DA POLÍTICA DE REDUÇÃO DE DANOS
Ricardo Wagner Machado Silveira, Diogo Rezende, Willian Araújo Moura
INTRODUÇÃO
2.1 SOBRE A ANÁLISE INSTITUCIONAL
2.2 SOBRE A METODOLOGIA SOCIOANALÍTICA 2.3 SOBRE O PROCESSO
IMPLICACIONAL
2.4 MAPEANDO O CAMPO DE FORÇAS
2.5 IMPLICANDO-SE
REFERÊNCIAS
 
3
DEVIRES E DRIVERS DA CLÍNICA: ACONTECIMENTOS NO
ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO
Dami Silva e Ricardo Wagner Silveira 3.1 PERSPECTIVA METODOLÓGICA
3.2 REFERÊNCIAS TEÓRICO E CONCEITUAL
3.3 DEVIRES E DRIVERS DA CLÍNICA
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
4
GRUPOS DE ATENÇÃO PSICOLÓGICA E CUIDADO AO SOFRIMENTO
HUMANO: DA INTERSUBJETIVIDADE À DIMENSÃO ÉTICO-POLÍTICA
TATIANA BENEVIDES MAGALHÃES BRAGA
4.1 GRUPOS DE ATENÇÃO
PSICOLÓGICA
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
5
PSICOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: A CLÍNICA-ESCOLA DO CURSO DE
PSICOLOGIA DA PUC MINAS EM POÇOS
DE CALDAS
Ronny Francy Campos, Tommy Akira Goto 5.1 CONCEPÇÃO E OBJETIVOS DA
CLÍNICA-ESCOLA DE PSICOLOGIA 5.2 ESTRUTURA TÉCNICA E FUNCIONAMENTO
5.3 ORGANIZAÇÃO E
FUNCIONAMENTO DOS ESTÁGIOS
OBRIGATÓRIOS
5.4 SISTEMATIZAÇÃO DO SERVIÇO DE
ATENDIMENTO DA CLÍNICA-ESCOLA
REFERÊNCIAS
 
6
PLANTÃO PSICOLÓGICO NA COMUNIDADE: ATENÇÃO PSICOLÓGICA NA
PLURALIDADE DO CONTEXTO SOCIAL
Tatiana Benevides Magalhães Braga, Sashenka Mezza Mosqueira 6.1 A
COMPREENSÃO DE PLANTÃO PSICOLÓGICO E DE CARTOGRAFIA CLÍNICA 6.2 O
PLANTÃO PSICOLÓGICO NA CLÍNICA-ESCOLA DA PUCMINAS (2010-2013) 6.2.1
Maria: a necessidade de um projeto de vida 6.2.2 João e o desejo de aprender
6.2.3 Sabrina e a tentativa de compreender suas relações 6.2.4 Daniela,
Ricardo e o casamento
6.3 PLANTÃO PSICOLÓGICO E SEUS DESDOBRAMENTOS
à Ó
6.4 PLANTÃO PSICOLÓGICO E
ALGUMAS REFLEXÕES
REFERÊNCIAS
7
INCLUIR EXCLUINDO: UM OLHAR FENOMENOLÓGICO SOBRE A
EXPERIÊNCIA DE INCLUSÃO DE UMA ALUNA COM DEFICIÊNCIA FÍSICA NO
ENSINO REGULAR
Tatiana Benevides Magalhães Braga, Flainy Caroline da Silva
7.1 A REMEMORAÇÃO
AUTOBIOGRÁFICA COMO MÉTODO
7.2 APRESENTANDO LAURA: CONDIÇÕES
CLÍNICAS E PSICOSSOCIAIS
7.3 A TRAJETÓRIA DE TRATAMENTO
7.4 O CONTATO COM O CENÁRIO DA PESQUISA
7.5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES: A EXPERIÊNCIA E APONTAMENTOS PARA A
EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS
SOBRE OS AUTORES
1
O PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO E A INCIDÊNCIA DE TRANSTORNOS
MENTAIS COMUNS EM CONGADEIROS, DA IRMANDADE NOSSA SENHORA
DO ROSÁRIO, DA CIDADE DE CATALÃO/GO
Ricardo Wagner Machado da Silveira
Fernanda Tomé Limírio
Frederico Guerreiro Ferreira
Hugo Godoi Peixoto
Juliana Cavalcante do Nascimento Vieira
Lady Daiane Martins Ribeiro
Maria de Lourdes da Cunha Piqui
Marilia Cardoso Figueiredo
Mayara Lemes Cardoso
Nívia Mara Alves Rodovalho
Núbia Mical da Silva Nascimento
INTRODUÇÃO
No Brasil, a história das investigações epidemiológicas de
base populacional é limitada a um número ainda restrito de
pesquisas, especialmente na área de saúde mental. Os
estudos com populações clínicas, realizados principalmente
em função de facilidades logísticas, apresentam,
caracteristicamente, um grande problema relativo à
extrapolação dos achados, uma vez que as pessoas que se
consultam costumam ter características especiais que as
diferenciam das demais. Existe, via de regra, uma
concentração de casos mais graves ou com pior evolução
(como nos casos dos registros hospitalares), que limita a
compreensão sobre a doença e suas características
associadas (REGIERS; ROBINS 1991 apud SOARES, MARI;
LIMA, 1999).
Nas últimas décadas, no entanto, um número crescente
de pesquisas epidemiológicas tem sido conduzido no Brasil.
As vantagens desses estudos de base populacional são
óbvias: 1) melhores informações proporcionam ações em
saúde mais bem orientadas, mais efetivas; 2) os inquéritos
com arcabouço metodológico adequado podem também ser
analíticos e não apenas descritivos, permitindo a exploração
de hipóteses etiológicas e maior conhecimento sobre os
problemas de saúde da população (ROTHMAN, 1986 apud
SOARES, MARI; LIMA, 1999).
A identificação de fatores de risco é um aspecto
fundamental na saúde pública na medida em que, a
atenção básica em saúde visa à promoção e à prevenção de
doenças. Nesse sentido, a pesquisa epidemiológica
possibilita o planejamento de ações de prevenção da saúde
mental na saúde coletiva, minimizando os fatores de risco à
saúde e mobilizando de recursos comunitários para a
promoção da saúde e da saúde mental na comunidade.
De acordo com Barreto (2003), a pesquisa em Saúde
Coletiva tem por objetivo produzir conhecimentos que, em
última instância, tornem concretas as nossas visões e
desejos relacionados com a saúde da população e nos ajude
a construir novas alternativas no sentido da prevenção das
doenças, da promoção da saúde e da organização de um
sistema equânime de saúde.
Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), saúde é um
estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não
apenas a mera ausência de doença. Contudo, para os
epidemiologistas, as definições são extremamente simples,
como: “doença presente” ou “doença ausente”; geralmente,
os critérios diagnósticos são baseados em sinais, sintomas e
resultados de exames. A utilização de critérios simples é
justificada devido ao fato de que algumas doenças
dependem de diagnósticos e tratamentos rápidos, para
redução da mortalidade, principalmente em países em
desenvolvimento (BEAGLEHALE; BONITA; KJELLSTRON,
2000).
Por isso, é importante uma reflexão sobre o conceito de
epidemiologia. O termo epidemiologia era usado para
definir o estudo das epidemias ou enfermidades infecciosas
agudas (COOPER; MORGAN apud COUTINHO 1987).
Atualmente, segundo Lilienfeld (1983), citado pelo
mesmo autor, essa ciência tem sido reconhecida como o
estudo dos padrões das enfermidades nas populações,
assim como dos fatores que influenciam tais padrões. Para
Rouquayrol e Silva (1998), é a ciência que estuda o que
ocorre sobre a população, ou seja, seu enfoque é a saúde-
doença no âmbito do coletivo.
De acordo com a Associação Internacional da
Epidemiologia (IEA) e com o Dicionário de Epidemiologia
(LAST, 1983 apud ROUQUAYROL; SILVA, 1998),
epidemiologia é o estudo dos fatores que determinam a
frequência e a distribuição das doenças nas coletividades
humanas. São três os objetivos da Associação Internacional
de Epidemiologia: descrever a distribuição e a magnitude
dos problemas de saúde nas populações humanas;
proporcionar dados essenciais para o planejamento,
execução e avaliação das ações de prevenção, controle e
tratamento das doenças; estabelecer prioridades e
identificar fatores etiológicos na gênese das enfermidades
(ROUQUAYROL e GOLDBAUM, 1999).
