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amérIca portugueSa: expanSão e dIverSIdade econômIca 87 Outras atividades e expansãO territOrial A subordinação à metrópole não impediu que houvesse certo dinamismo nas relações econômi- cas e comerciais na América portuguesa. Houve até mesmo um comércio direto com áreas que não per- tenciam ao domínio português, como a região do rio da Prata, no sul da América, e com regiões africanas, como Angola, Costa da Mina e Moçambique, além de Goa e Macau, na Ásia. Também no tráfico de es- cravos, vários comerciantes que abasteciam de es- cravos a colônia portuguesa e aqui residiam negocia- vam diretamente com fornecedores locais africanos. Outras atividades que reforçavam esse dinamismo eram o comércio interno de alimentos e os emprés- timos. Alguns se dedicavam ainda a cobrar impostos em nome da Coroa, mediante contratos em leilões oficiais, prática usual metropolitana. Vários desses mercadores enriqueceram e, em geral, compraram terras e escravos, conquistando assim maior prestí- gio na sociedade colonial. Além da atividade comercial, a colônia tam- bém cultivava produtos como mandioca, arroz, mi- lho, feijão, tabaco e algodão e produzia aguardente e rapadura, tanto para a subsistência dos colonos quanto para exportação. Como se pode ver, apesar da importância da empresa açucareira para a políti- ca colonizadora portuguesa, havia outras atividades econômicas na colônia. A mandioca estava na base da alimentação, es- pecialmente dos escravos, e sua produção chegou a ser imposta aos senhores a fim de evitar crises ali- mentares, que poderiam afetar a população e com- prometer o projeto colonizador. O fumo, produzido principalmente na Bahia, era importante moeda de troca no comércio de negros escravos nas regiões africanas. Chegou a representar a segunda maior receita de exportação agrícola da co- lônia. Sua importância econômica e o fato de o cultivo exigir menos terra e menos mão de obra atraíram inú- meros lavradores, especialmente entre o final do sé- culo XVII e início do XVIII. A produção de tabaco era controlada, sobretudo, por mulatos e negros livres, e não foi uma atividade da elite. A produção de aguardente e rapadura, embora reduzida, também era muito importante na troca por escravos africanos, sendo realizada principalmente no litoral de São Vicente. Rio Grande Laguna Desterro Paranaguá Cananeia Curitiba Iguape Santos Rio de Janeiro Campos dos Goitacases Espírito Santo Vitória Sabará Porto Seguro Santa Cruz Ilhéus São Salvador Jacobina Vila Boa Vila Bela Vila Maria (Cáceres) São Pedro d’El Rei (Poconé) Cuiabá São Cristóvão Alagoa do Sul Recife Olinda Paraíba Natal Pombal AquirazViçosa Parnaíba São Luís Belém Caeté Macapá Óbidos GUIANAS SantarémBarra do Rio Negro Borba Barcelos Olivença Alcântara Fortaleza Quixeramobim Vila Rica São João del-Rei Guaratinguetá TaubatéPorto Feliz Vila do Ribeirão do Carmo Sorocaba São Paulo Lages VI CE -R EI NO D E NO VA G RA NA DA V IC E -R EINO DO PERU V IC E -R E IN O D O R IO D A PRATA Grão-Pará e Maranhão 1755-79 Companhia Geral do Companhia Geral de Pernam buco e P araíb a 1759-80 Ri o Ur ug ua i R io P ar an áR io P ar ag ua i R io P arn aíba Rio Guaporé Ri o M ad eir a Rio Pu ru sRio Ju ru á Rio Japurá R io Ja var i R io Negro R io N eg ro Rio Amazo nas Ri o T ap ajó s Ri o Xi ng u R io A ra gu aia Ri o To ca nt in s Ri o S ão Fran cisco OCEANO ATLÂNTICO OCEANO PACÍFICO Pau-brasil Cana-de-açúcar Pecuária Mineração Drogas do sertão Fumo Algodão Equador 0º 65º O Trópico de Capri córnio 400 km 0 800 A ll m a p s /A rq u iv o d a e d it o ra Adaptado de: CAMPOS, Flavio de; DOLHNIKOFF, Miriam. Atlas História do Brasil. 