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Como citar este material: FLORENTINO, Lucas Perez. Fundamentos da política nuclear global. Rio de Janeiro: 2023. Todos os direitos reservados. Textos, vídeos, sons, imagens, gráficos e demais componentes deste material são protegidos por direitos autorais e outros direitos de propriedade intelectual, de forma que é proibida a reprodução no todo ou em parte, sem a devida autorização. APRESENTAÇÃO: ORDEM NUCLEAR GLOBAL NO SÉCULO XXI A política nuclear continua mais relevante do que nunca. Desde fevereiro de 2022, quando a Rússia lançou uma ofensiva armada contra a Ucrânia, a possibilidade do uso tático de armas nucleares no teatro de batalha ou de um conflito de larga escala entre potências nuclearmente armadas elevou o risco de uma guerra nuclear a níveis que há muito não se viam. Antes disso, outros conflitos armados e tensões regionais recentes também tiveram uma dimensão nuclear. A Guerra do Iraque, um acontecimento com implicações significativas para a configuração da ordem internacional neste século, não pode ser pensada sem o elemento da proliferação nuclear diante dos argumentos lançados pelo governo dos Estados Unidos para a incursão em 2003. Por sua vez, os programas nucleares do Irã e da Coreia do Norte tornaram mais agudas as disputas geopolíticas regionais ao longo das décadas e dominaram as pautas diplomáticas de grandes e médias potências e o trabalho de instituições internacionais, como a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), desde os anos 2000. Por fim, da Europa ao Extremo Oriente, do Sul Asiático ao Oriente Médio, o acirramento recente de tensões geopolíticas entre as grandes potências, as alianças militares e os Estados nuclearmente armados deixam a questão nuclear ainda mais saliente. A relevância contemporânea da política nuclear global não se encerra, no entanto, nas armas nucleares e nos desdobramentos relacionados à sua posse. A energia e a tecnologia nucleares operam em uma interseção: de um lado, seguem sendo usadas para fins militares e, de outro, servem a propósitos pacíficos na medicina, na agricultura, na produção de energia, etc. Essa dualidade situa a política nuclear na interseção entre ciência, tecnologia, economia, segurança, saúde, meio ambiente, organizações internacionais, política interna e diplomacia. A mineração de urânio, necessária para a obtenção da matéria-prima de usinas e armas nucleares, carrega um histórico de impacto ao meio ambiente e à saúde de trabalhadores e populações locais, modificando dinâmicas socioeconômicas e culturais no nível local. O enriquecimento do urânio, por sua vez, continua sendo foco de disputa entre Estados nacionais e organizações internacionais: enriquecer é direito ou risco? Ao final do ciclo, a problemática dos rejeitos altamente radioativos segue, no século XXI, sem solução definitiva, sendo pauta, ao mesmo tempo, nas discussões sobre a segurança dos usos pacíficos da energia nuclear e os seus impactos ambientais e sobre os riscos que o reaproveitamento de combustíveis usados pode gerar para a não proliferação. Acidentes e vulnerabilidades operacionais de usinas – e as suas consequências para o entorno – seguem sendo elementos centrais nas discussões políticas sobre como será o futuro da energia nuclear. Neste século, por exemplo, o acidente ocorrido em 2011 em Fukushima, no Japão, evidenciou os elevados e desiguais custos para a saúde humana, o meio ambiente e o modo de vida de famílias e comunidades locais. Além disso, em 2022 e 2023, o mundo permanece em alerta para os riscos de um ataque à infraestrutura crítica da usina nuclear de Zaporizhzhia, a maior da Europa. Enquanto isso, a energia nuclear é protagonista de disputas políticas em torno das melhores soluções para a crise climática – um dos principais desafios do nosso século. No âmbito da governança global, a questão nuclear segue em transformação, ampliando os seus desafios. Por um lado, o Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares (TNP) e a AIEA seguem sendo os pilares da ordem nuclear global no século XXI. Por outro, os seus desafios e disputas continuam a aumentar. Em meio a divisões internas, o TNP chega aos dias atuais com o seu processo de revisão periódica fragilizado. Em resposta a anos de paralisia nas iniciativas de desarmamento multilateral no âmbito desse tratado e também na Conferência de Desarmamento das Nações Unidas (CD), grupos de países não nuclearmente armados e da sociedade civil organizada ampliaram a contestação e a estigmatização à posse das armas nucleares e encamparam uma agenda em prol de justiça, em um esforço amplo para a aprovação do Tratado de Proibição de Armas Nucleares (TPAN), em 2017, o primeiro tratado internacional multilateral para a proibição das armas nucleares de forma abrangente. Por meio de uma articulação de Estados, movimentos sociais e organizações da sociedade civil, o TPAN não só reintroduziu o elemento do desarmamento na pauta da governança nuclear global mas também reascendeu o debate sobre o papel do movimento antinuclear neste século e reforçou a importância de se olhar a política nuclear em interseção com as discussões sobre desigualdades econômicas, gênero, racismo e colonialismo. Na agenda de não proliferação, por sua vez, persistem divergências entre a AIEA e alguns Estados quanto à adoção de medidas de verificação e inspeção mais robustas a instalações e equipamentos nucleares, notadamente nos debates sobre a adoção do Protocolo Adicional e, mais recentemente, sobre os procedimentos de salvaguardas para submarinos à propulsão nuclear em países não nuclearmente armados, como o caso do Brasil e da Austrália, este último desenvolvido na parceria estratégica com os Estados Unidos e o Reino Unido, anunciada em 2021, para fazer frente à China na Oceania. Nos usos pacíficos, a governança global nuclear defronta-se com limites na construção de parâmetros de segurança comuns, ao mesmo tempo em que procura fomentar a cooperação técnica em aplicações nucleares para o desenvolvimento no Sul Global, expandir a produção de energia a partir de fontes nucleares e garantir a gestão de acidentes e de riscos. Estrutura e objetivos do curso Diante desse contexto, este curso visa apresentar os principais fundamentos da política nuclear global contemporânea, isto é, introduzir conceitos e argumentos básicos para a reflexão e a análise sistemática por parte do estudante. O foco do curso é a “ordem nuclear” (Biswas, 2014) tal como ela existe atualmente. Sendo assim, nas primeiras partes, exploraremos expressões do “desejo nuclear” (Biswas, 2014) característico dessa ordem, isto é, uma espécie de fascínio que impele Estados, organizações, líderes e comunidades a dominarem a fissão do átomo como um recurso de poder, seja com fins militares, seja com fins pacíficos. O módulo 1 apresenta o conceito da dissuasão nuclear e os seus usos, discutindo também as suas principais limitações. O módulo 2 mapeia as principais explicações e interpretações para a proliferação nuclear e, de forma mais ampla, a nuclearização de alguns países no sistema internacional. O módulo 3 centra a atenção na política do ciclo do combustível nuclear. Desde meados do século XX, os riscos associados à fissão do átomo, tais como a guerra nuclear e a contaminação radioativa, fizerem emergir mecanismos globais para gerenciar o uso da energia nuclear, sem necessariamente eliminá-lo. Essa ordem conta, de um lado, com instrumentos legais e institucionais para evitar a disseminação de armas nucleares, ou seja, para impedir que esses artefatos proliferem para outros Estados não nuclearmente armados. De outro, a ordem busca marcos regulatórios e políticas públicas globais que garantam o uso minimamente seguro da energia nuclear para finalidades pacíficas. O desarmamento nuclear, no entanto, segue ainda com posição marginal nessa “ordem” em que o fascínionuclear permanece intacto. O módulo 4 explora, assim, a governança global da não proliferação e dos usos pacíficos da energia nuclear, apresentando os seus principais instrumentos legais, normas, regras, procedimentos, instituições e desafios atuais. Este curso apresenta também um módulo especial complementar sobre desarmamento nuclear, disponível na seção Pacote de Ensino em Política Nuclear Global, no site da Escola de Relações Internacionais da FGV, em que você poderá aprender mais a respeito das perspectivas críticas sobre armas nucleares e governança do desarmamento. Nele, exploramos, portanto, as possibilidades de outro tipo de ordem nuclear, na qual o desejo nuclear é questionado diretamente. Este curso estimula a reflexão crítica e autônoma sobre a política nuclear global, tratando as questões de forma transdisciplinar, mas com ênfase particular nas abordagens da Ciência Política, das Relações Internacionais e outras Ciências Sociais. O curso é estruturado em torno de grandes questões da contemporaneidade – a dissuasão nuclear, a proliferação nuclear, a nuclearidade, a governança nuclear global – e, dessa forma, não se limitará a apresentar as diferentes escolas de pensamento, correntes teóricas ou debates disciplinares. Este curso compõe uma extensa agenda conduzida pela Escola de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas para a promoção da pesquisa e do ensino em temas da política nuclear brasileira e global, incluindo atividades de capacitação em temas nucleares e a oferta de disciplinas no Brasil sobre política nuclear. O desenvolvimento e a oferta gratuita e on-line do curso Fundamentos da Política Nuclear Global desempenha um papel fundamental nessa trajetória ao permitir a ampliação exponencial do alcance do ensino e da capacitação acadêmica e profissional em temas da política nuclear. Agradeço ao professor Matias Spektor pela coordenação do projeto e pela revisão editorial do conteúdo da apostila e à pesquisadora associada Vitória Totti Salgado pelos comentários e sugestões a este texto. Agradecimentos também à assistente de projetos Rafaela Maia Carvalho pelo suporte operacional e, por fim, à equipe da FGV Online pela produção e disponibilização deste curso. Bons estudos! SUMÁRIO MÓDULO I – ARMAS NUCLEARES E DISSUASÃO NUCLEAR ............................................................... 