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PROCESSOS PATOLÓGICOS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Explicar a patogenia da embolia, do infarto e do choque. > Classificar os tipos de embolia, infarto e choque. > Analisar a morfologia tecidual e as considerações clínicas associadas a esses eventos. Introdução O sistema circulatório, também chamado de sistema cardiovascular, é respon- sável por bombear o sangue e transportar nutrientes, sais minerais, gases e metabólitos através de artérias e veias por todo o corpo. O sangue oxigenado é conduzido pelas artérias para os tecidos e órgãos do organismo para que as trocas metabólicas possam ocorrer na microcirculação dessas regiões. Após a oxigenação e nutrição dos tecidos, o sangue desoxigenado retorna através das veias para o coração. Nosso sistema circulatório pode ser dividido entre circulação pulmonar e circulação sistêmica. A circulação sistêmica é responsável por transportar sangue oxigenado, glicose e hormônios pelas artérias para todas as células, tecidos e órgãos. Já a circulação pulmonar, como o próprio nome sugere, é direcionada apenas para o pulmão a fim de que o sangue desoxigenado sofra hematose (captação de oxigênio e saída de dióxido de carbono), ou seja, para que ocorram as trocas gasosas pulmonares. Desse modo, o entendimento do sistema circulatório é fundamental para identificar a origem e os possíveis alvos dos distúrbios circulatórios. Embolia, infarto e choque Melina Hauck Há diversos fatores de risco — como aterosclerose, hipertensão arterial sistêmica, hipercolesterolemia e tabagismo — que podem originar distúrbios em alguma parte desse sistema e originar alterações circulatórias importantes e graves. Alterações no processo de coagulação sanguínea desencadeadas por esses fatores podem levar ao desenvolvimento de trombos e coágulos de sangue na parede dos vasos sanguíneos, os quais podem se soltarem e migrar para a circulação. Esses coágulos de sangue (trombos) passam a ser chamados de êmbolos, os quais também podem ser compostos por tecidos, bolhas de ar, líquido amniótico, gordura, bactérias, células tumorais ou substâncias estranhas. Portanto, um êmbolo é uma substância sólida, líquida ou gasosa que circula pela corrente sanguínea do seu ponto de origem para um local distante. Êmbolos que se formam em algum local da circulação venosa acabam por chegar ao coração através da circulação sistêmica, e ao entrar na circula- ção pulmonar podem obstruir um ou mais capilares sanguíneos pulmonares. Os êmbolos arteriais, ou seja, formados em artérias, se originam dentro do próprio coração ou no trajeto aórtico, e migram para grandes órgãos-alvo através da circulação sistêmica. Neste capítulo, você vai entender o processo patológico da formação de êmbolos, que leva ao desenvolvimento da embolia. Também vai compreender como o infarto causa um processo de necrose isquêmica no tecido atingido e por quais maneiras um choque pode acontecer. Além disso, você vai aprender a classificar os diferentes tipos de embolia, infarto e choque. Por fim, verá quais são as principais alterações morfológicas associadas a esses processos patológicos e quais são suas repercussões clínicas. Processos patológicos de embolia, infarto e choque Devido ao seu caráter variável de tamanho e origem, os êmbolos se alojam em vasos muito pequenos que não permitem sua passagem, e isso gera uma obstrução vascular parcial ou completa. Nesse contexto, êmbolos podem se alojar em qualquer parte do leito vascular, dependendo do local de origem (BRASILEIRO FILHO, 2016; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2021). Como em sua maioria os êmbolos são formados a partir de trombos, as ocorrências mais comuns envolvem tromboembolia. Embolia, infarto e choque2 Os trombos se formam devido a três alterações, que podem ocorrer juntas ou isoladamente, na chamada tríade de Virchow: alterações da parede do vaso sanguíneo ou do coração (lesão