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Lipídios
Os lipídios representam a maior forma de reserva energética do
organismo, além de desempenharem importante papel estrutural como
componentes das membranas biológicas. Ao contrário do glicogênio,
seu armazenamento não está associado à presença de moléculas de
água, que aumentam significativamente o volume e o peso do depósi-
to. Além disso, a energia contida em um grama de gordura (9kcal)
equivale a mais que o dobro daquela presente na mesma quantidade
de carboidrato (4kcal). Um kg de tecido adiposo, por exemplo, é sufi-
ciente para manter um indivíduo correndo por 10h a 20 h a dois ter-
ços da sua capacidade aeróbica máxima. A corrida de esqui cross-
country, que exercita grande parte dos maiores grupamentos muscula-
res do corpo, ilustra bem essa alta capacidade energética das reservas
do tecido adiposo. A vasaloppet, corrida desta modalidade que atinge
90km/h utilizaria cerca de 1kg de gordura, se apenas esse substrato
fosse utilizado1.
No organismo, os lipídios estão presentes sob diversas formas, com-
binados ou não a outros compostos. Existem assim, por exemplo, sob
a forma de ácidos graxos não-esterificados, também denominados áci-
dos graxos livres (AGL); triacilgliceróis; fosfolipídos; glicolipídios;
esteróides (como o colesterol); e poliisoprenóides.
Os ácidos graxos constituem o principal substrato para o mús-
culo em repouso e durante o exercício de intensidade baixa a
submáxima2. A molécula de ácido graxo apresenta duas regiões
“As pessoas podem ser induzidas a ingerir qualquer coisa,
desde que esta esteja devidamente temperada com
lisonja”
Molière
Marília Cerqueira Leite Seelaender
Mônica Aparecida Belmonte
44CapítuloCapítulo
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distintas: uma hidrofóbica e uma hidrofílica, que reage com gru-
pos hidroxila ou amino, formando ésteres ou aminas. Estes com-
postos são classificados segundo o número de carbonos presentes
na molécula e o número de posição de ligações duplas carbono-
carbono (Fig. 4.1).
Fig. 4.1 — Ácidos graxos comuns. Existem centenas de ácidos graxos. Aqueles com uma ou
mais duplas ligações são denominados insaturados.
Molécula comum
de ácido graxo
Ácido
esteárico
(C18)
Ácido
palmítico
(C16)
Ácido
oléico
(C18)
Ácido
oléico
Esta dupla
ligação é rígida e
cria uma dobra
na cadeia. O
restante da
cadeia está livre
para rotacionar
sobre as outras
ligações C–C.
Ácido
esteárico
Modelo
tridimensional
Esqueleto
de carbono
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Quando a molécula apresenta menos de seis carbonos, adota-se
a denominação “ácido graxo de cadeia curta” (AGCC); quando es-
tão presentes entre seis e 12 carbonos, “ácido graxo de cadeia mé-
dia” (AGCM); e, finalmente, quando a molécula se compõe de mais
de 12 carbonos, “ácido graxo de cadeia longa” (AGCL) e “ácidos
graxos de cadeia muito longa” (AGCML), com mais de 20 carbo-
nos. Os ácidos graxos saturados são aqueles que não apresentam
dupla ligação entre os átomos de carbono, em contraste com os in-
saturados e poliinsaturados, que apresentam uma ou mais ligações
duplas, respectivamente. Ainda, se pode classificar os ácidos
graxos poliinsaturados de acordo com a posição da primeira
insaturação, a partir da terminação metila. Assim, temos, por
exemplo, os ácidos graxos poliinsaturados do tipo n-3, como o
ácido eicosapentaenóico, presente no óleo de peixe, que apresen-
tam a primeira dupla ligação entre os carbonos 3 e 4 e os n-9 (pre-
sentes em abundância no óleo de oliva), cuja primeira insaturação
incide sobre os carbonos 9 e 10. No organismo, os ácidos graxos
se apresentam, em maior parte, associados ao glicerol, formando
triacilgliceróis (TAG) (Fig. 4.2) ou fosfolipídios (FL) (Fig. 4.3). No pri-
meiro caso, três moléculas de ácidos graxos ligam-se aos grupa-
mentos -OH da molécula de glicerol; no segundo, são duas as mo-
léculas de ácidos graxos ligadas ao glicerol, que têm seu terceiro
grupamento -OH ligado ao ácido fosfórico.
Fig. 4.2 — Os ácidos graxos são armazenados como reserva energética através de uma
ligação éster com o glicerol, formando triacilgliceróis.
Triglicerídios
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Um fosfolipídio
Extremidade
polar
Modelo tridimensional
Cauda hidrofóbica
do ácido graxo
Fig. 4.3 — Principais constituintes das membranas celulares.