9 DISSUASÃO NUCLEAR: O QUE É, COMO SURGE? ........................................................................ 10 FUNDAMENTOS DA DISSUASÃO NUCLEAR: CAPACIDADES ....................................................... 13 FUNDAMENTOS DA DISSUASÃO NUCLEAR: CREDIBILIDADE E COMUNICAÇÃO ..................... 15 DESDOBRAMENTOS E CRÍTICAS À TEORIA DA DISSUASÃO ........................................................ 17 Desdobramentos da teoria da dissuasão ............................................................................ 18 Críticas à teoria racional da dissuasão ................................................................................. 19 MÓDULO II – ARMAS NUCLEARES E PROLIFERAÇÃO NUCLEAR ...................................................... 23 DEMANDA: POR QUE ESTADOS DESEJAM PROLIFERAR? ............................................................ 24 Segurança ................................................................................................................................. 25 Política interna ......................................................................................................................... 26 Normas ...................................................................................................................................... 28 OFERTA: POR QUE ESTADOS CONSEGUEM PROLIFERAR? ......................................................... 29 ESTRATÉGIA: POR QUE ESTADOS OBJETIVAM PROLIFERAR? ...................................................... 32 LEITURAS SOCIOLÓGICAS: OS SIGNIFICADOS E AS VIOLÊNCIAS DA NUCLEARIZAÇÃO .......... 34 MÓDULO III – A POLÍTICA DO CICLO DO COMBUSTÍVEL NUCLEAR ............................................... 41 QUANDO PODEMOS DIZER QUE UM MATERIAL, PROCESSO OU TECNOLOGIA É “NUCLEAR”? . 43 MINERAÇÃO E BENEFICIAMENTO .................................................................................................. 46 CONVERSÃO E ENRIQUECIMENTO................................................................................................. 50 MATERIAIS FÍSSEIS, COMBUSTÍVEIS, REPROCESSAMENTO E REJEITOS ..................................... 57 MÓDULO IV – GOVERNAR A ORDEM NUCLEAR GLOBAL ................................................................. 61 ORIGENS HISTÓRICAS DA ORDEM: AIEA E TNP ............................................................................ 62 Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) ................................................................ 63 Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) ................................................... 65 GOVERNANDO A NÃO PROLIFERAÇÃO E OS USOS PACÍFICOS.................................................. 68 Os pilares do TNP .................................................................................................................... 68 AIEA: Desenho institucional .................................................................................................... 70 AIEA: Salvaguardas Nucleares ................................................................................................ 71 AIEA: cooperação técnica e “segurança” dos usos pacíficos .............................................. 76 DA ORDEM À JUSTIÇA (I): DA NÃO PROLIFERAÇÃO AO DESARMAMENTO ............................... 78 Uma ordem fraturada ............................................................................................................. 78 Justiça: desarmamento e equidade ....................................................................................... 83 DA ORDEM À JUSTIÇA (II): USOS PACÍFICOS “SEGUROS”? ........................................................... 85 Ordem: quando as agendas da governança nuclear colidem ................................................. 86 Justiça: a economia política da energia nuclear .................................................................. 88 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................ 91 PROFESSOR-AUTOR ........................................................................................................................... 105 LUCAS PEREZ FLORENTINO ......................................................................................................... 105 A guerra entre Ucrânia e Rússia recolocou as armas nucleares no discurso e na prática de líderes dos Estados com uma gravidade que há muito não se via. O conflito posicionou as duas principais forças nucleares do mundo – os Estados Unidos (e, sob a sua liderança, a Organização do Tratado do Atlântico Norte – Otan) e a Rússia – em rota de confronto, gerando uma crise de longa duração típica dos tempos da Guerra Fria. A partir de fevereiro de 2022, testemunhamos ameaças explícitas e implícitas ao uso de armas nucleares, promessas de retaliação ou proteção em caso de ataques nucleares, em meio a mobilizações de equipamentos, renovações de doutrinas militares e, em paralelo, algumas tentativas de acomodação. De maneira similar, tensões envolvendo o equilíbrio global de poder entre China e Estados Unidos são eventualmente moldadas pela presença das armas nucleares, principalmente na avaliação sobre o seu papel como recurso militar último para uma suposta “resolução” de confrontações em crescimento ou como artificio para a estabilização de tais disputas de modo a evitar um conflito entre potências nuclearmente armadas. Nos últimos anos, dinâmicas de tensão e distensão entre Estados Unidos e Coreiado Norte também foram amplamente afetadas pelas ameaças ao uso de armas nucleares e as demonstrações de poderio bélico nuclear. Dinâmicas similares estão presentes também nas relações entre Índia e Paquistão e entre China e Índia. A presença de um país nuclearmente armado em um conflito já expõe, por si só, o risco intencional ou acidental do real emprego de armas nucleares, seja com finalidades táticas pontuais, seja para reconfiguração de forças no quebra-cabeças das potências no nível regional ou global. E quando as tensões acabam por envolver, ainda que indiretamente, duas potências nuclearmente armadas em lados opostos, como ocorre na Guerra da Ucrânia, o eventual uso desses armamentos nos coloca diante também do risco exponencial de uma escalada rumo a uma guerra total que colocaria em xeque a existência como entendemos. MÓDULO I – ARMAS NUCLEARES E DISSUASÃO NUCLEAR 10 O que poderia orientar, em tese, ações envolvendo a ameaça do uso das armas nucelares? Existe alguma racionalidade por trás desse tipo de comportamento que lança mão da possibilidade de um apocalipse nuclear? A ameaça do uso das armas nucleares tem efeito estabilizador ou desestabilizador quanto à probabilidade de um conflito direto entre superpotências nuclearmente armadas? Quais são os limites dessa racionalidade e os riscos envolvidos nesse tipo de interação? Essas são algumas das questões que serão discutidas neste módulo a partir da ideia da dissuasão nuclear. Trata-se de um conceito controverso. Por um lado, é visto por alguns como um comportamento capaz de evitar conflitos em grande escala entre as superpotências nucleares. Por outro, é considerado uma prática que suscita preocupações sobre os riscos de acidentes, erros de cálculo ou escalada não intencional. Dissuasão nuclear: o que é, como surge? O que é dissuasão? A dissuasão compreende um comportamento estratégico que busca dissuadir a outra parte a agir de uma determinada maneira. Ela tem, portanto, um caráter preventivo, uma vez que busca evitar, impedir uma determinada ação pela outra parte. Ela é diferente da compellence, um mecanismo estratégico que também envolve algum tipo de barganha fundamentada na demonstração da força, mas que busca compelir um ator a tomar uma ação específica (Freedman, 2013, p. 163; Krause, 1999, p. 121). Em resumo, a dissuasão é uma estratégia que “[...] busca prevenir um comportamento indesejado ao convencer a parte que pode estar contemplando tal ação que os seus custos [da ação] excedem qualquer ganho possível” (Lebow, 2010, p. 393). A lógica da dissuasão “[...] pressupõe que decisões sejam feitas em resposta a algum tipo de cálculo racional de custo-benefício, que esse cálculo seja manipulado com sucesso de fora e que a melhor forma de fazer isso é aumentar o lado do custo” do dissuadido. Trata-se, em resumo, de uma estratégia baseada na sinalização ao adversário de que, ao seguir um curso de ação pretendido, os custos serão superiores aos possíveis ganhos (Lebow, 2010, p. 393). Esse desequilíbrio da relação custo-benefício em favor do primeiro pode ser traduzido de pelo menos duas formas. Na dissuasão por negação, a ameaça sinaliza ao ator a ser dissuadido que a sua ação não alcançará os ganhos esperados; e, na dissuasão por punição, o ator dissuasório sinaliza custos adicionais em resposta à ação do ator a ser dissuadido (Freedman, 2013, p. 159). E o que é dissuasão nuclear? A dissuasão nuclear é uma estratégia política e militar em que um país busca desencorajar os seus inimigos de atacarem, ameaçando utilizar armas nucleares em retaliação. Essa estratégia baseia-se na ideia de que a posse de armas nucleares cria um equilíbrio entre duas partes que podem causar danos devastadores uma na outra, mesmo quando uma tem capacidade de atacar a outra primeiro. Sendo assim, a dissuasão nuclear se apoia na crença de que a ameaça de uma resposta nuclear massiva é suficiente para impedir um ataque inimigo, uma vez que as consequências seriam catastróficas para ambas as partes envolvidas. Isso cria uma situação em que a possibilidade de um conflito nuclear levaria a resultados tão desastrosos que nenhuma das partes envolvidas estaria disposta a iniciar um ataque. 