endotelial); alterações reológicas (no sangue) ou hemodinâmicas; e alterações na composição do sangue com alteração da coagulação (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2021). A reologia do sangue refere-se a qualquer alteração na viscosidade do plasma sanguíneo e nos eritrócitos, como deformabilidade, formato e visco- sidade da membrana. Após a formação de um trombo dentro dos vasos ou do coração, ocorre a ativação do sistema fibrinolítico e o desencadeamento de reações locais. O próprio crescimento do trombo a partir do predomínio do processo de coagulação leva ao aumento do trombo e à obstrução vascular. Todavia, quando o sistema fibrinolítico se torna muito ativo, o trombo pode ser dissolvido parcial ou totalmente (BRASILEIRO FILHO, 2016). Dessa maneira, o trombo pode sofrer embolização, desgrudando-se ou fragmentando-se da parede do vaso, caindo na corrente sanguínea e tornando-se um êmbolo. Os êmbolos que se formam a partir de trombos venosos podem causar desde congestão e edema nos leitos vasculares distais a obstrução vascular. Esses êmbolos geralmente se originam de trombose venosa profunda, um processo de formação de trombos que ocorre nas veias profundas dos mem- bros inferiores e veias pélvicas (Figura 1). Isso costuma ocorrer em pacientes hospitalizados, pós-cirúrgicos ou imobilizados. Por sua vez, êmbolos venosos também podem ser carregados para os pulmões (embolização pulmonar), levando a tromboembolismo pulmonar. Já os êmbolos arteriais que se formam no coração ou aorta devido a patologias ou alterações cardíacas acabam migrando para a grande circulação (embolização sistêmica) e podem se alojar em órgãos vitais, como cérebro, coração, intestinos, rins, baço e nos membros inferiores. Algumas situações predispõem à formação de trombos, como a imobilização, obesidade e distúrbios circulatórios do sistema venoso, especialmente em pacientes com fatores de risco cardíaco (BRASILEIRO FILHO, 2016; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2021). Embolia, infarto e choque 3 Figura 1. Um êmbolo (material em vermelho) dentro da artéria pulmonar (material branco/bege), derivado de um trombo venoso que se formou nas veias profundas dos membros inferiores. Fonte: Kumar, Abbas e Aster (2021, p. 90). Um infarto é uma área de necrose tecidual isquêmica causada por obstru- ção do suprimento vascular para determinado tecido ou órgão. Cabe destacar que essa obstrução vascular é causada principalmente por placas de ateros- clerose, trombos e êmbolos, os quais causam o bloqueio total da irrigação sanguínea por tempo prolongado, o que configura uma isquemia persistente. No estabelecimento do processo isquêmico, a redução do fluxo sanguíneo transforma o metabolismo celular aeróbico em anaeróbico, e essa troca de fonte energética reduz a quantidade de energia (ATP) obtida para o suprimento celular. Em determinado momento, essa produção de ATP a partir do metabolismo anaeróbico torna-se insuficiente para a manutenção de funções básicas e as células perdem suas funções ou passam a executar funções anômalas. Se o fluxo sanguíneo não for restabelecido e se a energia disponível se mantiver cada vez mais baixa até se tornar insuficiente, a estrutura celular é perdida e surgem sinais de degeneração (isquemia de pequena intensidade). A partir de um limite crítico, chamado de ponto de não retorno, a célula morre, ou seja, estabelece-se um infarto tecidual (necrose isquêmica tecidual) causado por isquemia persistente e prolongada (BRASILEIRO FILHO, 2016). Embolia, infarto e choque4 Imediatamente após a obstrução de um vaso e interrupção da irrigação sanguínea, o tecido local entra em necrose, ou seja, em processo de morte celular patológica. Além de interromper o fluxo sanguíneo, essa obstrução isquêmica que ocorre no infarto causa o consumo de todo o conteúdo ener- gético disponível nas células e tecidos da área afetada, acarretando a necrose das células parenquimatosas (funcionais) e das