Nesse sentido, a epidemiologia é o instrumento
privilegiado para orientar aatuação da saúde pública,
fornecendo pistas para diagnose de doenças transmissíveis
e não transmissíveis; estudo da morbidade e mortalidade, a
fim de traçar um perfil da saúde-doença nas coletividades
humanas. Para Rouquayrol e Goldbaum (1999), mediante a
contribuição da epidemiologia desenvolvem-se os trabalhos
preventivos de vacinação e de vigilância epidemiológica. De
certa forma, é uma ciência que estabelece ou indica e
avalia os métodos e processos usados pela saúde pública
para prevenir doenças e desenvolver a saúde física e
mental.
Kleinbaum, Kupper e Morgenstern (1982) apud Coutinho
(1987) apontam duas razões para o uso de populações em
pesquisa epidemiológica: primeiro, porque o objetivo final é
a melhoria das condições de saúde da população; e
segundo, porque a população é necessária para se fazer
inferências causais sobre a relação entre certos fatores e
determinadas doenças.
Um dos grandes desafios da epidemiologia crítica é a
busca da explicação dos problemas de saúde dos distintos
grupos populacionais, cuja ênfase é a relação entre as
condições de vida e seus determinantes histórico-
estruturais, a compreensão das representações sociais
acerca do conceito de saúde-doença, eaatenção à saúde
dos diversos grupos. Tal desafio implica na necessidade de
um planejamento integrado e autogestivo, em que os
especialistas e a população sejam atores e autores das
respostas sociais aos problemas que se apresentam
(TEIXEIRA, 1999).
Com o surgimento da psiquiatria e da psicologia
comunitária, o tratamento passa a ir além da prescrição de
fármacos ou internação dos considerados doentes (RAMOS,
1994). Para tanto, a epidemiologia em saúde mental passa
a ter vários propósitos: descrever os estados de saúde da
população por meio das frequências das doenças nos vários
grupos; descobrir tendências importantes; compreender
padrões locais de enfermidades; predizer os números de
casos de diferentes transtornos da saúde e sua distribuição
nas populações; descrever a história natural das doenças;
classificar a etiologia de enfermidades ao combinar dados
de pesquisas epidemiológicas com informações
provenientes de outras disciplinas; servir de base para o
estabelecimento e a avaliação de procedimentos
preventivos ou de controle das enfermidades; e, ainda,
fornecer fundamentos para implantação de serviços de
saúde.
Serapioni (2000) refere que a realização de um estudo
epidemiológico em saúde mental justifica-se pela
possibilidade de réplica e generalização, oferecida por seu
caráter quantitativo, o qual, ademais, é guiado à busca da
gravidade e das causas dos fatos sociais, além de servir-se
de procedimentos controlados.
Para Bernik (2001) o aumento do interesse nos aspectos
epidemiológicos, sociais e econômicos dos transtornos
mentais associa-se à preocupação com os custos crescentes
dos serviços de atenção à saúde mental. Segundo ele, em
estudo comparativo realizado por esse mesmo autor,
constatou-se que, hoje, os transtornos ansiosos têm
prevalência muito maior do que se pensava. Apesar das
diferenças metodológicas e culturais, estudos realizados na
Europa, EUA e Brasil são confluentes em apontar os
transtornos ansiosos e fóbicos como o principal problema de
saúde mental da população. O transtorno de pânico, por
incidir em uma população jovem, está entre os transtornos
mentais que se estendem por um maior número de anos de
morbidade.
Este capítulo está ligado de forma interdisciplinar ao
projeto de extensão “Memória e Patrimônio Cultural no
Sudeste Goiano” que, juntamente com outras áreas do
conhecimento, busca aproximações com as manifestações
culturais populares típicas da região, com políticas públicas
voltadas para a área da saúde e da cultura, visando ao
resgate da cidadania dos atores sociais diretamente e
indiretamente ligados a esse movimento popular.
O público-alvo da pesquisa foi o grupo de congadeiros,
representado pela Irmandade Nossa Senhora do Rosário e
pela Associação de Congadas da cidade de Catalão/GO, que
tradicionalmente realiza a festa em louvor a Nossa Senhora
do Rosário, evento comunitário que se edificou em função
da religiosidade. A festa mobiliza toda a cidade e gera
benefícios econômicos, culturais, afetivos e religiosos. É
uma manifestação popular que entrelaça razões religiosas à
dança e a música, que são formas de homenagear a Santa
da devoção dos congadeiros.
Esse ritual religioso realiza-se há mais de um século, e
apesar das pesquisas históricas, não se sabe ao certo como
se iniciaram os festejos. Existem apenas histórias e mitos
sobre o início dessa celebração, sendo que o mais provável
é que sua origem foi influenciada pelas Congadas de Minas
Gerais. Os congadeiros contam que as congadas são, na
verdade, uma conquista dos escravos, que receberam do
patrão um dia para celebrar a fé, porém não poderiam se
afastar da senzala, então realizavam os rituais de acordo
com os que faziam na África, utilizando tambores, danças,
cantorias e roupas coloridas. Como não podiam cultuar suas
divindades, pois eram consideradas pagãs, escolheram
santos que tinham histórias semelhantes às deles: Nossa
Senhora do Rosário, São Benedito e Santa Efigênia
(MACEDO, 2007).
Atualmente, a festa em homenagem a Nossa Senhora do
Rosário divide-se em duas partes: a propriamente religiosa e
a festiva. A primeira se inicia nove dias antes do Domingo
da festa (2º Domingo de outubro), a outra está concentrada
no ranchão (a grande barraca da festa), e nas barraquinhas
de venda que se instalam aos arredores da “Igreja do
Rosário” (MACEDO, 2007).
A agregação de barraquinha no festejo surgiu da
dificuldade que inicialmente os congadeiros enfrentavam
para trazerem alimentos, roupas e objetos necessários a
sua subsistência, das fazendas para a cidade. Eles se
agrupavam construindo tendas para guardarem seus
mantimentos transportados por carros de boi e as
utilizavam como pousadas. Atualmente, comerciantes de
todo Brasil levam e vendem suas mercadorias nas
proximidades da igreja do Rosário, aproveitando o grande
fluxo de pessoas que participam dessa grande festa. Para
isso é necessário que sejam autorizados pela Prefeitura do
município e paguem uma taxa, uma espécie de aluguel do
espaço da rua. Parte das arrecadações provindas dessa
locação é destinada à Irmandade Nossa Senhora do Rosário
(MACEDO, 2007).
Os rituais da festa acabam por produzir sua estrutura
organizacional, podendo ser de homenagens ou de
organização geral da Festa. Nessa organização ritualística
destacam-se os ternos dos congos, a menor unidade ritual
da congada, formada por dançarinos e pessoas capazes de
tocarem instrumentos rústicos. Cada terno possui um
capitão, e acima desse capitão há somente o general, que é
o representante dos ternos junto à Irmandade. A junção de
todos os ternos é o Congado, que representa a segunda
esfera nas relações. Outra esfera dentro dessas relações é o
Reinado, formado pela família real, que recebe homenagens
e atenção especial nos dias em que a festa acontece. O
general e o rei da Irmandade são escolhidos pela diretoria
da Irmandade. Por fim, a esfera mais complexa dentro das
relações rituais, a Irmandade propriamente dita, constituída
por um presidente, um vice-presidente, um secretário, um
tesoureiro, e todos os “irmãos”, que são os dançarinos. A
Irmandade é a instituição mais representativa dos
congadeiros junto aos representantes da Igreja e
organizadores da festa. O presidente da Irmandade tem
poder sobre a Congada (que é a junção dos ternos) e o
Reinado (BRANDÃO, 1985).
Dentre as realizações mais importantes da Festa em
louvor a Nossa Senhora do Rosário podemos destacar a
entrega da Coroa, que é o momento em que os ternos de
congos saem em cortejo da casa do festeiro do ano e
percorrem um trajeto até onde se encontra o casal
responsável por comandar o evento do ano seguinte. A
coroa é o objeto que inspira a maioria das músicas da
congada, ressaltando quegrande parte da celebração
religiosa gira em torno da coroação (MACEDO, 2007).
Estima-se que haja entre três a quatro mil congadeiros
participando dos ternos e um grupo de até quinze mil
pessoas que acompanham os dançadores pelas ruas de
Catalão, no domingo que antecede a entrega da Coroa. Por
ocasião da entrega da Coroa, houve anos em que se
estimou a presença de sessenta, setenta até cem mil
pessoas envolvidas com esse momento das celebrações.
