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TERAPIA OCUPACIONAL E CONTEXTO SOCIAL PROF.A MA. LETÍCIA ANDRIOLLI BORTOLAI REITORIA: Dr. Roberto Cezar de Oliveira PRÓ-REITORIA: Profa. Ma. Gisele Colombari Gomes DIREÇÃO DE GESTÃO EAD: Prof. Me. Ricardo Dantas Lopes EQUIPE DE PRODUÇÃO DE MATERIAIS: Diagramação Revisão textual Produção audiovisual Gestão WWW.UNINGA.BR 33WWW.UNINGA.BR UNIDADE 01 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................. 4 1. FUNDAMENTAÇÃO HISTÓRICA DO CAMPO SOCIAL NA TERAPIA OCUPACIONAL ........................................ 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................................ 10 RETOMADA HISTÓRICA E FUNDAMENTOS DO CAMPO SOCIAL PROF.A MA. LETÍCIA ANDRIOLLI BORTOLAI ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: TERAPIA OCUPACIONAL E CONTEXTO SOCIAL 4WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Na disciplina “Terapia Ocupacional e Contexto Social”, você se debruçará sobre uma abordagem teórico-metodológica diferente daquilo que conhecemos como “tradicional” dentro da pro� ssão. Por meio de referenciais advindos das disciplinas das Ciências Humanas e Sociais, podemos pensar em diferentes possibilidades de apreensão de uma realidade, bem como trabalhar com populações que, na maioria das vezes, permanecem à margem da sociedade. Utilizando os referenciais produzidos pela terapia ocupacional social, será enfatizada a importância do contexto histórico, social, cultural e econômico no cotidiano das pessoas, bem como as possibilidades pelas quais, por meio dessas áreas, as pessoas possam se inserir socialmente. 5WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1. FUNDAMENTAÇÃO HISTÓRICA DO CAMPO SOCIAL NA TERAPIA OCUPACIONAL O primeiro passo para se pensar nas abordagens relacionadas à terapia ocupacional no campo social é partir da fundamentação histórica de sua construção, visto que diversos fatores sociais, históricos e, principalmente, teórico-metodológicos contribuíram para a consolidação desse contexto, bem como a necessidade de re� etir sobre a terapia ocupacional a partir de um novo prisma. A terapia ocupacional social no Brasil se desenvolveu a partir de duas principais perspectivas, complementares e relacionadas entre si, que foram atribuindo complexidade à discussão. Inicialmente, encontramos a perspectiva do contexto histórico, relacionada aos processos sociais brasileiros vivenciados no � nal da década de 1970 e intensi� cados nos anos 1980, os quais culminaram na revisão das concepções da ação pro� ssional devido a diversos fatores presentes naquele contexto (BARROS; LOPES; GALHEIGO, 2007), dentre eles: Figura 1 – Processos sociais. Fonte: Adaptado de Barros, Lopes e Galheigo (2007). Parte-se da compreensão de que o adoecimento é um fenômeno com implicações que repercutem no sujeito e na sociedade, sendo, portanto, um evento tanto social quanto individual. É uma concepção crítica à visão exclusivamente biomédica da saúde - que parte de dicotomias que direcionam o pensar um sujeito sem continuidade, separado do meio e da sociedade, como partes desvinculadas ou ligadas mecanicamente ao todo. A questão do adoecimento só pode ser compreendida a partir da interpretação dos aspectos biológicos, das práticas sociais e dos signi� cados atribuídos para ambos. Nesse sentido, observa-se uma ampliação signi� cativa daquilo que era considerado como “doença” e, cada vez mais, as problemáticas sociais passam a ser questões que devem ser respondidas a partir de ações pro� ssionais e institucionais por meio de procedimentos prede� nidos. Assim, passa-se a atribuir maior “poder” à Medicina para propor soluções para as sociedades (BARROS; LOPES; GALHEIGO, 2007). De acordo com as análises críticas realizadas naquele contexto, convencionou-se nomear esse processo como “medicalização da sociedade”, a qual administra con� itos relacionais e sociais como problemas “médicos” ou de caráter do adoecimento. Logo, a discussão sobre a intervenção dos terapeutas ocupacionais também se nutriu acerca do papel técnico na sociedade, na responsabilidade de formar e transformar valores sociais, em contrapartida da perspectiva que atribui ao pro� ssional um distanciamento do compromisso político e social. 6WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Nesse mesmo contexto, ao � m da década de 1970, o País encontrava-se em ebulição política, abrindo espaço para a participação da população, que se mobilizava para discutir diversas questões, entre elas, a democratização, as lutas pelos direitos de cidadania e o debate das alternativas à ordem econômica, social e política excludente estabelecida pelo então regime militar. Organizava-se a sociedade civil em diferentes representações: os sindicatos, os movimentos populares, as instituições religiosas, as associações pro� ssionais, os partidos políticos, entre outros movimentos (LOPES, 2016). Torna-se também foco de questionamento a supressão permanente, cotidiana, dos direitos dos ‘loucos’, sua repressão autoritária nos manicômios. O tema da reforma psiquiátrica no Brasil emerge como parte do processo de libertação dos doentes mentais. Mas, para além disso, a luta contra a situação dessas pessoas nas instituições psiquiátricas que, denunciada pela mídia, escandalizou a opinião pública, fazia parte de um sentimento mais geral de revolta contra a supressão, pela força, da vontade dos ‘mais fracos’ – não só loucos, como trabalhadores, desempregados, presos políticos e excluídos de toda ordem (LOPES, 2016, p. 54). Motivado por essa tensão sócio-política, associada à mudança de concepção acerca das problemáticas sociais, inicia-se o questionamento sobre a função social do terapeuta ocupacional, que até então baseava-se no pressuposto da necessidade da adaptação social, não se questionando a estrutura social e suas desigualdades. A preocupação era inserir, reintegrar a pessoa ao seu meio sem que se discutissem os motivos da exclusão e as resistências à reinserção. A compreensão das questões estruturais como agentes causais dessa situação começa a ter lugar na conversa entre os terapeutas ocupacionais nesse período. O fracasso das tentativas de reintegração era, quase sempre, atribuído ao tipo de di� culdade do indivíduo, à sua situação de cronicidade, à atitude de sua família e, por vezes, a uma sociedade, que não era razão de alguma formulação, que o rejeitava, que não se abria às capacidades remanescentes desses indivíduos, não lhes dando as devidas oportunidades (LOPES, 2016, p. 53). Foi questionando o papel de “adaptador social” que o terapeuta ocupacional passou a participar da construção do coletivo, da construção do espaço público e a pensar em abordagens que possibilitassem que os sujeitos concretos com os quais atuamos - os loucos, os de� cientes de toda ordem, as crianças e os adolescentes vulneráveis pessoal e socialmente, os idosos pobres - fossem, ou pudessem almejar ser, sujeitos autônomos, participativos, inseridos (LOPES, 2016). Concomitante com todos esses movimentos apresentados, os grupos populacionais para os quais são direcionadas as ações da terapia ocupacional passam a ser considerados sujeitos de direito, numa perspectiva tanto de saúde quanto da assistência social. Foram essenciais a Reforma O vídeo a seguir apresenta alguns apontamentos acerca do contexto histórico e político vivenciado no Brasil na década de 1970, que pode auxiliar você a compreender melhor a partir de quais movimentações sociais estamos pensando e como isso, inegavelmente, infl uenciou os contextos de mudança. Assista em https://www.youtube.com/watch?v=ShWHbILNpU4.7WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Sanitária brasileira e a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), bem como a incorporação da Assistência Social no âmbito da seguridade social, todos derivados da Constituição de 1988. Saúde como um direito de todos – e todos signi� ca todos, não a maioria, o que implica a atenção a grupos populacionais especiais. Assistência social não como caridade ou � lantropia, mas sim como direito de todos os cidadãos da garantia de um mínimo social em termos de renda, bens e serviços (LOPES, 2016, p. 58). O acesso à saúde e a bens sociais ocorria a partir da implantação de políticas sociais e de sua execução concreta em serviços e ações, inclusive aquelas da terapia ocupacional. Tanto que, no início da década de 1990, identi� cou-se uma importante incorporação dos terapeutas ocupacionais em serviços sociais dos municípios que adotaram como diretriz a implantação dos preceitos constitucionais, principalmente para os serviços de saúde e para os serviços da assistência social ligados à infância e juventude (LOPES, 2016). A