células estromais (de suporte e nutricionais) (BRASILEIRO FILHO, 2016; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2021). Em infartos do cérebro e do coração, ocorre um fenômeno denomi-nado crescimento do infarto. Assim, no tecido nervoso cerebral e miocárdico, temos um infarto crescente, que aumenta gradativamente conforme as horas de infarto tecidual vão passando. Na região periférica da área de necrose isquêmica do infarto, os tecidos continuam recebendo um fluxo sanguíneo mínimo e local. Essa área minimamente perfundida apresenta uma importância prática clínica extremamente relevante, pois o tratamento médico por reperfusão nas primeiras horas de isquemia pode preservar os tecidos e evitar a necrose em toda a região afetada (BRASILEIRO FILHO, 2016). A reperfusão pode preservar os tecidos que sofreram isquemia e reduzir o tamanho da área de infarto, mas também pode acarretar morte celular decorrente do próprio processo, na chamada lesão por reperfusão. Existem três mecanismos responsáveis por essa lesão (BRASILEIRO FILHO, 2016): � formação de grande quantidade de radicais livres devido ao processo de reoxigenação tecidual, que causa oxidação de lipídeos de membranas e inibe as bombas responsáveis por manter a homeostase intracelular; � acúmulo de íons de cálcio dentro das células durante o processo isquêmico, que podem causar hipercontração de actina e miosina nas células miocárdicas afetadas de maneira irreversível, originando o achado morfológico necrose em banda de contração; � os radicais livres formados associados ao acúmulo de íons de cálcio podem induzir a abertura de poros na membrana mitocondrial dessas células, o que promove movimentação livre de prótons e, consequentemente, inibição da síntese de energia da célula. Agora que você já sabe o que é embolia e infarto, é importante saber que o choque pode ser a via final clínica desses eventos, entre outros. O choque é caracterizado pela redução do débito cardíaco (litros de sangue bombeados pelo coração para o corpo a cada minuto) e/ou do volume de sangue circulante (hipovolemia), o que irá gerar uma hipoperfusão sistêmica e hipóxia de tecidos e órgãos. A hipoperfusão tecidual, consequentemente, causa uma redução na Embolia, infarto e choque 5 disponibilidade de oxigênio e nutrientes aos tecidos, o que gera acúmulo de catabólitos não removidos, e o metabolismo das células passa de aeróbico (fonte primária oxigênio) para anaeróbico (fonte primária glicose). Por fim, independentemente da origem do choque, ocorre queda de pressão vascular sistêmica na microcirculação, o que resulta numa hipoperfusão corporal generalizada (BRASILEIRO FILHO, 2016; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2021). Quando tratado precocemente, o choque é uma condição reversível, mas seu estabelecimento pode gerar lesão tecidual irreversível e ser fatal para o órgão afetado, levando ao óbito do paciente (BRASILEIRO FILHO, 2016; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2021). As diversas alterações metabólicas causadas pelos tipos de choque resultam na síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) — termo que descreve a reação inflamatória sistêmica originada pelo próprio organismo frente a qualquer agressão infecciosa ou não (SALLES et al., 1999). Devido à lesão endotelial persistente originada pela SIRS, ocorre disfunção plaquetária e ativação do sistema de coagulação, o que, por con- sumo excessivo desses fatores coagulantes, leva o paciente a um estado de hipocoagubilidade. A deficiência de coagulação é extremamente grave, pois, associada ao estado prévio de hipoperfusão, leva os órgãos a sofrerem sangramentos diversos, e o paciente entra na síndrome de falência múltipla de órgãos (BRASILEIRO FILHO, 2016). Tipos de embolia, infarto e choque Conhecimentos sobre o que é embolia, infarto e choque também são impor- tantes para estudar os mais diversos tipos de cada um desses processos patológicos. A embolia, para começar, pode