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1 UNIVERSIDADE TIRADENTES PSICOLOGIA LUANA SANTANA SANTOS RELATÓRIO DE ESTÁGIO BÁSICO Aracaju 2018 2 UNIVERSIDADE TIRADENTES PSICOLOGIA LUANA SANTANA SANTOS Trabalho apresentado à disciplina Estágio Básico I do curso de Psicologia, sob a orientação da Preceptora de Psicologia da Saúde Juliana Andrade Passos Prado, como pré-requisito para avaliação da I Unidade. Aracaju 2018 3 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO................................................................................................................... 04 2. ESTÁGIO EM PSICOLOGIA..........................................................................................06 3. EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL E IMPLEMENTAÇÃO DO SUS.............................................................................................08 3.1 REFORMA PSIQUIATRICA NO BRASIL E A CONSTRUÇÃO DA REDE DE SERVIÇOS SUBSTITUTIVOS.........................................................................................11 3.2 A INSERÇÃO DA PSICOLOGIA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL: DESAFIOS DA ATUAÇÃO E MUDANÇA DE PERSPECTIVA..............................................................................................................13 4. A ATUAÇÃO DA (O) PSICÓLOGA (O) NA POLÍTICA DO CAPS: DESINSTITUCIONALIZAÇÃO DA PRÁTICA E INTERVENÇÃO NA CULTURA......................................................................................................................16 5. UTILIZAÇÕES DE GRUPOS TERAPÊUTICOS COMO ESTRTATÉGIAS DE INTERVENÇÃO PSICOSSOCIAL - DESAFIOS DA CLÍNICA AMPLIADA.....................20 6. RELATO DAS ATIVIDADES.............................................................................................24 REFERÊNCIAS......................................................................................................................34 ANEXOS......................................................................................................................35 4 1. INTRODUÇÃO Configurando-se como elementos constituintes e indispensáveis para formação profissional, os estágios compõem a grade curricular de Psicologia sendo um dos momentos mais esperados pelos discentes. Trata-se de uma prática obrigatória que integra o currículo do curso de graduação e propõe ao estudante um contato inicial com o exercício profissional, reduzindo a distância entre o campo de atuação do psicólogo e a sala de aula. Para que este processo seja eficaz, é importante a participação ativa do estagiário e a observação das condições objetivas em que se desenvolve essa formação. Com fundamento em aspectos da Psicologia Sócio histórica, como atividade, mediação, aprendizagem e desenvolvimento e consciência, discute-se que os estágios devem ser considerados para além da mera aplicação da teoria, devem ser concebidos como uma oportunidade de atividades que favoreçam a formação profissional por um prisma crítico e reflexivo, deve possibilitar uma formação articulada, que supere a neutralidade dos currículos tradicionais, levando os discentes a se conscientizarem da realidade e trabalhar de forma contextualizada e comprometida. Em decorrência do cenário do estágio, faz-se uma breve síntese da evolução das políticas de saúde mental no Brasil, como subsídio para uma melhor compreensão dos aspectos históricos que influenciaram a constituição do Sistema Único de Saúde (SUS) e o processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil, entendida como um amplo e intenso movimento de contestação à ciência psiquiátrica e responsável pela instituição do modo de atenção psicossocial, que possui como característica principal um modo de cuidar do sofrimento psíquico utilizando-se de espaços produtores de relações sociais. Para atender a essa nova demanda de cuidado, construiu-se os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), como serviços de atenção especializada, estão inseridos na comunidade e atuam de forma interdisciplinar, com a responsabilidade de cuidar de pessoas que sofrem de transtorno mental severo e persistente e/ou abuso de álcool e outras substâncias psicoativas. Percebe-se, atualmente, que essas transformações vêm exigindo não somente a reestruturação de serviços de saúde, mas também a adequação do cardápio de competências e habilidades do profissional de saúde. A Psicologia em particular, fortemente relacionada à prática clínica individual na atenção aos processos de adoecimento, deveria dar espaço a uma atuação inovadora, multidisciplinar, de reabilitação psicossocial, relacionada à potência da 5 saúde de cada sujeito, convergentes às mudanças no campo da saúde pública e do sistema de saúde nacional. Assim busca-se compreender a relação histórica da Psicologia com as Políticas Públicas no âmbito da Saúde Mental, destacando a inserção da Psicologia na Saúde Pública e abordando ainda os desafios da sua atuação nos serviços substitutivos, mais especificamente nos Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, estando as suas práticas voltadas não para um fazer da Psicologia privativa desta ciência, mas para as necessidades em saúde do sujeito histórico que é determinado socialmente. Este relatório apresenta as experiências do Estágio Básico I em Saúde Mental, realizado no Centro de Assistência Psicossocial – CAPS I Renato Bispo de Lima, localizado na Rua Antônio Dutra, n° 111, no município de Itabaiana/SE, sob a orientação do Supervisor do local Jardel Silva Oliveira de Jesus e a Preceptora de Psicologia da Saúde Kelyane Oliveira. O CAPS I – Renato Bispo de Lima foi inaugurado no dia três de Novembro do ano de dois mil e três, na Administração do Prefeito Luciano Bispo de Lima e tendo como Secretário Municipal de Saúde Salviano Mariz. O nome dado à instituição foi em homenagem a um morador portador de transtorno mental muito conhecido no município, chamado Renato Bispo de Lima, conhecido por “Catanha”. Os usuários atendidos contam com o apoio de um quadro de funcionários composto por: uma assistente social, um psicólogo, uma coordenadora institucional, duas cozinheiras, um auxiliar de serviços gerais, uma recepcionista, uma enfermeira, dois técnicos de enfermagem, um segurança, um médico psiquiatra, e uma educadora física. O horário de funcionamento da instituição é das 07h00min às 17h00min, das segundas às sextas-feiras. A instituição apresenta em sua estrutura física salas de atendimentos clínicos, oficinas terapêuticas, banheiros, cozinha, refeitório, e uma área ao ar livre. Compactuando com as transformações da atenção em saúde mental, é discutida a importância de desenvolver os estágios em serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico, destacando aqueles que vêm compondo a Rede de Atenção em Saúde Mental: Atenção Básica, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), ambulatórios especializados, hospital-dia, urgência e emergência psiquiátricas, leitos em hospital geral e serviços residenciais terapêuticos. A escolha a estes serviços se apoia na oferta de ações de cuidado inclusivos, orientadas pelas premissas da reabilitação psicossocial do indivíduo em sofrimento mental. 6 2. ESTÁGIO EM PSICOLOGIA Mello (2010) já alertava que os cursos de Psicologia eram marcados por modelos que dicotomizavam a ciência e a técnica, o que dificultava a aproximação entre as reflexões teóricas, acadêmicas e o exercício profissional. Posteriormente, outros estudos também apontaram as dificuldades ao longo do processo formativo de promover articulações entre a teoria e a prática (Cruces, 2006; Seixas, 2014), colocando em destaque a discrepância, nas propostas curriculares, entre a reflexão, a produção do conhecimento e as práticas ofertadas nesse processo. Tais circunstâncias foram consideradasnos debates para a formulação das DCNs e resultaram em importantes mudanças quanto ao Currículo Mínimo, principalmente, em relação à organização e à prática do estágio, que agora preconiza a oferta de Estágios Básicos e Específicos. As reformulações são significativas para reflexão acerca dos modelos de formação do psicólogo, porém devem vir acompanhadas de discussões para construção de um olhar crítico acerca do papel do estágio na formação, o destinando para além de uma execução da prática em compatível com as regras do mercado. Na perspectiva da Psicologia Sócio histórica, o estágio é concebido como uma atividade que não estabelece a dissociação entre a formação científica e a profissionalização, buscando ser superado o modelo de prática como aplicação de saberes e sendo priorizados a produção do conhecimento e o processo de conscientização. Segundo Sirgado (1990), através do trabalho, o homem relaciona-se com a natureza. Nessa relação, ele age sobre a natureza, transformando-a, e sendo, ao mesmo tempo, transformado nessa ação. Assim, com base nessa abordagem, pode-se compreender que o processo formativo dos estagiários é afetado pelo estágio, posto que este engendre a aprendizagem na medida em que pressupõe o desenvolvimento de atividades. As relações entre os estagiários e os seus campos de atuação são centrais para propiciar aprendizagens. É por meio dessa interação existente que o estagiário vai se apropriar do seu estágio, do fazer do profissional, aprendendo, colaborando e obtendo novos conhecimentos. Podendo, na sua inserção ao campo, auxiliar na promoção de