crítica a estes desdobramentos (...) permitiu novas formas de ação do técnico, constituindo-se na mais signi� cativa contribuição provocada pela discussão do campo social em terapia ocupacional. Possibilitou, ainda, a busca de novos referenciais teóricos mais complexos, históricos e dinâmicos, para que se pudesse perceber o paciente como um ser social, inserido num processo cultural e em práticas históricas, e não como um somatório de partes fragmentadas (BARROS; GHIRARDI; LOPES, 2002, p. 98). Voltando-se para uma segunda perspectiva, partimos das premissas que emergem das contradições sociais observadas naquele contexto, cuja principal característica era reorganização e (re)adaptação. Tal cenário é marcado pela produção de desigualdade social e pela presença crescente de grandes contingentes populacionais vivendo formas variadas de dissolução de vínculos, vulnerabilização das redes sociais de suporte e precarização e/ou escassez de possibilidades de trabalho (BARROS; LOPES; GALHEIGO, 2007). Com essa questão social apresentada, Barros, Lopes e Galheigo (2007) referem que, do ponto de vista sociológico, são identi� cados dois grupos-alvo desse contexto que se constituem como possibilidades de intervenção da terapia ocupacional social. São eles: • aqueles que sofrem processo de exclusão e, por consequência, a eles foi aplicado o atributo de periculosidade social, que justi� cou sua institucionalização, ou seja, processos de exclusão social total para sua recuperação, educação e/ou repressão. Envolvem os sujeitos dos espaços fechados e isolados da comunidade, como manicômios e hospitais psiquiátricos, asilos e instituições para pessoas com de� ciência, prisões, abrigos; crianças e adolescentes institucionalizados; velhos asilados e destituídos de direitos; pessoas com diferentes tipos de� ciências e/ou transtornos, entre outros; O que motivou a elaboração da Constituição Federal de 1988? A Constituição de 1988, também conhecida como Constituição Cidadã, foi resultado do esforço político pela redemocratização e símbolo do fi m do autoritarismo dos militares. Seu texto-base determina os direitos e os deveres dos entes políticos e dos cidadãos do País. Foi resultado de um amplo debate que se estendeu durante mais de um ano e simbolizou o início da Nova República. 8WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA • grupos sociais que, devido às transformações sociais vivenciadas, estão expostos diretamente à precarização das possibilidades de trabalho, à vulnerabilidade das relações sociais e, portanto, vivem sob ameaça de exclusão e não pertencimento. A constituição do campo social em terapia ocupacional como uma de suas subáreas, no � nal da década de 1990, se apresenta como fator fundamental para a desvinculação da terapia ocupacional como pro� ssão exclusivamente da área da saúde e, assim, da mediação necessária entre saúde e doença (BARROS; LOPES; GALHEIGO, 2007). Os processos em torno da participação social no País criaram um ambiente que propiciou a identi� cação de problemáticas sociais graves e envolveu amplos setores da sociedade e de pro� ssionais na busca de “soluções”. A terapia ocupacional espelha o que seus pro� ssionais pensam e produzem e a forma como se posicionam politicamente frente às demandas sociais que a eles se colocam (LOPES, 2016, p. 78). A desigualdade e a pobreza são problemáticas relevantes no bojo da questão social brasileira e, para tanto, torna-se necessário atuar no território, em espaços comunitários e em instituições sociais, para intervir a partir da demanda da população, contribuindo para o equacionamento de suas necessidades para uma escuta e intervenção que se construa com o sujeito, seu contexto e história (LOPES, 2016). Na formação do terapeuta ocupacional, é necessário um direcionamento que o habilite a atuar em problemáticas que emergem a partir dos con� itos sociais e também nos problemas de uma sociedade marcada por desigualdades. Para isso, é preciso lançar mão de conceitos que se voltem ao entendimento das dinâmicas sociais. O sujeito não pode ser separado do contexto das práticas sócio-históricas das quais faz parte. Consequentemente, é preciso apreender as características, isto é, as peculiaridades presentes em cada grupo social ou em cada comunidade que se propõe a atuar com e para (BARROS; LOPES; GALHEIGO, 2007). Atribuir e incorporar conhecimentos sócio-antropológicos aos conhecimentos especí� cos da pro� ssão permitiu aos terapeutas ocupacionais contribuírem para o entendimento e desenvolvimento de metodologias de abordagens individuais e coletivas em campos distanciados da saúde, tais como a assistência social, trabalhos comunitários, meio ambiente, relações interculturais, entre outras. Assim, sua intervenção constitui-se como uma estratégia de mediação de con� ito por meio da incorporação de metodologias de ação social. A noção de con� ito emerge da interação, das divergências e de antagonismos tanto de interesses quanto de percepções, seja individual ou coletiva. Há con� itos nas relações entre indivíduos e grupos, con� itos inerentes à organização social, política e economia. Essa temática tem sido foco de estudo de várias perspectivas de conhecimento de caráter sociológico, antropológico, � losó� co, político, entre outros. As teorias sociológicas que estudam o con� ito social a partir de uma perspectiva crítica salientam o caráter histórico e instável das sociedades (BARROS; LOPES; GALHEIGO, 2007). 9WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A noção de con� ito in� uenciou também a interpretação do que signi� ca a demanda social e de como compreender as necessidades que aparecem com frequência como sendo de natureza e responsabilidade unicamente de cada pessoa ou família. O terapeuta ocupacional social deve interpretar a demanda como expressão da necessidade e desejos individuais e coletivos e como parte de relações de poder presentes naquela sociedade. É nesse sentido que as noções de cidadania e de direitos, bem como a de produção de identidades, ganham primeiro plano para a formulação de projetos individualizados e para projetos coletivos de intervenção. Cada pessoa, cada grupo social ou comunidade precisa descobrir, a seu modo, as dimensões e possibilidades da realidade. Dessa forma, a terapia ocupacional pode contribuir para minimizar as questões causadas pelas desigualdades, contradições sociais e confrontos culturais. Para isso, é necessário construir intervenções coerentes com as culturas e contextos locais especí� cos, fato que determina uma ruptura das ações direcionadas por procedimentos técnicos preestabelecidos e padronizados (BARROS; LOPES; GALHEIGO,2007). Perspectivas do conceito de “confl ito social” sob diferentes referenciais: - Para Marx, a visão confl itual da vida social se expressa na sociedade capitalista na forma da luta de classes; - Para Alain Touraine, o confl ito de classes continua a ter lugar central na analise sociológica, sendo necessário partir da análise da representação da organização social e examinar as origens históricas, as tensões da acumulação e da industrialização; - Nas teorias de Max Weber, o autor enfatiza a questão da integração social, em que as sociedades são sistemas integrados que se mantêm mais pelo consenso do que pela repressão ou coerção, pois existem interesses sociais que são, principalmente, compartilhados muito além do que opostos; - Para Robert Castel, o processo de desfi liação forma-se na confl uência de uma dupla dinâmica de vulnerabilização da integração social, em que ocorre a dissolução de vínculos sociais e a precarização das possibilidades de trabalho. Para maiores aprofundamentos acerca das refl exões sobre as fundamentações da Terapia Ocupacional Social, sugerimos a leitura do seguinte artigo: BARROS, D. D.; GHIRARDI, M. I. G.; LOPES, R. E. Terapia ocupacional social . Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, [S. l.], v. 13, n. 3, p. 95-103, 2002. Leia o material em https://www.revistas.usp.br/rto/article/view/13903. 10WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade, pretendeu-se resgatar os contextos históricos e sociais que culminaram na mudança de uma perspectiva da sociedade, bem como as possibilidades de atuação da pro� ssão, passando por uma reorganização daquilo que se considerava vigente. Observamos que a sociedade passa por constantes mudanças, se adapta, modi� ca e se constrói, assim como as necessidades e problemáticas com que nos deparamos diante da prática da terapia ocupacional. Por isso, é de fundamental importância conseguir fazer essa leitura da realidade e do contexto ao qual pertencemos e buscarmos promover a diferença nas vidas dos sujeitos com quem nos disponibilizamos a trabalhar. 