Com o passar do tempo outros aspectos, além dos
religiosos, vão se destacando, como os políticos e
econômicos, gerados pela importância que essa
manifestação cultural atingiu na comunidade. Esses
elementos são fundamentais para analisarmos as relações
sociais contidas na realização da festa, como a escolha dos
futuros festeiros e de integrantes de determinados grupos
responsáveis pela arrecadação de recursos financeiros e o
reconhecimento social que essas funções lhe concedem
(PRADO, 2003).
A festa se torna alvo de grandes investimentos,
ganhando o apoio da Prefeitura e de diversos
patrocinadores. A divulgação da festa é veiculada em nível
nacional, estimulando o turismo na cidade de Catalão.
Devido ao grande impacto na cultura regional, o estudo
desse movimento religioso é foco de interesse acadêmico e
multidisciplinar, e de modo geral tratam-se de estudos
científicos que objetivam a mobilização das pessoas
envolvidas nas congadas, para que possam promover
iniciativas que garantam autonomia da Irmandade, a partir
da gestão dos recursos produzidos na realização da festa de
Nossa Senhora do Rosário. O projeto de pesquisa e extensão
“Memória e Patrimônio Cultural no Sudeste Goiano”, propõe-
se a buscar benefícios que levem à melhoria na qualidade
de vida dos participantes do movimento de congada e
garanta cidadania da comunidade, direta ou indiretamente,
envolvida com o movimento.
A Psicologia, como uma área voltada para o estudo e
pesquisa da saúde mental, oferece contribuições na
compreensão dos modos de produção de subjetividade1
constituídos nos grupos de congada, tanto na perspectiva
da sua conformação aos modos dominantes de vida
impostos pelo sistema capitalista vigente como na
perspectiva da invenção de outras formas de existência −
coletivas e individuais − que também possam promover
processos de autoanálise, autogestão e busca de autonomia
e protagonismo da comunidade no atendimento de suas
diversas demandas.
O levantamento epidemiológico dos transtornos mentais
da comunidade foi realizado tendo como instrumento o
SRQ-20 (Self Report Questionnaire) derivado de quatro
outros instrumentos já existentes e desenvolvido por
Harding. O instrumento é recomendado pela Organização
Mundial da Saúde (OMS) para estudos comunitários e
atenção primária à saúde.
Além das informações sobre saúde mental obtidas na
entrevista, pesquisaram-se também informações sobre as
características sociodemográficas da população-alvo, com o
intuito de fazer aproximações com os modos de
subjetivação construídos nesse grupo social e as inter-
relações entre perfil sociodemográfico e condições de saúde
mental. A pesquisa procura indicar aspectos como acesso
da comunidade à rede pública de atendimento em saúde e
saúde mental e o grau de resolutividade alcançada por esse
sistema de cuidados. Com isso, pretende-se mobilizar e
sensibilizar a comunidade em relação à necessidade de
conhecimento das suas condições de saúde e a necessidade
de se desenvolver ações que possam promover a saúde
mental, prevenir a incidência de transtornos mentais, tratar
e reabilitar os pacientes com sofrimento psíquico
agudo/crônico e suas famílias.
1.1 METODOLOGIA
Antes de abordar a metodologia adotada, vale apontar as
condições nas quais ela foi sendo concebida. Os
participantes do projeto foram professores do curso de
psicologia e alunos iniciantes, do primeiro ano de
graduação, portanto jovens ainda inexperientes no campo
da pesquisa científica. Todavia essa prerrogativa não foi de
todo um empecilho para que o trabalho acontecesse.
O projeto desenvolvido surge vinculado a outro,
denominado “Memória e Patrimônio Cultural no Sudeste
Goiano”, coordenado pelo professor Luiz Carlos do Carmo,
atual coordenador de extensão e cultura da Universidade
Federal de Goiás/Campus Catalão. A proposta dessa
parceria era fazer um cadastro com características
sociodemográficas da comunidade pesquisada, na tentativa
de levantamento de um perfil dos congadeiros contendo:
idade, sexo, estado civil, escolaridade, naturalidade, renda
per capita e familiar, entre outros.
A primeira direção tomada foi a realização de pesquisa
bibliográfica na área de epidemiologia em saúde mental
para buscar subsídios que pudessem alicerçar nossa
produção. A tentativa era compreender como são realizadas
atualmente as pesquisas nesse campo do conhecimento.
Entendemos que a metodologia de pesquisa de um
trabalho comunitário e social deve ser um dispositivo2 que
visa à produção de conhecimentos e à formação de
profissionais comprometidos com os interesses das
comunidades exploradas, dominadas e segregadas na
sociedade.
A intenção era trabalhar com o método da pesquisa-
ação3 e da pesquisa participante,4 em que todo processo
de investigação implica numa intervenção, na qual a
metodologia possa servir como um instrumento de luta e
transformação social e os pesquisadores possam colaborar,
por meio da troca de saberes e experiências, com as
pessoas da comunidade.
Levando em consideração a população-alvo,
encontramos na pesquisa quantitativa um modo adequado
de alcançar os objetivos estimados. Organizamos, para isso,
um roteiro sociodemográfico e anexamos o instrumento
SRQ-20,5 um Instrumento de Rastreamento de Transtornos
Mentais Comuns, versão para a língua portuguesa,
recomendado pela Organização Mundial de Saúde e que se
mostra coerente com a proposta metodológica da pesquisa.
O questionário elaborado continha, no total, cinquenta e
nove questões, sendo apenas quatro abertas, referentes aos
tipos de atividades físicas praticadas, problemas de saúde,
seus respectivos tratamentos e eficácia alcançada ou não.
Quanto ao levantamento epidemiológico em saúde mental
na comunidade, utilizamos vinte questões de fácil resposta
(tipo sim/não), retiradas do SRQ-20. Um dos grandes
benefícios desse levantamento está na geração de
conhecimentos sobre o risco e/ou incidência de transtornos
mentais comuns a fim de subsidiar o planejamento e gestão
de ações de promoção, prevenção, tratamento e
reabilitação em saúde mental desta população.
Os congadeiros a serem entrevistados deveriam possuir
algum vínculo com a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário. O primeiro contato e o agendamento das
entrevistas seriam feitos por algum representante da
Irmandade, que deveria acompanhar o pesquisador durante
a realização das entrevistas, caso fossem realizadas no
domicílio dos entrevistados.
Havia a alternativa de fazermos a pesquisa durante
encontros promovidos pelos dançadores, que se iniciavam
sempre com o cerimonial do terço. Eram reuniões semanais,
nas quais cada grupo se encontrava nas residências dos
capitães, e funcionavam como um tipo de preparação
religiosa para a festa. Por meio dessas orações, os
dançadores clamam por auxílio divino para que todos os
preparativos e a própria apresentação final ocorram da
melhor maneira possível. Contudo, nenhumas das
possibilidades apresentadas se fizeram suficientemente
adequadas ao contexto social do trabalho e concluímos que
a população-alvo não seria atingida, pois a maioria dos
congadeiros somente estaria presente durante os ensaios,
que ocorrem um pouco antes da festa. Tomamos essa
direção e começamos a aplicar o instrumento durante os
ensaios para a festa, sendo o ensaio geral6 a situação mais
apropriada.
Durante a coleta de dados foram surgindo algumas
intercorrências, impedindo o cumprimento da proposta tal
qual foi estabelecida inicialmente.
O instrumento foi aplicadoaos indivíduos da população
congadeira com idade igual ou superior a quinze anos, entre
os meses de setembro e outubro de 2007. As situações para
a aplicação do instrumento foram variadas, dependendo do
funcionamento dos ternos e da adesão à pesquisa por parte
dos capitães. Nos casos em que a receptividade do capitão
era maior, as entrevistas puderam ser realizadas com mais
facilidade, devido ao grande respeito e compromisso dos
integrantes do terno com seus líderes.
Como foi dito anteriormente, pretendíamos assistir aos
ensaios para depois aplicarmos o questionário, porém não
funcionou bem assim. Muitos ensaios ocorriam na rua, os
batuques dos congadeiros e sua alegria eram contagiantes,
não se via expressão de cansaço em seus rostos, de modo
que nosso trabalho se deu em meio a toda essa euforia
precedente à festa. Os tambores, o paralelepípedo da
calçada, as costas do próprio companheiro de dança
serviam como apoio para que eles pudessem responder o
questionário; muitos responderem às questões se apoiando
nos carros, na palma da mão, que se transformava em mesa
naquele momento.