11 Teoria e estratégia caminharam conjuntamente ao longo da Guerra Fria, fazendo da dissuasão nuclear uma forma de se pensar e de se agir proeminente da Guerra Fria (Krause, 1999, p. 120; Lebow, 2010, p. 394) , período no qual os Estados Unidos e a União Soviética construíram enormes arsenais nucleares com base no entendimento de que tais meios poderiam proteger os seus interesses e desencorajar a agressão. Em paralelo, outros países também adotaram essa estratégia, criando uma espécie de “equilíbrio do terror” (Wohlstetter, 1959) em que a posse de armas nucleares era vista como um elemento de estabilidade geopolítica. Embora a dissuasão não seja uma estratégia restrita apenas a esse período, é nesse contexto histórico, marcado pela bipolaridade e pela presença crescente das armas nucleares, em que ela se desenvolve como um sistema de pensamento e ação. Vejamos como foi esse processo. O conceito de dissuasão foi desenvolvido, no âmbito acadêmico, por uma área do conhecimento conhecida como Estudos Estratégicos. O que são os Estudos Estratégicos, qual é o seu entendimento sobre a política do uso da força e como isso impactou o conceito de dissuasão (nuclear)? Os Estudos Estratégicos são uma abordagem “tradicionalista”, o que significa que a segurança internacional é traduzida em “termos político-militares”, isto é, nos elementos materiais relacionados ao uso da força e na figura do Estado como ente político da segurança das relações internacionais (Buzan; Hansen, 2009, p. 37-38). Influenciados pelos desenvolvimentos tecnológicos das armas nucleares e pela bipolaridade entre Estados Unidos e União Soviética, os Estudos Estratégicos desenvolveram-se como uma “interseção de especialização militar e ciência social universitária” que procurava servir como orientação para “problemas da política” considerados “urgentes” no âmbito das armas nucleares e da tensão geopolítica entre as superpotências à época, em particular em relação ao “desafio” posto pela União Soviética ao “Ocidente” (Buzan; Hansen, 2009, p. 66). Lógicas de pensamento estratégico amplamente definidas perpassam a história da reflexão política, econômica e militar ao longo dos séculos (Freedman, 2013), mas os Estudos Estratégicos como subárea da segurança internacional surgem e desenvolvem-se, portanto, como produto desse momento político da Guerra Fria centrado nas armas nucleares e na bipolaridade/ameaça soviética. A busca por respostas sistemáticas a tais desafios fez com que os Estudos Estratégicos fossem, na prática, construídos, desde o início, como uma ferramenta de resolução de problemas político-militares da época, por meio de um esforço que contou com linhas de financiamento do governo dos Estados Unidos a instituições voltadas para a pesquisa “estratégica”, tais como a RAND Corporation, e, em seguida, fossem consolidados por meio da criação de redes de ensino e pesquisa especializadas, do fomento de publicações na área, da participação de “especialistas” e da influência das suas ideias na definição da política de defesa dos Estados Unidos frente à União Soviética (Buzan; Hansen, 2009, p. 91-98; Freedman, 2013, p. 143-147). A emergência desse novo campo gerou mudanças no pensamento estratégico, principalmente, no que se refere ao uso da força. Freedman (2013) mostra-nos, nesse sentido, que os “novos estrategistas” em ascensão na Guerra Fria não eram mais militares preocupados com a utilidade do 12 uso de um recurso militar para lutar uma guerra, mas sim analistas civis dedicados a compreender o efeito das ameaças ao uso da força nas interações interestatais e não o uso efetivo do aparato militar no conflito. Mas como isso ocorreu? O fato de uma guerra com confrontações nuclearesmútuas nunca ter sido travada colocou a reflexão sobre a estratégia em torno das armas nucleares em um lugar de simulação, abstração e especulação, voltado a entender o seu papel como um artefato coercivo – ou seja, potencialmente danoso – mas que não é ou pelo menos não estava sendo utilizado após os ataques a Hiroshima e Nagasaki no final da Segunda Guerra em 1945. Esse tipo de avaliação simulada encontrou mais afinidade com os métodos de investigação que vinham sendo desenvolvidos por analistas civis em instituições de pesquisa e acadêmicos – métodos computacionais, sistemas complexos, teorias dos jogos, etc. – em concomitância ao avanço de metodologias próximas ao padrão das ciências naturais e da economia no mundo acadêmico das ciências sociais dos Estados Unidos (Buzan; Hansen, 2009, p. 87-91; Freedman, 2013, p. 146-153). Sendo assim, analistas e acadêmicos civis, munidos de modelos e simulações, almejavam um padrão de cientificidade e adquiriram status de especialistas, deslocando o debate sobre o uso da força da linha de frente de ação dos militares – como profissionais da prática da guerra (ou em preparação para tal) – e passaram a direcioná-lo para um sentido de estratégia não mais calcado na maximização de um ganho imediato a partir do uso da força por uma parte (ex.: um Estado), mas sim no alcance de um “resultado ótimo” que é dependente de interações marcadas por riscos e incertezas entre as partes, as quais têm preferências potencialmente conflitivas (Freedman, 2013, p. 149-153). Thomas Schelling (1980 [1960], 2008 [1966]), um dos exponentes dos Estudos Estratégicos e da dissuasão no âmbito da RAND Corporation, definia as dinâmicas estratégicas de conflito como jogos de barganha, isto é, como uma mecânica interativa baseada na interdependência e na interseção entre preferências e ações individuais entre si e que molda expectativas de comportamento das partes, o curso das suas escolhas no processo e os resultados possíveis. O elemento estratégico está traduzido, portanto, na capacidade de projeção e avaliação de cenários combinatórios de preferências e ações próprias e de terceiros com diferentes níveis de informação disponíveis em condições específicas ou ao longo do tempo. Nessa leitura, a estratégia não se debruça sobre “a aplicação eficiente da força”, mas sim sobre a “exploração da força potencial” (Schelling, 1980 [1960], p. 5, grifo nosso). Em particular, a preocupação recai sobre o potencial coercivo da força, isto é, a sua potencialidade de causar um dano em uma espécie de “diplomacia da violência” (Schelling, 2008 [1966]). Nessa reformulação, ainda existe um caráter coercivo, ou seja, algum tipo de influência forçada sobre o curso de ações de uma contraparte, mas isso se dá de forma interacional e não pelo controle direto do comportamento da contraparte; sendo assim, não há o uso de um instrumento de força material (“conquista” ou “resistência”) que define o curso da ação de um ou outro ator, mas sim a aplicação de uma coerção na interação entre as partes via ameaças de dano (Freedman, 2013, p. 162-163). 13 Nessas abordagens, a dissuasão – inclusive a nuclear – emerge como uma das estratégias coercitivas possíveis da diplomacia da violência, uma vez que uma das partes se vale da sinalização de um potencial dano (custo ou perda de ganho) a ser causado na outra parte, de modo que, na interação entre sinalizações e expectativas, o comportamento dessa última siga o caminho desejado (Freedman, 2013, p. 157-159; Krause, 1999, p. 121; Lebow, 2010, p. 393). O seu caráter interacional se traduz justamente no fato de que a dissuasão não implica um comportamento causado direta e exclusivamente pela parte que usa o instrumento coercivo, mas sim pela sua eficácia em se “[...] influenciar a avaliação de outros atores sobre os seus interesses” (Lebow, 2010, p. 393). Cabe aos atores sob a ameaça tomar a decisão à luz dessa mesma ameaça, considerando, por exemplo, em que medida ela é crível ou não de forma a gerar um ajuste de conduta. Em suma, por meio da ameaça, é preciso “convencer ao alvo que os custos prospectivos” superam os seus “ganhos prospectivos” (Freedman, 2013, p. 159). Nas próximas duas unidades, exploraremos os três elementos teóricos-chave, ou “os 3 Cs” da teoria de dissuasão nuclear, que expressam a forma como a lógica de dissuasão esteve presente no debate sobre as armas nucleares. São eles: a capacidade, a credibilidade e a comunicação da ameaça do uso das armas nucleares (Krause, 1999). Fundamentos da dissuasão nuclear: capacidades O primeiro aspecto envolve o próprio elemento coercitivo da dissuasão nuclear. Conforme discutimos, a dissuasão, de maneira geral, está calcada no recurso de uma ameaça que altera a relação custo-benefício de um ator, de forma que ele seja dissuadido a tomar um determinado curso de ação – seja pela negação de ganhos, seja pela imposição de custos. Sendo assim, antes mesmo de considerar o quão crível é o sentido dessa ameaça a ponto de que ela, de fato, afete o cálculo da contraparte, é preciso que haja elementos que caracterizem e tragam maior concretude a essa ameaça em termos da sua capacidade em impedir ganhos ou gerar custos em um nível que torne a dissuasão de um determinado comportamento possível (não necessariamente “certa”). Sendo assim, não basta apenas indicar a capacidade em si, mas sim como ela funciona no jogo de interações entre os atores envolvidos, de forma a estruturar uma estratégia que impeça, evite um curso de ação. Em razão do poder destrutivo das armas nucleares, a discussão sobre ameaça como dissuasão esteve majoritariamente orientada à sinalização de custos à contraparte decorrentes de um ataque nuclear – e não à privação dos ganhos –, caracterizando, assim, um tipo de dissuasão por punição. Fundamentalmente, a dissuasão nuclear está calcada na ideia da “destruição mútua assegurada” – mutually assured destruction ou mutual assured destruction, cuja sigla MAD denota, em inglês, também a ideia de loucura, insanidade