mudanças no contexto, e ao mesmo tempo ser modificado por este. Sendo uma relação de troca, de apropriações, de desafios, de oportunidade, e de crescimento mútuo. Nessa relação, o 7 estudante precisa estar ativo, percebendo a realidade material a qual está inserido e todas as suas contradições sociais e históricas. . A supervisão faz-se necessária em uma formação para além da técnica por favorecer condições de mediação, sendo oportunizando um espaço de fala e de ressignificações para o estagiário. Segundo Sirgado (1990) - O que caracteriza a atividade do homem é a mediação existente entre o homem e seu objeto - assim, a atividade realizada no estágio tem no contexto da supervisão elementos para essa mediação. A partir disso, entende-se que o contexto de supervisão permitirá mediações das relações concretas dentro do estágio, e possibilitará novos aprendizados e reflexões sobre a atuação do psicólogo e demais elementos pertinentes ao campo de estágio, os quais compõem um processo dialético entre as práticas desenvolvidas e as perspectivas teóricas sobre o trabalho em foco. O papel do estágio é, então, proporcionar experiências para os estudantes, nos quais as atividades a serem desenvolvidas produzam aprendizagens sobre a Psicologia, seus saberes e fazeres. O estágio calcado em um modelo tecnicista que prevê somente a aplicação das teorias aprendidas em sala de aula isola aspectos centrais que não podem ser desassociados, como a reflexão crítica sobre as relações entre teoria e a prática. Atualmente, tenta-se solucionar essa cisão entre a reflexão e a produção do conhecimento e as práticas realizadas na formação, uma vez que tais elementos compõem uma unidade que, quando afastada, perde sua força e seu significado resultado em ações descompromissadas com a realidade social. Desta maneira, defende-se o estágio como uma atividade considerada em um prisma sócio histórico. Sendo propiciada a constituição de consciência crítica e favorecendo outras reflexões e possibilidades de ação. Através deste, é possível os estagiários tecerem articulações entre a teoria e prática, na busca de situar as discussões em sala de aula, com a realidade encontrada nas instituições, nas comunidades. Compreende-se, portanto, que o estágio, deve possibilitar uma formação articulada, que supere a neutralidade dos currículos tradicionais, levando os discentes a se conscientizarem da realidade e trabalhar de forma contextualizada e comprometida. 8 3. EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL E IMPLEMENTAÇÃO DO SUS No nosso país, a situação crítica no enfrentamento dos problemas de saúde da população impôs a necessidade de mudanças e desencadeou, a partir do final da década de 70, o processo da Reforma Sanitária, que culminou com a construção do Sistema Único de Saúde, garantido pela Constituição Federal de 1988, no seu capitulo II que trata da Seguridade Social, especificamente na seção II que trata do direito à saúde - art. 196 a 200 (Brasil, 1988). A estruturação e a implementação desde então é um processo dinâmico e permanente. Concomitante a este processo, impulsionada pelo Movimento de Luta Antimanicomial, foi implementada uma nova política de Saúde Mental, com o foco prioritário na construção de uma rede substitutiva aos Hospitais Psiquiátricos. Tanto a saúde mental quanto a reforma psiquiátrica, na resposta que dão à demanda social, correm sempre o risco de servir à normalização dos sujeitos, quando descuidam de questionar os discursos que em nome da boa saúde, propõe a anulação das diferenças, a produção da igualdade, não dos direitos, mas dos comportamentos, como saída exitosa de um tipo de tratamento. De todo modo, é preciso reconhecer que o Ministério da Saúde fez uma priorização, por meio da política e do processo da Reforma Psiquiátrica, de atender a população com sofrimento mental com quadros clínicos mais graves, levando em conta os princípios da equidade do SUS. Considera-se que a saúde mental é um conceito muito mais abrangente e abarca uma serie de outras pessoas com sofrimento mental que também merecem cuidados, bem como intervenções em diversos projetos da saúde pública e outros projetos de políticas sociais. Segundo Somarriba (1984), nos séculos XVI e XVII, as ações de saúde eram quase inexistentes como ações estatais e existia um número irrisório de médicos. Práticas dos curandeiros, parteiras e afins eram predominantes em nossa sociedade. Em relação à saúde mental, existiam algumas instituições, do tipo abrigos, que eram gerenciados pela Igreja Católica e que abrigavam os chamados loucos, muito embora, em grande parte, essas pessoas eram assimiladas e toleradas nas relações sociais cotidianas. Essa situação se estende até o período imperial, quando se instalam no Brasil as primeiras instituições hospitalares e o desenvolvimento de práticas científicas de saúde. 9 Em meados do século XIX, mais precisamente em 1852, ainda no Brasil imperial, foi criado pelo Estado o primeiro hospital psiquiátrico no Rio de Janeiro, o Hospital Dom Pedro II. É nesse contexto que o Brasil vai reeditar, num primeiro momento, em certa medida aquilo que representou nos países europeus ao longo do século XVII a grande internação, como prática de recolhimento daqueles que representam a desordem, a partir de um projeto de controle social. Gradativamente e com o desenvolvimento e o fortalecimento da presença do saber psiquiátrico e de outras ciências afins na organização da instituição médica recém- inaugurada, essas práticas se especializam e ganham cada vez mais cientificidade, aprimorando-se diagnósticos e práticas médicas voltadas à cura da doença mental. Do ponto de vista da saúde mental, o advento da República vai concretizar e intensificar a perspectiva de transformação da loucura em doença mental e, portanto, objeto de saber médico especializado. O Hospício Pedro II passa a se chamar Hospital Nacional de Alienados e é transformado em instituição pública em 1890. Sua natureza assistencial e seu caráter religioso perdem espaço para o caráter científico e para o projeto médico curativo orientado pela perspectiva da ciência positivista. Também em 1890 é criada a “Assistência Médica e Legal dos Alienados” para organização da assistênciapsiquiátrica no Brasil. Em 1903 temos a primeira Lei Federal de Assistência aos Alienados. Percebe-se a clara institucionalização e cientificização do tratamento à loucura no Brasil. Na Terceira Fase da República (1946-1964) destaca-se a Constituição de 1946. Em relação à assistência psiquiátrica, é preciso afirmar a existência, nesse momento, de experiências de contestação em relação ao modelo hegemônico até então existente. Apesar disso, as críticas então formuladas em relação aos modelos de assistência não foram suficientes para sua reversão. A partir de 1950, Institutos de Aposentadoria e Pensões incorporam internação psiquiátrica em sua cobertura assistencial, utilizando-se principalmente da rede hospitalar privada. A partir da metade da década de 1950, a disponibilidade das drogas psicotrópicas no mercado e a necessidade de reparação de mão de obra para o desenvolvimento capitalista vão tensionar a alteração das estruturas asilares. (ROSA, 2003). Na Quinta Fase da República (1986-período atual), com o fim da ditadura, passa-se à construção do Estado Democrático de Direito. É nessa fase que se tem o fortalecimento e visibilidade social do Movimento da Reforma Sanitária e o Movimento de Reforma Psiquiátrica no Brasil. A partir desse Movimento, a abordagem dos problemas de saúde se constitui como a base teórica e ideológica de um pensamento médico-social que, ao olhar para 10 o processo saúde-doença, aponta para os problemas estruturais no Brasil. Portanto, os anos de 1970 são anos de denúncias e críticas. Diversos segmentos sociais se organizaram nessa época, ao longo do processo de redemocratização do país. Instaurou-se a partir de então, uma série de debates e seminários sobre a realidade das instituições manicomiais. Era preciso modificar, reformular e, principalmente, humanizar os hospitais psiquiátricos. Em dezembro de 1987 aconteceu a realização do II Congresso Nacional dos Trabalhadores de Saúde Mental, em Bauru, São Paulo. Na ocasião, foi proposta uma radicalização do movimento de trabalhadores, a partir da constatação de que a humanização dos hospitais, com a criação de programas ambulatoriais (constituição de equipes de saúde mental em unidades básicas), não havia sido suficiente para dar conta de produzir uma relação diferente da sociedade com o fenômeno da loucura. Esse movimento se ampliou e passou a ser denominado de Movimento da Luta Antimanicomial. Desde então, o Movimento se instituiu como um ator e um interlocutor de fundamental importância para o Estado implementar políticas públicas que atendam realmente às necessidades das pessoas com sofrimento mental, criando condições para a sua inclusão social. As conquistas do movimento da Reforma Sanitária levaram à reformulação da política de saúde expressa na VIII Conferência Nacional de Saúde, a qual estabeleceu os princípios e as diretrizes do Sistema de Saúde Brasileiro. O conceito de saúde foi redefinido como sendo um direito inalienável das pessoas e que diz respeito à sua qualidade de vida, transcendendo, portanto, às doenças, estando muito mais relacionada com as condições gerais de existência, como moradia, saneamento básico, alimentação, condições de trabalho, educação e lazer. Sendo a saúde um direito do cidadão e um dever do Estado, compete a este último a construção de um Sistema Único de Saúde (SUS) predominantemente público, descentralizando, hierarquizado, equânime, com a participação e controle da população na implantação das políticas de saúde e com a destinação adequada de recursos para o setor. As políticas de Saúde Mental estão submetidas a esses princípios e diretrizes, bem como sofrem pressões e influências de organismos internacionais. Assim, em 1990, a Declaração de Caracas estabeleceu a reestruturação da assistência psiquiátrica na América Latina, de forma a assegurar o seu desenvolvimento em benefício das populações da região. Em 17 de Dezembro de 1991, a Organização das Nações Unidas propôs em assembleia a proteção das pessoas portadoras de enfermidade mental e a melhoria da assistência. 