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139A França imperial Capítulo 16 O Bloqueio Continental Apesar dessas vitórias, a principal rival da França – a Inglaterra – não estava derrotada. Contando com uma poderosa frota naval, a Inglaterra era a nação mais desenvolvida da época. Sabendo que o poderio britânico encontrava-se amparado no comércio e na indústria, o governo de Napoleão proibiu as nações europeias de comerciar com a Inglaterra. Sua intenção era enfraquecê-la economicamente a ponto de deixá- -la militarmente vulnerável. Os países que não partici- passem do boicote, conhecido como Bloqueio Con- tinental, seriam atacados pelo exército napoleônico. Para o plano dar certo, era necessário que todos os países europeus participassem do Blo- Fonte: GRAND atlas historique. Paris: Larousse, 2006. queio. Os governos de Portugal e da Espanha, en- tretanto, não aderiram a ele. Por essa razão, em 1807 tropas francesas invadiram a península Ibé- rica. Fernando VII, rei da Espanha, foi destituído e, em seu lugar, coroado José Bonaparte, irmão do imperador francês (sobre a resistência espanhola à ocupação francesa, veja a seção Olho vivo, na página 140). O fato repercutiu nas colônias espanholas da América, onde começaram a eclodir movimentos emancipacionistas (veja o capítulo 17). Já em Portu- gal, a família real e sua Corte fugiram para o Bra- sil um dia antes da chegada do exército napoleônico (ver capítulo 21). OCEANO ATLÂNTICO Mar Negro Mar do Norte REINO UNIDO DA GRÃ-BRETANHA E IRLANDA REINO DA SUÉCIA Estocolmo São Petersburgo Copenhague Londres Moscou REINO DA PRÚSSIA ÁFRICA Berlim Varsóvia GRÃO-DUCADO DE VARSÓVIA IMPÉRIO AUSTRÍACO WESTFÁLIA SAXÔNIA CONFEDERAÇÃO DO RENO BAVIERA SUÍÇA Viena Paris IMPÉRIO OTOMANO IMPÉRIO FRANCÊS Milão Cagliari REINO DA ITÁLIA REINO DE NÁPOLES Nápoles Palermo SABOIA REINO DE PORTUGAL Lisboa Baleares Córsega Elba REINO DA SARDENHA REINO DA SICÍLIA REINO DA ESPANHA REINO DA DINAMARCA E NORUEGA França em 1789 Estados aliados da França em 1811 Territórios anexados até 1811 Estados dependentes da França em 1811 Inimigos da França em 1811 Governo da família Bonaparte Bloqueio Continental (1806) M ar B ál ti co M a r M e d i t e r r â n e o LEGENDA Madri 45º 20º O ImpérIO Francês 0 260 QUILÔMETROS ESCALA 520 LEGENDA França em 1789 Inimigos da França em 1811 Territórios anexados até 1811 Governo da família Bonaparte Estados aliados da França em 1811 Bloqueio Continental (1806) Estados dependentes da França em 1811 HMOV_v2_PNLD2015_137a143_U03_C16.indd 139 3/20/13 4:36 PM 140 Unidade 3 A luta pela cidadania A invasão da Espanha pelas tropas de Napoleão e a consequente queda da monarquia espanhola mo- tivaram os espanhóis a organizar a resistência contra a ocupação de seu território. A gota de água foi a exigência das autoridades francesas, adotada no dia 2 de maio de 1808, para que os últimos membros da família real que ainda se encontravam na Espanha abandonassem o país. Revoltada, a população de Madri pegou em armas e foi às ruas promovendo saques e matando fran- ceses. O governo francês na Espanha reagiu determinando a prisão e a execução dos envolvidos. Assim, entre o dia 2 e a madrugada de 3 de maio, centenas de espanhóis foram presos e executados pelas tropas francesas em diversos pontos de Madri. Muitos dos mortos nem sequer haviam participado do levante. Olho vivo Terror em Madri Este morto está caído com os braços abertos assim como a figura central do quadro. Por meio desse paralelismo, Goya parece mostrar que o destino dos personagens de pé também é a morte. As vítimas podem ser divididas em três grupos: à esquerda, as que já foram mortas pelos soldados; ao centro, as que estão prestes a ser fuziladas; e à direita, as que estão na fila aguardando a vez de serem executadas. Esses três grupos introduzem assim a noção de transcurso do tempo (passado, presente e futuro) na composição. O hábito cinzento e a cabeça raspada do frade sugerem que se trata de um franciscano, ou seja, um religioso pertencente à Ordem de São Francisco. Ele está com as mãos unidas, em típico gesto de súplica. O ferimento na mão do personagem central remete às chagas nas mãos de Jesus Cristo, provocadas pelos cravos que o pregaram à cruz. Reforça a ideia de que a morte de inocentes é algo que se repete ao longo da história da humanidade. Para Goya, o assassinato de inocentes não seria uma circunstância própria da guerra, mas um reflexo da crueldade humana. O personagem central está de braços abertos, como se estivesse crucificado. É um paralelo com a morte de Jesus Cristo. Com isso, o autor procura transmitir a ideia de que inocentes foram assassinados pelos franceses. A cor branca da camisa reforça a ideia de inocência, convertendo a vítima em símbolo do povo espanhol. Os fuzilamentos de 3 de maio de 1808, óleo sobre tela de Francisco de Goya, 1814. HMOV_v2_PNLD2015_137a143_U03_C16.indd 140 3/20/13 4:36 PM 141A França imperial Capítulo 16 Essas execuções foram registradas no óleo sobre tela Os fuzilamentos de 3 de maio de 1808, do pin- tor espanhol Francisco de Goya (1746-1828), reproduzido abaixo. Pintada em 1814, ano da restauração da monarquia espanhola, a obra mostra o terror que tomou conta da população espanhola diante do as- sassinato em massa praticado pelos soldados napoleônicos. O medo, a resignação, a coragem, o pânico e outros sentimentos podem ser observados no rosto das pessoas diante do pelotão de fuzilamento. Como veremos a seguir, o quadro se tornou um símbolo da luta dos heróis anônimos do povo espanhol em bus- ca de sua liberdade. Fontes: MARQUÉS, Manuela B. Mena. Tres de mayo de 1808 en Madrid: los fusilamientos en la montaña del Príncipe Pío. Disponível em: <http://tinyurl.com/bdv6y5a>; GARCÍA, Susana Hermoso-Espinosa. Análisis histórico artístico de los fusilamientos del 3 de mayo de Goya. Disponível em: <www.homines.com/arte/fusilamientos_3_mayo_1808_goya/index.htm>. Acesso em: 22 nov. 2012. Museo Del Prado, Madri Goya utiliza os contrastes de luz e sombra para destacar a dramaticidade da cena. A única fonte de luz é a lanterna no chão que ilumina as pessoas prestes a serem fuziladas e deixa o pelotão de fuzilamento no escuro. Ao fazer isso, o artista sugere uma divisão entre heróis (no claro) e vilões (no escuro). Antevendo seu futuro trágico, esse personagem leva a mão à boca, em um gesto infantil de medo. O uniforme revela que os militares eram integrantes do Batalhão de Marinheiros da Guarda Imperial. Caso as pessoas não morressem com os tiros, os soldados cravavam as baionetas em seus corpos. Goya não pintou o rosto dos militares franceses, como se quisesse demonstrar que os soldados são apenas uma máquina de guerra, seres impessoais e anônimos, encarregados simplesmente de cumprir ordens, sem questioná-las. Alinhado e munido de armas e apetrechos, o pelotão de fuzilamento transmite uma imagem de organização e eficiência, em oposição aos populares, que se encontram desorganizados. HMOV_v2_PNLD2015_137a143_U03_C16.indd 141 3/20/13 4:36 PM 142 Unidade 3 A luta pela cidadania Rumo à Rússia O Bloqueio Continental afetou realmente a In- glaterra. Em 1808, as fábricas têxteis inglesas acu- mulavam enormes estoques de tecidos sem conse- guir vendê-los. Da mesma forma, as exportações de produtos de ferro diminuíram e a revenda de artigos provenientes das colônias britânicas, como açúcar e algodão, foi afetada. Outra grande prejudicada foi a Rússia, que ex- portava para a Inglaterra matérias-primas destinadas à construção naval. Em 1811, o czar Alexandre I rom- peu com o boicote e abriu os portos do país aos navios britânicos. Em represália, Napoleão declarou guerra à Rússia. Não preparado para enfrentar a falta de ali- mentos para seu exército