DIGESTÃO E ABSORÇÃO
Os ácidos graxos podem ser obtidos a partir da dieta, das reservas
presentes no tecido adiposo ou, ainda, da síntese de novo. Cerca de
30% do total calórico de nossa ingestão diária é representado por áci-
dos graxos que compõem TAG e FL, sendo o TAG mais representativo
(os FL representam cerca de 2% da ingestão de gordura, segundo
Borgstrom3. Destes, a maior parte está representada por ácidos graxos
de cadeia longa. A Tabela 4.1 ilustra a composição média do ácido
graxo presente no TAG das gorduras mais consumidas na dieta padrão
humana. Para que a energia contida no TAG ingerido esteja disponível
para o organismo, são necessárias várias etapas que abrangem absor-
ção, digestão, transporte e metabolização. A digestão do TAG envolve
a ação de lipases, lingual e pancreática, e da bile4. O tamanho do AG
do TAG determina a rapidez da digestão. Os TGCM (triacilglicerol de
cadeia média — presentes no leite e óleo de coco, entre outros), por
Fosfolipídios
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exemplo, são mais hidrossolúveis e, portanto, mais suscetíveis à ação
das lipases5. Ainda segundo Greenberg e col.5, os AGCM requerem
menor quantidade de bile para solubilização. Seu consumo irrestrito,
contudo, apresenta uma série de contra-indicações que serão discuti-
das mais adiante.
Tabela 4.1
Distribuição Percentual dos Grupos de Ácidos Graxos em Algumas Gorduras17
Distribuição percentual de ácidos graxos
Gordura Saturada Monoinsaturada Poliinsaturada
Manteiga 63 31 3
Toucinho 42 48 10
Óleos de:
Coco 92 6 2
Cacau 61 34 3
Palma 50 40 10
Algodão 25 20 55
Oliva 17 72 11
Soja 15 24 61
Milho 13 28 59
Girassol 12 19 69
Açafrão 9 13 78
Os AG são absorvidos na forma de monômeros livres de AG e 2-
monoticerol4, e sua absorção se dá principalmente no intestino delga-
do proximal6. Com quantidades crescentes de gordura ingeridas, a
absorção é completada mais distalmente no intestino delgado4. Os
lipídios absorvidos (AG, 2-monoglicerídios, liso FL, FL-colesterol) são
transportados na forma hidrossolúvel do intestino para os demais ór-
gãos. Os AG com cadeia menor que 12 carbonos seguem diretamente
para o fígado através da circulação portal, ligados à albumina. Há, con-
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tudo, uma pequena porção do AGCM que sofre conversão a AGCL e
esterificação com glicerol, formando TAG7. Uma vez absorvidos, os
AGCL (e o colesterol) são reesterificados no enterócito e combinados
a proteínas denominadas apolipoproteínas, formando, ainda no
epitélio intestinal, macroagregados moleculares, os quilomicra e as
VLDL (lipoproteínas de densidade muito baixa), solúveis em meio
aquoso, que são lançados na circulação linfática mesentérica4,8, atin-
gindo a circulação sistêmica via ducto torácico. São então captadas
pelo fígado, tecido adiposo e músculos.
METABOLISMO
O AG proveniente da dieta ou de processos sintéticos endógenos, a
partir de aminoácidos e carboidratos que, no homem, se dão principal-
mente no fígado4, ou, ainda, do TAG armazenado, uma vez captado
pela célula, pode seguir diferentes destinos metabólicos: basicamente
reesterificação, quando o FL formado poderá ser incorporado às mem-
branas celulares e o TAG, armazenado na forma de gotículas lipídicas;
ou oxidação. Para que a energia contida no AG possa ser utilizada, é
necessária a presença de oxigênio. A maioria das cadeias de AG con-
tém um número par de carbonos. Desta forma, um AGCL é convertido
a várias unidades de dois carbonos (acetato), num processo denomi-
nado β-oxidação, originando acetil CoA, que pode então ser oxidado
através do ciclode Krebs e da cadeia de transporte de elétrons no com-
partimento intramitocondrial. A oxidação de AG produz mais energia
por átomo de carbono do que aquela a partir de outras fontes, como
glicose ou aminoácidos.
ORIGEM DO ÁCIDO GRAXO CONSUMIDO PELO MÚSCULO
ESQUELÉTICO
Temos, assim, que o músculo esquelético pode captar os ácidos
graxos necessários para a manutenção de seu metabolismo, durante o
repouso ou durante a atividade física prolongada, diretamente de
quilomicra e VLDL de origem intestinal, contendo, portanto, AG de ori-
gem exógena. Contudo, essa não é, de maneira alguma, a única fonte
deste tipo de substrato para a musculatura. Os lipídios que servirão de
combustível para o músculo podem também ser de origem hepática,
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provenientes da síntese de novo a partir de acetil-CoA derivado da via
glicolítica, ou da captação de AG, provenientes da lipólise (quebra de
TAG) no tecido adiposo, ou, finalmente, captados a partir de remanes-
centes de outras classes de lipoproteínas e dos quilomicra e VLDL in-
testinal. Estes AG são “empacotados” no fígado com apolipoproteínas,
formando a VLDL hepática. Tais partículas seguem então para a circu-
lação sistêmica, dando origem às outras classes de lipoproteínas, à
medida que transferem seus elementos aos tecidos periféricos e trocam
componentes com as lipoproteínas já em circulação8. Para que o mús-
culo possa utilizar os AG contidos no TAG associado à lipoproteína,
faz-se necessária a ação enzimática da lipase lipoprotéica (LLP),
enzima presente no endotélio adjacente ao tecido, cuja atividade é afe-
tada por diversos fatores circulantes9,10. Ainda, o tecido muscular pode
utilizar os AGL oriundos dos depósitos de tecido adiposo branco11, li-
berados após lipólise (no tecido adiposo os AG estão armazenados
como TAG) e carreados pela albumina no sangue12. Mais recentemen-
te, mostrou-se que o músculo esquelético pode também utilizar TAG
contido em depósitos intramusculares13,14. Outros substratos derivados
dos AG que podem ser oxidados pelo músculo, são os corpos cetônicos,
acetoacetato e β-hidroxibutirato, sintetizados pelo fígado quando a β-
oxidação excede os requerimentos energéticos do órgão.