11 3.1 REFORMA PSIQUIATRICA NO BRASIL E A CONSTRUÇÃO DA REDE DE SERVIÇOS SUBSTITUTIVOS O processo de mudança no campo da assistência em saúde mental no Brasil, conhecido como Reforma Psiquiátrica, apresenta uma enorme complexidade, seja no campo político, assistencial ou cultural a que está referida. A Reforma Psiquiátrica Brasileira tem antecedentes históricos distantes e múltiplos, que estão ao mesmo tempo vinculados a movimentos sociais, experiências de assistência e transformação de marcos teórico e conceitual relativo ao campo. No geral e considerando a pluralidade que constitui essa trajetória, temos como marca comum um processo no qual, trabalhadores da saúde mental se posicionaram contra as condições de vida e a forma excludente e desumana de atenção a que estavam submetidas as pessoas portadoras de sofrimento mental. Apesar de termos, com a nova Constituição, uma legislação inovadora e progressista, com diretrizes para a criação de políticas fortes, ainda não alteramos significativamente as desigualdades sociais para a efetiva criação de uma sociedade mais justa e igualitária no que tange principalmente ao acesso e garantia de qualidade das políticas públicas. Os direitos sociais ainda estão sendo tratados por áreas ou setores segmentados. Apesar dos avanços de uma Constituição que instituiu a seguridade social, afirmando saúde, previdência e assistência como áreas integradas de proteção social e exigindo a garantia de proteção a riscos que podem atingir indistintamente todos os cidadãos, o que se vê atualmente são setores que funcionam ainda de maneira fragmentada. Os reflexos dessas formas de estruturação de políticas públicas aparecem cotidianamente nos serviços ofertados às populações, especialmente os portadores de sofrimento mental, usuários de álcool e outras drogas, idosos, crianças e adolescentes e outros grupos vulneráveis de nossa sociedade. O processo de construção das políticas de saúde no Brasil vem de um longo período, marcado por um permanente tensionamento entre os anseios da sociedade na conquista e garantia de seus direitos e a própria organização e direção política do Estado Brasileiro. O direito à saúde é um dos pilares na constituição de uma sociedade mais justa e democrática. Efetivá-lo significa ir além dos serviços assistenciais sanitários. Saúde é um conceito que expressa um processo complexo e a garantia de seu direito revela essa complexidade também na medida em que se torna necessária a construção de políticas específicas no interior da política pública de saúde, como é o caso da política de saúde mental. 12 A conquista da saúde como direito de todos e política pública estatal é, ao mesmo tempo, ainda uma luta. Inúmeras resistências se reapresentam a cada momento sob novos desenhos. As atuais tendências e o fortalecimento efetivo da perspectiva da privatização, na medida em que se realiza em gestões concretas, explicitam dificuldades de avançar o SUS, de realizar a qualidade da assistência, de constituir redes, de fazer concretizar os princípios da atenção integral e do controle social. Embora afirmada como direito, na construção das políticas locais de saúde, estaduais e municipais, assistiu-se uma enorme diversidade, com a existência de gestões que resistem à implementação de uma rede pública de saúde e de políticas sociais Inter-setoriais, o que se desdobra em inúmeras dificuldades na assistência prestada pelos trabalhadores nos serviços existentes. No campo da saúde mental, embora exista um redirecionamento e ampliação dos recursos para o setor, existe um constante tensionamento em torno da inversão da lógica do modelo assistencial hospitalar para a implantação de um modelo assistencial aberto e comunitário. A construção da rede de serviços substitutivos (Centrosde Atenção Psicossociais - CAPS, Centros de Convivência, Serviços Residenciais Terapêuticos, Núcleos de Trabalhos Cooperados, leitos em hospitais gerais, consultórios de rua, atenção à saúde mental na atenção básica) tem sido implementada por inúmeros municípios como novos espaços assistenciais, que objetivam pôr fim ao silenciamento e à exclusão que milhares de pessoas trazem do chamado “tratamento nos hospitais psiquiátricos”. Contudo, há municípios e estados que ainda encontram fortes resistências e gestões que insistem em retomar e fortalecer antigos modelos e perspectivas, fazendo, por exemplo, coexistir o hospital psiquiátrico, sucateando a rede substitutiva, ou reinvestindo em modelos ambulatoriais. O objetivo maior desses novos serviços e da rede substitutiva é acolher e resgatar a subjetividade de cada um e, ao mesmo tempo, possibilitar a construção de redes relacionais e de convivência social. 13 3.2 A INSERÇÃO DA PSICOLOGIA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL: DESAFIOS DA ATUAÇÃO E MUDANÇA DE PERSPECTIVA As mudanças que se desenvolveram no Brasil a partir do final do século XIX, relativas principalmente às transformações econômicas, de organização social e seus desdobramentos no campo cultural, foram de fundamental importância para a expansão do saber psicológico nas áreas da saúde, da educação e do trabalho. O crescimento do processo de urbanização e industrialização do país e o agravamento de problemas sociais enfrentados demandaram respostas que viriam a se concretizar com a presença da Psicologia e de outras disciplinas subsidiando os processos de administração científica do trabalho, da saúde e da educação. (ANTUNES, 2001). No interior dos hospícios e de instituições médicas, o desenvolvimento e a expansão dos conhecimentos psicológicos representavam a contribuição da Psicologia como ciência afim à Psiquiatria. A Psicologia subsidiava não apenas a finalidade de higienização social como apontava para um conjunto de práticas clínicas, de origens profiláticas e direcionadas aos sujeitos considerados normais (ANTUNES, 2001). Sem dúvida, essa direção não representava a totalidade de práticas psicológicas destinadas aos chamados loucos, alienados, ou doentes mentais. Perspectivas contra hegemônicas, num primeiro momento claramente orientado pelas contribuições da Psicanálise, apresentavam-se na direção de resgatar as singularidades, os sentidos e as trajetórias expressas nas experiências tomadas e reduzidas pelo saber médico-psicológico como doença. A significativa inserção dos psicólogos no Sistema Único de Saúde e nos serviços de saúde mental do SUS, impulsionados pelo projeto antimanicomial, produziu um redirecionamento da Psicologia, ao lado de outras profissões da saúde, em relação à sua tradição histórica relativa às orientações éticas, teóricas e metodológicas. O transtorno mental, tomado como situação limite de um processo social complexo e problemático, que se expressa e se constitui como sofrimento na experiência de sujeitos singulares, força a definição de uma nova forma de atuação para a Clínica, exigindo transformações metodológicas e tecnológicas para o atendimento em saúde mental. Os transtornos mentais graves com que lidam essa clínica são, antes de serem tomados como uma patologia, portanto, doença mental, tomados como processos complexos, que implicam a trajetória de vida de sujeitos singulares em condições objetivas e concretas de existência. 