associada a uma guerra total nuclear. Trata-se de uma leitura apoiada em uma lógica básica da dissuasão, segundo a qual “até mesmo um ator meio- racional” pensaria duas vezes antes de dar um primeiro passo em direção a conflito nuclear pela 14 possibilidade de “obliteração”, eliminação completa (Buzan; Hansen, 2009, p. 80). Por essa lógica, as armas nucleares gerariam uma estabilidade e não haveria guerra nuclear em razão do prognóstico da destruição mútua. Por isso, à medida que dois Estados tivessem paridade em termos de poderio nuclear, ambos seriam dissuadidos a não atacar com armas nucleares um ao outro porque isso implicaria a sua destruição. A ameaça dissuasória repousa exclusivamente na capacidade amplamente destrutiva das armas nucleares em um eventual ataque. Em poucas palavras, o custo associado a um ataque nuclear seria excessivamente alto para se correr o risco. Essa ideia foi rapidamente problematizada pelos Estudos Estratégicos, notadamente por Albert Wohlstetter (1959), abrindo espaço para a leitura mais amplamente difundida sobre a dissuasão nuclear, a qual associa a capacidade dissuasória à capacidade de retaliação após um primeiro ataque nuclear (second-strike capability). A leitura mínima da MAD condiciona a “paz” a um “terror mútuo”, que, por sua vez, baseia-se em “capacidades nucleares simétricas” e, em particular, na equiparação da capacidade de primeiro-ataque entre as partes (Wohlstetter, 1959, p. 212). Essa visão é contestada a partir da ideia de que a eclosão de uma guerra nuclear não implica necessariamente um cenário de extinção completa de imediato, mas sim resultados intermediários nos quais um primeiro ataque não destrói por completo a capacidade do adversário – por exemplo, por imprecisão ou falta de prontidão de armamentos – e, portanto, deixa aberta a possibilidade de que o último, ainda que fragilizado, consiga retaliar em escala significativamente danosa.Dessa forma, o que decorre disso não é uma mútua destruição assegurada, mas um cenário ainda assim amplamente destrutivo, mas de interações após um primeiro ataque (Wohlstetter, 1959). Em suma, não é possível pensar em uma “vitória nuclear decisiva”, que implicaria “nocaute” perfeito, uma “capacidade de desarmar o inimigo com um ataque surpresa”. Tal cenário é improvável, pois implicaria um grau absoluto de segredo, conhecimento total dos alvos, precisão no alcance desses alvos, acompanhado de um sistema de defesa capaz de deter todo e qualquer ataque da parte adversária (Freedman, 2013, p. 167-168). Se ainda assim fosse possível que ambas as partes tivessem tal capacidade, a tendência tampouco seria a dissuasão tal como prevista na MAD, mas sim a busca pelas partes de aproveitar o melhor momento para atirar primeiro gatilho, tal como em um duelo de faroeste (Freedman, 2013, p. 168). Em vez disso, portanto, as teorias de dissuasão enfatizam a capacidade de um segundo ataque (second-strike capability), ou seja, de retaliação como medida de capacidade para o funcionamento da estratégia dissuasória. Sendo assim, um ator é, em tese, dissuadido de realizar um ataque nuclear ao seu oponente por compreender que os custos impostos por uma retaliação ao primeiro ataque são suficientemente elevados. Em suma, a capacidade de um segundo ataque “[...] implic[a] a capacidade [de um ator] de punir o agressor com um ataque retaliatório de capacidade destrutiva suficiente (ou esmagadora) após um ataque surpresa sobre suas próprias forças” (Krause, 1999, p. 124). Isso implicaria, portanto, decisões estratégicas quanto ao “design e operação de forças nucleares” em termos de alerta, prontidão, disposição e sistemas de defesa, de modo a garantir não só a instalação mas também a execução (ainda que fictícia) da retaliação em um cenário de ataque 15 surpresa (Krause, 1999, p. 124). Wohlstetter (1959), por exemplo, condiciona a capacidade de um segundo ataque a seis aspectos: “[...] (1) a capacidade de manter uma logística e operação permanente e estável para o uso de armas nucleares em tempos de paz; (2) de sobreviver aos ataques; (3) de tomar decisões de retaliação e comunicá-las; (4) de alçar o território inimigo; (5) de vencer as defesas ativas do adversário (ex.: mísseis de defesa); (6) e de destruir os alvos apesar das suas defesas passivas (ex.: construção)” (p. 216). Fundamentos da dissuasão nuclear: credibilidade e comunicação Possuir a capacidade de retaliação não é, no entanto, suficiente na lógica da dissuasão nuclear. Por se tratar de uma estratégia interativa, o efeito da dissuasão só é possível à medida que o ator a ser dissuadido (A) reconheça que os custos da retaliação do seu adversário (B) são elevados o suficiente para exceder os seus possíveis ganhos e, assim, alterar o cálculo custo-benefício sobre executar ou não um primeiro ataque nuclear. Esses custos, no entanto, não podem ser depreendidos de uma avaliação “objetiva” do rol de capacidades retaliatórias. A forma pela qual essas capacidades operam em cenários de guerra nuclear não é precisamente mensurável dadas as incertezas envolvidas, por exemplo, no processo decisório de um ataque ou se os efeitos esperados ocorrerão de fato, seja no primeiro, seja no segundo ataque, o que torna uma cadeia racional de cenários do tipo se-então a partir das capacidades improváveis (Buzan; Hansen, 2009, p. 77-78; Freedman, 2013, p. 164). Nesse cenário de incertezas, a lógica da dissuasão só funciona se o ator A avalia que a contraparte B tem disposição suficiente para executar uma retaliação com os mais altos custos esperados e não leia as movimentações como um blefe. Em resumo, é preciso sinalizar um tipo de “credibilidade” enquanto a “prontidão para sinalizar imprudência” (Freedman, 2013, p. 158). Sem acreditar que o adversário B terá a disposição real de retaliar com tal intensidade, A poderia simplesmente arriscar agir, por não antever que a sua ação geraria custos elevados a eliminar os seus possíveis ganhos. Por outro lado, em razão da natureza interativa, A também tem a expectativa de que, ao se deixar dissuadir, ou seja, ao jogar conforme as regras do jogo da dissuasão, o adversário B não se valha da suposta oportunidade e decida empreender um ataque surpresa de grandes proporções. Para tanto, da mesma forma, B precisa reconhecer a capacidade e disposição retaliatória do dissuadido A como algo crível o suficiente (Freedman, 2013, p. 158-159; 163-165; Krause, 1999, p. 124). Com isso, a dissuasão opera, portanto, em uma espécie de disputas de nervos marcada pela incerteza, na qual a sinalização de irracionalidade é necessária para o funcionamento de uma lógica, em tese, racional de custo-benefício. Na impossibilidade de se apurar uma condição objetiva sobre os cenários envolvendo as capacidades mútuas de retaliação em razão das suas complexidades, “[...] a eficácia da dissuasão repousa sobre a possibilidade, ou mesmo probabilidade, de um 16 comportamento irracional”, ou seja, é preciso que o ator a ser dissuadido tenha “medo de uma resposta irracional” (Buzan; Hansen, 2009, p. 78). É nesse sentido que podemos falar em um sentido “máximo” da teoria de dissuasão, em contraste à noção mínima da MAD: a dissuasão exige de um “[...] um ator impiedoso [...] não apenas uma ameaça de alto dano mas também uma probabilidade quase certa de que essa retaliação poderia ser efetiva” (Buzan; Hansen, 2009, p. 80). Em outras palavras, a dissuasão só funciona na medida em que existe alguma margem para se dar sorte ao azar (Freedman, 2013, p. 164-165, grifo dos autores) – o que, no caso da dissuasão nuclear, implicaria um cenário de destruição calamitoso e com consequências incalculáveis para as populações e o planeta. Em suma, “[...] a dissuasão [é] possível por causa de uma situação em que coisas terríveis podem acontecer (o que [é] crível por causa irracionalidade humana) em vez de uma ameaça específica de fazer essas coisas (o que [é] crível por causa da racionalidade humana)” (Freedman, 2013, p. 165). Essa dinâmica foi traduzida em uma analogia na teoria dos jogos conhecida como o jogo da galinha (chicken game). Na expressão em inglês “as coward as a chicken” (na tradução literal, “covarde/medroso como uma galinha”), o animal é associado a pessoas que não têm coragem. O jogo, dessa forma, é uma alegoria em que se pondera sobre a racionalidade de se manter um comportamento corajoso, entendido como aquele que suporta os maiores níveis de risco possíveis. O cenário é o de um racha entre duas pessoas, que procuram provar o destemor perante os seus pares. Nessa competição, os dois partem em direção a outro com os seus carros em altíssima velocidade. No cenário 1, nenhum dos dois desvia, ou seja, não há dissuasão. O resultado gera custos elevadíssimos para ambos: eles perdem a vida. No cenário 2, ambos desviam, ninguém perde ou ganha nada, e o choque não acontece. No cenário 3, um dos dois desvia e o outro não desvia. Nele, o que não desviou obtém os ganhos da vitória expressos no reconhecimento da sua coragem, enquanto o que desvia perde substantivamente por ser visto como covarde pelos pares. Ainda assim, o resultado do jogo 3 é similar ao do 2: não há um choque entre os carros, na medida em que uma das partes tomou a decisão de desviar, evitar o embate. Nesse sentido, um dos atores foi dissuadido de seguir no caminho de colisão. É possível ler essa alegoria de duas formas. Na primeira, entende-se que a racionalidade aponta para o resultado “melhor dos piores” em que ambos terminam por desviar diante da possibilidade da perda das suas vidas em um cenário em que se chocam. Essa interpretação sugere que o desvio é precisamente simultâneo. Essa seria a lógica próxima à MAD, conforme vimos. Já na segunda leitura, atenta-se para os desdobramentos da interação entre os dois jogadores ao longo do tempo enquanto os carros estão se aproximando. Esse lastro detempo é operado como um jogo de sinalização similar ao da dissuasão nuclear: os jogadores tendem a demonstrar a sua disposição de seguir com o caminho irracional do confronto, a ponto de que o outro jogador seja dissuadido e desvie. Sendo assim, por mais que um saia vencedor, ainda opera a dissuasão como um efeito da “racionalidade da irracionalidade” e, assim, o choque, o conflito é evitado. A lógica da dissuasão se mantém: um ator lê racionalmente o ímpeto de loucura do seu adversário como algo suficientemente crível para mudar o seu cálculo custo-benefício e, com isso, o ator é dissuadido do confronto – nesse caso, o choque (Freedman, 2013, p. 165; Krause, 1999, p. 130-131). 