ser direta ou cruzada. Normal- mente, a embolia direta é a mais frequente, em que os êmbolos migram na corrente sanguínea de acordo com seu fluxo. Por isso, os êmbolos arteriais ou cardíacos podem chegar a qualquer tecido e/ou órgão, na chamada em- bolização sistêmica (UNICAMP, [2007?]; UFMG, 2000). Consequentemente, esse tipo de embolização pode gerar uma necrose tecidual sistêmica, ou seja, um infarto nos tecidos que ficaram com seu fluxo sanguíneo gravemente reduzido ou interrompido (BRASILEIRO FILHO, 2016; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2021). Já os êmbolos venosos seguem para os pulmões e dão origem à embolia pulmonar ou tromboembolia pulmonar. Vale ressaltar que essa embolização pulmonar é mais grave e pode levar o paciente ao óbito muito rapidamente por hipóxia sistêmica (BRASILEIRO FILHO, 2016; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2021). Embolia, infarto e choque6 Por sua vez, a embolia cruzada por ocorrer quando um êmbolo parte de um tipo de circulação para outro (arterial para venoso ou vice-versa) devido a fístulas arteriovenosas ou doenças cardíacas congênitas, como a comunicação interatrial ou comunicação interventricular (UFMG, 2000). Na condição de qualquer elemento estranho que circule na corrente san- guínea, os êmbolos também podem ser classificados quanto aos seus diversos tipos. Veja no Quadro 1 os tipos de êmbolos e as suas principais características. Quadro 1. Tipos de êmbolos, classificação e ocorrências Êmbolos Tipos Classificação Quando ocorre? Sólido Trombos, massas bacterianas ou neoplásicas, fragmentos de ateromas Tromboembolismo pulmonar, embolização sistêmica Trombose venosa profunda, ruptura de placa aterosclerótica, cardiopatias adquiridas e congênitas Líquido Líquido amniótico, lipídios e gorduras (menos frequentes) Embolia amniótica, embolia lipídica e embolia gordurosa Parto, esmagamento ósseo e/ou de tecido adiposo, queimaduras extensas, injeção de substâncias oleosas por via endovenosa Gasoso Gases (mais raros) Embolia aérea Perfuração torácica (pneumotórax) e descompressões súbitas de aviadores, mergulhadores e astronautas A doença da descompressão envolve um tipo de embolia gasosa gerada por alterações súbitas na pressão atmosférica. Quando se respira a alta pressão, como em mergulhos de certa profundidade, maiores quantidades de gás, principalmente nitrogênio, são dissolvidas no sangue e nos tecidos. Caso ocorra uma despressurização abrupta, como ao subir à tona sem um processo gradual de transição, todo esse gás se tornará insolúvel rapidamente e ocorrerá formação de bolhas, que gerarão êmbolos gasosos. Como vimos, esses êmbolos causam então isquemia tecidual, ao obstruírem a passagem de sangue. Embolia, infarto e choque 7 Os infartos, que são áreas de necrose isquêmica tecidual geradas após a interrupção do fluxo sanguíneo, podem ser classificados em infartos verme- lhos e infartos brancos. O infarto vermelho (ou hemorrágico) pode ter origem arterial ou venosa, e recebe esse nome pois a região atingida fica com a coloração avermelhada, por causa de uma intensa hemorragia que se forma na área necrótica. É um infarto frequente em órgãos frouxos, como o pulmão, e em órgãos com dupla irrigação ou muita circulação colateral (BRASILEIRO FILHO, 2016; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2021). Os infartos vermelhos por obstrução arterial são frequentes em áreas de dupla irrigação, pois a obstrução do fluxo sanguíneo atinge determinada artéria, gerando isquemia e necrose tecidual, ao passo que o fluxo sanguíneo segue normal pela outra artéria da circulação. Dessa maneira, temos um ex- travasamento de sangue sobre os tecidos de necrose, justificando o aspecto hemorrágico e vermelho do infarto. Já os infartos vermelhos por obstrução venosa podem ter diversas causas, como trombose das veias mesentéricas ou dos seios venosos da dura-máter e compressão ou torção de pedículos vasculares. Qualquer que seja a