14 Disso decorre uma nova direção de intervenção no campo da saúde mental, caracterizada pela perspectiva da atenção psicossocial, que se colocou como orientadora do desenvolvimento do projeto institucional dos CAPS, como dispositivos estratégicos da rede substitutiva de saúde mental. A atenção psicossocial aponta para a necessidade de construir dispositivos e redes que representem a superação do modelo asilar, assim como intervenções que direcionem a assistência para as transformações necessárias nas configurações subjetivas e nos processos de produção social. Do ponto de vista teórico-conceitual, essa perspectiva exige a substituição da referência à doença mental e sua cura para uma leitura sobre a existência concreta dos sujeitos e seus sofrimentos. Finalmente, a orientação ético-política aponta para a construção permanente, dentro e fora dos serviços, da condição de cidadania daqueles historicamente invalidados nas relações sociais. Nas palavras de Oliveira Silva (2009, p.41): Portanto o paradigma da clínica psicossocial das psicoses pretende devolver à clinica a condição de operar com a complexidade do seu objeto, manejando um conjunto heterodoxo de recursos e possibilidades que extrapolam os limites disciplinares, acadêmicos e/ou corporativos que, tradicionalmente, moldaram de forma reducionista os fenômenos sobre os quais pretende intervir, de modo a submetê-los às conveniências protocolares das instituições. (DE OLIVEIRA SILVA; 2009). Desse modo, os psicólogos precisam construir novas leituras, que respondam a essas exigências. Leituras que tomem a psicopatologia compreendendo as questões sociais e culturais que a atravessam. O psicólogo necessita perceber as dificuldades relativas a cada território de convivência e os desafios postos na busca por direitos de cidadania das pessoas com as quais trabalha. De certo modo, pode-se dizer que os psicólogos tem como desafio a possibilidade de construir a crítica ao discurso médico e à perspectiva reducionista acerca da experiência da loucura. O desafio está posto como necessidade para o reconhecimento da dimensão cultural que atravessa a existência desses sujeitos e conforma suas subjetividades. Tal reconhecimento é essencial para resgatar a dimensão humana do fenômeno da loucura e a dimensão do sofrimento que atravessa essa experiência humana. Os psicólogos, como outros trabalhadores dessa clínica, não produzem apenas intervenções técnicas, mas antes disso disponibilizam acolhimento para dar suporte à travessia que o outro deve construir em sua experiência como sujeito humano. Nessa travessia, cada um deve encontrar as condições e os lugares possíveis para a afirmação da sua diferença como valor positivo. Isso representa a construção de coletivos responsáveis, que assumem posições na sociedade em nome de uma direção ético-política, pautada nos valores da igualdade de 15 direitos e do respeito às diversidades e cabe aos profissionais, o questionamento permanente acerca da direção da transformação que estão construindo na realidade por meio de sua atuação. Por isso, é necessário recusar referências que reduzem o sujeito à condição de objeto da investigação científica, assim como é preciso recusar perspectivas a partir das quais o saber científico tenha primazia sobre a garantia de direitos dos usuários. Também é preciso recusar teorias que apontem no sentido da normalização e da mera adaptação dos sujeitos. É necessário, no lugar disso, buscar referenciais que subsidiem a perspectiva de atuar para produzir saúde, transformar subjetividades e emancipar os sujeitos. O referencial teórico deve ser capaz de responder a um projeto ético. Esse projeto ético está orientado para a possibilidade da convivência, da diversidade, da sustentação de diferentes existentes, garantida a condição de uma cidadania. A cidadania não é fazer do louco não louco, não é fazer do louco um sujeito de razão, mas é compreender um campo da cidadania constituído como espaço da pluralidade. A universalidade do acesso aos direitos deve comportar as singularidades. É preciso afirmar o compromisso do profissional psicólogo se perguntar, na busca de referenciais teóricos no campo da Psicologia (considerando, sobretudo, sua construção histórica), que respostas esses referenciais lhe oferecem no encontro com a loucura, suacoerência com os princípios orientadores da Reforma e sua possibilidade de subsidiar as práticas da atenção psicossocial. 16 3.3 A ATUAÇÃO DA (O) PSICÓLOGA (O) NA POLÍTICA DO CAPS: DESINSTITUCIONALIZAÇÃO DA PRÁTICA E INTERVENÇÃO NA CULTURA Do mesmo modo que as teorias, os referenciais relativos às práticas e às técnicas desenvolvidas no serviço devem estar submetidos às diretrizes do SUS, da Reforma Psiquiátrica e a ética do projeto antimanicomial. Dentre as atividades realizadas pelos psicólogos nessas instituições está o acolhimento, discussão de casos em equipe, psicoterapias, atendimento às crises, elaboração de planos individuais de cuidado, grupos e oficinas, atividades dirigidas diretamente à reinserção social, dentre outras. No que tange ao destaque de práticas ou experiências inovadoras, apresentam-se estratégias para aproximação do serviço aos usuários em regiões rurais, experiências de atividades em contato direto com a comunidade, oficinas com utilização de diferentes recursos (música, leitura e escrita, cuidados com corpo e beleza, informática), programas de geração de trabalho e economia solidária, dentre outros. As práticas serão tanto mais exitosas quanto mais responderem às exigências e desafios de cada contexto, na direção da atenção psicossocial referenciada. Do mesmo modo, a inovação das práticas deve ter como critério a produção de respostas diante da necessidade de intervenções dos projetos terapêuticos individualizados e as condições de cada território. Do ponto de vista das intervenções tradicionalmente consolidadas no campo da Psicologia, isso deverá representar uma reinvenção de práticas e de tecnologias de intervenção. Na clínica da saúde mental, os psicólogos devem construir diagnósticos que se apresentem como ponto de orientação num percurso a ser construído na história do sujeito. Ele deve significar a possibilidade, muito menos de responder sobre uma doença e muito mais de indicar as possibilidades de projetos a partir do que se identifica como um modo do sujeito atuar na vida, estabelecer relações e constituir sua experiência subjetiva. Os chamados serviços substitutivos, e os CAPS são um destes serviços, possuem uma dupla missão: a de serem lugares de cuidado, sociabilidade e convívio da cidade com a loucura que a habita. Lugares de tratamento e convívio entre diferentes, de realização de trocas simbólicas e culturais, enfim, lugares e práticas que desconstroem, em seu fazer cotidiano, uma arraigada cultura de exclusão, invalidação e silenciamento dos ditos loucos, ao promover intervenções no território que revelam possibilidades de encontro, geram conexões, questionam os preconceitos e fazem aparecer a novidade: a presença cidadã dos portadores de sofrimento mental. 17 Os CAPS – Centros de Atenção Psicossocial - são uma das invenções deste processo que se articulam e ganham potência no pulsar da rede na qual se inserem, e cumprem, dentro da arquitetura aberta, livre e territorializada da reforma, um importante papel. Cabe a este estratégico serviço a resposta pela atenção diária e intensiva às pessoas com sofrimento mental, oferecendo acolhimento, cuidado e suporte desde o momento mais grave a crise, senha de ingresso no manicômio, até a reconstrução dos laços com a vida. Materializando uma máxima psicanalítica, cabe aos CAPS, suas equipes e recursos clínicos, não recuar frente à loucura ou ao sofrimento psíquico, tomando posição e se contrapondo à exclusão como método de tratamento, mas também oferecendo ao estrangeiro da razão (LIMA, 2002) hospitalidade, manejos criativos e singulares para fazer contorno à dor intensa e assegurar ao sujeito os direitos de um cidadão. . Liberdade e responsabilidade são, portanto, conceitos orientadores da prática clínica dos serviços substitutivos e dos CAPS, em particular. A responsabilidade foi problematizada pela reforma psiquiátrica e a grande novidade foi a introdução do reconhecimento da vontade e da responsabilidade na experiência da loucura. Ao modular a internação – artigo 4º da lei 10216 de 2001 dá a esta o estatuto de um recurso entre outros e não mais o recurso, a ser usado quando os demais houverem se esgotado. Deste modo, produziu um corte em relação às práticas de sequestro da loucura. Além disso, distinguiu a aplicação jurídica da terapêutica. No campo do tratamento, a internação pode se dar em acordo com a vontade do sujeito, voluntariamente, e em desacordo com seu querer, involuntariamente. E visando minimizar os riscos de possíveis abusos da razão no uso do poder sobre a loucura, o responsável por este ato fica obrigado a prestar contas do mesmo, informando-o ao Ministério Público, instância convocada pela lei, a avaliar e decidir quanto a pertinência da decisão e os efeitos que provocou no exercício da cidadania do sujeito à mesma submetido. Este é o sentido dado pela Lei da Reforma Psiquiátrica a internação involuntária. O projeto antimanicomial é comumente compreendido como uma ética que apenas beneficia as pessoas com sofrimento mental. Uma “leitura simplista e equivocada, que confunde direito com privilégio, dimensão que a luta antimanicomial jamais reivindicou para os ditos loucos. A defesa do direito à liberdade e a cidade para os portadores de sofrimento mental, reconhece a exclusão de que eles foram e ainda são vítimas e reclama o seu direito por cidadania por compreender que esta é uma condição preliminar para a clínica”. (SILVA, 2010, pg. 147) Neste ponto é preciso destacar outro importante conceito: o vínculo ou a transferência e um desdobramento ou efeito deste, a referência. Mais que qualquer outro recurso, o que a 18 prática nos CAPS revela de mais potente é que é o vínculo o recurso que melhor trata o sofrimento. É esta ferramenta, se quisermos assim nomear, que reveste todos os recursos disponíveis e possíveis de serem utilizados de sentido terapêutico e os tornam potentes na resposta. Assim, um remédio tem tanto valor de alívio quanto um simples passeio, ou uma festa, ou ainda, a conquista de condições dignas de vida, a elaboração ou a subjetivação da experiência do sofrimento e a construção de um saber sobre a mesma. E aqui é preciso considerar as dimensões singular e coletiva dos vínculos. No plano micro, a importância do vínculo com um técnico específico e no coletivo ou macro, o vínculo com um serviço Não mais assentada sobre o princípio único da totalização e