e o rigoroso inverno rus- so, Napoleão retornou à França em 1812 com ape- nas 100 mil dos 600 milsoldados que havia levado. O fim de uma era Com a derrota francesa, Inglaterra, Prússia, Rússia e Áustria formaram nova coalizão e desfecha- ram um ataque fulminante à França. Abaladas com 3 o fracasso da invasão à Rússia, as tropas napoleôni- cas não puderam deter o avanço do inimigo: no co- meço de abril de 1814, Napoleão abdicou do trono e foi enviado para a ilha de Elba, entre a península Itálica e a ilha de Córsega. Enquanto a França organizava um novo governo, conduzindo ao trono o rei Luís XVIII – irmão de Luís XVI, guilhotinado durante a Revolução Francesa –, representantes dos países europeus se reuniam em Viena, Áustria, para definir as novas fronteiras entre as nações do continente e restabelecer o equilíbrio de forças entre elas. Dois princípios básicos orien- taram os diplomatas que participaram do chamado Congresso de Viena. Um deles era o da legitimida- de, que preconizava a restauração das dinastias des- tituídas pela Revolução Francesa e pelo governo de Napoleão e consideradas legítimas pelo Congresso. O outro princípio orientador do conclave foi o con- ceito de equilíbrio de forças entre as grandes potên- cias. Com ele, procurava-se evitar a hegemonia de algumas dessas potências. Em fevereiro de 1815, durante a realização do Congresso de Viena, Napoleão fugiu de Elba, desembarcou na França à frente de um grupo de seguidores. Entrada dos franceses em Moscou, 14 de setembro de 1812, gravura de Edme Bovinet, a partir de obra de Louis François Couche (século XIX). O fracasso da invasão da Rússia deu início à derrocada do Império Francês liderado por Napoleão. B e tt m a n n /C o r b is /L a ti n s to c k HMOV_v2_PNLD2015_137a143_U03_C16.indd 142 3/20/13 4:36 PM 143A França imperial Capítulo 16 Philip de Bay/Historical Picture Archive/Corbis/Latinstock O novo governo do imperador, po- rém, duraria pouco menos de 100 dias. Afastado do poder, Bonaparte foi enviado para Santa Helena, pequena ilha no Atlântico. Ali permaneceria até sua morte, em 1821. Na França, Luís XVIII foi reconduzido ao trono. Mundo virtual n L’Histoire par l’image (A história por imagem) – Em francês, história cronológica do período napoleônico por meio de imagens. Disponível em: <www.histoire-image.org/site/rech/1789-1799.php>. Acesso em: 22 nov. 2012. Hora DE REFLETIR Ao analisar o Código Napoleônico, o historiador norte-americano Leo Huberman afirmou que ele foi feito “pela burguesia e para a burguesia”. Some-se a seu grupo de colegas e, juntos, discutam as se- guintes questões: as leis brasileiras também aten- dem aos interesses de determinados grupos econô- micos, sociais ou políticos? As minorias têm direitos assegurados em lei? Como a sociedade pode se ar- ticular para conseguir a aprovação ou a rejeição de determinadas leis? Depois de refletir sobre o tema, cada grupo deve criar uma cena curta (1 ou 2 minu- tos) que expresse a opinião de todos. Pode-se gra- var a cena e apresentá-la em DVD ou realizar uma apresentação teatral para a classe. 1. Napoleão assumiu o poder em 1799, dez anos depois da eclosão da Revolução Francesa. Que circuns- tâncias históricas permitiram a sua ascensão política? 2. O que foi o Bloqueio Continental? 3. Que relação pode ser estabelecida entre o Bloqueio Continental e o início da guerra entre a França e a Rússia? 4. Descreva os acontecimentos que se sucederam entre a derrota militar dos franceses na Rússia e o início do Congresso de Viena. 