3. ed. São Paulo: Scipione, 2002. p. 15. atividades econômicas (século XViii) HGB_v2_PNLD2015_084a098_u1c07.indd 87 3/21/13 3:29 PM 88 europa, o centro do mundo O cultivo de algodão, mais intenso no Mara- nhão, estava ligado inicialmente à confecção das rou- pas dos escravos, já que os senhores e suas famílias usavam tecidos vindos da Europa. Porém, logo se transformou em produto de exportação. A pecuária e a extração das drogas do sertão, com as expedições para o interior – enfrentando inva- sores estrangeiros ou procurando metais preciosos e indígenas –, foram decisivas para a ocupação do inte- rior brasileiro e a ampliação das fronteiras da colônia. Nesses deslocamentos, os colonos enfrentavam mui- tas dificuldades. Era comum levarem indígenas como guias. Para se alimentar, saqueavam plantações de outros grupos indígenas, ou então plantavam gêneros alimentícios para colher na volta da expedição. Com o tempo, os habitantes dos povoados passaram a se fixar próximo dos caminhos, para oferecer pouso e ali- mentação, abrigando as pessoas e os animais usados no transporte. Os perigos das viagens pelo interior eram mui- tos: animais ferozes ou venenosos, insetos, carrapa- tos, morcegos e aranhas, assim como a resistência de grupos indígenas manifestada em ataques e embos- cadas. Os Caiapó, por exemplo, chegaram a viver do ataque e saque a expedições comerciais fluviais que se embrenhavam pelo interior. a ocupação do nordeste e da região amazônica A criação de gado se desenvolveu perto dos en- genhos, como uma atividade complementar da rica empresa açucareira, e deixou pouco a pouco o litoral Forte Presépio de Santa Maria de Belém, 1616 (Belém) Forte de Macapá Forte S. José do Rio Negro Forte S. Gabriel da Cachoeira Forte S. José de Marabitanas Forte S. Francisco Xavier de Tabatinga São Paulo dos Cambetas Forte de Gurupá Paru Jamundá Coari Tefé Tapajós Fortaleza de São Luís do Maranhão, 1612 (São Luís) Fortaleza de N. S. da Assunção, 1654 (Fortaleza) Forte dos Reis Magos, 1597 (Natal) Forte de Filipeia de N. S. das Neves, 1584 (João Pessoa) Olinda Salvador Ibiapaba Aldeias Altas M e ri d ia n o d o T ra ta d o d e T o rd e s ilh a s Rio Ama zonas R io S ão Fr anc isco Equador 0º 0 290 km 580 para se transformar num importante fator de ocupa- ção do interior das capitanias do Nordeste. A pecuária oferecia a força motriz dos engenhos, transporte, ali- mento e couro, usado na confecção de roupas, calça- dos, móveis e outros utensílios tanto para os morado- res dos engenhos como para as populações das vilas. A criação extensiva do gado, solto nas terras, re- queria sempre novas pastagens, o que favoreceu seu avanço pelo sertão. Já no século XVII, a atividade dos vaqueiros alcançava as capitanias do Ceará e Mara- nhão, ao norte, e as margens do rio São Francisco, ao sul, regiões onde surgiram importantes fazendas de gado, chamadas currais. A criação de gado deslocou-se para o interior do Nordeste não só em busca de melhores pastagens, mas também para evitar que os animais destruíssem os canaviais. A atividade pecuarista utilizava princi- palmente trabalhadores livres, como mestiços de in- dígenas e negros. Como pagamento, normalmente re- cebiam uma cria para cada quatro animais criados ao longo de cinco anos, o que servia de estímulo ao va- queiro. As dificuldades geradas pela crise açucareira atraíram muitos colonos de estratos sociais inferiores para a pecuária. Assim, em contraste com a sociedade do açúcar, essa atividade permitia uma maior mobili- dade social. No início do século XVIII, a necessidade de abas- tecimento alimentar e de transporte para a empresa mineradora no centro-sul impulsionou a pecuária no Nordeste e no Sul da colônia. O combate à presença estrangeira, espe- cialmente durante a União Ibérica, também con- tribuiu para a ocupação do interior do Nordes- te e da região que hoje chamamos Amazônica. Adaptado de: IstoÉ. Brasil – 500 anos: atlas histórico. São Paulo: Grupo de Comunicações Três S.A., 1998. p. 18. p as fortificações erguidas para defender o domínio luso transformaram-se