17 A necessidade de que o comportamento irracional de um ator A seja lido por outro ator B como crível a ponto de que considere que o primeiro está, de fato, disposto a levar a cabo a sua ação de retaliação faz com que a comunicação seja o terceiro elemento da tríade da dissuasão nuclear. Isso envolve, portanto, avaliar quais formas de “sinalização” são necessárias para que a ameaça de retaliação seja vista como crível. Isso pode envolver, por exemplo, a mobilização de armamentos ou o aumento de alertas. Ao mesmo tempo, a sinalização deve guardar algum nível de incerteza, de modo que também seja possível depreender que, sim, existe a disposição em se levar a cabo a ameaça de retaliação, mas, ao mesmo tempo, que tal “irracionalidade” não incite uma provocação desmedida que faça escalar o conflito (Krause, 1999, p. 124-125). Para além de uma interação específica, é preciso considerar que a dinâmica de comunicação na dissuasão pode variar ao longo do tempo, estabelecendo códigos que permitiriam ler as sinalizações, mas, ainda assim, mantendo algum grau de incerteza à medida que a comunicação permaneça indireta. No entanto, caso se estabeleça um canal de comunicação direto e confiável para dirimir as dúvidas, o jogo de dissuasão cessa e entra em cena outra dinâmica (Freedman, 2013, p. 166). Sendo assim, embora possa haver algum tipo de aprendizado que modere a leitura racional sobre a irracionalidade, a dissuasão nuclear, conforme temos explorado, exige que as partes operem com alguma margem de incerteza; é somente em um cenário incerto que pode operar a dúvida fundamental da dissuasão: será que ele seria louco de fazer isso? Desdobramentos e críticas à teoria da dissuasão A teoria da dissuasão nuclear não é algo do passado. No contexto atual da guerra entre Rússia e Ucrânia, por exemplo, especialistas e acadêmicos continuam a se debruçar sobre a eficácia das estratégias dissuasórias baseadas na ameaça do uso das armas nucleares por parte da Rússia e dos Estados Unidos/Otan e avaliam as suas implicações para as dinâmicas no teatro de batalha.1 Apesar de distantes por algumas gerações, os fundamentos básicos da dissuasão quanto à capacidade, à credibilidade e à comunicação da ameaça de retaliação ainda são resilientes e são articulados como referências para tais avaliações. Em resumo, eles funcionam como lentes a partir das quais a política nuclear global é pensada, ainda que alguns apontem que a dissuasão tenha falhado. Implícita está a ideia de que, em um cenário, ela pode funcionar, servindo, portanto, como um ponto de referência para dar sentido aos acontecimentos da política nuclear global. Ao longo do tempo, portanto, a teoria da dissuasão não foi abandonada, mas sim rearticulada em outros contextos e a partir de problemáticas e requisitos teóricos e empíricos de cada tempo. Traçaremos pontualmente algumas dessas rearticulações. 1 Vide, por exemplo, Hach e Sinovets (2023); Hautecoverture (2023); Lavikainen (2023); Lewis e Stein (2022). 18 Ao mesmo tempo em que a linguagem e os fundamentos da dissuasão foram sendo retraduzidos e rearticulados, também críticas à teoria da dissuasão consolidaram-se nas Relações Internacionais e nas Ciências Sociais a partir de diferentes perspectivas. Nesta unidade, veremos algumas das críticas internas, isto é, aquelas que identificaram lacunas teóricas e empíricas da dissuasão com base nos mesmos parâmetros de conhecimento definidos pela teoria.2 Além disso, as críticas desta unidade focam os elementos centrais da teoria da dissuasão, que, como vimos, impacta sobre o entendimento sobre a política/estratégia envolvendo especificamente as armas nucleares. Não se trata de uma crítica à dissuasão nuclear, mas aos fundamentos da teoria racional da dissuasão. Desdobramentos da teoria da dissuasão A teoria da dissuasão – entre as quais a dissuasão nuclear – pode ser pensada em “ondas” (Krause, 1999; Lupovici, 2010). Uma primeira, no imediato pós-Segunda Guerra, procurou vislumbrar quais seriam as implicações estratégias do poder destrutivo demonstrado pelas armas nucleares, introduzindo noções centrais como o efeito dissuasório e a garantia de retaliação. Apesar disso, essa fase não desenvolveu a dissuasão como um regime teórico (Krause, 1999, p. 122-123; Lupovici, 2010, p. 706). A partir do final da década de 1950, a segunda onda passa a introduzir sistematização às formulações teóricas, estabelecendo, por exemplo, pressupostos e mecanismos causais, entre os quais, os 3Cs. Nesse período, as analogias com a Teoria dos Jogos também passam a fazer parte do debate sobre dissuasão em uma tentativa inicial de formalização matemática da teoria. Trata-se de uma “era de ouro” da dissuasão, uma vez que ela se consolida nos círculos dos estudos estratégicos e também nas burocracias de segurança dos Estados Unidos (Krause, 1999, p. 123), estabelecendo-se, de forma ampla, como “sabedoria convencional” para a compreensão da estratégia nuclear durante a Guerra Fria (Lupovici, 2010, p. 706). Já na terceira onda, ocorre, segundo Krause (1999), um distanciamento entre as formulações da dissuasão nuclear desenvolvidas pela “política declaratória” dos Estados Unidos, pela estratégia nuclear norte-americana e pelos acadêmicos ao longo dos anos 1970 e 1980. Do ponto de vista do debate intelectual, constrói-se uma agenda de pesquisa em torno de um conjunto difuso de formulações abarcadas sob o rótulo da “teoria racional da dissuasão” (TRD) – convencional e nuclear. Seguindo as bases estabelecidas na fase anterior, as premissas fundamentais dessa teoria estabelecem que os resultados de dinâmicas como a dissuasão são explicados pelos custos de oportunidade dos Estados, atores políticos não fragmentados, com uma ordem de preferências estável e com níveis específicos de propensão ao risco, que agem orientados racionalmente à maximização dos seus ganhos em interações estratégicas com outros Estados também racionais (Krause, 1999, p. 131-132). A partir disso, a teoria racional da dissuasão buscou, nessa onda, avançar a sua validação teórica e empírica em meio a explicações alternativas (ex.: abordagens psicológicas). 2 No módulo complementar sobre desarmamento nuclear, você encontrará as críticas às armas nucleares a partir de outros parâmetros de conhecimento. 19 Do ponto de vista da validação teórica, isso envolveu “[...] desenvolver modelos dedutivos mais plausíveis e confirmar ou refutar a “sabedoria convencional” sobre como a dissuasão funcionava com base no funcionamento desses modelos” (Krause, 1999, p. 132). Krause (1999) elenca, por exemplo, três linhas de investigação dessa agenda. A primeira procurou desenvolver modelos matemáticos para as dinâmicas de dissuasão a partir da teoria dos jogos, enfatizando o elemento da incerteza. Em segundo lugar, a TRD debruçou-se sobre o problema da credibilidade, em particular explorando os efeitos dos jogos sequenciais. Por fim, outra parte da agenda dedicou- se a entender as dinâmicas de crise – estabilidade, barganha e escalada – também analisando processos interativos em jogos sequenciais (Krause, 1999, p. 131-135). Do ponto de vista empírico, no entanto, a terceira fase terminou por considerar que a teoria da dissuasão não era falsificável,isto é, não era possível submetê-la ao teste empírico. Retomaremos esse ponto mais à frente. O ponto aqui é perceber que a falha empírica da TRD transforma a dissuasão em uma formulação hipotética baseada em modelos matemáticos, que funciona menos como uma explicação com poder preditivo e mais como um aparato “heurístico”, isto é, uma interpretação para dar sentido simplificado a dinâmicas interestatais, ampliando, assim, o seu apelo como uma medida de racionalidade para o pensamento estratégico nuclear, que recorre a ela como referência de ação, ainda que hipotética (Lupovici, 2010, p. 707-708). Uma quarta onda (Lupovici, 2010) mais recente apresenta duas tendências. Em primeiro lugar, a teoria racional da dissuasão também buscou se retraduzir, adaptando-se a diferentes contextos. Com o final da Guerra Fria, por exemplo, alguns estudiosos ponderaram sobre quais seriam os efeitos das mudanças ocorridas nesse período sobre as dinâmicas da dissuasão (nuclear ou não). Nesse sentido, abordagens procuraram “complexificar” a dissuasão, percebendo, por exemplo, como variações na relação entre grandes potências (ex.: aumento da incerteza, mudança na prontidão de arsenais, novos arranjos de alianças, etc.), a emergência de novos atores na política internacional (ex.: atores não estatais) e novas tecnologias poderiam impactar as dinâmicas de comportamento dissuasório (Lieber; Press, 2017; Paul, Morgan, Wirtz, 2009). Em segundo, do ponto de vista teórico, algumas abordagens procuraram “socializar” as dinâmicas da dissuasão, reconhecendo-a como um sistema nos quais significados são disputados entre os atores. Não podemos explorar a fundo todas as retraduções. O ponto é notar, no entanto, a resiliência de algum tipo de dissuasão (nuclear) possível – mais ou menos complexa – na qual são mantidas as premissas teóricas fundamentais, principalmente da TRD como uma lente de interpretação a partir da qual o pensamento estratégico nuclear (e convencional) é construído. Críticas à teoria racional da