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212 Para entender nosso temPo: o século XIX Mais tarde, os movimentos populares foram retomando força e conquistando, em 1858, o fim do censo eleitoral para a Câmara dos Comuns e, em 1867, a ampliação do direito de voto, deixando ainda de fora os trabalhadores indus- triais mais pobres. Posteriormen- te, foi estabelecido o voto secreto e o direito de voto foi estendido aos trabalhadores rurais. No final dos anos 1880, os sindicatos foram ofi- cialmente reconhecidos e foi regu- lamentada a duração da jornada de trabalho dos adultos (homens e mulheres) e crianças. Após as eleições de 1906, as disputas políticas e a busca pela ampliação dos direitos eleitorais e sociais estruturaram definitiva- mente o Partido Trabalhista, formado em 1893 por líderes sindicais, e também levaram ao sufrágio “uni- versal” britânico em 1918. C o rb is /L a ti n s to ck /C o le ç ã o S ta p le to n inglAteRRA e A eRA vitoRiAnA p Pintura da rainha Vitória do início do século XIX, de Franz Winterhal- ter. seu longo reinado de 63 anos só terminou três semanas depois de ter acabado o século XIX, o chamado “século britânico”. p a miséria da Inglaterra industrial é retratada nesta imagem de 1872, de autoria de Gustave doré. C o rb is /L a ti n s to ck /C o le ç ã o S ta p le to nNas primeiras décadas do século XIX, a Inglaterra consoli- dou-se como principal potência mundial, situação que vigorou até o início do século XX – não sem contestações e disputas. A rainha Vitória ocupou o trono inglês durante a maior parte desse século, governando o reino por mais de 60 anos (1837-1901). Adotou uma política marcada- mente burguesa e impulsionadora do liberalismo. Essa fase de apo- geu britânico tornou-se conhecida como Era Vitoriana. O rápido crescimento indus- trial, a poderosa marinha mer- cante e o Estado solidamente estruturado garantiam o poderio britânico, que desde a derrota de Napoleão Bonaparte, em 1815, não encontrava ne- nhum rival suficientemente forte para ameaçar de forma decisiva sua estabilidade, liderança e hegemo- nia internacional. Foi a era da libra esterlina como moeda do comércio internacional. O período vitoriano foi também uma épo- ca de grandes conquistas trabalhistas. Organi- zações de trabalhadores como as trade unions venceram a resistência do empresariado e ob- tiveram sucessivas melhorias nas condições de trabalho (legislação trabalhista, redução da jornada de trabalho, melhores salários), bem como maior espaço na vida política inglesa. Em 1838, os operários ingleses elabora- ram uma petição ao Parlamento, a Carta do Povo, que reivindicava o sufrágio universal, o voto secreto, o fim do critério censitário (ren- da mínima pessoal) para votar e ser votado, a remuneração dos eleitos e eleições anuais. O documento foi rejeitado pelo Parlamento, mas inspirou um movimento de massas, o movi- mento cartista, que pressionou os governan- tes e obteve algumas conquistas, como a regu- lamentação do trabalho infantil e feminino, a permissão de associações políticas e a jornada de trabalho de 10 horas. Mais do que isso, o cartismo foi um importante marco na organi- zação dos trabalhadores. HGB_v2_PNLD2015_209a225_u2c16.indd 212 3/21/13 4:16 PM euroPa e estados unIdos no século XIX 213 A historiadora Catherine Hall analisa como se processou a distinção entre os espaços públicos e os privados e entre os papéis que deveriam ser assumidos por homens e mulheres, na Inglaterra do século XIX. A autora expõe como os ideais de privacidade e dos papéis femininos defendidos pelas classes abastadas foram, em certa medida, adotados pelo operariado. Além disso, a regulamentação do trabalho feminino não é tratada exatamente como uma conquista, mas resultado de uma imposição masculina. Pode-se ver uma convergência entre as ideias dos evangélicos e as de alguns meios do operariado no desenvolvimento de uma po- lítica oficial, no decorrer da década de 1840, relativa ao trabalho das