emimportantes cidades. a ocupação do norte e do nordeste A ll m a p s /A rq u iv o d a e d it o ra HGB_v2_PNLD2015_084a098_u1c07.indd 88 3/21/13 3:29 PM amérIca portugueSa: expanSão e dIverSIdade econômIca 89 As fortificações construídas pelas expedições mili- tares, organizadas para combater as invasões, trans- formaram-se, com o tempo, em importantes cidades da região, como a Fortaleza de Filipeia de Nossa Se- nhora das Neves, fundada em 1584, na Paraíba, que se transformou na atual João Pessoa, e o Forte dos Reis Magos (1597), no Rio Grande do Norte, embrião da atual cidade de Natal. Na região amazônica, quando comparada a ou- tras partes da América portuguesa, a conquista e ocu- pação ocorreu relativamente tarde: apenas na época da União Ibérica. As dificuldades de comunicação entre o Maranhão e o resto do Brasil sugeriram a ideia de criar ali um Estado independente. Por decisão do rei da Es- panha, em 1621 foi criado o Estado do Maranhão, que começava no Ceará, próximo do Cabo de São Roque, e ia até a fronteira setentrional, ainda indefinida, do Pará. Belém passou a ser uma base para repelir as investidas estrangeiras que colocavam em risco o acesso às minas de prata espanholas da região do Peru. A ocupação das terras que constituem o atual es- tado do Amazonas contou ainda com apresadores de indígenas e jesuítas, que fundaram dezenas de aldeias de catequese. Contudo, a principal base econômica para a ocupação da Amazônia foi a coleta de recursos florestais – as drogas do sertão, como cacau, baunilha, guaraná e ervas medicinais e aromáticas – administra- da pelos jesuítas, que utilizavam o conhecimento e a mão de obra indígenas. Uma das motivações para a ex- ploração das drogas nativas foi a perda de espaço dos portugueses no comércio de especiarias da Ásia. Como bem discutiu a historiografia, os militares, os religiosos e os sertanistas tiveram um papel fundamental para assegurar a dominação portuguesa do Estado do Maranhão e para definir a forma de ocupação desse território. Entretanto, a ocupação dessa vasta região durante o século XVII não pode ser pensada sem o papel fundamental dos donatá- rios, dos lavradores e dos moradores das vilas e cidades, que ocupavam esse mesmo território a partir de diferentes lógicas. A importância de pensar as distintas apropriações econômicas do território é indispensável para refletir sobre o que poderíamos chamar de “riscos da amazonização”. É claro que existe uma realidade geográ- fica que podemos reconhecer como floresta amazônica. Entretanto, no século XVII (e no século XVIII também) a colonização portuguesa pen- sava essa região a partir de uma perspectiva político-administrativa que abrangia um território mais vasto que a Amazônia propriamente dita. Era o Estado do Maranhão e Pará, que em meados do século XVIII se transforma em Estado do Grão-Pará e Maranhão. Essa unidade admi- nistrativa do império português compreendia, em finais do século XVII, regiões tão diferentes como o Rio Negro, em plena floresta, e a capitania do Piauí, semiárida em parte do seu território, onde o gado havia se tor- nado a principal atividade econômica. Poderíamos então afirmar a existência de uma Amazônia no sé- culo XVII? Claramente, a Coroa, bem como os moradores, as autori- dades e também os próprios indígenas compreendiam as diferenças entre as diversas partes do Estado. No decurso do primeiro século de conquista, o Pará se tornou mais dependente dos produtos da floresta, como o cacau e o cravo de casca, e também dos próprios escravos indígenas. No Maranhão, por exemplo, a produção de algodão se tor- nava cada vez mais importante, inclusive porque durante muito tempo o tecido e o fio de algodão foram instituídos como moedas correntes da região. O Piauí se especializava em gado bovino, fornecido em boa parte para o Estado do Brasil. Entretanto, todos esses espaços eram