1111WWW.UNINGA.BR UNIDADE 02 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................ 12 1. POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÃO NO CAMPO SOCIAL ............................................................................... 13 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................................ 20 RECURSOS E TECNOLOGIA DA TERAPIA OCUPACIONAL SOCIAL PROF.A MA. LETÍCIA ANDRIOLLI BORTOLAI ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: TERAPIA OCUPACIONAL E CONTEXTO SOCIAL 12WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Conforme apresentamos na unidade anterior, a atuação da terapia ocupacional no contexto social parte de uma ampliação do olhar e da forma de atuação da pro� ssão. Essa ampliação da prática pro� ssional passa a requerer novas possibilidades de intervenção. Nesta unidade, vamos visualizar alguns caminhos possíveis para desenvolver as intervenções nesse cenário, contando com o aporte teórico das perspectivas das tecnologias sociais, bem como uma ação participativa do sujeito alvo da intervenção, ampliando a ação que, antes individualizada, agora incorpora as questões sociais dos sujeitos coletivos e grupos populacionais. 13WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1. POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÃO NO CAMPO SOCIAL Partindo do pressuposto de que, ao se debruçar na prática do campo social, a terapia ocupacional rompe com o discurso de saúde que se restringia ao modelo “médico” e confronta- se com a complexidade da vida comunitária, a intervenção exigiu um trabalho de transformação a partir de uma prática que provocou respostas inovadoras para os novos serviços criados. Foi preciso transcender a clínica, a relação dual terapeuta/paciente, superar a necessidade do setting terapêutico estruturado e confrontar-se com o território (BARROS; GHIRARDI; LOPES, 2002). Nessa direção, a noção de território dentro da terapia ocupacional social supõe um espaço delimitado geogra� camente, construído historicamente e com relações socioeconômicas e culturais a serem conhecidas, que lhes são próprias. Nele, podem-se observar diferentes maneiras de existir, sonhar, viver, trabalhar e realizar as trocas sociais. O território implica, assim, a ideia fundamental de reconhecimento do outro a partir de novas concepções. Figura 1 – Ações territoriais. Fonte: Adaptado de Barros, Ghirardi e Lopes (2002). Sem essa mudança de concepção, não é possível falar em terapia ocupacional social, partindo de um rompimento do discurso de saúde que se restringe ao modelo médico vigente. Emergiu, então, o desa� o de buscar novas bases que orientassem a ação e, para isso, foi preciso rever os conceitos de ocupação, de trabalho e de atividade a � m de ampliar as possibilidades de uma prática que, até então, centralizava-se majoritariamente no processo de institucionalização. Ao questionar a prática realizada dentro da terapia ocupacional, surge a necessidade de repensar a especi� cidade desse campo de ação, constituindo um campo de conhecimento teórico e prático que implica a possibilidade de re� etir, articular e produzir o conhecimento necessário em três domínios: o macro-estrutural e conceitual; o político-operacional; e o da atenção pessoal e coletiva (BARROS; GHIRARDI; LOPES, 2002). Ao analisarmos as estratégias e os recursos utilizados para atingir a inserção, a inclusão e a participação dos diferentes grupos sociais com os quais se trabalha, veri� ca-se que as atividades (artesanal, artística, cultural, geradora de renda, entre outras tantas) se tornam o eixo organizador da intervenção. A terapia ocupacional social reformula-se a partir da busca de criar sentidos entre aquilo que o processo social traz como demanda e o acúmulo teórico produzido na terapia ocupacional acerca do conceito e das implicações das atividades como mediação do processo terapêutico. A proposta de um campo social na terapia ocupacional assume novos sentidos e diversas 14WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA implicações, culminando no resultado de um esforço em renunciar a modelos reducionistas e perspectivas simplistas para um fenômeno social de complexidade. Além disso, implica a rede� nição de objetivos e instrumentos de intervenção, estabelecendo a terapia ocupacional sobre bases mais largas. A terapia ocupacional funda-se sobretudo em processos e ações comunicativas, ou seja, falar em atividade é falar em processo e em mediação interpretativa entre nós e os fenômenos: agir, reagir, interagir e fazer são modos marcantes, concretos e materiais de dizer o mundo. Esta mediação interpretativa está, portanto, presa às representações do mundo que nossa historicidade nos impõe. E é esta compreensão da indissolubilidade entre homem e mundo e entre história pessoal e social que vai conferir sua marca à terapia ocupacional social (BARROS; GHIRARDI; LOPES, 2002, p. 101-102). As abordagens historicamente dominantes nas práticas de terapia ocupacional têm priorizado (ou até mesmo dado exclusividade) aspectos únicos do indivíduo para, a partir dele, buscar relações ampliadas na família ou principalmente em esferas de relações próximas. Precisa- se, ao contrário, de abordagens que comportem os múltiplos sentidos das práticas sociais. As reações à realidade, interações vivas e físicas com a materialidade das coisas e do mundo, se constituem em respostas, múltiplas e complexas. Neste contexto,a noção de experiência e também de historicidade são fundamentais. Os signi� cados e os sentidos atribuídos são percebidos pela pessoa no interior do arcabouço sócio-histórico de que é parte. Por isto a terapia ocupacional social é historicidade, e só se de� ne no contexto e na inter-relação: compreende a pessoa entre a objetividade de seu problema e a subjetividade da interpretação de suas necessidades, entre seu modo de perceber a vida e aquele do terapeuta ocupacional, entre a técnica e as di� culdades reais do cotidiano (BARROS; GHIRARDI; LOPES, 2002, p. 102). Assim, as atividades não possuem signi� cados � xos, formam-se constantemente múltiplos signi� cados que se sobrepõem. Elas são expressões de identidades e participam de processos que formam identidades. Por serem um processo relacional, são também um processo político. Nesse processo, torna-se meio para o terapeuta ocupacional desenvolver atividades culturalmente pertinentes, pois trata de compreender como as atividades mais valorizadas são percebidas na comunidade e como são articuladas na formação de possíveis identidades. Nessa direção, a ideia de atividade não se deve basear em uma abstração esvaziada de sentido concreto para aquele indivíduo, para o qual nossa ação deve buscar equacionar necessidades reais. Ela deve se colocar como um conceito permeado de historicidade, fundamentado pela dimensão sócio-política e cultural enquanto instrumento para a emancipação social. Considerando a mudança de perspectiva na atuação da terapia ocupacional, como podemos utilizar o conceito de “atividades”? Nessa direção, a percepção do conceito de “atividades” deve ser redefi nida a fi m de constituir-se em instrumento para emancipação, baseada pela dimensão sociopolítica, cultural e afetiva de pessoas, de grupos e comunidades. 15WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA É por isso que o conceito de atividades em terapia ocupacional social é um construto, uma mediação de relações múltiplas, mas situada no tempo e no espaço culturais; é um conceito inacabado e incorpora em si essa incompletude, constituindo-se pelo movimento, pelo processo de comunicação em linguagem (verbal, gestual, sonora, ou seja, icônica, indicial e simbólica). Trata-se de um conceito que se realiza na experiência e na situação vivida. Tais atividades são objeto que se constrói na comunicação, na experiência e na situação vivida segundo a história, as práticas sociais e os valores culturais que cada pessoa ou grupo social realiza de forma particular. Por isto, são ao mesmo tempo, objeto singular e plural, podendo con� gurar-se como instrumento de emancipação ou de alienação. Os objetivos, e os processos escolhidos para obtê-los, é que poderão caracterizar as atividades como promotoras de emancipação e de cidadania (BARROS; GHIRARDI; LOPES, 2002, p. 102). A partir disso, a terapia ocupacional passa a compor um campo de conhecimento e de intervenção em saúde, em educação e na esfera social, devendo desenvolver metodologias adequadas à ação territorial e comunitária. Assim, é imprescindível para a terapia ocupacional aceitar os desa� os que se colocam e buscar contribuir na formulação e desenvolvimento de ações que possam minimizar problemas vinculados aos processos de