homogeneização, buscando respostas singulares e complexas, a prática nos CAPS assume o desafio de construir seu conhecimento na partilha dos saberes. Um trabalho, portanto, coletivo, fruto de diferentes perspectivas que se orienta pelo saber do louco e neste se baseia para desenhar o projeto de tratamento a ser ofertado. Sempre singular e distinto, na medida mesma da singularidade de cada experiência de sofrimento e do momento de vida de cada usuário, esta metodologia introduz na prática clínica um operador – o projeto terapêutico singular, que articula o sentido dos recursos colocados à disposição de cada um. O projeto terapêutico singular articula os recursos colocados à disposição pela política, mas também aqueles que nos trazem cada usuário, seus familiares e suas referências. Instrumento mutável que busca responder às necessidades, naquele momento e para cada usuário, sendo ainda a expressão e o espaço de inscrição das soluções e estratégias criadas por cada um na reconstrução de sua história e vida. Para um, a permanência diária e hospitalidade noturna farão o contorno ao sofrimento; para outro, a oferta de uma ida ao cinema e ao teatro, a participação na assembleia e na festa; o medicamento e a terapia, a negociação e a acolhida dos familiares ou, a conquista de uma moradia, o acesso ao trabalho; e para todos a porta aberta que permiteo acesso direto e no momento que uma questão fizer urgência e desorganizar o ritmo do viver, sem mediações e burocracias. O acesso ao serviço, à proteção e à palavra para fazer valer os direitos e a subjetividade. Mas, a clínica dos CAPS distancia-se, e muito, da ideia corrente que referencia a percepção social acerca do fazer clínico. Conjuga elaboração subjetiva e reabilitação no processo de construção da autonomia e da capacidade de cada usuário. Por isso, agrega à psicoterapia e ao medicamento, a potência de outros recursos e intervenções. Oficinas, assembleias, permanência, hospitalidade, mediação das relações entre os sujeitos e seus 19 familiares, suas referências e redes têm tanto valor quanto os recursos da ciência e da técnica. Tratar - para esta clínica, é construir as condições de liberdade e capacidade de se inserir na cidade, de fazer caber a diferença - sempre singular, no universal da cidadania, com cada usuário. A convocação à responsabilidade do sujeito não se dá pela imposição da autoridade, nem, apenas, no momento da recuperação da saúde. Passa, pela descoberta da lucidez e da capacidade de decisão, mesmo no momento da crise, o que joga por terra e desconstrói a crença de que a crise é momento onde a capacidade de decidir e responder por seus atos encontra-se suspensa e o sujeito necessita, sempre, de tutela. A necessidade do manicômio como resposta para alguns casos é hoje um dos argumentos que desafiam a capacidade criativa, criadora ética de um CAPS. Quase sempre os casos supostos como impossíveis para um CAPS apresentam maior fragilidade dos laços, ou uma situação de abandono e ausência de referências. Para estes, a prévia receita da exclusão. . 20 3.4 UTILIZAÇÕES DE GRUPOS TERAPÊUTICOS COMO ESTRTATÉGIAS DE INTERVENÇÃO PSICOSSOCIAL - DESAFIOS DA CLÍNICA AMPLIADA A atenção psicossocial direciona suas ações para a construção da cidadania, da autoestima e da interação do indivíduo com a sociedade. Nesta realidade, a reprodução social do sujeito em sofrimento psíquico perpassa a prática clínica e constitui um processo complexo. Assim, a prática clínica exercida na rede de atendimento requer instrumentos e estratégias para a efetivação de ações resolutivas. Nesse sentido, o desenvolvimento das abordagens terapêuticas no trabalho em saúde mental ocorre com vistas a melhorar o enfrentamento do transtorno psíquico (Amarante, 2007; Oliveira, Ataíde, Silva, 2004). No Brasil, a prática de psicoterapia de grupo expandiu-se a partir do contexto da Reforma Psiquiátrica (Guanaes, Japur, 2001). Nesse contexto da desinstitucionalização, fez-se necessária a elaboração de novas abordagens terapêuticas que vislumbrassem a dimensão psicossocial do sofrimento e que levassem em consideração a subjetividade humana e a inclusão social, por meio da cidadania e da autonomia. As novas abordagens constituem uma tentativa de compreender a doença mental de forma diferente, com ênfase na pessoa doente, na sua forma de vida, na realidade em que está inserida, e não na doença em si, diferentemente da prática constante nos últimos séculos (Amarante, 1996). De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2004), o trabalho em grupo é o principal eixo do tratamento utilizado na proposta do CAPS. As atividades grupais podem distinguir‐se de acordo com seus objetivos e formações de cada técnico, sendo assim, são caracterizadas por grupos operativos, atendimento clínico em grupo e oficinas terapêuticas. As oficinas terapêuticas são atividades em grupo conduzidas por qualquer técnico da equipe multiprofissional, monitores e/ou estagiários. São realizadas de acordo com as possibilidades dos profissionais e com as necessidades de tratamento e interesse dos usuários. Possuem como objetivos possibilitar maior integração social e familiar, expressão dos sentimentos e problemas, realização de atividades produtivas, dentre outros (BRASIL, 2004). O grupo terapêutico potencializa as trocas dialógicas, o compartilhamento de experiências e a melhoria na adaptação ao modo de vida individual e coletiva. Para Cardoso e Seminotti (2006), o grupo é entendido pelos usuários como um lugar onde ocorre o debate sobre a necessidade de ajuda de todos. No desenvolvimento das atividades, os participantes fazem questionamentos sobre as alternativas de apoio e suporte emocional. Contudo, alguns 21 pacientes sentem dificuldade de interagir com o grupo, sobretudo por estarem diante de pessoas desconhecidas; apesar desse entrave, acham importante ouvir as experiências de vida dos colegas e aprender com os relatos (Peluso, Baruzzi, Blay, 2001). No tratamento do portador de transtorno mental também é fundamental o apoio da família e da comunidade. Ao compreenderem a terapêutica e colaborarem com seu desenvolvimento, essas pessoas estarão mais aptas a cuidar, de forma adequada, do sujeito (Jorge et al., 2006). De modo geral, o grupo terapêutico possibilita o compartilhamento de experiências entre os participantes, propicia escuta, orientação e construção de projetos terapêuticos condizentes com as necessidades dos sujeitos. Ao mesmo tempo, a vivência em grupo favorece maior capacidade resolutiva, por possuir vários olhares direcionados para um problema em comum (Schrank, Olschowsky, 2008). Essa vivência enseja a construção de novas visões e sentidos capazes de proporcionar mudanças significativas na percepção de vida de seus integrantes (Guanaes, Japur, 2005). Em serviços de atenção psicossocial como os CAPS, o acolhimento desenvolvido pela equipe multidisciplinar compromete-se com a escuta do sujeito, empenha-se na resolução de seus problemas. Tem a finalidade de qualificar a relação entre equipe e usuário, com vistas à integralidade do atendimento ao sujeito. De acordo com determinados autores, a intensificação de práticas acolhedoras é um passo fundamental para se alcançar a efetivação da produção do cuidado, contribuindo para uma clínica mais humana e cidadã (Santos et al., 2007; Franco, Bueno, Merhy, 2006). Desse modo, pode-se chegar à integralidade, a se iniciar na organização do processo de trabalho, que envolve uma assistência desenvolvida pela interdisciplinaridade da equipe e conta com acolhimento e vínculo, além da responsabilização do cuidado (Franco, Magalhães Júnior, 2006). Tal como outras iniciativas, as oficinas terapêuticas também são realizadas dentro de um contexto grupal. São atividades desenvolvidas pelos profissionais da terapia ocupacional e incluem: pintura, colagem, modelagem, trabalhos com sucata, papel reciclado e carpintaria. Complementarmente, com o auxílio dos profissionais da nutrição, os usuários se reúnem para fazer saladas de frutas. Há também o cuidado com a horta, além de momentos de descontração, quando eles participam de bingos, jogos, assistem à televisão e ouvem músicas. Ao ser observado tais práticas, evidenciam-se a satisfação e a interação de alguns usuários; outros já não são tão ativos, mas dão sua contribuição na dinâmica grupal. Essas 22 atividades desempenham um papel importantíssimo para a reabilitação do paciente. Como mostra a realidade, as necessidades de saúde não se limitam aos transtornos mentais elas são bem maiores e envolvem questões financeiras, sociais e culturais. Dentro desses espaços, essas necessidades são amenizadas: há alimentação, interação com as outras pessoas, acolhimento, vínculo. Fora deles, alguns os usuários ainda enfrentam fome, desprezo e preconceito. Neste sentido, as práticas, os procedimentos e as orientações da clínica oficial são insuficientes para abordar toda a variedade de dimensões que compõem as demandas e as necessidades de saúde das pessoas. Para ir além, por conseguinte, é essencial instrumentalizar-se de ações coletivas fortalecidas pela intersetorialidade e pela rede de referência e contrarreferência eficiente (Fracolli,Zoboli, 2004). Inegavelmente, o trabalho em equipe traz novas possibilidades de atuação, sobretudo por contribuir para uma melhor qualidade do serviço, pois atua no planejamento de ações mais efetivas, estabelecendo prioridades