Encontramos algumas pessoas que reclamavam do
tamanho do questionário; alguns analfabetos respondiam
com a ajuda dos alunos, que liam as questões e marcavam
as respostas; outros congadeiros se recusavam por estarem
exaustos, com preguiça de ler, pensar e ouvir.
Em meio a esse contexto sui generis, apareceram
inúmeras histórias referentes a situações da vida particular
de alguns participantes. Ouvimos relatos de tentativas de
suicídio e dos motivos para tais atitudes, outros desejavam
desabafar com os “psicólogos”. Deparamo-nos com
indivíduos alcoolizados que falavam, incansavelmente,
sobre todos os tipos de assuntos, imagináveis e
inimagináveis para aquele momento. Percebemos também
idosos que nos viram como netos e buscaram o mínimo de
atenção que todo ser humano merece.
Um exemplo que vale ressaltar foi o de uma mulher
casada e mãe de dois filhos, que confessou a um dos alunos
pesquisadores que estava pensando em se matar por não
ver mais sentido na vida, visto que havia pouco tempo
havia perdido a mãe, pessoa que ela amava demais, e por
sentir-se insignificante, sem valor para seu marido.
Essas intercorrências foram significativas, pois colocaram
os pesquisadores diante do que há de inusitado e singular
sempre presente no encontro entre pessoas, quando se
propõe a conhecê-las e, escutá-las, mesmo que não se
tenha condições de corresponder a todas as suas
expectativas ou às dos pesquisadores da área de Psicologia,
profissionais ou futuros profissionais que têm a vocação de
cuidadores de pessoas. Os pesquisadores tiveram a rica
oportunidade de se inserir na comunidade, exercitando o
lugar e a postura pertinentes ao papel de pesquisador e
constatar, entender a relevância desse movimento religioso
e da organização em comunidade para a vida das pessoas
envolvidas.
O passo seguinte da pesquisa foi a organização dos
dados coletados para sua análise estatística e qualitativa e,
por fim, de posse de todas as considerações sobre os dados
coletados, pretendíamos realizar uma reunião com o maior
número de representantes da Irmandade Nossa Senhora do
Rosário/Associação dos Congadeiros de Catalão, para
apresentar os dados coletados e as análises feitas, a fim de
propiciar a tomada de consciência coletiva sobre o perfil
sociodemográfico dos congadeiros encontrado, sobre a
possível incidência de transtornos mentais nessa
comunidade e as reflexões e ações possíveis a serem
implementadas para lidar com realidade retratada pela
pesquisa.
1.2 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS
DADOS
A seguir apresentamos a Tabela 1, com todos os dados
que compõem o perfil sociodemográfico encontrado dos
congadeiros que fazem parte da Irmandade Nossa Senhora
do Rosário, mediante uma amostragem com intervalo de
confiança de 95% em relação à possível caracterização de
toda a comunidade.
TABELA 01 – PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO DOS PESQUISADOS (2008)
Características da Amostra Número de pessoas % Margem de Erro (IC95%)
Sexo      
Masculino 139 58,90% 6%
Feminino 97 41,10% 6%
Idade (anos)      
15-24 94 39,83% 6%
25-34 47 19,92% 5%
35-44 33 13,98% 4%
45-54 26 11,02% 4%
55-64 11 4,66% 3%
65 ou mais 4 1,69% 2%
Não respondeu 21 8,90% 4%
Estado Civil      
Solteiro 124 52,54% 6%
Casado 75 31,78% 6%
Separado 12 5,08% 3%
Viúvo 10 4,24% 3%
Amasiado 12 5,08% 3%
Não respondeu 3 1,27% 1%
Moradia      
Casa própria 171 72,46% 6%
Casa alugada 44 18,64% 5%
Casa cedida 8 3,39% 2%
Casa financiada 5 2,12% 2%
Outra situação 4 1,69% 2%
Zona rural 0 0,00% 0%
Não respondeu 4 1,69% 2%
Condições de moradia      
Precária 3 1,27% 1%
Moderada 42 17,80% 5%
Boa 191 80,93% 5%
Renda Familiar      
Menos de 1 salário 28 12% 4%
1 salário 38 16% 5%
2 salários 74 31% 6%
3 salários 47 20% 5%
Mais de 3 salários 45 19% 5%
Não respondeu 4 2% 2%
Escolaridade      
Analfabeto 3 1% 1%
1ª a 4ª (C e I) 27 11% 4%
5ª a 8ª (C e I) 61 26% 6%
1º ao 3º (C e I) 108 46% 6%
Universitário 25 11% 4%
Não respondeu 12 5% 3%
Doenças      
Sim 34 14,41% 4%
Não 194 82,20% 5%
Não respondeu 8 3,39% 2%
Total com TMC 55 23% 5%
Total sem TMC 181 77% 5%
 
FONTE – PESQUISA DE CAMPO (2008). ORG. SILVEIRA, R. W. M.
A Tabela 1 é resultante de um emparelhamento dos
dados brutos obtidos a partir do instrumento SRQ-20, e do
questionário sociodemográfico composto por 36 perguntas,
trinta fechadas e seis abertas. Vale ressaltar que esse
questionário foi elaborado em conjunto com o professor Luís
Carlos do Carmo, coordenador do projeto de extensão
“Memória e Patrimônio Cultural no Sudeste Goiano”, ao qual
a nossa pesquisa esteve vinculada. O levantamento do
perfil dos congadeiros investigou os seguintes fatores: sexo,
idade, estado civil, condições de moradia, renda familiar,
escolaridade, incidência de doenças orgânicas e
tratamentos realizados.
Dentre os oito fatores investigados, seis deles apontam
para relações entre a incidência de transtornos mentais:
sexo; estado civil; condições de moradia; renda familiar;
escolaridade; doenças orgânicas prevalentes que acabam
por confirmar os dados estatísticos presentes em pesquisas
epidemiológicas em saúde mental.
Na maioria das pesquisas de epidemiologia em saúde
mental e com grupos populares, o perfil sociodemográfico
da população investigada é composto, principalmente, por
mulheres e pessoas de baixa renda, entretanto os dados
obtidos na presente pesquisa são, em sua maioria, relativos
à população masculina. No total da amostra de 236
indivíduos pesquisados, 139 (58,90%) são do sexo
masculino e apenas 97 (41,10%) do sexo feminino. O perfil
da população pesquisada é predominantemente formado
por pessoas do sexo masculino (58,90%); com idade entre
15 e 24 anos (39,83%); solteiros (52,54%); residem em casa
própria (72,46%); com boas condições de moradia
(80,93%); possuem renda familiar média de dois salários
mínimos (31,35%); escolaridade que varia entre 1° e 3° ano
colegial (45,76%); e em sua grande maioria não possui
outras doenças (82,20%).
Considerando o perfil encontrado na Tabela 1, é digno de
nota o fato de que 50% dos indivíduos tem renda inferior a
um salário mínimo (corresponde 12% dos entrevistados no
total) e de acordo com pesquisa realizada por Ludernir e
Filho (2002), verifica-se a importância da renda familiar
relacionada com os TMC, e com seus achados concluíram,
diferentemente, que a renda familiar não é um fator que
seja indicativo de TMC, mas as condições de moradia e
escolaridade.
Outras pesquisas, no entanto, apontam que a renda
familiar e o grau de escolaridade podem exercer influências
sobre o aparecimento de TMC (MARAGNO et al. 2006;
COSTA; LUDERMIR, 2005). Baixa renda e baixa escolaridade
contribuem para a prevalência desses transtornos.
A dificuldade financeira pode exercer enorme influência
sobre o aparecimento dos TMC: de acordo com Patel,
Kleinmann e Lima (2003), pessoas com baixa rendasentem
vergonha das condições em que vivem e os TMC estão
relacionados com sentimentos de falta de esperança,
sentem-se desvalorizados ou, em outras palavras, inúteis. A
pessoa que não possui nenhum tipo de renda sente-se
dependente de outra pessoa e insegura, portanto, está
propenso a desenvolver algum tipo de transtorno mental
comum.
Em nossa pesquisa encontramos um bom nível de
escolaridade e se relacionarmos incidência de TMC com
nível de escolaridade não poderemos confirmar com os
dados apresentados na tabela esta correlação na amostra
estudada. Indivíduos com baixa escolaridade, podem
também viver em condições precárias de moradia e,
consequentemente, possuírem renda consideravelmente
baixa. Assim, a prevalência de TMC torna-se cada vez maior.