Os vários passos necessários para a utilização do AG pela fibra mus-
cular, seriam então, resumidamente: 1) ativação da lipólise, para que
haja conversão do TAG estocado ou presente nas lipoproteínas em AG e
glicerol; 2) transporte do AG (se proveniente do tecido adiposo); 3) cap-
tação do AG pela célula; 4) ligação do AG a proteínas ligadoras de áci-
dos graxos citoplasmáticas (FABP, fatty acid binding proteins); 5) ativa-
ção (formação do acil CoA); 6) transporte do acil CoA para o interior da
mitocôndria, catalisado pelo complexo carnitina palmitoil transferase,
num passo dependente de carnitina; e 7) oxidação.
MODIFICAÇÕES NO METABOLISMO LIPÍDICO DURANTE O
EXERCÍCIO FÍSICO
Como o uso de lipídios como fonte energética requer oxigênio, ele
passa a depender da duração e intensidade do exercício15. Desta for-
ma, esse tipo de substrato é utilizado primordialmente durante o re-
pouso e no exercício de resistência (Fushiki e col., 1995), de intensida-
de baixa a submáxima, inferior a 70% VO2máx, sustentado principalmente
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pelas fibras de contração lenta16. A importância desta fonte de energia cres-
ce então com a gradual redução dos outros tipos de substrato,
notadamente carboidratos, à medida que a atividade física se prolon-
ga. Ahlborg e col.11 já haviam demonstrado que os AG plasmáticos
passavam de uma contribuição de cerca de 37% da taxa de oxidação
total após 40 min de exercício para 62% após 240 min em ciclistas
não submetidos a treinamento, exercitando-se a 30% do VO2máx.
Randle e col. (1963) propuseram uma hipótese na qual o aumento da
oxidação de AG, resultando no aumento da razão mitocondrial
acetilCoA/CoA, suprimiria direta e indiretamente a atividade de al-
gumas enzimas envolvidas na quebra de glicólise. Tal fato acarreta-
ria a inibição da glicólise e do transporte de glicose, reduzindo a uti-
lização de carboidrato pelo músculo em atividade. Contrariamente,
estudos mais recentes (Carlson e col.17, Sidossis & Wolfe, 1996) mos-
tram que, na verdade, a disponibilidade de glicose seria o fator de-
terminante do tipo de substrato utilizado, regulando o metabolismo
de AGL. Assim, um aumento de fluxo pelas vias de quebra da glicose
promoveria a inibição da oxidação de AG no nível celular. Esse efei-
to da glicose seria decorrência direta da concentração plasmática do
carboidrato, e não de alterações hormonais a ela correlacionadas17,
ou, ainda, do conteúdo de glicogênio da fibra18. Sidossis & Wolfe
(1996) sugerem que o aumento da captação de glicose está relacio-
nado à inibição do transporte mitocondrial de AG. Cabe ainda sali-
entar que a utilização de AG em detrimento da glicose encontra-se
exacerbada em indivíduos treinados18.
LIPÓLISE DO TRIACILGLICEROL ARMAZENADO EM
ADIPÓCITOS PERIFÉRICOS
A lipólise no tecido adiposo periférico (TA) durante o exercí-
cio é mediada em grande parte pela estimulação dos receptores β-
adrenérgicos20. O exercício induz aumento na atividade do sistema
nervoso simpático e liberação de catecolaminas21, reflexos que, no
exercício de maior intensidade ou mais prolongado, aliam-se à re-
dução da concentração de insulina circulante (este hormônio apa-
rentemente inativa a lipase hormônio-sensível, enzima responsável
pela quebra do TAG no tecido adiposo e, ainda, reduz a resposta
β-adrenérgica) (Mendenhall e col., 1984; Arner, 1995). Além disso, a
sensibilidade dos receptores β-adrenérgicos é aumentada pelo próprio
exercício, como demonstrado em estudos in vitro22. Estudos in vivo su-
gerem que esse efeito possa ocorrer apenas no início da atividade23.
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Fig. 4.4 — Contribuição relativa dos substratos plasmáticos e intramusculares para a produção
de energia durante 120 minutos de exercício a 25% VO
2
máx (B) e 65% VO
2
máx (A). —
triacilglicerol intramuscular — ácidos graxos plasmáticos— glicogênio muscular — glicose
plasmática19.