causa, há interrupção completa do fluxo sanguíneo e bloqueio da drenagem sanguínea dos tecidos. Portanto, além da necrose isquêmica, também ocorre o encharcamento sanguíneo sobre a área necrosada. Por sua vez, os infartos brancos (ou anêmicos) ocorrem somente por obs- trução arterial de órgãos sólidos com circulaçãoterminal ou pouca circulação colateral, como coração, rins e baço (BRASILEIRO FILHO, 2016). Como estudamos anteriormente, um choque decorre de uma situação de hipoperfusão de tecidos e órgãos, quer por redução do débito cardíaco ou do volume de sangue. Os choques podem ser classificados em três grupos principais: choque cardiogênico, choque hipovolêmico e choque séptico, de acordo com sua causa. Todavia, pode-se citar ainda o choque anafilático e o choque neurogênico. Todos esses tipos de choque são definidos e examinados a seguir (BRASILEIRO FILHO, 2016; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2021). � Choque cardiogênico: tem como causa uma falha no coração, que, por sua vez, pode decorrer de um infarto agudo do miocárdio, de arritmias ventriculares, tamponamento cardíaco (compressão extrínseca do co- ração por sangue) ou por tromboembolia pulmonar. O coração torna-se incapaz de bombear adequadamente o sangue para todos os tecidos e o débito cardíaco torna-se bastante reduzido. Quando um infarto cardíaco é sua causa, esse choque pode gerar SIRS, e microscopicamente haverá edema intersticial e coagulação intravascular. Embolia, infarto e choque8 � Choque hipovolêmico: ocorre devido à perda súbita e aguda de grande quantidade do volume de sangue ou volume plasmático. Pode ter como causa sangramentos intensos (hemorragia) decorrentes de trauma- tismos, cirurgias ou ruptura de grandes vasos, e perda de plasma por grandes queimaduras ou desidratação por diarreia ou calor excessivo. � Choque séptico: provocado geralmente por infecções bacterianas. Por haver inflamação, há liberação de mediadores inflamatórios e pode ocorrer desenvolvimento de SIRS. Produz uma vasodilatação arterial generalizada e, consequentemente, acúmulo de sangue venoso. � Choque anafilático: é um choque em que também ocorre vasodilatação arterial sistêmica associada a aumento da permeabilidade vascular. Neste caso, porém, o choque é desencadeado por reação de hiper- sensibilidade (alergia) mediada pela imunoglobulina E (IgE). Portanto, é uma reação antígeno–anticorpo que provoca liberação de diversas substâncias. A gravidade do quadro se dá pela dilatação de grande número de vasos, o que resulta em redução da pressão arterial sistê- mica e do retorno venoso ao coração. � Choque neurogênico: é o último choque que leva à vasodilatação sistê- mica, neste caso devido a redução do tônus vascular de artérias e veias, queda da resistência vascular periférica e redução do retorno venoso ao coração. Ocorre uma desregulação neurogênica por afecção aguda do sistema nervoso central, como numa lesão da medula espinhal, ou associado a anestesia. É pouco frequente. Alterações morfológicas e clínicas causadas por embolia, infarto e choque Como você estudou na primeira parte deste capítulo, os êmbolos são formados a partir de trombos arteriais ou venosos. A fragmentação e migração desses trombos através do sangue se dá como êmbolos. Macro e microscopicamente, pode-se observar nesses trombos e êmbolos camadas de plaquetas e fibrinas (venosas) associadas com camadas de hemácias escuras (arteriais). Essas alterações são chamadas de linhas de Zahn e são importantes para a patologia, pois sua formação depende de sangue fluido (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2021). Além disso, os trombos/êmbolos venosos geralmente têm aspecto verme- lho, úmido e gelatinoso, enquanto os trombos/êmbolos arteriais/cardíacos geralmente são brancos (UNICAMP, [2007?]). Embolia, infarto e choque 9 A Figura 2 ilustra um trombo formado em veias profundas dos membros inferiores. Figura 2. Um trombo (material delimitado na parte