Além disso, quanto mais se tem acesso à educação, a
probabilidade de se ter melhores empregos, saúde
psicológica e autoestima são maiores. Vale ressaltar, que o
convívio social e/ou familiar pode influenciar na
permanência ou não do indivíduo na escola. A necessidade
precoce de trabalhar para ajudar no sustento familiar
constitui um dos maiores motivos de evasão escolar no
Brasil atualmente (LUDERNIR e FILHO, 2002).
A baixa renda e baixa escolaridade associam-se às
condições de moradia em que a população pesquisada vive.
Ora, se alguém recebe menos de um salário mínimo e
possui pouca escolaridade, é de se inferir que suas
condições de moradia não sejam das melhores. Esse fator
destoa um pouco com o perfil do indivíduo que foi
encontrado na presente pesquisa: grande parte dos
entrevistados possui casa própria e nem concluiu o ensino
médio, deixando, assim, de ser um fator matematicamente
válido na avaliação de prevalência de TMC. Mas a questão é
que o que ocorre é o oposto, na maioria das pesquisas. A
classe social na qual o indivíduo está inserido também
exerce influência sobre esse aspecto, pois quanto mais alta
sua classe, melhores condições de vida a pessoa possui e,
portanto, menor as chances de apresentar algum transtorno
mental (LUDERNIR e MELO FILHO, 2002).
Apesar dos dados referentes ao estado civil e idade
poderem ser considerados sincrônicos (a maior parte da
população pesquisada consiste em indivíduos solteiros e em
idade entre 15 e 24 anos), apenas o estado civil foi
considerado matematicamente válido para a ocorrência de
transtorno mental no que se refere ao cálculo de nível de
significância. Os solteiros representam mais da metade da
população pesquisada (52,54%), mas o nível de
significância não aponta forte indicativo de transtornos
mentais, P = 0,14 (faltam referências à literatura
especializada na área).O que a pesquisa assinala é que os
TMC são mais frequentes entre os entrevistados que são
separados, casados e viúvos, mas, principalmente, entre
separados e viúvos. Essas ocorrências podem variar de
acordo com o sexo: mulheres casadas têm mais chance de
ter depressão do que as solteiras. Com os homens, ocorre o
contrário.
A população de viúvos, apesar de representar apenas
4,24% da amostra pesquisada, apresenta um índice
significativo de incidência de TMC. De acordo com a
literatura especializada (PATEL, KLEINMANN e LIMA, 2003), a
solidão, dentre outras vicissitudes da velhice, pode ser
considerada um importante aspecto que se associa à
incidência de TMC.
Outro fator a ser investigado de forma mais aprofundada
na amostra pesquisada é a relação de doenças orgânicas
(34 pessoas que corresponde a 14,41% da amostra) com
TMC. A literatura especializada afirma que doenças físicas
predispõem o desencadeamento de TMC em decorrência
das limitações e sofrimento físico e psíquico que podem
acometer tais pessoas. Essa correlação entre doenças
físicas e incidência de TMC é relativamente alta e pode ser
também associada a fatores socioeconômicos e condições
de moradia. Outro aspecto a considerar é o uso de
medicamentos, que podem ter efeitos colaterais,
provocando ou agravando sinais e sintomas de TMC. De
acordo com COELHO (2006), em sua pesquisa também se
encontra uma relação íntima entre TMC e doenças
orgânicas, e afirma que muitos médicos tendem a
negligenciar a influência de TMC a doenças orgânicas, tendo
em vista que são as doenças orgânicas que interessam a
eles.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As pesquisas epidemiológicas sobre a incidência de
transtornos mentais comuns na comunidade, de modo
geral, são escassas no país, e não temos conhecimento de
nenhuma pesquisa desse tipo com integrantes de um
movimento genuinamente popular, como é a congada.
Portanto, vale destacar a originalidade deste estudo por
alguns motivos, sendo um deles o fato de ter sido realizado
com os congadeiros da cidade de Catalão, que compõem o
mais significativo movimento popular da cidade e região;
outro motivo é o fato de que a coleta dos dados foi
realizada, e não teria como ser de outra forma, durante a
festa de Nossa Senhora do Rosário, momento único em que
todos os congadeiros estão reunidos nesse evento festivo
que justifica a própria existência desse movimento popular
e religioso.
Além disso, o fato da pesquisa ter sido realizada por um
grupo de estudantes do primeiro ano do curso de Psicologia
demonstra a importância de atividades acadêmicas desde o
início da formação profissional que possam levar ao
desenvolvimento de habilidades investigativas e o
compromisso com a produção de conhecimentos científicos
na área.
As congadas no Brasil se multiplicam em várias
localidades. Sua disseminação e amplitude não permitem
que se dê conta de todas as ocorrências, isso porque o
movimento tem como característica fundamental a não
institucionalização. Segundo Paula (2000), trata-se de “[...]
movimentos de luta contra as imposições da cultura de
massa, embora sejam tentados a fazê-lo, são os grupos de
resistência cultural na tentativa de se legitimar uma
identidade cultural”.
Em Catalão, a congada é um movimento organizado em
torno da busca da preservação das suas raízes africanas por
meio da dança, das coreografias, das cores, da alegria e da
festa, sendo o mais importante a celebração grupal da fé
homenageando Nossa Senhora do Rosário. Trata-se deum
movimento que resiste aos processos de institucionalização
e burocratização, afirmando sua identidade nas
manifestações populares espontâneas que produz.
Em contrapartida, os congadeiros passaram a reconhecer
a necessidade de se construir uma organização institucional
mínima para que o movimento possa ser reconhecido pelos
órgãos públicos e privados, como entidade representativa
de uma comunidade organizada e, dessa forma, ter maiores
possibilidades de fortalecimento de sua autonomia
financeira, jurídica e social.
Nesse sentido, o levantamento sociodemográfico para
construção de um perfil aproximado da comunidade que
compõe esse movimento popular, cultural e religioso, foi um
dos nossos objetivos, juntamente com a tentativa de
mapear indicativos de incidência de transtornos mentais
comuns na amostra pesquisada.
Para concluir, destacamos a análise de alguns dados
relevantes na pesquisa O primeiro deles é o fato de que a
maioria da população pesquisada é composta por homens
jovens, população que comumente não aparece como
sujeito de pesquisas sociodemográficas e epidemiológicas
na área da saúde. Concluímos que essa particularidade da
população pesquisada está relacionada com um aspecto
tradicional e cultural da festa de Nossa Senhora do Rosário
e da Congada, que é o fato de que os congadeiros sempre
foram, em sua maioria, homens. Somente nos últimos anos
é que surgiu um único terno formado por mulheres, tanto
que esse terno ainda não é bem aceito pelos ternos mais
tradicionais e antigos na festa.
Outro aspecto a considerar é o perfil da população
pesquisada, pois quando se fala de movimentos populares
como a congada, geralmente são compostos por população
de maioria negra e historicamente marginalizada e,
portanto, mais vulnerável a baixas condições financeiras e
de escolaridadee idade relativamente mais avançada, mas
diferentemente disso, encontramos uma população jovem,
na maioria com o ensino médio completo ou incompleto,
casa própria e boas condições de moradia e ausência de
problemas físicos.
Por outro lado, trata-se de uma população de baixa renda
familiar e com um indicativo de alto índice de transtornos
mentais comuns, o que corrobora com os dados
encontrados em outras pesquisas epidemiológicas em
saúde mental realizadas.
Concluímos que as boas condições de moradia e ensino
da população jovem investigada decorrem do esforço de
seus progenitores em oferecer-lhes melhores condições de
vida, mas ainda assim, a baixa renda familiar e o indicativo
de alta incidência de transtornos mentais apontam para as
dificuldades financeiras e psicológicas enfrentadas por essa
população. Os altos índices que apontam para incidência de
transtornos mentais comuns encontrados se comparados
com os índices encontrados na literatura especializada
sobre o assunto nos coloca a demanda de investigar de
forma mais aprofundada esse fato.
Por fim, esperamos que o perfil encontrado nessa
pesquisa por amostragem possa contribuir para os
processos de autoanálise desse movimento popular e
autogestão de práticas que correspondam aos anseios dos
congadeiros, protagonistas dessa importante manifestação
cultural e religiosa.
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* Este texto foi publicado originalmente na Espaço em Revista. 11(1), 2009.