mulheres. Entre 1830 e 1840, os homens foram reconhecidos como cidadãos responsáveis, ao passo que as mulheres eram maciça- mente reduzidas ao silêncio. A ideia então defendida [...] era que o homem devia receber um “salário familiar”, uma quantia suficiente que lhe permitisse sustentar toda a sua família. [...] As reivindica- ções salariais em sindicatos de operários qualificados anunciam a ideia do “salário familiar”. No entanto, não é o caso de ver aí uma aceitação irrestrita das ideias da burguesia, tratando-se antes de uma adaptação e uma reforma de um ideal específico de classe. No começo da década de 1840, para tomar apenas um exemplo, o receio da burguesia quanto ao emprego de mulheres em ofícios incompatíveis com sua natureza manifestou-se com relação ao tra- balho feminino nas minas. [...] Uma burguesa que trabalhasse para ganhar dinheiro não era feminina. No caso do trabalho das mulheres pobres, as normas eram um pouco diferentes. As mulheres podiam ter um ofício, se fosse um prolongamento do seu papel feminino “natural”. Não se considerava inconveniente que as empregadas do- mésticas limpassem, cozinhassem e cuidassem das crianças. [...] Mas certos ofícios executados pelas mulheres eram considerados totalmente incompatíveis com a natureza delas, principalmente se fossem exercidos num ambiente misto. Uma mulher trabalhando em subterrâneos era a negação mais categórica da concepção de feminilidade sustentada pelos evangélicos. A comissão nomeada para investigar o trabalho infantil nas minas ficou assombrada e horrorizada ao ver as condições de trabalho das mulheres. Além do mais, elas trabalhavam ao lado de homens, sem estarem inteira- mente vestidas como deveriam. Era uma afronta à moral pública, que ameaçava de ruína a família operária. [...] Observavam que, se as mulheres dos donos das minas po- diam ficar em casa, isso também devia valer para as suas. [...] O tra- balho feminino era visto como uma ameaça ao setor, pois a presen- ça das mulheres mantinha o baixo nível dos salários. Os mineiros tinham suas boas razões para preferir, em termos ideais, sustentar as necessidades de suas mulheres em casa. [...] Elas detestavam suas condições de trabalho, mas precisavam de dinheiro. Não foram ouvidas e, ao final de um dos maiores debates da década de 1840, os homens foram definitivamente reconhecidos como trabalhadores, e as mulheres como esposas e mães, por obra do Estado, da burgue- sia filantrópica e dos operários. HALL, Catherine. Sweet Home. In: História da vida privada: da Revolução Francesa à Primeira Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. p. 79-82. pApéIs femININos T h e B ri d g e m a n A rt L ib ra ry /G e tt y I m a g e s /M u s e u N a c io n a l d e A rt e s e T ra d iç õ e s P o p u la re s , P a ri s , F ra n ç a . p Interior de uma cabana de mineiros de carvão, gravura de Godefroy engelmann, de 1829. HGB_v2_PNLD2015_209a225_u2c16.indd 213 3/21/13 4:16 PM 214 Para entender nosso temPo: o século XIX A liberdade guiando o povo celebra a revolução de julho de 1830, na qual diversos setores da população francesa lutaram contra a restauração conduzida pelo rei Carlos X. A liberdade é representada pela figura de uma mulher, também símbolo da pátria: segura, protetora, generosa e maternal (observe os seios à mostra). As pessoas do povo olham-na e seguem-na, como se aguardassem sua voz de comando. Nos detalhes percebem-se os últimos acontecimentos: confrontos armados, fumaça, corpos sem vida e personagens representativas – o trabalhador de uma manufatura (com o sabre e de avental); o migrante rural (de lenço vermelho na cabeça); o aluno parisiense, simbolizado no garoto que, provavelmente, retrata uma personagem de Os miseráveis, de Victor Hugo, e, à esquerda, de cartola, o próprio pintor,Delacroix, que, não tendo participado do movimento, tenta, segundo ele mesmo, compensar essa omissão retratando-se de arma em punho. nas ruas de Paris, pressionando por mudanças. Carlos