inferior) dentro de uma veia profunda (ilíaca). Trata-se de um exemplo de trombo formado em pacientes hospitalizados e pós- -cirúrgicos que permanecem em repouso excessivo. A posterior mobilização dos membros inferiores desses indivíduos pode dar origem a um êmbolo que cai na corrente sanguínea. Fonte: UNICAMP ([2007?], documento on-line). Como já vimos também, a morfologia de um infarto depende do seu tipo — vermelho ou branco. Os infartos vermelhos (Figura 3a) se apresentam com uma cor característica devido à conversão do ferro heme extravasado pelas hemácias em hemossiderina intracelular (hemácias são células que transportam a hemoglobina e o ferro heme para carreamento dos íons de oxigênio). Já os infartos brancos (Figura 3b) se apresentam geralmente de forma cuneiforme — no ápice pode-se observar o vaso sanguíneo obstruído e na base o tecido afetado. A periferia desse tipo de infarto pode exibir margens irregulares e hemorrágicas (em quadro agudo), devido à penumbra isquêmica. Um tecido que sofreu infarto há algum tempo (crônico) apresenta margens bem definidas por uma pequena área hiperêmica (avermelhada), denominada halo hiperêmico, e progressivamente mais pálido (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2021). Embolia, infarto e choque10 Figura 3. Diferentes tipos de infarto: (a) infarto vermelho pulmonar (área inferior mais escura), com seu característico aspecto cuneiforme (vaso sanguíneo no ápice e a área infartada logo abaixo); (b) infarto branco renal (área central mais esbranquiçada), com delimitação por bordas avermelhadas em torno da área branca. Fonte: Kumar, Abbas e Aster (2021, p. 93). A B Por sua vez, as alterações morfológicas oriundas de choque podem ser diversas, e são decorrentes basicamente da hipoxemia devido a hipoperfusão e trombose. Qualquer órgão pode ser afetado, mas há alterações típicas que ocorrem nos rins e no pulmão. Pode-se visualizar trombos de fibrina nos rins (Figura 4a), enquanto o pulmão entra em estado de dano alveolar difuso, cau- sando o chamado pulmão do choque (Figura 4b) (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2021). Figura 4. Alterações morfológicas oriundas de choque: (a) as setas indicam trombos de fibrina numa lâmina microscópica de glomérulo renal (b) imagem de pulmão de choque inundado por sangue. Fonte: UNICAMP ([2007?], documento on-line). A B Embolia, infarto e choque 11 Sinais e sintomas da embolia, infarto e choque As alterações clínicas que o paciente com um êmbolo irá sofrer dependem do local de formação do trombo. Portanto, como vimos anteriormente, os trombos venosos que originam êmbolos são extremamente graves, pois podem causar embolização pulmonar (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2021), obstruindo grandes vasos locais, como o tronco da artéria pulmonar. A tromboembolia pulmonar causa au- mento da pressão arterial pulmonar, o que consequentemente sobrecarrega as câmaras direitas do coração (ventrículo e átrio direito). Essa situação dá origem à uma insuficiência cardíaca direita, chamada clinicamente de cor pulmonale, a qual também reduz o retorno venoso sistêmico ao sistema cardiovascular. Tais alterações culminam com o desenvolvimento de choque, neste caso car- diogênico, pois não haverá sangue suficiente para ser oxigenado e bombeado pelo coração para suprir a demanda corporal. Os sinais clínicos do paciente que sofre tromboembolia pulmonar são falta de ar súbita (dispneia), tosse, dor torácica e grave queda da pressão arterial (hipotensão) (BRASILEIRO FILHO, 2016). O infarto tecidual pode ocorrer em qualquer tecido que venha a sofrer uma interrupção total do seu fluxo sanguíneo e aporte de nutrientes. O paciente pode apresentar sintomas gerais como febre e alterações no exame de sangue, como aumento das células brancas (leucocitose) e aumento de enzimas que são liberadas pelas células que foram destruídas (necrose) no infarto. Também pode haver manifestação de sintomas locais, como