dissuasão As críticas à TRD enfocam diferentes fundamentos desenvolvidos entre a segunda e a terceira ondas. Um primeiro conjunto de argumentos críticos aponta, por exemplo, para incoerências da lógica da dissuasão e para as lacunas que a teoria não desenvolve. Uma primeira inconsistência diz respeito, por exemplo, à relação entre racionalidade e irracionalidade: como é possível criar uma 20 ameaça crível – o que pressupõe, justamente, um ímpeto consistente por um comportamento irracional – entre atores que são considerados, por definição, racionais? (Lupovici, 2010, p. 708). Ao mesmo tempo, os Estados devem avaliar as suas preferências e ações racionalmente e se comportar de forma que sejam vistos como potencialmente irracionais pelo seu adversário. O problema é que a teoria não diz como diferenciar a racionalidade prevista no modelo e a estratégia irracional colocada em prática para que a dissuasão aconteça. Como é possível reconhecer essa diferença? Há o risco de que, na operação de uma estratégia construída com base na dissuasão, os atores envolvidos não sejam capazes de reconhecer o jogo de irracionalidade do seu oponente como uma estratégia racional, tal como estabelecido pela teoria. Trata-se de um cenário muito arriscado. Uma parte pode ler o movimento da outra não como uma estratégia para apenas demonstrar irracionalidade, mas sim como uma ação de fato em direção à agressão, por exemplo. Como reação, um dos envolvidos pode tomar uma ação no sentido de impedir que o irracional aja, de fato, de forma irracional – ex.: ataque preventivo – o que, no final, leva a uma confrontação direta entre potências nuclearmente armadas. Se não bastasse a dificuldade (e os riscos) em definir o que é ou não jogo de cena, outras críticas à teoria da dissuasão apontam que esse processo de tomada de deliberação política envolvendo as armas nucleares não envolve apenas um único elemento – o Estado que age racionalmente demonstrando comportamento irracional – mas também fatores burocráticos e psicológicos, que podem afetar o jogo da dissuasão (Krause, 1999, p. 137). Em outras palavras, a teoria da dissuasão prevê que o Estado é um ator não fragmentado, que age racionalmente, mas, na prática, as decisões estratégicas de um governo são impactadas por uma série de divisões, disputas ou conflitos entre instituições e indivíduos. Um chefe de Estado pode adotar uma leitura, enquanto os seus ministros, chefes militares, coalizões partidárias e outros grupos políticos que circundam o Estado podem ter outra, seja porque têm interesses e preferências específicas, seja porque, de fato, operam em outro quadro psicológico que informa a sua visão de mundo. Por exemplo, o comportamento internacional de um Estado pode, em vez de refletir uma intenção dissuasória, responder a dinâmicas políticas internas. Essa complexidade impacta não só a forma como esse Estado lê (ou decide ler) o movimento do seu adversário e como decide agir mas também como o oponente interpreta essas movimentações do primeiro. Em resumo, não está dado que os comportamentos seguem perfeitamente a lógica da dissuasão porque outros fatores interferem no processo, alterando percepções e preferências. Segundo outras críticas, também não está dado que os Estados agem no sentido de preservar o status quo, privilegiando segurança e integridade em oposição ao embate e, em último caso, à guerra nuclear total. Em outras palavras, não está dado que Estados desejam dissuadir comportamentos de confronto (Lupovici, 2010, p. 708). E se um ator político tiver uma tendência de disrupção do estado de coisas, por exemplo, com tendências imperialista-expansionistas a priori? Isso se sobrepõe ao pressuposto da estabilização e à tentativa de dissuasão? E se o comportamento for, de fato, irracional? 21 Essas são críticas ainda mais profundas, pois questionam a ideia de que os Estados, por serem racionais, têm preferências fixas. Na prática, as dinâmicas de construção de preferências são diversas e complexas, podendo mudar no processo interativo entre os Estados. A própria teoria da dissuasão estabelece essa possibilidade ao dar a centralidade à interação estratégica na relação interestatal. Embora esse caráter relacional esteja presente na discussão do comportamento estatal, ele não está presente na discussão sobre a formação das preferências que orientam essa ação, as quais permanecem estanques em uma lógica específica de racionalidade – a relação custo-benefício em dissuadir. Mais profundamente, trata-se de um problema teórico e empírico sobre como compreender o processo por meio do qual as preferências dos atores são formadas e se traduzem na ação política externa e, assim, nas dinâmicas de dissuasão. Sem compreender a formação de preferências, a teoria da dissuasão permanece limitada (Krause, 1999, p. 141; Lupovici, 2010, p. 709). Se, na prática, as condições estabelecidas pela lógica da dissuasão podem ser questionadas, ainda assim, é possível que a teoria da dissuasão sirva como uma explicação sobre por que Estados nuclearmente não entraram em confronto direto nos últimos anos? Em outras palavras, embora a teoria não seja um reflexo de todas as complexidades da realidade, ela ainda é capaz de explicar, de forma sistemática e simplificada, a ausência de conflito entre Estados nuclearmente armados? As críticas (Krause, 1999; Lebow, 2010; Lebow; Stein, 1989, 1990; Lupovici, 2010) apontam que a teoria da dissuasão não foi capaz de estabelecer essa relação, entre outros motivos, porque não há evidência robusta sobre “[...] intenções e cálculos de líderes nos Estados-alvo” no sentido da dissuasão (Lebow, 2010, p. 397). Consideremos um exemplo. A Crise dos Mísseis compreende um cenário limite em que os comportamentos de ameaças entre Estados Unidos e a União Soviética poderiam sinalizar o funcionamento da racionalidade da irracionalidade. No entanto, não há evidência histórica que apontepara a dissuasão nuclear como a explicação para a não confrontação entre Estados Unidos e União Soviética. Na verdade, segundo Lebow (2010), as partes envolvidas tinham diferentes leituras sobre quem operava a dissuasão e quem era o dissuadido e sobre como fatores como “vulnerabilidades estratégicas”, “necessidades políticas domésticas” e “componente[s] psicológico[s]” influíam no jogo estratégico. Isso afeta não só a construção de preferências de forma distintas mas também a interação, que não segue mais os resultados esperados pela teoria – deixando-a vulnerável à validação empírica. As fontes históricas da Crise dos Mísseis, por exemplo, revelam a percepção soviética de que Moscou usou a colocação dos mísseis em Cuba como um movimento dissuasório contra uma invasão americana à ilha, enquanto o governo americano via o mesmo evento como um desafio ao status quo. A lógica de Khrushchev para colocar os mísseis respondia, na verdade, a uma tentativa de proteção de Cuba diante da superioridade americana e como uma sinalização do líder soviético no plano nacional diante da instalação de mísseis americanos na Turquia, o que o teria “irritado”. Khrushchev também teria ignorado aconselhamento político de alto nível e se recolhido aos conselhos de grupos militares com menos conhecimento sobre as “capacidades de inteligência” dos Estados Unidos (Lebow, 2010, p. 397). 22 A introdução desses elementos político-cognitivos afeta, portanto, a construção de preferências e determinam comportamentos que não correspondem à lógica especificada pela dissuasão nuclear, ainda que o resultado tenha sido um não confronto entre as partes. Uma implicação direta dessas críticas é a de que, em um cenário em que parece haver dissuasão, na verdade, predomina uma imprevisibilidade das preferências dos atores envolvidos, nos quais o risco – ainda mais com armas nucleares – está sempre presente (Lebow, 2010, p. 399). Em vez das certezas da incerteza previstas pela lógica da dissuasão, sugere-se que esta, na verdade, tem resultados imprevisíveis com armas de alto poder destrutivo – tais como escalada de conflitos causadas por leituras equivocadas, ataques deliberados a partir de outras lógicas político-militares e ações preventivas por erro de cálculo. Sendo assim, predominam também outras incertezas no campo da dissuasão nuclear, como incidentes no sistema de comando e controle e agressão acidental (Pelopidas, 2017). A pergunta que as críticas nos forçam a fazer é: em nome de um modelo hipotético, vale correr o risco com armas que podem significar a extinção da vida como entendemos? Outra faceta da ordem nuclear global atual é a proliferação. A proliferação nuclear refere-se à disseminação ou à propagação de tecnologia, conhecimento e capacidades relacionadas à produção e ao uso de armas nucleares bem como à expansão do número de países com capacidade para desenvolver essas armas. Esse termo geralmente é usado para descrever a preocupação de que mais países adquiram armas nucleares, aumentando assim o número de atores com essa capacidade. Desde a detonação das bombas de Hiroshima e Nagasaki, nove países desenvolveram armas atômicas, a saber: Estados Unidos, Rússia (anteriormente União Soviética), Reino Unido, França, China, Índia, Paquistão, Coreia do Norte e Israel (não confirmado oficialmente, mas assim considerado). A África do Sul criou explosivos nucleares, mas optou por desmantelá-los. A proliferação nuclear pode ocorrer de duas formas principais: Horizontal – refere-se ao aumento do número de Estados que possuem armas nucleares. Isso ocorre quando um país que não possuía armas nucleares desenvolve ou adquire a tecnologia e os materiais necessários para produzi-las. Vertical – refere-se ao aumento da quantidade e sofisticação das armas nucleares possuídas por um Estado que já tem essa capacidade. Isso envolve melhorar as tecnologias de armas existentes, aumentar o número de ogivas nucleares e aperfeiçoar os sistemas de entrega, como