na realização das práticas, além de intervenções mais criativas no processo de trabalho (Pinho, 2006). Segundo Pinto (2008), o desenvolvimento do projeto terapêutico deve procurar respeitar a singularidade de cada sujeito. Produzir cuidado não é atuar de forma burocrática e mecanicista, e sim perceber que o caráter individual do sujeito tem importante relevância no dinamismo do cuidado. Com vistas a ações integrais e efetivas, muitas vezes é preciso criatividade do profissional, além de uma boa comunicação tanto com o usuário, quanto com os demais profissionais da equipe. Um bom profissional deve saber que angústias não são padronizadas e que pessoas não são fragmentadas. Portanto, as práticas e os saberes de toda a equipe serão mais resolutivos do que a individualização do conhecimento (Ciuffo, Ribeiro, 2008). Para Campos (2007), o vínculo se constitui na troca entre a oferta do serviço de saúde dos trabalhadores e a demanda da resolução do sofrimento do usuário. É uma troca de afetos, na qual a equipe e o usuário precisam acreditar na resolubilidade do tratamento para que esse vínculo não se torne “paternalista”. Deve-se estimular o usuário a também participar da resolução de seus problemas, ou seja, deve haver corresponsabilização no projeto terapêutico. Segundo o autor, “a prática de uma clínica com qualidade é o fortalecimento de vínculos entre paciente, famílias e comunidade com a equipe e com alguns profissionais específicos que lhes sirvam de referência” (Campos, 2007, p.68). O vínculo permite o compartilhamento de saberes e vivências entre equipe e usuário, ampliando as potencialidades dessas pessoas. Permite o desenvolvimento de 23 corresponsabilização do projeto terapêutico, para que esse projeto não seja desenvolvido de forma única e absoluta pelo profissional, nem movido apenas pelas vontades e anseios dos usuários (Santos et al., 2008). Como propõe a literatura, a adoção de práticas e processos voltados para a saúde mental requisita elementos da subjetividade e condição humana, e, para se obter um estado de equilíbrio sistêmico e psicológico, a corresponsabilização terapêutica e os momentos de escuta e diálogo entre o terapeuta e o paciente são necessários (Bechelli, Santos, 2006; Campos, 2006). Como observado, os espaços terapêuticos possibilitados pela expansão da rede de saúde mental promovem a aplicação das atividades interdisciplinares com o propósito direto de favorecer a reabilitação psicossocial. Nesse sentido as práticas terapêuticas grupais desenvolvidas são importantes para a reabilitação psicossocial, e a equipe deve utilizar dispositivos para a produção do cuidado, tais como: vínculo, acolhimento, corresponsabilização e autonomia. Ao cuidar do paciente, a equipe deve busca entender sua complexidade e subjetividade. Trabalhar em sintonia e procura ter uma visão integral de cada caso. Portanto, o cuidado produzido pela relação entre equipe e usuário não deve se restringe à administração de psicofármacos nem à realização de psicoterapias; vai além e constrói novas possibilidades de vida. A utilização das terapias grupais na abordagem aos usuários possibilita a atuação interdisciplinar condizente com a prática clínica humana, equânime e resolutiva. Diante desta justificativa, o trabalho com grupos terapêuticos deve ganhar espaço nos serviços e instituições da rede de atenção à saúde, pois se trata de uma ação relevante no planejamento de intervenções clínicas, já que apresenta resultados positivos no acompanhamento de diversos agravos e doenças. Muitos limites ainda devem ser superados no processo de transformação desse cenário. Para haver mudança, é essencial a participação e a mobilização de todos na construção de novos espaços, estratégias e soluções. Mas, inegavelmente, o crescimento teórico e a intensificação da habilidade prática proporcionam aos profissionais uma chance de ampliarem a relação com os usuários pelos dispositivos da produção do cuidado. 24 4. RELATO DAS ATIVIDADES DIÁRIO DE CAMPO: DIA 16/08/2018 HORÁRIO: 08h00min ÀS 12h00min Ao chegar ao local, o CAPS I da cidade de Itabaiana/SE, foi realizada a minha apresentação como estagiária de Psicologia para os funcionários e usuários dos serviços. Sendo informado que de início seria realizada observações acerca das demandas do local e que posteriormente iria ser realizado e desenvolvido um projeto. Entre os profissionais presentes estão uma Educadora Física, uma enfermeira e uma técnica de enfermagem, um clínico, um psicólogo, um psiquiatra, uma terapeuta ocupacional, um auxiliar de limpeza, um auxiliar de serviços gerais, uma recepcionista, duas cozinheiras, duas assistentes sociais, e destas uma exerce função de coordenadora do local. O psicólogo encontra-se no período de férias estando sob a supervisão da coordenadora do local, não há nenhum estagiário no local. Os principais serviços que são oferecidos no local são oficinas de desenho, de pintura, de exercícios físicos, de alfabetização, atendimento psicológico individual e coletivo, visitas domiciliares, acolhimentos com profissionais, tratamento medicamentoso, e também ocasionalmente são oferecidas palestras que visam discussões sobre diversos temas. Há cerca de aproximadamente 600 usuários que estão registrados para tratamento, estes devem ter entre 18 a 60 anos, os principais transtornos são: Esquizofrenia, Depressão grave e/ou severa, casos agudos de ansiedade, transtorno de pânico, etc., não é recebido usuários em crise, caso haja são encaminhados para os hospitais de urgência psiquiátrica, os casos leves são encaminhados para ambulatórios de psiquiatria ou SESP. Tanto os pacientes quanto os funcionários em geral são atenciosos e abertos a diálogo. Em uma conversa com funcionários estes alertaram a importância de conhecer os pacientes e estar próximo para compreendê-los. Em uma conversa uma usuária do serviço relatou que sentia falta da antiga psicóloga que realizava roda de conversas somente com as mulheres. 25 DIÁRIO DE CAMPO: DIA 22/08/2018 HORÁRIO: 08h00min ÀS 12h00min Ao chegar ao local estava sendo realizada oficina de Educação física, sendo notada grande mobilização dos usuários para participação desta, e sendo realizados danças e exercícios físicos. Eram novos usuários então novamente foi realizada a minha apresentação e conversa com eles. Todos se mostraram receptíveis, uma usuária relatou que admira muito a psicologia sendo uma profissão linda e que contribui bastante para o seu tratamento, informando também que naquele momento sua irmã necessita de um acompanhamento psicológico. Sendo informada a esta que junto com um profissional poderia ser realizado o seu acolhimento e atendimento. DIÁRIO DE CAMPO: DIA 24/08/2018 HORÁRIO: 08h00min ÀS 12h00min Ao chegar ao local estava sendo realizada oficina de pintura com a Terapeuta Ocupacional, havia presença de muitos usuários no local- cerca de 40 usuários. Novamente foi realizada a minha apresentação e conversa com os novos usuários. Foi realizado e acompanhado um acolhimento com uma usuária que possui o transtorno depressivo havendo um melhor entendimento acerca do seu quadro. Em uma conversa realizada com uma mãe de um usuário que relatou os cuidados que tem com o seu filho e o quanto foi difícil o início do tratamento e os momentos de crise em que ele se mostrava agressivo, esta se emocionando ao relembrar todo o percurso do tratamento informando o quanto o CAPS foi e é importante para o tratamento de pessoas com algum transtorno mental. Em reunião os funcionários discutiam o quanto eles estão participantes nas atividades.26 DIÁRIO DE CAMPO: DIA 29/08/2018 HORÁRIO: 08h00min ÀS 12h00min Ao chegar ao local estava sendo realizadas as aulas de Educação física, havia cerca de 20 usuários os quais demonstravam gostar e participavam ativamente da atividade, nas aulas eram feitos exercícios com música. Também estava sendo realizada a Oficina de Alfabetização, havia cerca de doze usuários, estes demonstravam pouca participação e a profissional de enfermagem também demonstrava ser pouco ativa, utilizando como método de ensino o caça palavra e não motivando o empenho e a participação dos usuários. Em conversa com alguns usuários um destes estava realizando a confecção de uma cesta de papel reciclado relatando que adora fazer este tipo de arte, além de saber fazer várias outras coisas como bichos com papéis, revistas e jornais, diz que irá fazer um para me presentear, informou que já está há muito tempo no CAPS e que tem familiares que também frequentam o local como a sua irmã e a cunhada que a acompanha. Em conversa com outro usuário este relatou ter 27 anos e frequentar o CAPS desde os 19 anos, relatou que sofreu muito nos seus momentos de crise que durante sete meses permaneceu em hospital internado afirma ter sido os piores meses da sua vida e que está bem melhor agora, informou que concluiu o 2º Grau e até iria prestar vestibular para engenharia, porém adoeceu e hoje já não acha mais que tem capacidade e paciência para fazer uma faculdade. Em outro momento, uma usuária que já havia conversado muito veio informar que havia sido aprovada em um curso de Técnico em Logística. Em conversa com os familiares, mãe relata que sempre vem com seu filho como acompanhante, pois ele não é casado e também não possui filhos, também informou que cuida dele desde o início de sua doença e que vê muitos familiares que abandonam os seus filhos nesse