X abdicou do trono e exilou-se na Inglaterra. A Revolução de 1830 sepultou definitivamente as intenções restauradoras do Congresso de Viena, motivando um período de progressismo, de ímpeto revolucionário, que levaria às revoluções de 1848 e a diversos movimentos nacionalistas. Com a queda da dinastia Bourbon, em 1830, subiu ao trono Luís Filipe de Orléans, que se tornaria conhe- cido como o “rei burguês” ou o “rei das barricadas” – pois foi coroado com o apoio da burguesia francesa, depois de liderar os levantes com barricadas nas ruas de Paris. Sua posse representou um avanço liberal que repercutiu por toda a Europa, pois simbolizava os anseios das nações prejudicadas pelas medidas adotadas pelo Congresso de Viena. Inspirou o nacio- nalismo na Bélgica, que se proclamou independente dos Países Baixos, bem como na Alemanha, na Itália e na Polônia, que iniciaram as lutas nacionais contra a dominação estrangeira. Luís Filipe reformulou a Constituição dos Bour- bon, enfatizando o liberalismo: submeteu-se à Cons- tituição, fortaleceu o Legislativo, aboliu a censura e determinou que a religião católica deixaria de ser a religião oficial no país. Porém manteve o limite censi- tário para o voto e para a candidatura a cargos legisla- tivos. Atendeu, assim, exclusivamente aos interesses da burguesia, ignorando os do proletariado. A FRAnçA no SécUlo XiX Após a queda de Napoleão Bonaparte em Wa- terloo (1815), como já vimos, foi coroado Luís XVIII, irmão do rei Luís XVI, que fora guilhotinado durante a Revolução Francesa. Uma nova Constituição resta- beleceu na França um governo elitista, combinando o absolutismo com um aparente liberalismo, voto censitário e cerceamento dos direitos e da liberdade conseguidos durante a Revolução Francesa. Seu su- cessor e também irmão, Carlos X, que reinou de 1824 a 1830, chegou a restabelecer os mol- des de um governo centraliza- do e restaurar os privilégios do clero e da nobreza. A forte oposição dos liberais a Carlos X, sob a li- derança do duque Luís Fili- pe de Orléans e da impren- sa, mobilizou a sociedade, preparando o palco em que aconteceria a Revolução de 1830. Nesse ano, frente às decisões de Carlos X em suprimir a liberdade de imprensa e conter as medidas de controle político, populares reagiram com levan- tes e barricadas Reprodução/Museu do Louvre, Paris, França. p caricatura de carlos X, mostrando-o como uma figura risível, ligada ao clero e aos militares. um RetRAto dA Revolução de 1830 p A liberdade guiando o povo, pintura a óleo de eugène dela- croix, de 1831. R e p ro d u ç ã o /R u ck e rt HGB_v2_PNLD2015_209a225_u2c16.indd 214 3/21/13 4:16 PM euroPa e estados unIdos no século XIX 215 Além da falta de direitos civis, os operá- rios e as massas urbanas em geral enfren- tavam condições precárias de vida e de trabalho. Muitos não encontravam em- prego. Desencadeou-se, em feve- reiro de 1848, um novo movimen- to revolucionário, com intensa mobilização popular e operária e a adesão da Guarda Nacio- nal. Luís Filipe abdicou e, assim como seu antecessor, refugiou- -se na Inglaterra. A revolução exaltou em outros países da Eu- ropa central e oriental o ânimo das massas populares que ansia- vam por mudanças profundas, desencadeando uma sucessão de levantes que passou à histó- ria como Primavera dos Povos. p caricatura de luís Filipe de orléans, cuja ascensão representou o retorno da burguesia ao poder. Feita por ri- chard & doyle, 1847. Em seguida, foi aprovada a nova Consti- tuição republicana, em que o poder Legis- lativo caberia a uma assembleia eleita por sufrágio universal por três anos e o poder Executivo ficaria a cargo de um presi- dente, eleito por quatro anos. Em dezembro de 1848, com 73% dos votos, foi eleito presidente Luís Bonaparte, sobrinho de Na- poleão I, a grande figura carismá- tica nacional. Os franceses viam em Luis Bonaparte a chance de voltar à glória da época do Império. Em seu governo, procurou unir e pacificar o país, enfatizan- do