Triacilglicerol
intramuscular
Ácidos graxos livres
plasmáticos
Glicogênio Muscular
Glicose plasmática
100
80
60
40
20
0
%
 g
as
tr
oe
ne
gé
tic
o
1,5 3,0 4,5 6,0 7,5 9,0 10,5 11,0
A
Tempo (min)
Triacilglicerol intramuscular
Ácidos graxos livres
plasmáticos
Glicose plasmática
B
100
80
60
40
20
0
1,5 3,0 4,5 6,0 7,5 9,0 10,5 11,0
Tempo (min)
%
 g
as
tr
oe
ne
gé
tic
o
A lipólise não sofre incremento com o aumento da intensidade do
exercício físico realizado, ainda que haja grande incremento na con-
centração de catecolamina circulante, conforme demonstram estudos
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realizados em humanos exercitando-se em bicicleta ergométrica em di-
ferentes intensidades de esforço19. Ainda que a lipólise no tecido
adiposo não decresça com o aumento da intensidade do esforço, há re-
dução da concentração plasmática de AGL relacionada, segundo
Romijn e col.19, à redução do fluxo sangüíneo no tecido adiposo, com-
provada por Smolander e col.24, e possível limitação da capacidade
carreadora da albumina25. Desta forma, o AG fica retido no tecido
adiposo durante o exercício e é liberado ao seu término26. Ainda, a
acidose láctica, característica do esforço de alta intensidade, age ini-
bindo a lipólise20. A resposta lipolítica ao exercício é dependente do
sexo e idade do indivíduo. Assim, mulheres têm resposta mais acen-
tuada ao exercício submáximo, exacerbada no tecido adiposo abdomi-
nal20 e pessoas idosas demonstram resposta menos acentuada27.
EFEITO DO TREINAMENTO
Com o treinamento de resistência há aumento da contribuição dos
AGL no metabolismo oxidativo28. Foi também demonstrado que os
adipócitos de indivíduos treinados (exercício a 65% VO2máx) apresen-
tam resposta aumentada ao efeito lipolítico da adrenalina29 e que o flu-
xo sangüíneo no tecido adiposo está aumentadonos mesmos30.
LIPÓLISE DO TRIACILGLICEROL INTRAMUSCULAR
Turcotte e col.18 sugerem que a utilização de TAG de origem
intramuscular aumenta quando a disponibilidade de carboidratos está
marcadamente reduzida. O mesmo se observa em relação à intensidade
do exercício, como demonstrado por Romijn e col.19, que estudaram
homens realizando esforço na faixa de 25% (baixa intensidade) a 55%-
75% (intensidade moderada) do VO2máx. Inicialmente, a proporção re-
presentada pelo AGL na oxidação é superior, mas na atividade de inten-
sidade moderada, as duas fontes contribuem eqüitativamente (Fig. 4.4).
Como não ocorre aumento da contribuição do TAG intramuscular em
intensidades de esforço mais altas, os autores sugerem que a estimula-
ção da lipólise pelas catecolaminas no músculo requer concentrações al-
tas destes hormônios, próximas da máxima.
EFEITO DO TREINAMENTO
O treinamento de resistência aumenta a utilização do TAG
intramuscular31. Há também, aparentemente, aumento da sensibilida-
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de da lipase hormônio sensível tipo L intramuscular pelas cateco-
laminas32. O aumento do conteúdo de TAG intramuscular, obtido medi-
ante treinamento, seria útil à medida que permitiria o resguardo do
glicogênio e, desta maneira, prolongaria o tempo para a fadiga. Entre-
tanto, os estudos realizados até o presente mostram resultados contra-
ditórios e não comprovam de forma definitiva aumento do depósito in-
tramuscular frente ao treinamento13.
UTILIZAÇÃO DO TRIACILGLICEROL ASSOCIADO A
LIPOPROTEÍNAS
Até há pouco tempo acreditava-se que a contribuição do TAG asso-
ciado a lipoproteínas (LP-TAG) era insignificante13. Contudo, sabe-se
que o músculo é provavelmente o maior sítio de captação de TAG
plasmático em humanos (Rossner, 1974), e o perfil das LP é
grandemente alterado pelo exercício, que é preconizado na prevenção
das doenças vasculares33. A atividade da LLP aumenta já com uma
sessão única de exercício e há nítida redução do LP-TAG, que pode
persistir pelo período de um a cinco dias13. A alteração na atividade
da LLP pode estar relacionada com fatores hormonais e variação na
concentração plasmática de substratos durante o exercício, ou ainda
com a própria contração muscular, por regulação possivelmente pré-
translacional34.
EFEITO DO TREINAMENTO
O treinamento de resistência induz aumento da atividade da LLP
(Nikkilä, 1987) e alterações significativas no perfil de LP plasmáticas33.
Da mesma forma, o “detreinamento” causa redução da atividade des-
sa enzima no músculo35. Até mesmo o treinamento de força tem o po-
tencial de evocar pequenas modificações no perfil de LP plasmático,
desde que em quantidade suficiente36.