perpassados por uma mesma lógica política que os unia, e por uma preocupação geral da Coroa portuguesa, inquieta de sua delicada situa- ção financeira e militar na região. [...] Ao fazer uma “história amazônica” no período colonial, não es- taríamos projetando no passado uma lógica espacial que é funda- mentalmente contemporânea? Esta lógica se tornou hegemônica no século XX, quando o território brasileiro foi dividido em regiões, entre elas a região Norte, e quando se criou a Amazônia legal. O termo Amazônia não existe na documentação do século XVII nem do século XVIII. Isso é um indicativo de uma concepção espacial, ao menos para os portugueses, que pensava a região a partir de pressupostos diferentes dos nossos. Isso não quer dizer que a fundação do Estado do Maranhão criou uma realidade geográfica – e esse argumento vale também para o século XX –, mas que a criação do Estado do Maranhão imprimiu um sentido à ocupação da região. Esse sentido incorporou os vetores de uma ocupação militar, missionária e ser- tanista, mas também agrupou vetores decorrentes da fundação de vilas, da doação de capitanias, da distribuição de sesmarias e da experimentação agrícola. [...] Escrever a história do território do Estado do Maranhão e Pará significa, então, compreender a sua heterogeneidade. um ConteXto HistóriCo e geográFiCo DiVersiFiCaDo CHAMBOULEYRON, Rafael. Plantações, sesmarias e vilas. Uma reflexão sobre a ocupação da Amazônia seiscentista. Nuevo Mundo Mundos Nuevos, Debates, 2006. Disponível em: <http://nuevomundo.revues.org/index2260.html>. Acesso em: 4 set. 2012. p. 6-7. Questões interdisciplinares 1. de acordo com o texto, qual foi a perspectiva adotada pela coroa portuguesa para pensar a região que hoje defi- nimos como “amazônica”? 2. por que o autor do texto acima questiona a possibilidade de se fazer uma “história amazônica”? HGB_v2_PNLD2015_084a098_u1c07.indd 89 3/21/13 3:29 PM 90 EUROPA, O CENTRO DO MUNDO Como em outras partes da colônia, a ocupação da região Norte encontrou resistência dos nativos. Nem todos os grupos indígenas eram hostis aos colonizadores: muitas nações se aliaram à Coroa, combatendo “estrangeiros” e outros grupos nativos, como, aliás, ocorreu em toda a América portuguesa. Os conquistadores portugueses preferiam ter as na- ções indígenas a seu lado, e não lutando contra eles. A expansão bandeirante A pobreza da inicialmente próspera capitania de São Vicente, diante do sucesso do empreendimento açucareiro no Nordeste, levou à organização de ban- deiras, expedições cujo objetivo era procurar riquezas no interior da colônia e capturar nativos para vender como escravos. Em certa época, as expedições também passaram a ser contratadas para atacar quilombos. A necessidade de mão de obra era cada vez maior. Os holandeses, em 1637, ocuparam os mais importantes portos africanos de fornecimento de africanos escravi- zados para o Brasil. Com exceção de Pernambuco, que também estava sob o domínio holandês, a colônia não tinha acesso a carregamentos de escravos. Assim, embo- ra as primeiras bandeiras de apresamento de indígenas visassem obter mão de obra para a pequena lavoura de São Vicente ou para regiões próximas, progressivamente passaram também a suprir as necessidades dos senho- res de engenho do Nordeste, onde se localizava a maior produção agrícola baseada em mão de obra escrava. Muitas bandeiras atacaram as missões jesuíti- cas do oeste e sul da colônia, capturando dezenas de milhares de nativos. Os indígenas aculturados tinham valor mais alto que os demais, por estarem mais adap- tados ao trabalho agrícola segundo o modelo europeu. A atividade apresadora de indígenas entrou em decadência com o � m do domínio espanhol e a retoma- da do comércio de africanos pelos portugueses, norma- lizando o abastecimento de escravos para a colônia. As expedições, organizadas em bandeiras, dedicaram-se