ruptura de redes sociais de suporte. Fortalecer as intervenções que devem ser dimensionadas pela compreensão da demanda (análise de sentido e de processos históricos e socioculturais) e pelo uso de atividades como elemento centralizador e orientador na construção complexa e contextualizada do processo (BARROS; GHIRARDI; LOPES, 2002). De forma mais recente, as experiências acumuladas pelos grupos de estudos voltados para a terapia ocupacional social, com destaque ao Projeto METUIA, têm produzido tecnologias sociais capazes de fomentar novas possibilidades de atuação, integrando e articulando ações de abrangência macro e microssocial (LOPES et al., 2014). Tecnologia Social é entendida como um conjunto de técnicas, metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população e apropriadas por ela, que representam soluções para inclusão social e melhoria das condições de vida. O conceito de Tecnologia Social remete a uma proposta inovadora de desenvolvimento, considerando uma abordagem construtivista na participação coletiva do processo de organização, desenvolvimento e implementação, aliando saber popular, organização social e conhecimento técnico- científi co. Tem como base a disseminação de soluções para problemas voltados a demandas de renda, trabalho, educação, conhecimento, cultura, alimentação, saúde, habitação, recursos hídricos, saneamento básico, energia, ambiente, igualdade de raça e gênero, dentre outras, importando essencialmente que sejam efetivas e reaplicáveis e promovam a inclusão social e a melhoria da qualidade de vida das populações em situação de vulnerabilidade social. 16WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Nessa perspectiva de tecnologias sociais e possibilidades de intervenção, são evidenciadas as seguintes possibilidades: o� cinas de atividades, dinâmicas e projetos; os acompanhamentos singulares e territoriais; a articulação de recursos no campo social; e a dinamização da rede de atenção. A seguir, vamos compreender cada item de forma mais detalhada. A Rede METUIA – Terapia Ocupacional Social é a atual denominação do Projeto Metuia, criado em 1998 por docentes de três universidades brasileiras: Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). A criação do Projeto Metuia foi impulsionada pela perspectiva de propor uma atuação profi ssional voltada especifi camente para as demandas sociais, pautada pela garantia dos direitos das populações com as quais trabalha e pela indissociabilidade entre a ação técnica, ética e política. Assim, o Projeto Metuia se constituiu como um grupo interinstitucional de estudos, formação e ações pela cidadania de grupos em situação de vulnerabilidade social e processos de ruptura das redes sociais de suporte, tendo como proposta o desenvolvimento de projetos no âmbito do ensino, da pesquisa e da extensão em terapia ocupacional social e em sua interconexão com diferentes setores sociais (BARROS; GHIRARDI; LOPES, 2002; LOPES; MALFITANO, 2016). Para conhecer mais sobre as ações do projeto, sugerimos o vídeo “Projeto Casarão Metuia”, disponível em https://www.youtube. com/watch?v=kLePnrAvir0. OFICINAS DE ATIVIDADES, DINÂMICAS E PROJETOS • A Terapia Ocupacional Social utiliza as atividades como um recurso mediador do trabalho de aproximação, acompanhamento, apreensão das demandas e fortalecimento dos sujeitos individuais e coletivos para os quais direciona sua ação. • Prioriza-se o uso das atividades em espaços grupais e/ou coletivos. • Por intermédio da atividade sobre a qual o terapeuta ocupacional deve ter domínio, pode-se conhecer o universo imediato dos sujeitos, ampliando signifi cativamente a possibilidade de criação de vínculos e, com isso, gerar oportunidades para uma atuação profi ssional que contribua para a construção conjunta de planos e projetos. 17WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Quadro 1 - Tecnologia Social para a Terapia ocupacional social. Fonte: Lopes et al. (2014). • A utilização da atividade possibilita o aprendizado e o reconhecimento de necessidades do sujeito e o desenvolvimento da capacidade deste para buscar soluções próprias e criativas para suas questões. • Criam-se potencialmente espaços de experimentação e aprendizagem, concebendo-se cada participante como ser ativo no processo de construção. • As ofi cinas (suas atividades, seus projetos, produtos e suas dinâmicas)permitem uma gama potente de ações que podem ser classifi cadas, compreendidas e aplicadas com distintos propósitos, tais como: • lidar com as técnicas intrínsecas das propostas; • o uso e a produção de materiais e recursos; • transitar por diversos setores (cultura, arte, esporte, lazer, trabalho etc.); • deparar-se com propostas previamente elaboradas com temáticas e objetivos preestabelecidos (debates sobre o cotidiano, perspectivas de vida, trocas e informações a respeito do mundo do trabalho, processos educativos acerca de direitos e deveres, sobre a rede de proteção à infância e adolescência na cidade, entre outras); • identifi car as necessidades e possibilidades da vida cotidiana; • identifi car os diferentes sentidos e signifi cados que os sujeitos em ação podem designar ou imprimir segundo sua vivência pessoal, ainda que as propostas tenham indicações ou direcionamentos prévios, o interesse está na percepção singular que aquela experiência proporcionou ao participante da ação. 18WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACOMPANHAMENTOS SINGULARES E TERRITORIAIS • São estratégias de intervenção que possibilitam uma percep- ção e interação mais real do cotidiano e contexto de vida dos indivíduos, interconectando suas histórias e percursos, sua si- tuação atual e sua rede de relações; • Tais acompanhamentos partem da escuta atenta das demandas de pessoas, grupos ou coletivos, na maioria das vezes determi- nadas pela situação de vulnerabilidade, desigualdade social e falta de acesso a serviços sociais e bens essenciais; • As abordagens e direcionamentos devem intencionar o equa- cionamento e/ou a minimização das situações de vulnerabilida- de vivenciada. Quadro 2 - Tecnologia Social para a Terapia ocupacional social. Fonte: Lopes et al. (2014). ARTICULAÇÃO DE RECURSOS NO CAMPO SOCIAL • Uma variedade de ações realizadas desde o plano individual, passando pelos grupos, coletivos até os níveis da política e da gestão; • A estratégia está em manejar as práticas em diferentes níveis de atenção em torno de objetivos comuns e utilizar os recursos possíveis, compreendidos como dispositivos fi nanceiros, mate- riais, relacionais, afetivos, sejam eles micro ou macrossociais, para compor as intervenções. Quadro 3 - Tecnologia Social para a Terapia ocupacional social. Fonte: Lopes et al. (2014). 19WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA DINAMIZAÇÃO DA REDE DE SERVIÇOS • Objetiva mapear, divulgar e consolidar todos os programas, pro- jetos e ações voltados para determinado grupo populacional e/ ou sua comunidade, com o intuito de fomentar a interação e a integração entre eles; • Articular os diferentes setores e níveis de intervenção, facilitan- do a efetividade e o direcionamento das estratégias. Quadro 4 - Tecnologia Social para a Terapia ocupacional social. Fonte: Lopes et al. (2014). O terapeuta ocupacional reúne habilidades para conhecer o universo dos sujeitos, ampliando signi� cativamente a possibilidade de criação de vínculos e, com isso, gerar oportunidades para uma atuação pro� ssional que contribua para a construção conjunta de novos planos, projetos e apoios. Tem se evidenciado a necessidade dos seguintes elementos: o tempo; a disponibilidade do técnico; a agilidade e a responsabilidade ética e técnica na articulação entre diferentes atores e serviços; a constituição de uma leitura centrada e conhecedora da realidade social e subjetiva, individual e coletiva; um amplo repertório para a proposição cotidiana de atividades, bem como o alargamento do conceito da atividade; o conhecimento e o diálogo com a rede de recursos sociais preexistentes na comunidade e na cidade; a re� exão sobre os limites da relação técnica no cuidado e no acolhimento de questões sociais no âmbito individual. Todos esses elementos nos instigam a re� etir sobre os tempos da ação terapêutico-ocupacional no campo social e sobre a disponibilidade necessária para o trabalho cotidianamente direcionado para a urgência de mudanças efetivas da realidade (LOPES et al., 2014, p. 600). Portanto, o terapeuta ocupacional pode ser um pro� ssional voltado à criação de estratégias conjuntas com os sujeitos em situação de vulnerabilidade socioeconômica, na busca de ampliação de oportunidades na vida cotidiana, que possibilitem maior participação social. A terapia ocupacional social, bem como outras subáreas e correntes da pro� ssão, assimilam práticas embasadas em uma perspectiva crítica às explicações exclusivamente de Para compreender exemplos de aplicação e possibilidades dos recursos apresentados, indicamos a leitura do seguinte artigo: LOPES, R. E. et al. Recursos e tecnologias em Terapia Ocupacional Social: ações com jovens pobres na cidade. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, [S. l.], v. 22, n. 3, 2014. Leia-o em https://www.cadernosdeto.ufscar.br/index.php/ cadernos/article/view/1114. 20WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ordem biomédica, buscando que as ações terapêutico-ocupacionais resultem em ações que visem a mudanças efetivas das realidades encontradas ( LOPES; BORBA; CAPPELLARO, 2011; LOPES et al., 2014; MALFITANO, 2016). CONSIDERAÇÕES FINAIS As possibilidades de abordagem apresentadas deixam evidente a preocupação que a Terapia Ocupacional social tem em considerar as dimensões sociais quando se dedica a intervir na vida, isto é, no cotidiano dos sujeitos, para que seja possível uma ação mais próxima das verdadeiras necessidades de que as pessoas em vulnerabilidade social necessitam. Os elementos enfatizados centralizam a importância das relações sociais, além do fortalecimento dos vínculos, seja no processo terapêutico-ocupacional, seja na dinâmica da vida social. Para que isso seja efetivado, torna-se essencial considerar o contexto micro e macrossocial ao qual os sujeitos pertencem. É a partir daí que se observa o desa� o da prática nesse contexto. 2121WWW.UNINGA.BR UNIDADE 03 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................ 22 1. POLÍTICAS SOCIAIS E TERAPIA OCUPACIONAL ............................................................................................... 23 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................................ 29 POLÍTICAS, DIREITOS SOCIAIS E TERAPIA OCUPACIONAL PROF.A MA. LETÍCIA ANDRIOLLI BORTOLAI ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: TERAPIA OCUPACIONAL E CONTEXTO SOCIAL 22WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Considerando que o objetivo central da terapia ocupacional é intervir nos contextos ocupacionais do sujeito a � m de promover inserção e participação social, a preocupação da terapia ocupacional social é efetivar esse processo por meio das políticas e programas sociais, viabilizando as possibilidades de escolhas das pessoas em situação de desfavorecimento social. Para isso, deve atuar de forma interdisciplinar e intersetorial, utilizando-se de diferentes referenciais sociais. Assim, torna-se indispensável aprofundar a discussão acerca das questões sociais, sua relação com as políticas sociais, a identi� cação de determinantes para o processo de pobreza e exclusão social, aliados às possibilidades de minimização das complexas situações que são vivenciadas. 23WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1. POLÍTICAS SOCIAIS E TERAPIA OCUPACIONAL Para se pensar na temática da área social dentro da terapia ocupacional, é imprescindívelassociar às mudanças políticas vivenciadas no País, como vimos anteriormente com a breve retomada histórica. Mediante a implementação do Estado de bem-estar social no cenário brasileiro, foi possível acompanhar uma expansão das políticas sociais como direito de cidadania e dever do Estado. Assim, é inevitável a vinculação desse cenário com o contexto das transformações do regime político vigente (até então regido pelo militarismo), além da organização societária do País (COSTA, 2016). Insere-se na agenda política a questão da desigualdade social e da pobreza como problemáticas do Estado e, por meio da implementação da Constituição Federal de 1988, as temáticas de inclusão social e direitos sociais se tornam marcos importantes desse cenário. A inclusão da previdência, da saúde e da assistência como o tripé da seguridade social introduziu a noção de direitos sociais universais como parte da condição de cidadania, antes restrita apenas aos bene� ciários da Previdência Social (COSTA, 2016). Vamos evidenciar duas das políticas que compõem o tripé da seguridade social – saúde e assistência social – e a inserção do terapeuta ocupacional nessa conjuntura de expansão das políticas sociais. A ampliação da atuação da terapia ocupacional na área social acompanha as novas demandas geradas por programas e serviços sociais, decorrentes especialmente da política de saúde, que consolida, em 1990, o Sistema Único de Saúde – SUS –, regulamentado pela Lei Orgânica da Saúde (LOS) e, posteriormente, do Sistema Único de Assistência Social – SUAS –, implantado em 2003 e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Na segunda metade dos anos 1990, com a expansão das políticas públicas e dos programas sociais e diante da complexidade dos problemas brasileiros, abrem- se novos espaços de atuação interdisciplinar para os pro� ssionais vinculados às áreas sociais, como os da terapia ocupacional, que se encontra em um momento fértil e desa� ador na consolidação de estratégias epistêmicas e metodológicas que possam contribuir com ações dirigidas a uma parcela signi� cativa da população destituída dos direitos sociais básicos (COSTA, 2016, p. 246). Nesse contexto, a intervenção da terapia ocupacional tem se expandido tanto na área da saúde, com a oferta de um maior número de vagas na rede pública de saúde, quanto nas áreas da assistência social e da defesa social, com a atuação nos CRAS, nos Centros de Referência O Estado de bem-estar social, ou Welfare State (doravante, WS), é um fenômeno que emerge nos países industrializados, no século XX, se consolida no pós- guerra e, mais tardiamente, nos países em desenvolvimento. Tendo como foco a provisão de serviços sociais como um direito assegurado pelo Estado a camadas expressivas da população, ele cobre as mais variadas formas de risco da vida individual e coletiva. O WS atua como mecanismo particular de compensação às forças das desigualdades resultantes do sistema capitalista por meio da instituição do sistema de direitos e políticas sociais, no sentido de evitar confl ito e disruptura do tecido social (COSTA, 2016). 24WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Especializados de Assistência Social (CREAS) e nos Centros Socioeducativos (COSTA, 2016). Essa nova possibilidade de prática da terapia ocupacional mantém o foco de intervenção na relação do sujeito com o fazer ou com os vínculos ocupacionais. Porém, a compreensão sobre as interrupções de práticas cotidianas, decorrentes da vivência da exclusão social, só se torna possível a partir do entendimento das relações e estruturas sociais nas quais o sujeito se insere. Considerando que a condição de exclusão restringe as ações mais recorrentes do cotidiano das pessoas, para que o terapeuta ocupacional atue como mediador de vínculos ocupacionais entre os sujeitos e seu cotidiano, deve-se intervir necessariamente corroborando com o acesso a bens e serviços por meio de políticas e programas sociais. Ou seja, deve-se contribuir com a ampliação do leque de oportunidades e escolhas das pessoas que se encontram em situação de exclusão ou vulnerabilidade social. Ainda, mobilizar desejos e interesses que possam sustentar a construção de projetos pessoais a partir da garantia mínima de acesso a políticas sociais, promovendo padrões de cidadania capazes de reverter a situação de desvantagem desses indivíduos (COSTA, 2016). O que é cidadania? Em um conceito mais amplo, cidadania quer dizer a qualidade de ser cidadão e, consequentemente, sujeito de direitos e deveres. Assim, vincula-se intimamente à ideia de direitos individuais e pertença a uma comunidade particular. As políticas sociais confi guram-se como uma resposta do Estado à demanda de enfrentamento das questões sociais dentro de um determinado período histórico. Reconhecer as demandas sociais e a necessidade, bem como responsabilidade, de intervenção estatal sobre estas, é condição mínima para dialogar sobre esse tema. Para que haja uma ampliação das políticas sociais, são necessárias inovações sociopolíticas: mudanças na forma de gerar, fi nanciar e distribuir as prestações de serviços sociais, conciliando as exigências admitidas e as necessidades da sociedade. As políticas sociais devem apresentar diretrizes nacionais para o encaminhamento e enfrentamento de problemáticas sociais, criando mecanismos para operacionalização de direitos nas diversas áreas, cumprindo seu objetivo de desenvolvimento da cidadania social, tendo como base a Constituição Federal. O investimento nas políticas sociais pode ter um caráter preventivo – minimização dos problemas sociais graves; compensatório – amortecimento de problemas sociais; ou distributivo – transferência de renda para a população à margem do sistema. Todas as áreas são necessárias, mas os critérios de prioridade são defi nidos segundo os princípios do governo vigente (LOPES; MALFITANO, 2007). 25WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Portanto, a área social da terapia ocupacional está intimamente vinculada à capacidade de cobertura das políticas sociais, o que justi� ca uma discussão mais aprofundada acerca do fenômeno da pobreza e exclusão social, bem como do seu enfrentamento por meio da garantia dos direitos sociais básicos. Tradicionalmente, a atuação da terapia ocupacional tem centralizado sua prática vinculada às concepções individualizantes, com grande enfoque nas questões biológicas e/ou psicológicas, que tendem a restringir as questões de forma individual. Nesse sentido, tem-se sustentado a� rmações sobre a sociedade, apoiando-se no pressuposto de que o indivíduo é o centralizador e responsável pelos seus interesses e condutas e, dessa forma, cada um faz escolhas independentemente das construções sociais, hábitos e questões externas (COSTA, 2016). Porém, na questão da desigualdade e vulnerabilidade social, é evidente que a condição de pobreza e marginalidade é vivenciada no âmbito individual e familiar, contudo, sua explicação e seu possível enfrentamento não devem ser restritos ao âmbito pessoal e individual. Essa inversão de paradigma é desa� ante dentro da prática pro� ssional uma vez que se almeja intervir no âmbito pessoal sem negligenciar estratégias e metodologias que também atuem nas relações e estruturas sociais. Isso signi� ca que condutas isoladas e reduzidas à perspectiva do indivíduo, ou de um único programa ou de uma única política, tendem a negligenciar a multiplicidade dos fatores que impactam na condição de vulnerabilidade e exclusão social (COSTA, 2016). Nesse sentido, é de fundamental importância apreender o fenômeno no qual se propõe intervir para que o terapeuta ocupacional, ou qualquer outro pro� ssional da área, não incorra no erro iminente de transferir o problema da pobreza e miséria social à esfera individual (COSTA, 2016). Umadas principais referências teóricas para compreender a questão da exclusão social, sob perspectiva da terapia ocupacional social, baseia-se nos fundamentos de Castel (1994), que considera os eixos que abrangem os principais contextos de vida. Ao descrever a denominada “questão social”, o autor analisa os tipos de inserções sociais que são possíveis dentro do atual sistema, considerando a organização e a vida social. Refere sobre a importância das redes sociais de suporte, consideradas elementos que integram o processo social. Assim, de� ne “zonas” para a caracterização do espaço social, nas quais os indivíduos circulam entre elas, tendo dois componentes centrais que in� uenciam no pertencimento, ou não, a determinados espaços e que são fundamentais, portanto, para as condições e as possibilidades de vida: o eixo da relação de trabalho (do emprego estável à ausência completa de trabalho) e o eixo da inserção relacional (entre a inscrição nas redes sólidas de sociabilidade e o isolamento social) (CASTEL, 1994). A primeira delas é a zona de integração, de� nida pelo acesso a um trabalho estável conjuntamente a suportes relacionais sólidos; em seguida, apresenta a zona de vulnerabilidade, que, por sua vez, conjuga trabalho precário ou instável e/ou fragilidade nas relações; e, por último, a zona de des� liação, a qual agrega a ausência de trabalho e o isolamento social, caracterizando uma dupla ruptura e que tem como consequência o desenraizamento social (CASTEL, 1994). Ao transitar entre elas, existe o processo decrescente, que vai da integração à des� liação, passando pela situação de vulnerabilidade, assim como pode acontecer inversamente. Para isso, é necessário estabelecer formas de inserção como uma estratégia de refazer esse caminho, reconstruindo apoios relacionais e ocupacionais, para modi� car a situação de exclusão daqueles que se des� liaram. Descreve ainda uma quarta zona, a zona de assistência, relacionada aos serviços historicamente direcionados à manutenção da coesão social (CASTEL, 1997). Em linhas gerais, Castel discorre sobre a organização da sociedade e sobre a existência de uma fragilização social que atinge as possibilidades nos eixos de trabalho e de relações sociais e que tem levado muitos sujeitos a uma situação de vulnerabilidade. 26WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Figura 1 - Zonas e eixos do espaço social. Fonte: A autora. O que são redes sociais de suporte? As redes são compreendidas como um conjunto de relações em que os sujeitos constituem os nós, abrangendo as suas relações formais e informais. As redes informais são caracterizadas pelo conjunto de interações espontâneas que surgem em determinado contexto, sejam elas compostas por familiares, amigos, vizinhos, dentre outros. Já as redes formais são aquelas que se interconectam com as políticas e os serviços sociais, com a participação das unidades de saúde, das escolas e dos serviços da assistência social, entre outros exemplos. As redes sociais se expressam como um conjunto de pessoas e organizações que se relacionam para responder demandas e necessidades sociais de maneira integrada, respeitando o saber e a autonomia de cada sujeito. A rede como uma realidade social pode ainda criar conhecimentos próprios e, nessa perspectiva, a rede não é apenas a construção de uma realidade de vínculos, como também uma maneira de analisar e entender a realidade social. 27WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Seguindo nessa perspectiva, é possível compreender o processo de exclusão social a partir de, ao menos, três pressupostos, que são essenciais para a terapia ocupacional social (COSTA, 2016). Assim, a exclusão social: - é um fenômeno multifatorial e multidimensional, vinculado aos aspectos micro e macrossociais, que não pode ser explicado por atributos individuais apesar de re� etir diretamente na construção das subjetividades dos indivíduos; - engloba a pobreza, porém, não se restringe aos bens materiais ou às questões econômico- ocupacionais, pois se encontra vinculada também à impossibilidade ou di� culdade de acesso aos mecanismos de inserção sociocomunitária e aos sistemas de proteção; - está associada a falhas dos mecanismos de coesão social, à ruptura de laços ou princípios de integração, que resultam em experiências de isolamento, abalo do sentimento de pertencimento social, anomia, crise de vínculos e autoimagem negativa. Uma possível contribuição da terapia ocupacional para esse contexto é identi� car e potencializar interesses e habilidades pessoais e, simultaneamente, apresentar novas possibilidades que ampliem e diversi� quem não apenas o repertório das práticas que compõem o cotidiano desses sujeitos, mas a construção de novos vínculos e papéis sociais, tendo em vista que o acesso ou a restrição às atividades cotidianas – lazer, educação, trabalho, comunitárias, religiosas etc. – estão diretamente associados ao potencial de trocas de informações e recursos que oportunizam escolhas e projetos de vida. Assim, a terapia ocupacional deve atuar necessariamente de forma interdisciplinar e intersetorial, lançando mão das políticas e programas sociais existentes, tais como educação, assistência social, saúde, segurança alimentar, programas de transferência de renda, habitação, cultura e lazer, trabalho, para efetivamente viabilizar a ampliação de oportunidades e escolhas das pessoas que se encontram em tal situação (COSTA, 2016). O fi lme Quando Tudo Começa, de 1999, retrata a história de Daniel Lefebvre, professor e diretor de uma escola pública da pequena cidade de Hernaing, na França, em 1998. A cidade sofre com o fechamento das minas de carvão e enfrenta uma taxa alarmante de 34% de desemprego. Os professores são aconselhados a não se envolverem com os problemas crônicos da comunidade, mas é impossível para Daniel permanecer imune à miséria, à falta de assistentes sociais, à indiferença do governo e aos sérios problemas domésticos que suas crianças enfrentam. Quando Tudo Começa traz muito mais do que uma denúncia, conclama à ação. A indignação do professor Daniel se apresenta como um vigoroso protesto contra as políticas sociais implantadas na França, em plena vigência do “neoliberalismo”. 28WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A seguir, apresentamos indicações de leitura para que você possa compreender a atuação da terapia ocupacional em diferentes setores do contexto social. - SETOR DA SAÚDE MALFITANO, A. P. S.; LOPES, R. E. Programa de Saúde da Família e agentes comunitários: demandas para além da saúde básica. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 14, n. 3, p. 110-117, 2003. LOPES, R. E. et al. Educação e Saúde: Territórios de Responsabilidade, Comunidade e Demandas Sociais. Revista Brasileira de Educação Médica (Impresso), v. 36, p. 18-26, 2012. - SETOR DA ASSISTÊNCIA SOCIAL LOPES, R. E.; BORBA, P. L. O.; REIS, T. A. M. Um olhar sobre as trajetórias, percursos e histórias de mulheres em situação de rua. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, São Carlos, v. 11, n.1, p. 38-53, 2003. BARROS, D. D.; LOPES, R. E., GALHEIGO, S. M. Novos espaços, novos sujeitos: a terapia ocupacional no trabalho territorial e comunitário. CAVALCANTI, A., GALVÃO, C. (Orgs.). Terapia Ocupacional: fundamentação e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007, p.354-363. - SETOR DA PREVIDÊNCIA SOCIAL REGALDA, M. M.; LOPES, R. E. A atuação dos terapeutas ocupacionais no Instituto Nacional do Seguro Social. In: SIMONELLI, A. P.; RODRIGUES, D. S. (Org.). Saúde e trabalho em debate: velhas questões, novas perspectivas. Brasília: Paralelo 15, 2013. GHIRARDI, M. I. G. Terapia Ocupacional em processos econômico-sociais. Cad. Ter. Ocup. da UFSCar,v. 20, p. 17-20, 2012. - SETOR DA EDUCAÇÃO LOPES, R. E., SILVA, C. R. O campo da educação e demandas para terapia ocupacional no Brasil. Rev. Ter. Ocup. Univ. São Paulo, v. 18, n. 3, p. 158-164, set./ dez. 2007. 29WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir das re� exões aqui apresentadas no que se refere à expansão das políticas e programas sociais no País e à possibilidade de a terapia ocupacional contribuir com a área social, a atuação do pro� ssional deve ser constantemente tensionada pelas múltiplas dimensões que envolvem o fenômeno da pobreza e exclusão social. As contribuições do terapeuta ocupacional na área devem possibilitar ações que envolvem tanto a dimensão pessoal, subjetiva e dos vínculos sociais, quanto as problemáticas estruturais, enaltecendo o diálogo entre os elementos micro e macrossociais, que impactam na relação do sujeito com suas atividades cotidianas. As práticas devem, dentro das possibilidades, contemplar a complexidade dos sujeitos para que a intervenção seja transformadora, ampli� cada e dialogue com a garantia dos direitos sociais. 3030WWW.UNINGA.BR UNIDADE 04 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................ 31 1. CONTEXTO SOCIAL E TERAPIA OCUPACIONAL SOCIAL: O QUE OS DIFERENCIA? ...................................... 32 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................................ 35 AÇÃO PROFISSIONAL, CONTEXTO ATUAL E DESAFIOS DO CAMPO SOCIAL PROF.A MA. LETÍCIA ANDRIOLLI BORTOLAI ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: TERAPIA OCUPACIONAL E CONTEXTO SOCIAL 31WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Por � m, nesta unidade vamos trazer algumas re� exões e questionamentos que costumam ser recorrentes quando pensamos ou atuamos enquanto terapeutas ocupacionais no campo social. Nas unidades anteriores, ressaltamos por diversas vezes a complexidade do campo, da problemática e direcionamos a partir de quais caminhos podemos nos debruçar para a possível compreensão desse tema. Assim como as demais áreas de atuação da terapia ocupacional, o campo social também tem suas especi� cidades, e é a partir dele que concluiremos a disciplina. Vale ressaltar que a preocupação do contexto social deve estar presente em todas as práticas realizadas enquanto terapeuta ocupacional, pois ele compõe o contexto ocupacional dos sujeitos. 32WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1. CONTEXTO SOCIAL E TERAPIA OCUPACIONAL SOCIAL: O QUE OS DIFERENCIA? Quando falamos sobre atuação da terapia ocupacional no contexto social, é comum questionar se os aspectos sociais permeiam toda atuação da terapia ocupacional, independentemente do contexto e especialidade, ainda mais partindo da premissa de considerar o sujeito sob a ótica “biopsicossocial”. Assim, Mal� tano (2016) nos traz uma re� exão acerca da seguinte questão: “O social é parte de toda terapia ocupacional? Há razão para se falar sobre uma área de atuação social, ou seja, de terapia ocupacional social?” Partindo dessa re� exão, a autora nos coloca duas perspectivas distintas acerca do questionamento, quais sejam: - a discussão do contexto social como elemento presente em toda ação no âmbito da terapia ocupacional, independentemente do grupo populacional ou da subárea/especi� cidade que esteja abordando, visto que o contexto social de vida dos sujeitos é elemento inerente ao trabalho da terapia ocupacional - as especi� cidades da terapia ocupacional social como uma subárea/especi� cidade da pro� ssão, que se caracteriza pela sua abordagem teórica e metodológica, junto a sujeitos, grupos e coletivos especí� cos. Na primeira ideia, ao considerarmos a concepção de que a principal premissa do terapeuta ocupacional na sociedade é intervir nas áreas de “saúde, educação e na esfera social, reunindo tecnologias orientadas para a emancipação e autonomia de pessoas que, por razões ligadas à problemática especí� ca, físicas, sensoriais, mentais, psicológicas e/ou sociais apresentam temporária ou de� nitivamente di� culdade da inserção e participação na vida social”, torna-se necessário re� etir sobre o contexto no qual as pessoas vivem, bem como suas dimensões históricas e sociais (MALFITANO, 2016). O contexto social deve ser central na conduta terapêutico-ocupacional, buscando estratégias para inserção e participação sociais, sem desconsiderar todos os limites estruturais que estão presentes na busca por esse processo. Assim, para além da aplicação de técnicas especí� cas em diferentes subáreas (reabilitação física, saúde mental, saúde do trabalhador, pediatria etc.), independentemente das problemáticas que acometam os diferentes sujeitos, o terapeuta ocupacional deve dedicar-se, prioritariamente, ao desenvolvimento de ações que possibilitem/facilitem/criem formas de inserção e participação na vida social. Comprometer-se com o enfrentamento da desigualdade social é imprescindível, pois, como terapeuta ocupacional, será via políticas públicas, isto é, pela inserção dos serviços de políticas sociais, que executará seu trabalho no cotidiano de vida das pessoas. Ressalte-se que, prioritariamente, o campo pro� ssional é voltado a grupos que apresentam di� culdades para sua inserção social (MALFITANO, 2016). Por isso, defende-se que não se deve realizar uma atenção individualizada, restrita à aplicação de técnicas ou abordagens particularizadas. O principal objetivo é ultrapassar os limites do sujeito individual, sem desconsiderar a individualidade de cada pessoa, e quali� car o contexto social como indissociável à prática pro� ssional. A ação focada no indivíduo não é su� ciente para que alcance o propósito de sua ação: a inserção e participação sociais. Para que se alcance tal proposta, é essencial a inclusão de uma dimensão coletiva que perpasse a associação entre as dimensões micro e macrossocial, entre uma análise técnica e política do local, do grupo populacional, da comunidade e dos sujeitos com quem atua. O trabalho requer, nessa perspectiva, que se conciliem e se conectem, de forma desa� adora, as necessidades individuais, coletivas e institucionais (MALFITANO, 2016). 33WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Sob esta perspectiva, portanto, lidar com o contexto social deveria ser central para o trabalho em toda a área de terapia ocupacional. Por exemplo, pensando nos grupos populacionais mais tradicionais de trabalho do terapeuta ocupacional, como as pessoas com de� ciência e aquelas com transtorno mental, são quesitos fundamentais para o trabalho terapêutico-ocupacional a consideração do contexto social e a busca de estratégias para a inserção social daquele(s) sujeito(s), grupos e coletivos (MALFITANO, 2016, p. 221). Nesse sentido, independentemente do contexto e/ou área que se propõe a atuar, lidar com o contexto social signi� ca relacionar demandas intersetoriais e interdisciplinares presentes na vida social dos sujeitos. Conclui-se, então, que o contexto social é um ponto geral para a atuação do terapeuta ocupacional como um todo. Esse ponto perpassa as diferentes subáreas de atuação e sujeitos de intervenção, e é somente a partir do contexto social que se pode abordar a inserção e participação social de diferentes sujeitos, individuais e coletivos (MALFITANO, 2016). Seguindo a discussão, voltando-se para a perspectiva da terapia ocupacional social em sua especi� cidade, temos que a referida atuação está voltada ao desenvolvimento de ações pela busca de emancipaçãoe autonomia dos sujeitos que têm impedimentos e/ou di� culdades socioeconômicas para