o ideal de progresso e de pode- rio nacional. Em 1851, para perpe- tuar-se no poder, fechou a Assem- bleia e estabeleceu uma ditadura. O golpe ficou conhecido como “o 18 Brumário de Luís Bonaparte”, em referência ao golpe que deu início à era napoleônica. Por meio de um ple- biscito, Bonaparte ganhou poderes para elaborar uma nova Constituição, segundo a qual passou a ser cônsul, como seu tio Napoleão I. Após um novo plebiscito em que obteve 95% dos votos, transformou a França novamente em Império, recebendo o título de Napoleão III. Durante o governo ditatorial desse período, deno- minado Segundo Império, em que o poder Legislativo e as forças de oposição foram marginalizados, a França modernizou-se e sua economia se desenvolveu. A ca- pital do Império, Paris, foi dotada pelo prefeito Hauss- mann de parques, bulevares e cons- truções elegantes; sediou exposições internacionais , que divulgaram o progresso cultu- ral e industrial de todo o mundo. Reprodução/Museu Luís Felipe/ Palácio d'Eu, Paris, França. Guarda Nacional: força de segurança de natureza militar; na França, teve origem nas milícias formadas entre os populares durante a revolução Francesa (1789). akg-images/Ipress/Museu de Belas Artes, Paris, França. luís napoleão Bo- naparte, num retrato de 1860, de Franz X. Winterhalter, tornou- -se o novo imperador francês com o nome de napoleão III. P A derrubada de Luís Filipe levou ao retorno do sistema republicano, que havia vigorado entre 1792 e 1804. O novo governo proclamou o fim da pena de morte e o estabelecimento do sufrágio universal nas eleições. Os conflitos entre os líderes operários e bur- gueses, entretanto, afloravam. Os socialistas, tendo como meta a criação de uma república social, reivin- dicavam medidas governamentais que garantissem empregos, direito de greve e limitação das jornadas de trabalho. Conseguiram alguns avanços, mas eram combatidos pelos liberais moderados, que temiam um novo governo radical, como ocorrera durante a Revolução Francesa. Em abril de 1848 ocorreram novos conflitos, quando o governo provisório instalado no lugar de Luís Filipe, com o objetivo de organizar uma nova Constituição republicana, realizou a eleição de depu- tados para a Assembleia Constituinte. Os moderados venceram as eleições, apoiados principalmente por proprietários rurais, o que aumentou a polarização política entre socialistas e burgueses. Os populares voltaram a manifestar-se nas ruas, tumultuando Pa- ris. O governo reagiu com violência: sob o comando do general Cavaignac, suspendeu os direitos indivi- duais e massacrou a revolta, com mais de 3 mil fuzila- mentos e 15 mil deportações. HGB_v2_PNLD2015_209a225_u2c16.indd 215 3/21/13 4:16 PM 216 Para entender nosso temPo: o século XIX G ia n n i D a g li O rt i/ C o rb is /L a ti n s to ck ∏ Vista da Praça da Bastilha e das barricadas em 1848, em pintura de Jean-Jac- ques champin, de c. 1849. Paris era o epicentro do terremoto revolucionário da Primavera dos Povos. Para conter essa força contestadora, cavaignac não mediu limites na vio- lência repressora. Na pintura Primavera dos Povos, os cidadãos de todas as nações caminham agitando suas bandeiras, em direção à estátua feminina que representa a República e ergue a tocha da liberda- de. À frente, na fila das bandeiras tricolores e guiando os povos, está a bandeira francesa, seguida pela alemã, austríaca e italiana. No primeiro plano, no chão, estão águias e coroas abandonadas e quebradas, símbolos do poder monárquico imperial. No céu, a palavra fraternidadebrilha como uma auréola sobre um Cristo que abençoa o promissor e romântico amanhã de liberdade e igualdade entre os povos. A pRImAveRA dos povos: umA ImAGem T h e B ri d g e m a n A rt L ib ra ry /K e y s to n e /M u s e u C a rn a v a le t, P a ri s , F ra n ç a . p Primavera dos Povos, de Frederic sorrieu, século XIX. HGB_v2_PNLD2015_209a225_u2c16.indd 216 3/21/13 4:16 PM
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