CAPTAÇÃO, TRANSPORTE INTRACITOPLASMÁTICO,
TRANSPORTE MITOCONDRIAL E OXIDAÇÃO — EFEITOS
DO TREINAMENTO DE RESISTÊNCIA
O treinamento está associado ao aumento da capacidade do
músculo em oxidar AG37. Em altas concentrações plasmáticas de
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AGL, a captação do substrato pela perna treinada em compara-
ção à perna não treinada do mesmo indivíduo é maior, indican-
do uma possível alteração no transporte de AG através da membra-
na plasmática em decorrência do protocolo de treinamento28. A
permeabilidade da membrana aos AG segue cinética de saturação,
uma característica indicativa da presença de transportadores para
AGCL38. A concentração de FABP também está aumentada no mús-
culo cronicamente estimulado39, acarretando maior capacidade de
translocação do AG intracelularmente. Há aumento da densidade
mitocondrial e aumento do transporte de AGCL para o interior da
organela13. Ainda, ocorre nítido incremento das enzimas da β-oxida-
ção, do ciclo do ácido tricarboxílico e os componentes da cadeia de
transporte de elétrons40,41. Tais adaptações são mais marcadas no trei-
namento prolongado vigoroso42.
LIPÍDIOS NA SUPLEMENTAÇÃO NUTRICIONAL
E NO EXERCÍCIO FÍSICO
ÁCIDOS GRAXOS DE CADEIA LONGA
A estreita associação entre o exercício de resistência e a capacida-
de de utilização de AG sugere que a suplementação lipídica na dieta
possa aumentar a capacidade oxidativa no músculo esquelético. Exis-
te, entretanto, muita controvérsia a este respeito. Enquanto diversos
estudos demonstram que a referida suplementação não apresenta efei-
to relevante sobre esse parâmetro43, outros indicam um aumento do
desempenho em ratos, humanos e cães, após a suplementação com
dietas de alto teor lipídico44. Neste último caso, os vários autores veri-
ficaram um efeito mais acentuado da dieta lipídica (DRL — dieta rica
em lipídios) em relação à suplementação com carboidratos. Os lipídios,
presentes na DRL podem ter três diferentes destinos, ainda segundo re-
visão de Ayre & Hulbert44: ser oxidados imediatamente, fornecendo ener-
gia; ser armazenados, para uso posterior; ou, ainda, ser incorporados às
membranas. Qualitativamente, a proporção de AG poliinsaturados, por
exemplo, altera marcadamente a composição dos fosfolipídios na fibra
muscular, e a deficiência de ácidos graxos essenciais afeta a função
muscular em ratos, diminuindo o desempenho44.
Nemeth e col.45 demonstraram que a DRL pode modificar o meta-
bolismo lipídico em três diferentes tipos de músculo de ratos recém-
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nascidos e adultos, induzindo, já após uma semana, aumento marca-
do nas enzimas da β-oxidação, incremento do fluxo através do ciclo de
Krebs e redução na atividade da fosfofruto quinase, enzima da via
glicolítica. O conteúdo e o tipo de lipídios na dieta afetam sabidamen-
te a captação de glicose pelas células. As DRL estão relacionadas à di-
minuição da tolerância à glicose e redução da sensibilidade à insulina
no organismo46. A suplementação rica em lipídios está associada à
translocação normal com ativação reduzida dos transportadores de
glicose no músculo47. Outros autores48 relatam, ainda, que há redução
na transcrição para GLUT-4 , sendo que a expressão gênica do recep-
tor para insulina não está alterada. Além disso, o transporte de glicose
estimulado pela insulina parece ser afetado pelo tipo de gordura
ingerida46.
O aumento de desempenho associado às DRL pode estar relaciona-
do ao aumento da disponibilidade de AG e às adaptações do músculo,
incrementando sua capacidade de utilização de AG e, desta forma,
reduzindo o consumo de glicogênio e retardando a instalação da fadi-
ga. O tratamento (parenteral) com Intralipid (emulsão com 90% de AG
insaturados) e heparina (que libera a LLP do endotélio) aumenta sig-
nificativamente os níveis de AGL circulante49. Muitos autores relatam
redução na utilização do glicogênio após administração de DRL (Simi
e col., 1991 e Vukovich e col.49), enquanto outros não verificaram alte-
ração no uso deste substrato após a suplementação (Hargreaves e col.,
1991 e Liu e col.50). Romijn e col. (1995), entretanto, apontam para o
fato de que a concentração de AG plasmática só será inferior à capaci-
dade de oxidação deste substrato pelo músculo durante o exercício de
alta intensidade (< 70% VO2máx), quando há redução significativa
deste parâmetro (de 0,6mM, em condições de jejum, para 0,2mM a
0,3mM). Assim, nestas condições, a infusão de Intralipid e heparina,
gerando um aumento da concentração de AGL para 1mM, resulta
numa maior preservação dos depósitos de glicogênio intramusculares.
Contudo, a oxidação do lipídio administrado não chega àquele valor
observado durante o exercício moderado, indicando que outros fatores,
além da disponibilidade de AGL, influenciam a oxidação lipídica no
exercício a 85% da VO2máx.
Lapachet e col.51 utilizaram uma DRL (79% do valor calórico total
ingerido) em associação com suplementação com carboidratos três dias
antes do esforço exaustivo em ratos submetidos ao treinamento em
esteira por oito semanas. Os resultados demonstraram que essa estra-
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tégia foi capaz de aumentar o tempo para instalação da fadiga, redu-
zindo a utilização de glicogênio pelas fibras musculares. Os autoresressaltam, no entanto, que há uma estreita relação entre a suplemen-
tação com a DRL e o aumento da deposição de gordura no tecido
adiposo dos animais estudados, e comentam que o consumo prolon-
gado de dietas ricas em lipídios está associado à instalação de vários
quadros patológicos.