então a atacar aldeamentos de nativos insubmissos e de negros fugidos que viviam em quilombos. Essas ex- pedições, a serviço dos fazendeiros ou da administra- ção colonial,eram chamadas de bandeiras de contra- to. Entre elas, destacou-se a de Domingos Jorge Velho, que venceu a resistência dos Cariri e Janduí e destruiu o Quilombo dos Palmares, em � ns do século XVII. Sobre a resistência dos Cariri, veja os comentários no boxe da página seguinte da historiadora Adriana Machado Pi- mentel de Oliveira Kraisch. MINAS GERAIS SÃO PAULO MATO GROSSO GOIÁS Sabará Cataguazes Taubaté CampinasPorto Feliz Casa Branca Vila Boa Vila Real do Bom Jesus de Cuiabá Sorocaba São Vicente São Paulo Vila Rica (hoje Ouro Preto) Trópico de Capricórnio R io P ar an á R io P ar ag ua i R io C ui ab á R io P ara naíba Rio Grande Rio Tietê Rio Paranapanema Rio Araguari Rio Pardo Bandeiras Caminho para o Brasil central OCEANO ATLÂNTICO Ri o T aquari 0 187 km 374 Trópico de Capricórnio Equador 0º DOMÍNIO ESPANHOL DOMÍNIO PORTUGUÊS OCEANO ATLÂNTICO São Luís Recife Salvador Rio de Janeiro São Vicente São Paulo Tape Guairá Itatim Bela Vista Manaus Gurupá M er id ia no d o T ra ta do d e T or de si lh as Missões jesuíticas Manoel Preto e Raposo Tavares Raposo Tavares Raposo Tavares, André Fernandes e Fernão Dias Paes 0 470 km 940 Adaptado de: CAMPOS, Flavio de; DOLHNIKOFF, Miriam. Atlas História do Brasil. São Paulo: Scipione, 2002. p. 19. Adaptado de: CAMPOS, Flavio de; DOLHNIKOFF, Miriam. Atlas História do Brasil. São Paulo: Scipione, 2002. p. 14. p Nas missões jesuíticas (mapa à esquerda), os bandeirantes encontravam indígenas reunidos, catequizados e mais adaptados à cultura branca colonizadora. As bandeiras partiam de Sorocaba (São Paulo) e utilizavam principalmente os rios Tietê, Paraná e Pardo para atingir Mato Grosso e Goiás (mapa à direita). O bandeirismo e o ataque às missões jesuíticas As bandeiras e o caminho para o Brasil central MINASMINAS As bandeiras e o caminho para o Brasil central M ap as : A llm ap s/ A rq u iv o d a ed it o ra HGB_v2_PNLD2015_084a098_u1c07.indd 90 25/03/2013 16:01 amérIca portugueSa: expanSão e dIverSIdade econômIca 91 Cariri é a designação da principal família de línguas indígenas do sertão do Nordeste, onde vários grupos locais ou etnias foram ou são referidos como pertencentes ou relacionados a ela. [...] Os muitos gru- pos Cariri existentes ao norte do rio São Francisco, principalmente nos atuais estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, enfrentaram a epopeia de uma guerra de extermínio que se seguiu à expulsão dos holandeses e que durou toda a segunda metade do século XVII. Eles ocuparam, preferencialmente, as áreas próximas ao Rio São Francisco e seus principais afluentes, seguindo em direção setentrional em bus- ca de outros locais adequados para sobrevivência. [...] Quando falamos em “Guerra dos Bárbaros” nos referimos aos conflitos dos povos generalizados como Tapuia do sertão nordestino. A própria documentação colonial, quando fala de sublevações indígenas, se utiliza esta denominação. Segundo [o historiador Pedro] Puntoni, “a Guerra dos Bárbaros foi igualmente tomada pela historiografia como uma confederação das tribos hostis ao Império Português, um genuíno movimento organizado de resistência ao colonizador”. [...] Os colonizadores, na sua tentativa de estabelecer um domínio dos campos agrícolas e de criação de gado, tentaram, de todas as formas, eliminar as nações Tapuia, que se localizavam em todos os sertões do Nordeste. Através da catequização e das chamadas “guer- ras justas”, a escravidão e o massacre demonstraram que o europeu não estava preocupado em procurar conviver pacificamente com os processos culturais dos povos que viviam no interior. Estabelecer os núcleos de povoamento, na maioria das vezes, significava deslocar as populações indígenas