 
2
CARTOGRAFIAS DE UM PROCESSO DE ANÁLISE INSTITUCIONAL EM UM
CAPSAD - CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL ÁLCOOL E DROGAS: OS
DESAFIOS DA POLÍTICA DE REDUÇÃO DE DANOS
Ricardo Wagner Machado Silveira
Diogo Rezende
Willian Araújo Moura
INTRODUÇÃO
Atualmente, percebe-se um grande crescimento de
demandas quanto à saúde das pessoas que abusam ou são
dependentes de álcool e/ou drogas, como mostram algumas
pesquisas epidemiológicas (CARLINI, A.; CARLINI, - COTRIN,
1991; CARLINI, A., GALDURÓZ, NOT e NAPPO, 1997, 2002;
NOTO, A.R.; CARLINI, 1995; ALMEIDA et. al., 1992), sem
mencionar que, como enfatizam Silveira e Moreira (2006), a
questão do uso e abuso de substâncias psicoativas tem
estado bastante em voga na mídia, em campanhas
eleitorais e estratégias governamentais. Historicamente, o
uso dessas substâncias tem sido significado e tratado como
pecado, crime e, mais recentemente, como doença,
culminando numa guerra às drogas. Diante disso,
consideramos necessário ampliar os focos de análise e
significação abarcando, na medida do possível, os contextos
complexos onde as histórias de vida acontecem. Assim
sendo:
Temos a urgência da tolerância e da necessidade de mudança de
paradigma: continuar excluindo o dependente que não consegue ou
não deseja a sobriedade colocaria todos em risco. As estratégias
pragmáticas da Redução de Danos começam a desmanchar as
trincheiras da ineficaz “guerra às drogas”. Abre-se espaço para se
falar de serviços “amigáveis” ao dependente. Finalmente, acenamos
para o grande desafio: entender o outro, o diferente, e incluí-lo. A
moderação frente ao objeto de desejo passa a ser uma alternativa
possível. (SILVEIRA e MOREIRA, 2006, p. 4).
Surge a Redução de Danos (RD) como política e prática
de saúde pública fundamentada na ideia de minorar o efeito
deletério do consumo de drogas por meio de diversos
procedimentos, como a distribuição de seringas entre
usuários de drogas injetáveis e a substituição de drogas
mais disfuncionais do ponto de vista biopsicossocialpara as
menos disfuncionais. Contudo, mais do que isso, RD é uma
mudança na relação do sujeito com a droga a partir da
autonomia dele e da não priorização da abstinência para
que o tratamento se realize, isto é, uma possibilidade das
pessoas fazerem sua própria história. “É tratar as pessoas
não pelo que elas têm ou pelo que aparentam, mas pelo
que elas são como seres singulares” (LANCETTI, 2006, p.
61).
A RD é uma das políticas atuais privilegiadas pelo
Governo Federal para o tratamento do abuso e dependência
de álcool e outras drogas, juntamente com a implantação
da rede substitutiva de atenção à saúde mental, que
encontra nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) um de
seus mais importantes dispositivos.
O Ministério da Saúde (BRASIL, 2004) apresenta como
princípios e diretrizes da política de Saúde Mental a
desinstitucionalização e a reorientação do modelo
assistencial com vistas à humanização no tratamento de
portadores de sofrimento mental, privilegiando os casos
mais graves, como neuróticos graves, psicóticos, egressos
de internações psiquiátricas, os que fazem abuso e/ou
sofrem de dependência de álcool e outras drogas. Essa
política vem se efetivando por meio da reestruturação dos
serviços de saúde mental com a implantação de novas
tecnologias de cuidado, a reformulação das leis, a
construção de um lugar para a loucura, o resgate da
cidadania do usuário do SUS, a redução gradual dos leitos
psiquiátricos e a ampliação da rede substitutiva que garanta
o cuidado em saúde mental.
Os Caps são estabelecimentos que visam a acolher os
pacientes com transtornos mentais, pretendendo fortalecer
os laços sociais do usuário e integrá-lo ao território onde
vive, além de prestar atendimentos médico e psicológico.
Nessa perspectiva, ante o crescimento de demandas quanto
à saúde das pessoas que abusam ou são dependentes de
álcool e/ou outras drogas, o Ministério da Saúde, em 2002,
cria o CAPSad, que se torna serviço de referência na rede de
saúde mental para implementação das políticas de
promoção da saúde, prevenção e tratamento dos pacientes
com abuso/dependência de álcool e drogas (BRASIL, 2004).
O CAPSad deve funcionar como instância de
planejamento e implementação de múltiplas estratégias de
redução de riscos e danos causados pelo abuso e
dependência de substâncias psicoativas, propiciando o
fortalecimento de fatores de proteção da saúde, prevenção
e tratamento por meio de intervenção terapêutica eficiente,
inserção comunitária e colaboração de outros segmentos
sociais.
Os CAPSad devem oferecer atendimento diário a pacientes que
fazem um uso prejudicial de álcool e outras drogas, permitindo o
planejamento terapêutico dentro de uma perspectiva individualizada
de evolução contínua. Possibilita ainda intervenções precoces,
limitando o estigma associado ao tratamento. Assim, a rede proposta
se baseia nesses serviços comunitários, apoiados por leitos
psiquiátricos em hospital geral e outras práticas de atenção
comunitária (ex.: internação domiciliar, inserção comunitária de
serviços), de acordo com as necessidades da população-alvo dos
trabalhos. Os CAPSad desenvolvem uma gama de atividades que vão
desde o atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, de
orientação, entre outros) até atendimentos em grupo ou oficinas
terapêuticas e visitas domiciliares. Também devem oferecer
condições para o repouso, bem como para a desintoxicação
ambulatorial de pacientes que necessitem desse tipo de cuidados e
que não demandem por atenção clínica hospitalar. (BRASIL, 2004, p.
24).
Tendo como um de seus compromissos fundamentais as
diretrizes de políticas públicas para a saúde mental citadas
acima, realizamos a pesquisa Análise Institucional do Centro
de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (CAPSad) da Rede
de Atenção à Saúde Mental, cujo objetivo inicial era lidar
com os impasses e problemas de gestão de processos
técnicos, organizacionais e do trabalho em equipe que têm
dificultado a realização da missão desse serviço de saúde
mental na rede pública de saúde da cidade, propiciando
espaços de reflexão, gerando novos saberes e novas
práticas e que tem como um de seus resultados o presente
capítulo.
Temos a Análise Institucional como um de nossos
principais intercessores, uma referência
teórico/metodológica que tem nos ajudado a problematizar
as histórias contadas e não contadas no cotidiano desse
serviço, tendo em vista a explicitação dos não ditos, a
criação de possibilidades de um maior protagonismo de
todos os atores que compõem essa complexa realidade
analisada. A intenção é que a análise, gestão e avaliação
contínua dos processos seja sempre coletiva,
potencializando a criação de saberes e práticas inovadoras
e heterogêneas.
2.1 SOBRE A ANÁLISE INSTITUCIONAL
A Análise Institucional é uma das correntes do Movimento
Institucionalista, um movimento transdisciplinar que rejeita
padrões e verdades pré-concebidas, luta contra toda forma
de discriminação, exploração e dominação social, utiliza
conceitos e instrumentos desenvolvidos para a análise e
intervenção nas instituições, visando à autoanálise e à
autogestão dos coletivos envolvidos (BAREMBLITT, 2002;
L’ABBATE, 2003; PEREIRA e PENZIM, 2007). As instituições
se caracterizam por ser um sistema de normas, que incluem
os modos como os indivíduos concordam, ou não, em aderir
a essas normas e, assim, as relações sociais reais e as
normas sociais também fazem parte do conceito de
instituição. A instituição não atua a partir do exterior para
regular a vida de grupos ou condutas dos indivíduos, mas
“atravessa todos os níveis dos conjuntos humanos e faz
parte da estrutura simbólica do grupo, do indivíduo”
(LOURAU, 2004b, p. 71).
O CAPSad pode ser visto como um estabelecimento,
lugar onde se “materializam” as instituições, as normas e
regras que se concretizam por meio de dispositivos
técnicos, instalações, procedimentos e redes
comunicacionais que enunciam a composição de forças
instituintes e instituídas em jogo num dado contexto ou
processo a ser analisado. O instituinte refere-se às forças de
contestação e à capacidade de renovação e transformação
institucional. Já na dimensão instituída, podemos perceber a
ordem estabelecida, os valores e os modos de
representação e de organização considerados normais. O
instituinte e o instituído constituem os dois polos de forças
que dinamizam a vida institucional das organizações,
estabelecimentos e equipamentos sociais (LOURAU, 2004a,
2004b, 2004c; BAREMBLITT, 2002). Para iniciar uma Análise
Institucional, é fundamental compreender
institucionalmente a dinâmica do estabelecimento. No
nosso caso, trata-se de compreender melhor o pedido de
análise e intervenção que nos foi feito pela equipe do
CAPSad, em que condições esse pedido se produziu, quais
os aspectos conscientes, manifestos e voluntários desse
pedido, quais os aspectos inconscientes, latentes ou não
ditos. É preciso, então, fazer uma análise da produção da
demanda. Enquanto analistas institucionais, temos a
necessidade de fazer uma análise contínua de nossa
implicação, de nosso compromisso sócio-econômico-
político-libidinal, com a tarefa investigativo-interventiva a
que nos propomos realizar.