ÁCIDOS GRAXOS DE CADEIA MÉDIA
Os AGCM são muito mais solúveis que os de cadeia longa, fato que
facilita a ação da lipase, requerendo menor quantidade de sais biliares.
O AGCM não é reesterificado no enterócito, e é transportado diretamente
através da circulação portal, mais rápida que a linfática, ligado à
albumina e não requer carnitina para permear a mitocôndria (revisão de
Linscheer & Vergroesen4 e Fushiki e col., 1994). Além disso, são mais
prontamente oxidados que os AGCL e não se acumulam no tecido
adiposo. Altas concentrações de glicose não diminuem a oxidação des-
se substrato como fazem com a de AGCL (Fushiki e col., 1994). Há, no
entanto, desvantagens no consumo de altas quantidades deste tipo de
AG, ainda segundo a revisão de Linscheer & Vergroesen4), que promo-
vem cetose e, quando não ligados à albumina, podem atravessar a bar-
reira hematoencefálica e induzir o coma.
Em estudos em que foram testadas dietas ricas em AGCM compro-
vou-se sua alta disponibilidade metabólica (cerca de 70% do AG inge-
rido foi oxidado52), tendo sido observado um indesejável aumento na
concentração de lactato após a dieta. Foi ainda relatado um aumento
de desempenho (atribuído à indução de enzimas mitocondriais) em
ratos submetidos a um protocolo de natação (Fushiki e cols., 1994)
após duas semanas de suplementação (dose g/kg). Outros autores53 re-
latam ausência de efeito da suplementação sobre o conteúdo de
glicogênio muscular, mesmo quando a quantidade máxima tolerada
(29g-30g) desse substrato foi ministrada por três dias, em conjunto ou
não com carboidratos (quando então não há inibição do esvaziamento
gástrico), a humanos pedalando a 50% da VO2máx.
O benefício da suplementação com dietas ricas em lipídios ou a
infusão de emulsões lipídicas como o Intralipid para o desempenho
não está ainda, portanto, bem estabelecido, uma vez que são reporta-
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dos resultados bastante controvertidos. Apesar de haver implemento
de alguns parâmetros quando da suplementação, existem vários argu-
mentos para contra-indicá-la, como a forte associação do excesso de
gordura com diversas patologias. Cabe ao profissional pesar os prejuí-
zos e benefícios advindos de tal prática e utilizá-la com a cautela ne-
cessária.
SUPLEMENTAÇÃO COM CARNITINA E UTILIZAÇÃO
DE ÁCIDOS GRAXOS DE CADEIA LONGA
A carnitina foi descoberta no início deste século, por Gulewich &
Krimberg54, e duas décadas depois sua estrutura química foi determi-
nada. Foi somente na década de 1950 que esse composto foi reconhe-
cido como um nutriente essencial para uma espécie de verme (Tenebrio
molitor)55. Nessa época, a carnitina era conhecida também como vita-
mina BT. Foi quando então Friendman & Fraenkel56 estudaram seu me-
tabolismo e Fritz57 mostrou que a carnitina estimulava a oxidação de
ácidos graxos no homogenato de fígado. Estes estudos levaram à des-
coberta de que a carnitina carreava ácidos graxos ativados através da
membrana mitocondrial55.
A L-carnitina é uma amina quaternária (ácido butírico β-hidroxi-γ-
trimetil-amina) presente na maioria dos tecidos dos mamíferos, de
peso molecular 161,2:
(CH3)3N+ — CH2 — CH — CH2 — COO-
 OH
Ela é sintetizada no organismo a partir de dois aminoácidos essen-
ciais: lisina e metionina. Além deles, ascorbato, niacina e vitamina B6,
assim como ferro reduzido são necessários para sua síntese, que, em
humanos, ocorre principalmente no fígado e rim. Na verdade, tanto
fígado, rim, coração e músculo esquelético humanos convertem
trimetil lisina originada da digestão intestinal de proteínas e/ou de um
passo de metilação da lisina livre para γ-butirobetaína, mas apenas fí-
gado, rim e cérebro convertem esse composto em carnitina. Os tecidos
como o músculo esquelético e o miocárdio, que dependem da oxida-
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ção de ácidos graxos e requerem carnitina, são altamente dependen-
tes do transporte de carnitina dos principais sítios de síntese55. A con-
centração total de carnitina no músculo humano, que representa o re-
servatório onde estão concentrado mais de 90% da carnitina corporal,
é resistente a mudanças induzidas pelo exercício de alta intensidade e
resistência58.
A concentração de carnitina varia segundo a espécie em diferentes
tecidos. No músculo, por exemplo, pode variar entre 1mM em ratos, a
3-4mM em humanos e atinge valores ainda maiores em ruminantes. A
concentração de carnitina plasmática total em humanos em repouso
varia de 41,3mM a 64,3mM, sendo que a carnitina livre representa
entre 70% e 85% do total. Da fração de carnitina esterificada, no re-
pouso, cerca de 40%-50% está na forma acetilada. O total de carnitina
estocada num indivíduo adulto, em média (30kg de massa muscular),
pode ser estimado em 20g-25g. A excreção diária de carnitina é de
100µmol a 300µmol ou 15mg-50mg55.