mísseis balísticos. A proliferação nuclear é considerada uma preocupação importante no âmbito geopolítico, devido aos riscos à segurança internacional associados ao aumento do número de atores com armas nucleares. Esses riscos incluem, por exemplo: Instabilidade regional – a proliferação nuclear pode desencadear corridas armamentistas regionais, em que vários países tentam adquirir capacidades nucleares em resposta a outros Estados que também as possuem. MÓDULO II – ARMAS NUCLEARES E PROLIFERAÇÃO NUCLEAR 24 Riscos de conflito – quanto mais países possuírem armas nucleares, maiores são os riscos de acidentes, erros de cálculo ou escalada inadvertida que podem levar a conflitos nucleares. Dificuldade de controle – a proliferação torna mais desafiador monitorar e controlar os materiais e as tecnologias nucleares, aumentando a probabilidade de que tais materiais possam cair nas mãos de atores não estatais ou mais Estados. Minimização do desarmamento – a proliferação pode enfraquecer os esforços internacionais para o desarmamento nuclear, uma vez que mais Estados possuindo armas nucleares podem justificar a continuidade da posse dessas armas como medida de segurança. Por um lado, o debate sobre a proliferação envolve, à luz desses riscos, uma discussão sobre motivações, incentivos e interações estratégicas que podem impactar a deliberação e a escolha calculada dos Estados em direção à proliferação ou à não proliferação. Por outro lado, pesquisas também revelam que processos históricos de proliferação nuclear acompanham diversos tipos de violência – contra a saúde, contra o meio ambiente, contra determinadas populações e comunidades –, assim como geram e reproduzem, através de Estados soberanos e grupos sociais, relações hierárquicas organizadas a partir de categorias de classe, raça e gênero. A literatura sobre a aquisição de armas nucleares e a nuclearização de forma mais ampla pode ser, assim, dividida em quatro grupos: (1) teorias de demanda, que exploram os incentivos ou as motivações que explicam a proliferação pelo prisma do proliferante; (2) teorias de oferta, que analisam em que medida a aquisição de tecnologia e material nuclear explica a tendência de proliferação; (3) teorias estratégias, que associam os resultados de proliferação aos incentivos e constrangimentos decorrentes das interações entre o Estado proliferante e os adversários (e os aliados); e, por fim, (4) abordagens sociológicas, que vinculam um amplo conjunto de ações de nuclearização – incluindo a decisão específica de proliferação – a um conjunto de ideias e práticas que atores disputam, mobilizam e compartilham entre si, tais como a nacionalidade, a (pós-) colonialidade, a raça e o gênero. Existem, portanto, quatro perguntas que este módulo procura explorar: por que Estados desejam, conseguem proliferação e objetivam proliferar e, por fim, quais os significados associados às práticas de nuclearização de um Estado? Demanda: por que Estados desejam proliferar? Para explicar por que países adquirem armas nucleares, precisamos considerar primeiro as motivações que pautam a decisão política de se proliferar, ou seja, analisar o que gera a demanda para que um Estado busque obter esse tipo de armamento. Em resumo, por que Estados querem proliferar? Esse desejo surge à medida que o Estado reconhece nas armas nucleares um instrumento para que ele atinja um determinado objetivo (Sagan, 1996, p. 55). Nesse sentido, existem três 25 explicações principais sobre por que Estados desejam proliferar, ou seja, três objetivos que os Estados associam às armas nucleares e que, portanto, geram a demanda para a proliferação nuclear (Sagan, 1996). O cientista político Scott Sagan (1996) aponta, assim, que a obtenção de armas nucleares pode servir a três objetivos na perspectiva do aparato estatal: (1) gerar maior segurança em um contexto em que o Estado reconheça a presençade uma ameaça emergente (potencialmente nuclear); (2) atender a interesses e preferências relacionadas à política interna do país e às burocracias e lideranças políticas no aparato estatal ou, por fim, (3) servir de símbolo que expressa o adequado papel, identidade ou comportamento do Estado/Nação (Sagan, 1996). Segurança O modelo da segurança apoia-se na lógica segundo a qual o mundo é marcado por uma insegurança inerente, e nele os Estados buscam maximizar a sua segurança por meio de instrumentos de poder material, de modo a equilibrar a sua posição perante as capacidades materiais dos outros Estados, os quais representam uma ameaça potencial. A proliferação envolveria, portanto, um processo automático, uma “reação em cadeia estratégica”: à medida que um Estado – notadamente um Estado rival – obtém uma arma nuclear, outro percebe nesse movimento uma ameaça em potencial à sua segurança e, com isso, busca obter o seu próprio meio de defesa e retaliação, de modo a, conforme já vimos nesse curso, dissuadir o uso da força pelo outro Estado. A aquisição de armas nucleares por outro Estado, por sua vez, é lida como uma ameaça por um terceiro, que também opta por proliferar como forma de obter uma maior salvaguarda à sua segurança (Sagan, 1996, p. 57-59). O modelo explicaria, por exemplo, o movimento inicial de proliferação nuclear nas primeiras décadas após a Segunda Guerra Mundial: a União Soviética constrói a sua arma nuclear para equilibrar a sua posição de poder perante à ameaça representada pelos Estados Unidos; a França e o Reino Unido tornam-se países nuclearmente armados em resposta à ameaça soviética crescente na Europa (e em razão da baixa credibilidade da proteção americana); a China decide se armar nuclearmente por reconhecer os Estados Unidos como uma ameaça no seu contexto regional (ex.: pós-Guerra das Coreias); a Índia, por sua vez, procura avançar em direção a um projeto de desenvolvimento da arma nuclear em reação à aquisição chinesa, o que, em seguida, faria com que fosse “inevitável” que Paquistão também buscasse as suas próprias armas nucleares (Sagan, 1996, p. 58-59). Apesar do seu efeito catalisador (potencialmente) automático, o modelo contempla a possibilidade de que, na ausência de uma ameaça emergente à segurança, Estados decidam adotar uma postura de “restrição nuclear”, seja no sentido de renunciar aos seus armamentos nucleares, seja no sentido de não seguir no caminho da proliferação (Sagan, 1996, p. 60-61). 26 Política interna O segundo modelo busca compreender a motivação de um Estado por armas nucleares a partir da sua política interna. A proliferação, nesse caso, não resulta de uma condição estrutural de insegurança internacional, mas como resultado da convergência de interesses de indivíduos e grupos políticos no aparato estatal, no sentido de se obter armamento nuclear, tipicamente os profissionais atuantes em setores de energia nuclear (laboratórios, reatores, etc.), militares profissionais em instituições de relevância e políticos (nesse último caso, quando há apoio popular massivo às armas nucleares) (Sagan, 1996, p. 63-64). Nesse modelo, entende-se que o processo decisório ocorre de baixo para cima (bottom-up), abrindo a possibilidade de que aqueles atores burocráticos que enxerguem as armas nucleares como um instrumento para os seus interesses – notadamente no “complexo científico-militar-industrial” – influenciem a cadeia de decisão ao intensificar a percepção de ameaça externa e apoiar políticos favoráveis à proliferação e façam lobby para a alocação orçamentária (Sagan, 1996, p. 64). Nessa leitura, as preocupações com a segurança ainda podem fazer parte do processo decisório, mas elas são apenas “[...] janelas de oportunidade por meio das quais interesses paroquiais podem adentrar [jump]” (Sagan, 1996, p. 65). Ao desfazer a imagem do Estado como um ator uniforme e olhar para as dinâmicas internas, Sagan (1996) mostra, por exemplo, que a denotação da bomba nuclear chinesa não implicou um “esforço indiano unificado [united]” em busca de uma capacidade dissuasória via armas nucleares, mas sim no começo de uma longa disputa interna entre as burocracias, a qual eventualmente tendeu ao caminho proliferante em razão da influência desempenhada por atores pró-nuclear através da estrutura estatal, por exemplo, da Comissão de Energia Atômica indiana (p. 66). Do ponto de vista da “restrição nuclear”, a decisão por um caminho não proliferante pode ser lido como o resultado da influência de atores mais alinhados aos compromissos internacionais por não proliferação. Nessa lógica, a adesão de Argentina e Brasil, nos anos 1990, ao regime de não proliferação internacional pode ser lida à luz da influência de grupos políticos tendentes à abertura de mercados e resistentes a projetos desenvolvidos nacionalmente com altos custos associados, tal como os das armas nucleares (Sagan, 1996, p. 71). O modelo, conforme apresentado por Sagan (1996), abre espaço para o papel da deliberação política em torno das decisões sobre proliferar ou não, mas não avança, necessariamente, em detalhar os mecanismos por meio dos quais alianças entre grupos e indivíduos passam a reconhecer nas armas nucleares um instrumento útil ou danoso para a satisfação dos seus objetivos. Sendo assim, é preciso compreender não só o efeito dos interesses de grupos e indivíduos na política interna na decisão de proliferarem mas também de que maneira esses atores passam a ver na proliferação (ou na não proliferação) uma decisão que atende aos seus objetivos. Uma explicação possível é desenvolvida por abordagens da economia política internacional (Solingen, 1994; Wan; Solingen, 2015), cuja análise recai sobre “[...] as microfundações de por que algumas alianças podem apoiar a aquisição de armas nucleares (enquanto outras não)” (Wan; 27 Solingen, 2015, p. 6). O argumento da economia política internacional sugere, nesse sentido, que a preferência por caminhos proliferantes e não proliferantes responde a diferentes