localizadas nas proximidades dos rios e isto era estabelecer conflitos com estes Tapuia. [...] No Nordeste, especialmente no Rio Grande do Norte e no Ceará, a Confederação dos Cariris, embora muito menos falada, quase des- truiu, em seus fundamentos, a colonização lusa. Ela pegou de sur- presa muitos capitães-mores do interior, que, por terem sido muitas vezes pegos de surpresa, não conseguiram esboçar qualquer reação contra estes indígenas, num primeiro momento, fazendo com que os índios rebelados fossem duramente combatidos, causando uma guer- ra de extermínio que contou com o auxílio de forças armadas vindas de todo o país, sobretudo de bandeirantes paulistas. Depois das batalhas, os prisioneiros mais fortes eram exter- minados a ferro frio, as mulheres e as crianças eram escraviza- das e enviadas para as fazendas para indenizar os proprietários de terra dos custos da “guerra justa”. Dessas mulheres escravizadas e violadas descendemos nós – o povo caboclo. Darcy Ribeiro [an- tropólogo e político brasileiro] fala que esses primeiros “mestiços” eram “ninguém” e que, para existir, precisavam reinventar-se a si mesmos. Assim reinventamos uma nova cultura, uma nova civili- zação do semiárido. guerra Dos BárBaros ou ConFeDeração Dos Cariri? As mais importantes bandeiras foram, contudo, as destinadas à procura de metais preciosos, incen- tivadas pela metrópole. O financiamento das expedi- ções da região de São Paulo atual resultou na desco- berta de ouro na região de Minas Gerais – como em Vila Rica, atual Ouro Preto, e Sabará –, depois Mato Grosso e Goiás, dando início à atividade econômica mineradora na colônia. Veja este trecho do documento “Informação do estado do Brasil e de suas necessidades”, que data possivelmente de 1690 e é anônimo: Sua majestade podia se valer dos homens de São paulo, fazendo-lhes honras e mercês, que as honras e os interesses facilitam os homens a todo o perigo, porque são homens capazes para penetrar todos os sertões, porque andam continuamente sem mais sus- tento que caças do mato, bichos, cobras, lagartos, fru- tas bravas e raízes de vários paus, e não lhes é moles- to andarem pelos sertões anos e anos, pelo hábito que têm feito daquela vida. e suposto que estes paulistas, por alguns casos sucedidos de uns para com outros, sejam tidos por insolentes, ninguém lhes pode negar que o sertão todo que temos povoado neste Brasil eles o conquistaram do gentio bravo [...]. também se lhes não pode negar que foram os conquistadores dos palmares de pernambuco e tam- bém se podem desenganar sem que os paulistas com seu gentio nunca se há de conquistar o gentio bravio [...]. apud aBreu, capistrano de. capítulos de história colonial. disponível em: <www.sertoes.art.br/htmls/ sertaocapistranodeabreu.htm>. acesso em: 4 set. 2012. As capacidades que o documento atribui aos “paulistas” não se referem aos portugueses, mas aos indígenas. A explicação é que os bandeirantes instala- ram-se na região que viria a ser São Paulo por meio de acordos com indígenas, com os quais se aliaram. Es- ses acordos envolviam uniões com mulheres indíge- nas. Assim, o bandeirante era, em geral, um mestiço, que aprendia com os indígenas a sobreviver na mata e a fazer a guerra com outros grupos indígenas, para a qual os seus aliados tinham suficiente prática, já que a guerra era um evento importante do universo dos indígenas desde antes da chegada dos portugueses. KRAISCH, Adriana Machado Pimentel de Oliveira. Os índios tapuias do Cariri paraibano no período colonial: ocupação e dispersão. Anais do II Encontro Internacional de História Colonial. Mneme – Revista de Humanidades. UFRN. Caicó (RN), v. 9. n. 24, set/out. 2008. Disponível em: <www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais/st_trab_pdf/pdf_st2/adriana_kraisch_st2.pdf>. Acesso em: 4 set. 2012. HGB_v2_PNLD2015_084a098_u1c07.indd 91 3/21/13 3:29 PM