A título de esclarecimento, nosso maior intuito não é
analisar com a devida profundidade o processo
implicacional ocorrido – consideramos essa uma empreitada
que merece a produção de um estudo à parte. Nossa maior
intenção é apresentar, de forma clara e concisa, todo o
processo de investigação-intervenção realizado, com
destaque para alguns efeitos produzidos pelos analisadores:
roda de autoanálise e observação participante. O
pesquisador/analista institucional deve atentar-se e procurar
identificar os chamados analisadores, fenômenos
produzidos espontaneamente pela própria dinâmica
institucional ou construídos pelos pesquisadores, com
finalidade investigativo-interventiva, por serem eles
constituídos de materialidade expressivaheterogênea, que
manifestam e denunciam aspectos institucionais
conflitantes, reprimidos, inconscientes, ao mesmo tempo
em que contêm os elementos para dar início ao processo de
seu próprio esclarecimento. Segundo Lourau (2004b, p. 69-
70): “[...] é o analisador que realiza a análise [...] chama-se
analisador, em uma instituição de cura, aos lugares onde se
exerce a palavra, bem como a certos dispositivos que
provocam a revelação do que estava escondido”.
O papel do pesquisador/analista institucional é criar
condições para que os analisadores possam evidenciar-se,
sendo assumidos e autoanalisados por seus protagonistas.
Não cabe ao analista institucional o papel de explicar ou
interpretar materiais de análise, mas, trazer à tona os
elementos que compõem um conjunto e transformar a
palavra terapêutica em palavra política, liberada e
liberadora.
Baremblitt (2002) diz que as diferentes escolas do
Movimento Instituinte se propõem a apoiar e irromper nos
coletivos processos de autoanálise e autogestão, os dois
objetivos básicos do Institucionalismo. A autoanálise seria
um processo coletivo em que acontece a produção e
apropriação de saberes acerca de si mesmo, saberes muitas
vezes desqualificados como ignorantes pelos saberes
científicos instituídos. A autogestão é simultânea e
articulada com o processo de autoanálise, uma vez que,
enquanto se autoanalisa, o coletivo se auto-organiza e se
autogere, isto é: “A autogestão visa participação e a
transformação da comunidade que se autodirige, se
autocritica (autoanálise) e estabelece diretrizes, pautas e
leis para o êxito de seu empreendimento” (PEREIRA, 2001,
p. 136).
Os processos de autoanálise e autogestão, ao mesmo
tempo em que são os objetivos principais das intervenções
institucionalistas, são também os próprios meios para
realizá-las. A nosso ver, a autoanálise e a autogestão, como
operadoras de uma análise institucional, têm grande
coerência e ressonância com os princípios de
corresponsabilização pelos processos de saúde-doença-
cuidado defendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS),
cujos atores sociais envolvidos são protagonistas de
práticas inovadoras ou conservadoras de uma política de
promoção, prevenção, reabilitação e reinserção social dos
usuários da rede de atenção em saúde mental.
Fazer a análise institucional de um serviço como o
CAPSad implica uma análise das instituições que
atravessam e influenciam a constituição dos saberes e
práticas produzidas por esse estabelecimento dentro de um
contexto social e historicamente determinado. Por isso,
trata-se de um esforço em mapear a relação de forças
instituintes e instituídas, que foram construindo
historicamente o serviço e que configuram o campo de
análise, o cotidiano de práticas de gestão, organização,
planejamento, execução e avaliação das atividades
realizadas pelo CAPSad na atualidade.
Para tanto, façamos um sucinto resgate de fatos
marcantes na história da implantação e manutenção do
estabelecimento em análise. Em 2005, foi criado o CAPSad
II, pela Secretaria Municipal de Saúde da cidade e, durante
os primeiros três anos, o serviço privilegiava a lógica da
abstinência com pouca adesão dos usuários ao serviço, com
uma coordenação definida por critérios mais políticos que
técnicos e uma equipe terapêutica despreparada para o
trabalho com os usuários de drogas e suas famílias.
No final de 2008, com a demanda crescente de
atendimento na área, o serviço enfrentava grandes
dificuldades quanto à integração da equipe e inoperância do
serviço, o que culminou numa intervenção feita pela
coordenação de saúde mental local que visava à
reestruturação do serviço, balizada pela política de Redução
de Danos. Definiu-se uma nova coordenação, eleita pela
própria equipe de profissionais, e o processo de
reestruturação do projeto clínico- institucional do serviço
ganhou força. Nessa mesma época, várias comunidades
terapêuticas do município foram fiscalizadas e fechadas a
partir de denúncias feitas ao Ministério Público de maus-
tratos e cárcere privado de usuários que procuravam esses
estabelecimentos.
A partir desse processo de fiscalização e intervenção nas
comunidades terapêuticas, foi se constituindo uma fecunda
aproximação entre os gestores dos serviços de saúde
mental local e as instâncias jurídicas e legislativas
municipais, que levaram a um debate mais ampliado sobre
a política municipal de prevenção e tratamento ao uso
abusivo e à dependência de álcool e outras drogas.
Como era de se esperar, a demanda de atendimento e de
acolhimento de crises no CAPSad aumentou de forma
abrupta e significativa. Foi nesse contexto profícuo de crise
e mudança que a coordenadora do CAPSad nos convidou a
realizar a pesquisa-intervenção aqui relatada, que teve
início no primeiro semestre de 2009 e continua em curso.
2.2 SOBRE A METODOLOGIA
SOCIOANALÍTICA
A Análise Institucional pressupõe a participação de todos
os atores sociais envolvidos de forma autoanalítica e
autogestiva, desconsiderando padrões, caminhos prontos e
verdades pré-concebidas:
A análise institucional implica um descentramento radical da
enunciação científica. Mas, para consegui-lo, não basta dar a palavra
aos sujeitos envolvidos – às vezes uma questão formal, inclusive
jesuítica. Além disso, é necessário criar as condições de um exercício
total, paroxístico mesmo, desta enunciação. A ciência nada tem a ver
com medidas justas e compromissos de bom-tom. Romper, de fato,
as barreiras do saber vigente, do poder dominante, não é fácil [...] É
todo um novo espírito científico que precisa ser refeito. (GUATTARI,
1977 citado por LOURAU, 2004b, p. 66).
Para tanto, foi necessária a escolha de uma metodologia
de pesquisa coerente com tais pressupostos teóricos e
políticos e que pudesse responder à altura às demandas
presentes no campo de intervenção-investigação. Para Isso,
elegemos o método de pesquisa-intervenção por considerá-
lo mais coerente com nossas intenções, pela riqueza em
possibilidades de efetivação prática e pela produção de
dados.
O método de pesquisa-intervenção se caracteriza por ser
uma forma de realizar pesquisa que parte de um modo de
ação não prescritivo, sem regras nem objetivos previamente
formulados, sem que com isso se tenha aqui uma ação sem
direção. O processo investigativo “[...] se faz por pistas que
orientam o percurso da pesquisa sempre considerando os
efeitos do processo do pesquisar sobre o objeto da
pesquisa” (PASSOS, KASTRUP e ESCÓSSIA, 2009, p. 17).
Dessa forma, a pesquisa se faz de maneira indissociada
da intervenção, de modo que a própria prática de pesquisar
trará em si práticas interventivas que irão agir diretamente
conectadas com todas as forças em movimento na
instituição, para que o percurso da pesquisa se trace na
processualidade e complexidade dos acontecimentos
investigados.
O processo investigativo-interventivo caracterizou-se por
pesquisas bibliográficas e documentais, pela busca e
levantamento dos analisadores históricos de tal
estabelecimento, assim como por uma inserção direta na
rotina do serviço mediante dois dispositivos analisadores
construídos: as observações participantes da rotina de
trabalho ao longo da semana e a constituição de reuniões
quinzenais com a equipe de trabalhadores do CAPSad
(chamadas “rodas de autoanálise e autogestão”), visando a
um melhor conhecimento da história e da estrutura do
CAPSad, de seus protagonistas e suas relações, das forças
instituintes e instituídas em jogo naquele contexto.