Em geral, a quantidade de carnitina encontrada em alimentos de
origem vegetal é menor do que aquela encontrada nos de origem ani-
mal. Ela aparece nos alimentos na forma de carnitina livre e ésteres
de ácidos graxos de cadeias longa e curta de carnitina. A carnitina é
absorvida pelo intestino delgado tanto por um processo ativo sódio-
dependente como por um processo passivo. Em um indivíduo nor-
mal, a perda de carnitina se dá quase exclusivamente por excreção
renal. A questão de se a carnitina endógena é suficiente para a neces-
sidade diária ainda é discutível, e sugere-se que uma ingestão diária
de carnitina seria útil para prevenir possível deficiência do
aminoácido no músculo.
A concentração de carnitina livre em humanos depende da dieta,
do sexo e da idade. Sabe-se que pessoas mais velhas sofrem uma re-
dução na excreção de carnitina55. O metabolismo da carnitina também
parece estar relacionado à atividade física. Suzuki56 (apud) mostrou
que houve aumento na excreção de carnitina pela urina em três estu-
dantes de educação física depois da realização de um exercício inten-
so de corrida.
A concentração de carnitina num dado sítio é resultado de vários
processos metabólicos, incluindo a captação e a síntese de carnitina,
seu transporte para dentro e para fora do tecido e sua eliminação. Pelo
fato de muitos tecidos possuírem uma concentração de carnitina
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maior do que a concentração plasmática, depreende-se que uma cap-
tação ativa está acontecendo. De acordo com Brooks & McIntosh59, o
tempo de circulação da carnitina é menor para o rim e o fígado (0,4h e
1,3h, respectivamente) do que para o músculo esquelético (105h) e
para o cérebro (220h). A taxa máxima de captação da L-carnitina pelo
músculo esquelético é três vezes menor do que para o fígado. A L-
carnitina é captada por um sistema de transporte ativo mediado por
carreadores. A afinidade parece ser maior para o músculo vermelho do
que para o branco, possivelmente uma decorrência do grande volume
de densidade mitocondrial no primeiro.
A L-carnitina é importante na regulação do metabolismo e propor-
ciona o uso mais eficiente dos AGCL60, modulando também o metabo-
lismo da coenzima A (CoA)61 e a cetogênese. Melhora também o meta-
bolismo nitrogenado, estimulando a oxidação de aminoácidos de ca-
deia ramificada no músculo62.
O isômero D-carnitina, apesar de ser captado com menor eficiên-
cia, é eliminado do organismo mais rapidamente55. A suplementação
de níveis altos de D-carnitina causa depleção de seu isômero biologi-
camente ativo, a L-carnitina, no músculo cardíaco e esquelético, pro-
porcionando uma técnica útil para os estudos das conseqüências fisi-
ológicas e bioquímicas da deficiência de carnitina61.
Nos tecidos de mamíferos, o transporte de ácidos graxos de cadeia
longa para a matriz da mitocôndriaé realizado através de uma etapa
dependente desta amina63,64. Três componentes enzimáticos estão en-
volvidos: carnitina palmitoil transferase I (CPT I), carnitina palmitoil
transferase II (CPT II) e carnitina acilcarnitina translocase65. Após ati-
vação pela acil-CoA sintetase, gerando acil-CoA, o ácido graxo de ca-
deia longa é transesterificado à acilcarnitina através da ação catalítica
da carnitina palmitoiltransferase I. A carnitina-acilcarnitina
translocase age seqüencialmente, transferindo o complexo carnitina-
acil CoA para a segunda carnitina palmitoil transferase que, então,
regenera a carnitina e o acil-CoA graxo66. A CPT I hepática encontra-
se firmemente ligada à face interna da membrana mitocondrial exter-
na67, enquanto que a CPT II liga-se à face interna da membrana mito-
condrial interna68. CPT I e II são proteínas distintas, sintetizadas a
partir de RNAm específicos69,70. A CPT I está sujeita à inibição promo-
vida por diversos fatores, como malonil-CoA67 A inibição por malonil-
CoA representa uma das formas de regular, em condições fisiológicas
ou patológicas, a atividade da CPT I e, portanto, a oxidação de ácidos
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graxos71. CPT I e II têm propriedades cinéticas distintas, com valores
de Km diferentes72. Quando a CPT I de diferentes tecidos é compara-
da, verifica-se que, para uma mesma espécie, a enzima hepática tem
maior peso molecular que a forma muscular e cardíaca. Ocorrem dife-
rentes isoformas no organismo, relacionadas à sensibilidade distinta ao
malonil-CoA73.