momento o que considera errado, informou que sofria muito nos momentos de crise que o encontrava caído no chão, que por vezes ficou internado em hospital psiquiátrico, mas logo foi transferido para o CAPS onde segundo esta é tratada muito bem pelos profissionais e onde frequenta já há muitos anos e não apresenta mais episódios de crise. Em conversa com outra mãe esta relatou que sua filha já tentou suicídio muitas vezes, que esta ouve vozes pedindo para se matar, que quebra todas as coisas dentro de casa nos momentos em que está em crise, mas que se encontra um pouco melhor e que está desenvolvendo as atividades no CAPS há muitos anos. Alguns usuários informaram gostar das atividades de pintura, dança, música, leitura, artes, um grupo de homens em sua maioria fica boa parte do tempo jogando dominó em um espaço recreativo. Outros relataram que a medicação receitada pelo psiquiatra dá sono e preguiça para realizar as atividades. Os usuários possuem um momento de lanche no turno 27 da manhã às 9 horas e almoço às 12 horas da tarde, poucos ficam para o almoço, a maioria são pacientes de interiores da cidade como Campo do Brito, Areia Branca, Pinhão, Malhador etc. Além da observação das atividades, também foi realizado acompanhamento de atendimentos, sendo em sua maioria pedido de receita e solicitação de medicação. DIÁRIO DE CAMPO: DIA 30/08/2018 HORÁRIO: 08h00min ÀS 12h00min Ao chegar ao local estava sendo realizada oficina de dança com a educadora física, havia cerca de 30 usuários, também foi dados auxílio e orientação na oficina de desenho que havia cerca de 20 usuários. Em conversa com eles, foi notado que havia um novo usuário no local que foi transferido do CAPS-AD III da cidade, este informando que gosta de estar lá, que dá para comer, descansar e dormir, afirmou também que adora se divertir que sua irmã o leva sempre para as festas que são realizadas na cidade. Em conversa com outra usuária, esta pergunta se sua irmã também pode estar com a mesma doença que a sua, pois está grávida e não consegue dormir, sua gravidez é indesejada e toma medicação para dormir, afirma que sua mãe e sua avó também são doentes. Em conversa com a avó de uma usuária esta afirma que sua neta é um fracasso, que sua doença iniciou aos 16 anos e hoje está com 18 anos, não fala com ninguém, nem com o psicólogo do local, somente em casa em alguns poucos momentos, informou que possui outro filho que também tem a doença, relata que a neta deveria estar na escola já realizando o vestibular, porém ao apresentar a doença deixou de frequentar a escola. Na oficina de desenho uma usuária chora, é perguntado se deseja falar, se necessita de ajuda, porém esta nega pede apenas um copo de água o bebe e afirma que vai para casa. Outro usuário também da oficina de desenho, apresenta-se bem calado, relata que gosta de fazer desenhos de pássaros que aprendeu a fazer no CAPS, gosta de ouvir músicas religiosas, afirma que sempre quando se sente mal e para baixo vem ao local. Foi observado que as enfermeiras do local apresentam pouco envolvimento com os usuários, limitando as suas atividades a receita de medicamentos e aplicação de injeções, já os demais profissionais como a educadora física, a terapeuta ocupacional, a coordenadora e o auxiliar de serviços gerais demonstram envolvimento com os usuários, fazendo acolhimentos e realizando atividades. As atividades realizadas no dia foram auxílio na oficina de desenho e observação da rotina dos funcionários. 28 DIÁRIO DE CAMPO: DIA 05/09/2018 HORÁRIO: 08h00min ÀS 12h00min Houve a volta do Psicólogo das férias, sendo realizada uma reunião para esclarecimento a cerca do estágio e do projeto que irá ser desenvolvido. O profissional fez esclarecimentos e tirou algumas dúvidas a cerca de como é a atuação do psicólogo no CAPS. Trouxe também uma ideia de um projeto já desenvolvido pelo Ministério da Saúde sobre o uso do cigarro utilizando a Terapia Cognitiva Comportamental e o uso de goma de mascar e adesivo, utilizando a Abstinência como forma de auxiliar no abandono ao vício, diferente do que é realizado no CAPS-AD sendo neste trabalhado e utilizado como método a Redução de Danos, no CAPS I há uma grande demanda de usuários que utilizam o cigarro, muitos até como forma de compensação do transtorno, como ansiedade. Porém foi deixado livre pelo profissional a escolha do projeto que irá ser realizado, sendo apresentado somente uma ideia e disponibilidade de auxílio e ajuda por parte de todos os profissionais para realização do projeto escolhido. Foi realizada apresentação das minhas ideias para desenvolvimento do projeto, relacionadas à inclusão de pessoas portadoras de algum tipo de transtorno mental na sociedade, apresentando uma conscientização sobre a existência do CAPS e o serviço prestado a comunidade. Além disso, na reunião foi questionado a cerca de como está sendo a experiência, sendo relatada grande receptividade por parte dos usuários e também dos profissionais que apresentaram disposição e ajuda para desenvolvimento do projeto. De início foi observado uma pouca relação/contato dos funcionários com os usuários do serviço, sendo vista uma demanda de escuta e acolhimento por parte dos usuários podendo isto ser uma demanda a ser desenvolvida no projeto. Pensando em tal demanda também obtive ideias para realização de Grupos Terapêuticos, como um Grupo com Mulheres, Grupo com Familiares e Grupo com Homens, além de ser dada a ideia de um Grupo de Familiares e pacientes, sendo trabalhadas as questões familiares envolvidas. Nestes Grupos Terapêuticos poderiam ser trazidos temas que além de estarem presentes nas demandas dos usuários, também aproximariam os profissionais dos mesmos, tais como as enfermeiras, os clínicos, a profissional de educação física e a assistente social, incluindo os mesmos nas atividades e possibilitando maior contato destes com os usuários do serviço. 29 DIÁRIO DE CAMPO: DIA 06/09/2018 HORÁRIO: 08h00min ÀS 12h00min Ao chegar ao localestava sendo desenvolvida atividade de Educação física com cerca de doze participantes, e os demais estavam fazendo cestas artesanais com jornais/revistas, e desenho e pintura. Foram observados também os atendimentos realizados na recepção, em sua maior parte para busca e receita de medicamentos. Foi debatido com o psicólogo e os demais profissionais a cerca do projeto a ser desenvolvido, sendo dada a ideia de realizar Grupos Terapêuticos divididos em Grupos de Mulheres e da Família junto aos usuários para serem debatidos temas que pudessem trazer reflexões para os usuários. Os demais profissionais também se prontificaram a ajudar no desenvolvimento do projeto. Em conversa com usuários e profissionais do local estava sendo discutido a cerca das condutas do novo psiquiatra. Estava sendo discutido também sobre o desfile do setembro amarelo que iria ser realizado conjuntamente com os demais serviços como o CAPS-AD e o SESP, serviço de atenção básica da cidade. Além disso, foi discutido acerca dos credenciamentos que iriam começar a ser realizado na próxima semana, foi alertada pela coordenadora a importância da minha participação em tais atividades como forma de aprender e adquirir novas experiências. Nas atividades do dia foi percebido pouco desempenho e pouca participação tanto dos profissionais como dos usuários. É possível perceber que alguns dias há pouca motivação dos usuários para participação nas atividades e também de alguns profissionais para sua realização, alguns se encontram centrados nas atividades que competem a sua área de formação, embora de maneira geral todos realizem atividades como oficinas e organização de eventos como palestras. Muitas atividades na maioria das vezes são vistas como responsabilidade do profissional de psicologia, embora as mesmas não sejam somente específicas a este, sendo informado pelo profissional que apenas o atendimento individual é específico e realizado pelo mesmo quando solicitado pelos usuários para resolução de algum conflito e/ou demanda. Houve a volta do clínico das férias, este se mostrou participativo conhecendo e mantendo contato com os usuários, realizando atividades junto aos mesmos. Dentre os profissionais, o auxiliar de serviços gerais mostra-se muito acolhedor, conversando e procurando entender os usuários demonstrando muita dedicação aos serviços prestados. 