dor e outros associados diretamente ao tecido/órgão que foi atingido. O paciente que sofre um infarto agudo do miocárdio, por exemplo, apre- senta dor precordial (dor em opressão no peito), enquanto o paciente que sofre um infarto intestinal apresenta dor abdominal aguda (BRASILEIRO FILHO, 2016). Ademais, os pacientes podem desenvolver patologias secundárias ao infarto do órgão, como insuficiência cardíaca, arritmias cardíacas, paralisia cerebral, entre outros(BRASILEIRO FILHO, 2016). Da mesma maneira que o infarto, os sinais e sintomas clínicos do choque podem variar inicialmente, de acordo com o tipo de choque do paciente. Como já examinamos, a patogênese do choque pode ocorrer de duas maneiras, mas em relação aos sintomas o choque pode se apresentar de forma hiper- dinâmica ou hipodinâmica. Quando não há alterações na grande circulação como causa do choque, como no choque séptico, o paciente exibe aumento do número de batimentos cardíacos (taquicardia) e retenção de líquidos pelo sistema renal, a fim de manter o fluxo sanguíneo normal para o organismo, especialmente os órgãos vitais, pois o choque séptico causa uma dilatação dos vasos sanguíneos em todo o corpo. Desse modo, o paciente acaba ficando Embolia, infarto e choque12 com a pele quente e avermelhada (BRASILEIRO FILHO, 2016; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2021). Essa é a chamada forma hiperdinâmica. Caso essa situação não seja corrigida, o paciente passa para a forma hipodi- nâmica. Essa fase também pode ocorrer desde o início do estabelecimento do choque, a depender da sua causa. O paciente exibe hipotensão, taquicardia e aumento do número de respirações por minuto (taquipneia), e sua pele fica fria, pegajosa e cianótica (pálida). Durante a forma hipodinâmica, temos uma fase reversível do choque, pois o paciente exibe como sintoma a redução da pressão arterial sistêmica e do débito cardíaco. A evolução do choque leva o paciente para uma fase irreversível, devido à paralisação da camada muscular dos vasos sanguíneos arteriais pelo estabelecimento de uma acidose pela queda do pH sanguíneo. Nesse contexto, há uma alteração do metabolismo aeróbico para anaeróbico, e é justamente essa troca de fonte energética que leva à acidose lática sanguínea pelo aumento da formação de lactato (BRASILEIRO FILHO, 2016; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2021). Essa fase da forma hipodinâmica é o momento de estabelecimento da SIRS e da falência de múltiplos órgãos. Você trabalha numa clínica e recebe um paciente para atendimento. Imediatamente, percebe que ele se encontra abatido, pálido, ofegante e relata estar cansado, sentindo uma dor estranha no peito. Você busca o histórico médico do paciente no prontuário e reconhece que ele é cardiopata, tem hiper- tensão arterial, é tabagista, obeso e não faz exercícios físicos regularmente. Os sinais e sintomas do paciente, somados ao seu prontuário, mostram que você está diante de uma situação crítica, possivelmente um infarto agudo do miocárdio (IAM). Sem perder tempo, você aciona o Samu e o paciente é encaminhado à emer- gência do hospital mais próximo. Você decide acompanhar o paciente até o pronto socorro, pois ele encontrava-se sozinho em sua clínica. Após estabilização do seu quadro clínico, você é chamado pelo médico plantonista, que confirma o IAM. O médico relata que, devido aos fatores de risco do paciente, seus va- sos sanguíneos já estavam bastante comprometidos devido à aterosclerose, e possivelmente devido à formação de trombos nesses vasos um êmbolo arterial obstruiu uma das artérias coronárias do paciente, desencadeando uma isquemia persistente e prolongada, e consequentemente um infarto. Apesar da seriedade do quadro, o médico plantonista elogia seu reconhe- cimento do quadro, e relata que, embora o paciente tenha sofrido o infarto, as próximas horas após o tratamento médico serão importantes, pois definirão a gravidade do infarto. Além disso, o médico