o acesso aos seus direitos sociais. Trata-se de colocar em foco os sujeitos, individuais e coletivos, a partir de sua posição social, sua condição de vida marcada pela questão socioeconômica (MALFITANO, 2016). Assim, a proposta é intervir por meio dos cotidianos dos sujeitos para criar estratégias conjuntas de ampliação de oportunidades, em contextos marcados pela desigualdade social, entre eles, a população em situação de rua, os adolescentes em con� ito com a lei, os presidiários, a infância e juventude pobres, a velhice pobre e o asilamento, as formas alternativas de geração de renda, as ações comunitárias em periferias urbanas, pessoas que fazem uso prejudicial de drogas, os migrantes e os imigrantes, entre outros grupos, caracterizam-se como seus grupos populacionais. Pretende-se reconhecer as múltiplas formas de integração social, inclusive as marginais e ilegais, e mediar o processo, quase sempre con� itivo, de acesso a alguns bens sociais e às possibilidades de participação autônoma na vida social. É preciso lembrar que não é papel do O vídeo a seguir apresenta princípios da Terapia Ocupacional no contexto social. Veja em https://www.youtube.com/ watch?v=rwrX2d83vbU. O Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional – COFFITO –, a partir da Resolução n° 406, de 7 de novembro de 2011, reconhece a atividade do Terapeuta Ocupacional no exercício da Especialidade Profi ssional Terapia Ocupacional nos Contextos Sociais e, a partir dela, defi ne o domínio das suas áreas de competência, bem como sua atribuição nas diferentes funções. 34WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA terapeuta ocupacional o julgamento das “opções” de vida dos sujeitos. Lembremo-nos de que, considerando as possibilidades do sistema que encontramos hoje, na maioria das vezes não se trata de uma opção verdadeiramente dita, mas, sim, de um único caminho compreendido como possível dentro daquele contexto histórico-social que é vivenciado (MALFITANO, 2016). Defender a terapia ocupacional social como um campo no interior da terapia ocupacional signi� ca dizer que há uma especialidade própria, com ações que visam à inserção social de sujeitos que tenham como questão central os fatores socioeconômicos que impedem e/ou di� cultam sua participação e inserção sociais. O trabalho requer do pro� ssional o desenvolvimento de tecnologias de cuidado próprias voltadas à dimensão social da vida. Para tanto, faz-se necessário o diálogo predominante com as ciências humanas e sociais. Isso porque os aportes advindos do campo da saúde são insu� cientes (quando não inadequados) para a constituição de um referencial teórico-metodológico que foque centralmente na dimensão social (MALFITANO, 2016). Na multiplicidade de abordagens teórico-metodológicas que a terapia ocupacional social vem implementando, assim nomeada no Brasil, destacamos dois elementos de princípio para o trabalho e dois direcionamentos da atuação pro� ssional que compõem esse mosaico. São eles: a perspectiva coletiva de apreensão da realidade dos grupos populacionais e a articulação entre o micro e o macrossocial, que são relacionados. E, de forma mais direcionada à prática pro� ssional, o cotidiano e a promoção de espaços de convivência, como já apresentado nas unidades anteriores. Podemos a� rmar que a terapia ocupacional social parte do contexto social, que se refere a um elemento geral para toda a terapia ocupacional e, como subárea, traça a elaboração de sua especi� cidade. Sua ação desenvolve-se, portanto, em dois eixos: a) como referencial teórico e metodológico de análise e ação, tendo a vida social como centro, a partir da discussão do contexto social, para todas as áreas de atuação pro� ssional que visam à centralidade na vida social; b) como execução de ações sociais especí� cas, que são efetivadas para além do setor de saúde (MALFITANO, 2016). Sua especi� cidade relaciona-se à atuação com grupos populacionais que têm a questão sócio-econômica como central, utiliza uma metodologia direcionada a esse � m, implementa ações embasadas em referenciais das ciências humanas e sociais e opera em diferentes núcleos das políticas sociais (governamentais e não governamentais): na assistência social, na educação, na cultura, na justiça e, a depender da abordagem, na saúde. Por meio da inseparabilidade entre macro e microestrutura, traça ações individuais e coletivas que busquem agir na mediação de situações que possam promover mais participação e inserção sociais para aqueles em situação de desigualdade social. Para compreender melhor a discussão que está sendo apresentada, sugerimos a leitura do seguinte capítulo: MALFITANO, A. P. S. Contexto social e atuação social: generalizações e especifi cidades na terapia ocupacional. In: LOPES, R. E.; MALFITANO. A. P. S. (Org.). Terapia Ocupacional Social: desenhos teóricos e contornos práticos. São Carlos: EDUFSCar, 2016, p. 117-134. 35WWW.UNINGA.BR TE RA PI A OC UP AC IO NA L E CO NT EX TO S OC IA L| U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade, apresentamos breves apontamentos acerca da terapia ocupacional social, partindo de sua fundamentação histórica e consolidação para, � nalmente, chegar às possibilidades de atuação, embasados por referenciais teórico-metodológicos que lhe são próprios, distanciando- se daquilo que costumamos conhecer das abordagens tradicionais da pro� ssão uma vez que grande parte das suas concepções parte das Ciências Humanas e Sociais. A re� exão crítica e contínua acerca do processo de trabalho é constante e defendida quando pensamos em terapia ocupacional social, tomando como pressuposto as dimensões técnica, ética e política. A terapia ocupacional social contribui com a crítica aos fenômenos contemporâneos, que ampliam situações de exclusão e vulnerabilidade social, e delimita ações especí� cas para o campo social, com metodologias próprias, na composição de um campo interdisciplinar, intersetorial e de interfaces, objetivando ações que viabilizem a inserção e participação sociais, considerando os limites estruturais da sociedade desigual em que vivemos. Por � m, o ensino e a formação pro� ssional dos futuros terapeutas ocupacionais devem se adaptar à responsabilidade social presente no dia a dia da atuação. O desa� o de formar pro� ssionais capacitados para a intervenção no social deve ser incansável, sempre considerando a necessidade de abrir espaços para a construção de uma perspectiva crítica da realidade atual, dentro dos mais variados campos, considerando as verdadeiras necessidades dos sujeitos com quem nos disponibilizamos a atuar. Como podemos sintetizar as premissas da terapia ocupacional social? A terapia ocupacional social deve buscar, efetivamente, recursos para a ação que visem à inserção e participação sociais, considerando sempre os limites estruturais da sociedade desigual em que vivemos. 36WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA REFERÊNCIAS BARROS, D. D.; GHIRARDI, M. I. G.; LOPES, R. E. Terapia ocupacional social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 13, n. 3, 2002. BARROS, D. D.; LOPES, R. E.; GALHEIGO, S. M. Terapia Ocupacional Social: concepções e perspectivas. In: CAVALCANTI, A.; GALVÃO, C. R. C. Terapia Ocupacional: Fundamentação & Prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. CASTEL, R. A dinâmica dos processos de marginalização: da vulnerabilidade à des� liação. Caderno CRH: democracia, cidadania e pobreza, Salvador, n. 26/27, 1997. CASTEL, R. Da indigência à exclusão, a des� liação. Precariedade do trabalho e vulnerabilidade relacional. In: LANCETTI, A. (Org.). Saúde loucura. São Paulo: Hucitec, 1994. COSTA, L. A. A terapia ocupacional no contexto de expansão do sistema de proteção social. In: LOPES, R. E.; MALFITANO. A. P. S.(Org.). Terapia Ocupacional Social: desenhos teóricos e contornos práticos. São Carlos: EDUFSCar, 2016. LOPES, R. E. Cidadania, Direitos e Terapia Ocupacional Social. In: LOPES, R. E.; MALFITANO. A. P. S. (Org.). Terapia Ocupacional Social: desenhos teóricos e contornos práticos. São Carlos: EDUFSCar, 2016. LOPES, R. E. et al. Recursos e tecnologias em Terapia Ocupacional Social: ações com jovens pobres na cidade. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, São Carlos, v. 22, n. 3, p. 591- 602, 2014. LOPES, R. E.; BORBA, P. L. O.; CAPPELLARO, M. Acompanhamento individual e articulação de recursos em Terapia Ocupacional Social: compartilhando uma experiência. O Mundo da Saúde, São Paulo, v. 35, n. 2, 2011. LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. Políticas Sociais. In: PARK, M. B.; FERNANDES, R. S.; CARNICEL, A. (Org.). Palavras-chaves em educação não-formal. 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