30 DIÁRIO DE CAMPO: DIA 11/09/2018 HORÁRIO: 08h00min ÀS 12h00min Ao chegar ao local estava sendo realizado atendimento com o psiquiatra, em relação ao funcionamento e atendimento das consultas, estas são realizadas todas as terças feiras, havia cerca de quinze usuários, foi observado que o psiquiatra procura receitar as medicações como forma de auxílio no tratamento juntamente com os demais profissionais, procurando não tornar o paciente dependente da medicação e somente continuar o seu uso até onde houver a necessidade, podendo ser retirada a medicação aos poucos, até o paciente apresentar melhora e estabilidade do quadro. Porém em relação a isso muitos usuários estão apresentando rejeição, informando que após a suspensão feita pelo médico de alguns medicamentos os usuários estão apresentando piora no quadro devendo retornar o seu uso e realizar novamente outra consulta. Foi observado no aguardo para atendimento uma criança acompanhada com um familiar, esta se apresentava bem inquieta, e em alguns momentos apresentava irritabilidade, alguns profissionais relataram que a mãe tinha suspeitas de diagnóstico de autismo, sendo dada prioridade para o seu atendimento e após ser realizada a consulta, caso seja confirmado o diagnóstico, seu quadro seria encaminhado para setor responsável e especializado em atendimento a crianças, uma vez que o CAPS I não é responsável por tais casos. Nos atendimentos também foi observado à queixa de um familiar acerca de um usuário do local, sendo informado a sua piora e relatado pelo familiar que este afirma estar sendo perseguido, que está preso em casa sem querer visitas, após ter sido encontrado na delegacia da cidade prestando queixa desta perseguição. Sendo questionado pelo familiar como deveria proceder nesta situação, sendo informado que caso não houvesse possibilidade de diálogo com o paciente deveria ser acionado o SAMU e o corpo de bombeiros para a sua contenção e posterior tratamento. Além disso, foi feito o acompanhamento do Matriciamento realizado em um povoado da cidade chamado Cajaíba. Foi explicado pelo supervisor do local como acontece o matriciamento, bem como ocorre todo o procedimento, o deslocamento para os locais é cedido pela prefeitura da cidade. No matriciamento é apresentado aos postos de saúde dos povoados os serviços do CAPS I e do CAPS-AD. É apresentado aos profissionais como enfermeiro, médico, e agentes comunitários os serviços que são realizados nos CAPS, bem como também é mostrado os casos de usuários do local/povoado que são atendidos na cidade, o seu andamento, e auxílio de como os agentes devem proceder de acordo com a demanda apresentada, seja esta de transtorno mental e/ou de álcool e drogas. Foi feita a apresentação dos profissionais e discutido a cerca de eventos e palestras que serão apresentados a 31 comunidade em dias e horários agendados em parceria com a Secretaria da Saúde. Tais palestras serão realizadas em escolas e igreja do local, com temas referentes ao setembro amarelo e aos serviços oferecidos a comunidade, será aberta ao público, e principalmente para usuários e familiares que fazem uso dos serviços. DIÁRIO DE CAMPO: DIA 13/09/2018 HORÁRIO: 08h00min ÀS 12h00min Foi realizado atendimento individual com três usuárias do serviço, o atendimento é solicitado pelos usuários e marcado uma data para ser realizado sendo isto estabelecido pelo profissional como forma de organizar o serviço, uma vez que, segundo o mesmo, o serviço é muito solicitado e caso contrário não haveria tempo para realizar as demais atividades. Foi realizado o acompanhamento do atendimento sendo notado o quanto é importante o atendimento para os pacientes, muitos relatando que sentiram muita falta do profissional quando este se ausentou nas suas férias. No atendimento é retomado como está o quadro do paciente, se houve melhora ou piora, sendo observados os medicamentos que estão sendo utilizados pelo paciente, se houve modificação e se está ocorrendo reações adversas, quando foi o ultimo atendimento com o psiquiatra e caso necessite é remarcado outra consulta. No atendimento também é tratado acerca de conflitos trazidos pelos usuários e é posto pelo profissional uma reflexão acerca do mesmo e se há alguma intervenção que possa ser feito por outros serviços como CRAS, a depender da demanda como, por exemplo, em casos de violência verbal, física ou sexual que possa estar ocorrendo com a usuária. Além destes são realizados os atendimentos com novos usuários que iniciaram seu tratamento no serviço, para entendimento do seu quadro e da sua queixa determinando como será seu tratamento junto aos demais profissionais. Nos atendimentos realizados tratava-se de quadros de bipolaridade e depressão grave com presença de alucinações. Foi percebida uma necessidade de mudança de medicamento uma vez que este não estava apresentando melhora sendo remarcada para isso uma consulta ao psiquiatra. Foi necessário também um agendamento de visita domiciliar para certificar ou não se a paciente está sendo mantida em cárcere privado e caso constatado devendo ser acionado o CRAS, serviço responsável para condução destes casos. Foi observado que em grande parte dos casos estão presentes conflitos inicias relacionados a relações familiares, como perda de um familiar, e/ou relação abusiva, sendo desencadeante ou agravante do quadro. Foi percebido o vínculo entre o profissional e os usuários, havendo o 32 acolhimento e a possível melhora do conflito,sendo atentado que o usuário retorne para outra consulta de devolutiva acerca dos casos. DIÁRIO DE CAMPO: DIA 14/09/2018 HORÁRIO: 08h00min ÀS 12h00min Foi realizada palestra para os usuários a cerca da prevenção ao suicídio tema abordado no setembro amarelo. A palestra foi realizada pelo psicólogo, foi apresentadas informações como o porquê do evento, como iniciou a campanha a cerca da prevenção ao suicídio, estatística dos casos ocorridos no Brasil e no mundo, como ocorre grande parte dos casos, taxa de incidência em pacientes com transtornos mentais, mitos e verdades de quem comete o ato, como proceder diante de familiares e/ou amigos que apresentam a queixa, o porquê e qual objetivo de quem o comete, ao final sendo realizada uma dinâmica com bexigas, que deve ser estourada pelos usuários e contendo frases positivas e reflexivas sobre a vida, que são lidas pelos mesmos como forma de atenuar possíveis conflitos internos trazidos pelo tema tratado na palestra. Ao decorrer da palestra os usuários apresentavam seus próprios casos trazendo grande comoção, ao final foi percebida grande receptividade por parte dos usuários muitos relatando a importância do debate sobre o tema e o quanto ajuda no seu tratamento. Muitos informaram ter gostado muito e agradeceram pelo evento realizado. Logo após foi feito o lanche e posteriormente retomado as atividades com os usuários, sendo realizada a oficina de desenho. Após a palestra foi auxiliado o preenchimento do prontuário daqueles que estavam presentes na palestra, sendo informado que a atividade é feita todo ano e na maioria das vezes realizado somente pelo psicólogo, não havendo essa iniciativa por parte dos demais profissionais. Alguns usuários da residência terapêutica da cidade estão realizando algumas atividades no CAPS, sendo notado seu entrosamento e participação nas atividades realizadas. 33 DIÁRIO DE CAMPO: DIA 19/09/2018 HORÁRIO: 08h00min ÀS 12h00min Foi realizada novamente a palestra a cerca da prevenção ao suicídio, tema abordado no setembro amarelo, agora para a comunidade e para os funcionários do Centro de Saúde Dr. Vladimir de Souza Carvalho, localizado na cidade, no Bairro Miguel Teles de Mendonça. A palestra foi realizada pelo psicólogo, foram apresentadas novamente as informações de prevenção, como o que é o Suicídio/Violência Auto Infligida, sua Avaliação dos fatores de Risco, de Proteção e de Necessidades, o que dever ser feito no caso de familiares e amigos que se encontram sob o risco de suicídio, como identificar alguns sinais de alerta como expressão de ideias ou intenções de morte, isolamento social, entre outros sinais que foram alertados, os mitos e verdade sobre o suicídio, onde buscar ajuda, apresentação dos serviços de saúde responsáveis pela demanda como os CAPS, Unidades Básicas de Saúde (Saúde da Família, Postos e Centros de Saúde), Centro de Valorização da Vida – CIV e Emergência como SAMU, Pronto Socorro e Hospitais. Ao decorrer da palestra duas participantes apresentaram seus casos familiares trazendo grande comoção. Logo após foi realizado uma festinha como forma de agradecer pela atenção e a participação da comunidade e dos usuários e funcionários que estavam presentes. Após a palestra foi realizado acompanhamento dos atendimentos feitos na recepção, sendo em sua maioria para solicitação de medicação e para orientação de como e em quais horários devem ser utilizados os medicamentos. 34 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SANTOS, A. C., & NÓBREGA, D. O. (2017). Dores e delícias em ser estagiária: o papel do estágio na formação em Psicologia. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(2), 515-528. https://doi.org/10.1590/1982-3703002992015 CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA - CFP. Referências Técnicas para Atuação de Psicólogas (os) no CAPS - Centro de Atenção Psicossocial. Brasília, 2013. 100 p. ISBN: 978-85-89208-55-0. BENEVIDES, D.S. et al. Cuidado em saúde mental por meio de grupos terapêuticos de um hospital-dia: perspectivas dos trabalhadores de saúde. Interface - Comunic., Saúde, Educ., v.14, n.32, p.127-38, jan./mar. 2010. ROCHA, D C.; ALVES, F P.; QUEIROZ, D. Educação em Saúde nas Oficinas Terapêuticas do Centro de Atenção Psicossocial: Relato de Experiência no Estágio Supervisionado em Saúde Mental. Revista da Universidade Vale do Rio Verde, Três Corações, v. 12, n. 2, p. 227-235, ago./dez. 2014. MOTA, V. A., & COSTA, I. M. G. (2017). Relato de experiência de uma Psicóloga em um CAPS. Mato Grosso, Brasil. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(3), 831-841. https://doi.org/10.1590/1982-3703004292016. NUNES, Viviane Soares; TORRES, Marília de Albuquerque, ZANOTTI, Susane Vasconcelos. O psicólogo no caps: um estudo sobre oficinas terapêuticas. ECOS – Estudos Contemporâneos da Subjetividade. Vol. 5. nº 2 maio/jun. 2015. https://doi.org/10.1590/1982-3703002992015 https://doi.org/10.1590/1982-3703004292016 35 ANEXOS LISTA DE FREQUÊNCIA 36
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