Aceita-se presentemente que a CPT I representa o principal sítio de
controle da oxidação de ácidos graxos73. Três mecanismos de regulação
são descritos para essa enzima: a) mudanças na atividade máxima da
enzima; b) variação da concentração de malonil-CoA; c) alteração na
sensibilidade da enzima à inibição por malonil-CoA74. As proprieda-
des cinéticas e regulatórias da CPT I mudam conforme o estado
nutricional e o quadro hormonal do animal75,76. Durante o jejum, por
exemplo, há marcado aumento da atividade da CPT I, que se reduz
após a ingestão de alimento, verificando-se uma mudança da ordem
de 2,5 vezes na atividade da enzima, em função de modificações na
sensibilidade ao malonil-CoA74. Thumelin e col.74 não observaram,
contudo, alteração da atividade da CPT II sob as mesmas circuns-
tâncias. A insulina77,78, o glucagon79, o estrogênio80, os hormônios
tiroideanos76,81 e a vasopressina82 são hormônios que regulam a ativi-
dade da CPT I.
Os mecanismos de regulação da atividade da CPT II têm sido estu-
dados recentemente, e alguns fatores parecem estar relacionados ao
controle dessa enzima, como hormônios sexuais83 e o treinamento fí-
sico de resistência (65% VO2máx) (dados não publicados das autoras).
Muitos são os trabalhos empenhados em garantir a importância da
carnitina como fator limitante da oxidação de ácidos graxos durante
uma situação de estresse, como o exercício físico. Pensando no papel
dessa amina no transporte de AG para o interior da mitocôndria, mui-
tos experimentos foram feitos com o intuito de retardar a instalação da
fadiga. Estudos recentes reportam que a administração da L-carnitina
pode reduzir a concentração sangüínea de lactato durante o exercício
intenso. No entanto, os valores de pico de lactato e das taxas de desa-
parecimento são iguais depois do exercício, com ou sem a administra-
ção de L-carnitina. Esse fato indiretamente depõe contra o papel prá-
tico da carnitina suplementada como “armadilha temporária de
acetil”58. Vários autores, como Gorostiaga84, sustentam a idéia de que o
aumento na oxidação de AG e do ciclo da carnitina durante a atividade
física poderia ser um fator redutor da concentração da carnitina, ou seja,
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o exercício seria capaz de produzir uma deficiência do aminoácido tan-
to em ratos como em humanos normais, e que a suplementação de L-
carnitina poderia então ser capaz de aumentar o poder oxidativo, resul-
tando no aumento do estoque de glicogênio muscular e, portanto, em
melhorar o desempenho do atleta.
Contudo, outros autores acreditam que a concentração de carniti-
na não é um fator limitante no processo oxidativo de AG durante o
repouso ou no exercício aeróbico85, e que o aumento no metabolismo
lipídico pelo exercício pode ser sustentado por níveis endógenos de
carnitina60,61. Alguns trabalhos se propuseram a determinar se a
suplementação de L-carnitina resultaria na preservação do glicogênio
muscular em decorrência do aumento da oxidação lipídica durante o
exercício60. A suplementação exerceria então uma influência positiva,
aumentando a capacidade de tamponamento de piruvato e reduzindo
o acúmulo do lactato muscular55, reduzindo então a fadiga central. No
entanto, a administração de L-carnitina não modificou o metabolismo
energético durante o exercício num estado de depleção de glicogênio,
mesmo quando a taxa de oxidação lipídica era duas vezes maior do que
a observada no estado normal58. Mesmo que a concentração muscular
de L-carnitina seja aumentada (40%) ou reduzida (60%), não ocorre al-
teração na taxa de glicogenólise muscular durante o exercício de lon-
ga duração e baixa intensidade61. A redução em 48% da concentração
de carnitina, por exemplo, não afetou nem a oxidação de palmitato,
nem a capacidade de sustentar o exercício, nem tampouco o balanço
nitrogenado em ratos.
A suplementação de L-carnitina, portanto, não parece ser fator
determinante do aumento na oxidação e transporte de AG durante ati-
vidade física, uma vez que esta é elemento metabolicamente reciclável.
A regulação da atividade do complexo CPT parece ser mais importan-
te na determinação da capacidade oxidativa do que o aumento da con-
centração de carnitina durante a atividade física. Esse sistema
enzimático é altamente regulado por fatores como hormônios e
prostaglandinas, também alterados durante o exercício. Outro elemen-
to vai de encontro à importância da suplementação de L-carnitina são
os trabalhos que mostram que mesmo com o aumento plasmático de
carnitina após suplementação não há maior concentração muscular
desta, devido, provavelmente, à limitação dos transportadores de
carnitina para o músculo que, durante o exercício, podem estar
saturados.
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Assim, sabendo que a suplementação prolongada de L-carnitina (17
semanas) aumentava o conteúdo muscular, Vukovich (1994) mostrou o
efeito da suplementação aguda (7-14 dias), que resultou no aumento da
concentração de carnitina no plasma, mas não no músculo.
Logo, parece muito improvável que a L-carnitina esteja influenci-
ando quantitativamente a oxidação de gorduras durante o exercício em
indivíduos saudáveis, embora haja indícios de que a suplementação
com L-carnitina possa influenciar o metabolismo de aminoácidos.
Na realidade, a capacidade de transporte dos AGCL depende da mo-
dulação da atividade do sistema enzimático carnitina palmitoil
transferase, e de diversos fatores alterados pelo exercício e treinamen-
to, não havendo, aparentemente, limitação imposta pelo conteúdo de
carnitina celular — suficiente para manter o transporte, mesmo quan-
do a atividade máxima do sistema é atingida.
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