incentivos relacionados a ganhos e perdas econômicas associados à escolha pelas armas nucleares. Dessa forma, grupos políticos para os quais o crescimento econômico depende da integração econômica global teriam incentivos a não apoiar um projeto de desenvolvimento por armas nucleares em razão dos prejuízos que tal projeto poderia trazer para os ganhos econômicos da integração global. Projetos para desenvolvimento de armas nucleares poderiam, por exemplo, comprometer o potencial econômico das parcerias regionais, limitar acesso a determinados mercados internacionais e gerar perdas de reputação na busca por “ganhos nucleares incertos” (Wan; Solingen, 2015, p. 6-7). Em resumo, as armas nucleares “[...] colocariam um fardo [burden] sobre os esforços para fomentar exportações, competitividade econômica, estabilidade macroeconômica e política e acesso global, todos objetivos dos modelos internacionalizantes”; como consequência, o desenvolvimento das armas nucleares também daria mais força às “[...] burocracias estatais e complexos industriais adversários, opostos à abertura econômica”, comprometendo ainda mais os objetivos dos grupos voltados para um desenvolvimento “voltado para fora” (Wan; Solingen, 2015, p. 7). Essas “coalizões voltadas para dentro [inward-looking]”, por sua vez, estariam mais inclinadas a apoiar projetos para o desenvolvimento de armas nucleares. Tais coalizões enxergam o modelo de desenvolvimento a partir da lógica de “substituição de importações, nacionalismo e autossuficiência”, para o qual os possíveis entraves à internacionalização causados pelo desenvolvimento de armas nucleares não seriam necessariamente custosos para os ganhos econômicos do país. Na verdade, o desenvolvimento de armas nucleares abriria a possibilidade para “plataformas de competição e sobrevivência voltadas para dentro” não só legitimando um regime em oposição a adversários regionais e a compromissosinternacionais mas também alimentando e garantindo o financiamento do processo de desenvolvimento pautado por empresas estatais e complexos militares-industriais do próprio país (Wan; Solingen, 2015, p. 7). Outra leitura sobre por que atores políticos internos reconhecem nas armas nucleares um instrumento dos seus interesses foca nos aspectos psicológicos das lideranças tomadoras de decisão. Nesse sentido, a preferência pela proliferação ou não proliferação está associada às visões e às crenças de lideranças. São essas visões de mundo que constroem o quadro de percepções e emoções no qual determinados indivíduos – em posições de poder – tendem a apoiar a proliferação ou a não proliferação e, nesse sentido, trabalhar no sentido de fazer com que o processo decisório caminhe para uma direção ou outra (Hymans, 2006). Jacques Hymans (2006) aponta para quatro perfis de líderes e avalia em que medida cada um deles é mais ou menos tendente à proliferação. Tais perfis são definidos como uma “concepção da identidade nacional”, isto é, “o entendimento de um indivíduo sobre a identidade da nação”, ou seja, no que ela tem em si mesma e em relação a outras no plano internacional (Hymans, 2006, p. 8). São duas as dimensões dessa concepção: (1) a solidariedade, isto é, “[...] se “nós” e “eles” naturalmente representamos interesses e valores similares” (Hymans, 2006, p. 22), e (2) o status, 28 que diz respeito a “[...] quão mais alto “nós” estamos em relação a “eles” na ordem hierárquica internacional” (Hymans, 2006, p. 23). O primeiro aspecto determina se o líder tem uma visão que coloca a identidade dos Estados em trajetórias de similaridade ou de oposição/dicotomia, enquanto o segundo eixo distingue entre uma posição que enxerga a sua identidade nacional como naturalmente igual (se não superior) – é um nacionalista – e outra em que se coloca como naturalmente inferior na hierarquia internacional – é um subalterno (Hymans, 2006, p. 22-25). Ao cruzar as duas dimensões, temos quatro perfis, e cada um deles mobiliza um tipo de “memórias emocionais” na mente de líderes, as quais, por sua vez, geram novos quadros de percepções e emoções (políticas) que impactam o curso da tendência de uma ação (Hymans, 2006, p. 28). O sentimento de “medo” associado a um perfil oposicional faz com que líderes sejam mais tendentes a enxergar ameaças maiores, a denotar um sentido de urgência, a não considerar a complexidade entre “força destrutiva e poder político-militar”. Nesse esquema de pensamento, o poderio da arma nuclear é lido como a possibilidade de diminuir o medo (Hymans, 2006, p. 30- 32; 35). Por sua vez, o “orgulho” contido na noção de nacionalismo faz com que o ator tenha uma percepção mais inclinada a enxergar uma elevada capacidade de poder material, tenha mais “ilusão de controle” e sinta-se empoderado a agir sozinho. Com isso, cria-se um quadro de ideias e visões de mundo em que a liderança se vê capaz de obter a própria capacidade dissuasória, ultrapassar todas as “consequências não intencionais” de um projeto complexo como a obtenção de armas nucleares e agir de forma autônoma (Hymans, 2006, p. 32-35). Combinadas as dimensões oposicionais e nacionalistas, tem-se o perfil com a maior probabilidade de direcionar o processo decisório da política interna em direção à proliferação. Normas A discussão sobre o papel das identidades não se restringe, no entanto, ao mapa de percepções individuais das lideranças políticas no processo decisório nacional. Sagan (1996) apresenta um último modelo – o normativo – no qual a decisão de um Estado em obter armas nucleares ou de restringir a sua capacidade bélica nuclear decorre da forma como o Estado lê “[...] normas e entendimentos compartilhados mais profundos sobre que ações são legítimas ou apropriadas nas relações internacionais” (Sagan, 1996, p. 73). No caminho proliferante, as armas nucleares podem ser lidas, por exemplo, como “[...] parte do que os Estados modernos acreditam que devem possuir para serem Estados modernos, legítimos” (Sagan, 1996, p. 74). Nesse sentido, as armas nucleares podem “[...] servir funções simbólicas que refletem percepções de líderes sobre o comportamento apropriado e moderno” (Sagan, 1996, p. 75). Por exemplo, elas podem estar associadas a uma noção de prestígio nacional associado à identidade nacional de um país. Esse pode ter sido, segundo Sagan (1996), o caso da França, que decidiu pela proliferação não necessariamente por uma condição de segurança, mas por uma compreensão compartilhada – e expressa pelas lideranças francesas – de que a identidade do país estava necessariamente associada a uma posição 29 de grande potência no cenário internacional. O autor contesta, nesse sentido, o argumento de que a França teria optado pela aquisição de armas nucleares em razão da sua insegurança. Para o modelo da segurança, a crise de Suez, em 1956, teria sido um fator catalisador da decisão francesa por proliferar em razão da posição de vulnerabilidade em que se encontrou: sem armas nucleares, o país não teria podido fazer frente à ameaça nuclear soviética e teria ficado limitado pelas pressões econômicas dos Estados Unidos, levando à saída dos franceses da região. Sagan (1996) mostra, no entanto, que a decisões-chave da proliferação francesa haviam sido tomadas antes da crise e que países com a mesma vulnerabilidade de segurança – ameaça soviética e falta de garantias de proteção dos Estados Unidos – não se tornaram países nuclearmente armados (Sagan, 1996, p. 77-78). Em vez da segurança, a lógica do modelo normativo aponta que a aquisição de armas nucleares da França poderia ser explicada pelo fato de tais arsenais terem sido vistos pelas elites políticas do país como instrumentos compatíveis à construção e ao fortalecimento do que seria a adequada identidade francesa, entendida como um país destinado a uma suposta grandeza (Sagan, 1996, p. 78-80). Além de identidades e símbolos nacionais, Estados podem formular a sua decisão sobre proliferar ou não à luz de normas internacionais, que também estabelecem parâmetros de quais são os comportamentos adequados na política internacional. Tipicamente, no caso das armas nucleares, a existência de normas internacionais de não proliferação pode ser lida como um fator explicativo para a decisão de determinados países em não proliferar, na medida em que reconhecem, nesses entendimentos, uma referência do comportamento adequado e legítimo para o seu Estado. As normas, assim, forjam parte da identidade desses Estados que, por sua vez, altera a rota de comportamento de modo a alinhá-lo com a expectativa estabelecida pela norma (Sagan, 1996, p. 74-76). Segundo Sagan (1996), esse teria sido um dos fatores explicativos para a decisão da Ucrânia de abrir mão do arsenal nuclear – então soviético – nos anos 1990. As lideranças políticas do recém-criado Estado ucraniano vincularam a sua identidade como um país independente e internacionalmente reconhecido na era pós- Soviética às normas de não proliferação estabelecidas em regimes internacionais, que, dessa forma, moldaram as expectativas do comportamento adequado no âmbito das armas nucleares, levando à desnuclearização (Sagan, 1996, p. 80-82). Oferta: por que Estados conseguem proliferar? Outro segmento da literatura sobre proliferação nuclear dedicou-se a analisar em que medida as condições econômicas e industriais e a obtenção de tecnologia e materiais nucleares explicam a tendência de um Estado em obter armas nucleares (Fuhrmann, 2009; Jo; Gartzke, 2007; Kroenig, 2009; Singh; Way, 2004). O argumento comum a esses estudos é o de que a proliferação é mais provável em Estados que têm capacidade instalada e adquirem tecnologia (e materiais) nucleares. Em resumo, Estados proliferam porque reúnem as condições materiais para tal. Trata-se, nesse sentido, de teorias da oferta por concentrarem a explicação nos insumos materiais necessários para 30
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