2.3 SOBRE O PROCESSO
IMPLICACIONAL
Para a análise da implicação dos pesquisadores,
realizávamos sistematicamente nossa roda de autoanálise,
com a finalidade de aprofundamento do estudo e domínio
dos referenciais teórico-técnicos que fundamentam a
pesquisa, para a análise dos dados e da implicação, do
planejamento de ações e avaliação das mesmas em cada
etapa do processo.
Na fase exploratória do campo de análise e intervenção,
estabelecemos umprimeiro levantamento dos problemas
prioritários, identificando expectativas, apoios e
resistências, convergências e divergências de posições no
coletivo analisado como parte do que é tradicionalmente
chamado de diagnóstico. Aqui, ocorreu prioritariamente a
análise da produção da demanda, isto é, quais seriam as
razões explícitas e implícitas que levaram a ocorrência da
análise institucional do CAPSad, lembrando que uma
demanda implícita refere-se a tudo aquilo que o grupo
solicitante não consegue enxergar, seja por questão de
recalcamento, repressão ou desconhecimento.
Vale dizer que, na análise da demanda, um dos aspectos
mais relevantes foi a análise da oferta de nossos serviços, o
que implicava questionar: quais os motivos implícitos e
explícitos que levaram a coordenadora do CAPSad e sua
equipe a nos demandar uma análise institucional? Quais as
fantasias e expectativas que se estabeleceram em torno de
nosso trabalho enquanto analistas institucionais? Enfim, em
que medida a demanda foi influenciada pela oferta de
serviços de um grupo de pesquisadores e pretensos
analistas institucionais?
A análise da implicação passa pela análise da demanda e
da oferta numa tentativa de desconstrução das ilusões da
neutralidade analítica. De qualquer modo, é sempre o
analisador quem dirige a análise. E o importante para o
investigador é tudo aquilo que lhe é dado por sua posição
nas relações institucionais.
Desde o início e durante algum tempo, fomos investidos
de várias expectativas salvacionistas por parte da equipe
que compunha a roda de autoanálise. Por várias vezes,
escapávamos desse lugar, tentando desviar a atenção da
roda pra ela mesma e suas potencialidades de resposta a
qualquer das demandas em pauta. Outras vezes,
arriscávamos uma atitude mais diretiva, “correspondendo”
às expectativas salvacionistas, pois avaliávamos que,
naquele momento, essa era a melhor saída para os
impasses que se impunham, sempre tendo em vista a busca
da autoanálise e autogestão do coletivo. Sempre foi de
fundamental importância o exercício sistemático de análise
das implicações (feito pela equipe de pesquisadores) do
papel que desempenhávamos em cada acontecimento
vivido e seus efeitos no contexto de análise e intervenção.
Partindo do princípio de que os grupos deveriam se
tornar protagonistas de suas histórias por meio de sua
autoanálise, criamos dois dispositivos analisadores: a roda
de autoanálise e as observações participantes, ferramentas
que podem gerar acontecimentos e devires, que podem
responder a uma dada urgência, que, em última instância,
estão a serviço da produção de novos modos de ser e se
relacionar enquanto coletivo organizado em busca de novas
formas de ser equipe, de cuidar e ser cuidado, de fazer uma
clínica ampliada, engajada politicamente na luta pela
cidadania e reinserção social dos usuários de drogas.
No tortuoso acontecer das rodas de autoanálise e
autogestão, num movimento descontínuo que oscilava entre
a autogestão criativa e instituinte e a sujeição conservadora
e instituída, a equipe foi tecendo outro importante
analisador na/da sua rotina, as assembleias, em que todos
os atores que fazem parte do serviço tinham, ou pelo menos
deveriam ter, o poder da voz e do voto.
Ao final de cada uma das observações participantes e
das rodas de autoanálise com a equipe do CAPSad, era feito
o registro por escrito de tudo o que havia acontecido para
posterior análise dos dados produzidos em rodas da equipe
de pesquisadores.
À medida que começou a funcionar, a roda de
autoanálise e autogestão foi gradativamente propiciando a
explicitação dos conflitos, tornando-se manifesto o jogo de
forças em embate, os desejos, interesses e fantasmas dos
segmentos organizacionais, fazendo com que a instituição
mostrasse suas contradições, seus limites e possibilidades
(BAREMBLITT, 2002; L’ABBATE, 2003).
2.4 MAPEANDO O CAMPO DE FORÇAS
Um dos resultados esperado foi que a roda se tornasse
uma atividade incorporada na rotina do serviço e que
pudesse funcionar efetivamente como instância de
autoanálise das práticas ali realizadas, operando como
autogestora de novas práticas e saberes, alimentando
circuitos de troca, mediando aprendizagens recíprocas e/ou
associando competências. É por estarem em roda que os
atores sociais envolvidos criam possibilidades à realidade
vivida no cotidiano.
Durante a realização da pesquisa-intervenção,
apareceram nas rodas realizadas junto à equipe do CAPSad
várias queixas recorrentes: dificuldades de comunicação na
equipe e entre turnos; a insuficiência de recursos para fazer
funcionar uma potência terapêutica devido à falta de
capacitação profissional e de reconhecimento do papel
específico de cada um; a falta de integração e solidariedade
dos membros da equipe no manejo dos casos; a
burocratização das práticas e da rotina do serviço; a falta de
recursos e materiais básicos para o funcionamento do
serviço e a desvalorização do profissional de saúde, sempre
muito mal remunerado e desmotivado para o trabalho. Além
disso, a lida diária com casos difíceis e complexos gera na
equipe um sentimento de insuficiência e fracasso
terapêutico quando a meta restringe-se à abstinência.
A nosso ver, boa parte da equipe tinha grande
dificuldade em aderir à implantação da política de Redução
de Danos, que opera na contramão de práticas instituídas
de exclusão “asséptica” dos que não aderem à lógica da
abstinência e de terror e repressão ao uso de drogas, com a
criminalização e preconceito ao dependente de álcool e
outras drogas.
É realmente difícil deslocar-se do lugar comum em que
prevalece uma clínica pautada exclusivamente pela lógica
da abstinência e do corte abrupto do uso da droga, para
ascender a uma clínica que irá trabalhar o mais próximo
possível da pessoa que usa a droga, que não consegue ou
não quer abster-se dela e, a partir desse lugar, ir
construindo, gradativamente, delicadamente, um vínculo,
um lugar de negociação e terapêutica exequível, em que o
usuário possa mobilizar seu lado saudável e passar a cuidar,
mesmo que minimamente, da própria vida. Trata-se de uma
clínica que não se conforma com os ditos “casos perdidos”,
que não desiste nunca, que não reduz o paciente à sua
dependência, mas consegue vislumbrar um projeto de vida,
de autonomia e de liberdade quando o que se apresenta aos
nossos olhos parece ser um projeto hedonista e mortífero.
O que acontecia no CAPSad era uma dificuldade da
equipe em lidar com a ideia de uma clínica que visa à
construção da liberdade do paciente, que é muitas vezes
confundida com uma espécie de libertinagem e conivência
com a dependência de álcool e outras drogas. Questões que
surgem em algumas rodas de autoanálise estão ligadas a
isso. Vários membros da equipe se perguntavam sobre os
parâmetros dessa liberdade. Até que ponto se pode lidar
com o paciente, colocando limites com assertividade sem
que isso se torne controle e disciplina despótica.
Os terapeutas pareciam estar em busca de protocolos
objetivos, supostamente seguros e resolutivos, como forma
de se esquivarem do desafio de construção processual de
uma clínica que se fortalece a partir da construção de redes
solidárias e de cuidado que são gestados, muitas vezes, em
contextos inóspitos, em que a precariedade das condições
de vida e o risco iminente da recaída fazem parte do
cotidiano vivido.
Era claramente perceptível na equipe a dificuldade em
saber acolher o paciente resistente ao tratamento, em crise,
que não consegue parar de usar drogas e alcançar a
almejada abstinência. Até que ponto acolher? Qual o limite
entre continência e contenção? Essas eram questões
sempre presentes e, assim, o acolhimento se tornou tema
fundamental a ser problematizado pela equipe no dia a dia:
como devemos agir em relação ao portão de entrada do
serviço? O paciente pode sair quando quiser, drogar-se e
depois voltar quando lhe convier? É relevante dizer que a
roda de autoanálise

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