relata que, caso o paciente tivesse saído da clínica sem receber qualquer tipo de atendimento, possivelmente teria seu quadro clínico agravado e poderia ter entrado em choque cardiogênico. Embora triste pela situação que seu paciente enfrenta, você fica contente por ter agido rapidamente e reduzido seu risco de mortalidade. Embolia, infarto e choque 13 Para finalizar este capítulo, vamos relembrar alguns pontos importantes. As consequências de uma embolia dependem basicamente do tipo de trombo que a originou, da sua localização, mas também do tipo de tecido que sofrerá com a hipóxia celular. Geralmente, os tecidos embolizados sofrem isquemia transitória, originando alterações microscópicas denominadas degenerações, ou sofrem uma isquemia persistente e prolongada, dando origem a um infarto tecidual. Por sua vez, a gravidade de um infarto tecidual dependerá da extensão da área isquêmica e de qual órgão foi afetado. Especificamente o cérebro e o coração têm a capacidade de apresentar uma área minimamente perfun- dida a fim de manter a viabilidade do órgão. Por isso, os infartos podem ser insignificantes ou gravíssimos. Seja como for, no mais das vezes o indivíduo acometido terá dores, febre, alterações no hemograma sanguíneo e liberação de enzimas que caracterizam o processo de necrose tecidual do infarto. Ademais, ambos processos patológicos — embolia e enfarto — podem culminar no desenvolvimento de choque, o que pode levar a uma lesão te- cidual hipóxica e ao óbito se não corrigido rapidamente. O conhecimento patológico desses distúrbios circulatórios é essencial para o profissional da saúde atuar na prevenção de doenças cardiovasculares, compreender o desenvolvimento de patologias específicas e desenvolver um olhar clínico aos sinais e sintomas exibidos. Referências BRASILEIRO FILHO, G. Bogliolo patologia. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. KUMAR, V.; ABBAS, V.; ASTER, J. Robbins & Cotran patologia: bases patológicas das doenças. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021. SALLES, M. J. C. et al. Síndrome da resposta inflamatória sistêmica/sepse: revisão e estudo da terminologia e fisiopatologia. Revista da Associação Médica Brasileira, v. 45, n. 1, p. 86-92, 1999. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ramb/a/8gXyF6Fgfm RdKc9ghfxQNrn/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 14 dez. 2021. TEIXEIRA, D. de A. Fisiologia humana. Teófilo Otoni: Faculdade Presidente Antonio Carlos de Teófilo Otoni, 2021. Disponível em: https://unipacto.com.br/storage/gallery/ files/nice/livros/FISIOLOGIA%20HUMANA%20EBOOK%20-%20978-65-992205-4-8.pdf. Acesso em: 14 dez. 2021. UFMG. Patologia em hipertexto. Belo Horizonte: Laboratório de Apoptose, Departamento de Patologia Geral, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais, 2000. Disponível em: http://depto.icb.ufmg.br/dpat/old/pathip.htm. Acesso em: 14 dez. 2021. Embolia, infarto e choque14 UNICAMP. Site didático de anatomia patológica, neuropatologia e neuroimagem. Cam- pinas: Departamento de Anatomia Patológica da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, 2007. Disponível em: https://anatpat.unicamp. br/. Acesso em: 14 dez. 2021. Leituras recomendadas FELIN, I. P. D.; FELIN, C. R. Patologia geral em mapas conceituais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. KIERSZENBAUM, A. L.; TRES, L. L. Histologia e biologia celular: uma introdução à pato- logia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. MERKLE, C. J. Manual de fisiopatologia. São Paulo: Roca, 2007. MITCHELL, R. N. et al. Robbins & Cotran: fundamentos de patologia. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. MONTENEGRO, M. R.; FRANCO, M. Patologia: processos gerais. 5. ed. São Paulo: Atheneu, 2010. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os edito- res declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Embolia, infarto e choque 15
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