5. Explique os dois princípios fundamentais do Congresso de Viena: o da legitimidade e o do equilíbrio entre as grandes potências. Organizando as IDEIas Batalha de Waterloo (1815), na qual Napoleão sofreu sua derrota definitiva, representada em pintura de H. Chartier. HMOV_v2_PNLD2015_137a143_U03_C16.indd 143 3/20/13 4:36 PM 144 Situada no norte da América do Sul, a Venezuela vem passando nas últimas décadas por diversas mudanças econômicas e políticas. Até mesmo seu nome foi alterado. Em 1999, uma nova Constituição estabeleceu que a antiga República da Venezuela passaria a se chamar República Bolivariana da Venezuela. Essa alteração tem um forte signifi cado simbólico: bolivarianismo é o nome do ideário político-ideológico posto em prática pelo presidente venezuelano Hugo Chávez desde que assumiu o poder, em fevereiro de 1999. De contornos imprecisos, o bolivarianismo prega, entre outras coisas, a união dos países latino-americanos contra o que chama de imperialismo das grandes potências e o fi m do neoliberalismo econômico. A política de Chávez, morto em 2013, porém, foi objeto de muitas críticas. Alguns afi rmavam que ele estaria implantando uma ditadura no país. Outros o viam como um expoente do populismo que já se pensava superado na América Latina. O presidente venezuelano, Hugo Chávez, segura a espada do herói latino-americano Simón Bolívar, o Libertador, perante uma multidão de apoiantes depois de receber a notícia de sua reeleição em Caracas, em 7 de outubro de 2012. O presidente faleceu em março de 2013. A g ê n c ia F ra n c e -P re s s e Litografía Tecnocolor. Biblioteca Bicentenária, Caracas, Venezuela. A independência da América espanhola Capítulo 17 Objetivos do capítulo n Compreender a importância da estrutura político-administrativa para a definição da dinâmica social das colônias na América espanhola. n Entender o contexto histórico-social, os diferentes movimentos e as principais características do processo de independência da América espanhola. n Identificar algumas permanências e rupturas entre o passado e o presente na organização socioeconômica e política da América colonizada pela Espanha, até mesmo pelo viés da luta pela cidadania. Seja como for, o ideário de Hugo Chávez remete a Simón Bolívar (1783-1830), que, entre 1811 e 1824, liderou algumas das lutas contra o domínio espanhol na América. Bolívar imaginava reunir todos os territórios hispano-americanos em uma grande confederação republicana. Como veremos neste capítulo, o sonho de Bolívar só em parte se concretizou: a América, de fato, conquistou sua autonomia política, mas seu território fragmentou-se em diversos países. HMOV_v2_PNLD2015_144a148_U03_C17.indd 144 3/20/13 4:36 PM 145A independência da América espanhola Capítulo 17 Para manter a unidade desse império, o gover- no espanhol contava com um enorme aparato buro- crático e também com a força da Igreja católica, que, como afirma o historiador Leandro Karnal, cumpria “importante papel de coerção e geração de consenso entre a população”. A organização social No começo do século XIX, a América espanho- la encontrava-se dividida em quatro vice-reinos – o do Rio da Prata (formado pelas regiões hoje perten- centes à Argentina, ao Paraguai e ao Uruguai), o de Nova Granada (atuais Colômbia, Equador e Pana- má), o de Nova Espanha (hoje, América Central, Mé- xico e parte do sudoeste dos Estados Unidos) e o do Peru (atuais Peru, Bolívia e parte do território chile- no) – e algumas capitanias-gerais, como as do Chile, Venezuela e Cuba. Por essa época, a população his- pano-americana variava de 13 mi- lhões a 18 milhões de habitantes. No topo da pirâmide social estavam os peninsulares ou chapetones, em tor- no de 40 mil. Eram originários da Es- panha e dominavam toda a alta ad- ministração pública, religiosa e militar da América espanhola. Abaixo dos peninsulares vinham os criollos, cerca de 3 milhões de bran- cos (no começo do século XIX) nas- cidos na colônia. Embora nem todos fossem ricos, eles faziam parte de uma aristocracia composta de proprietários de terras, de minas e de escravos. Pos- suíam grandes fazendas – as hacien- das – e seus filhos podiam estudar na Europa, de onde muitos voltavam in- fluenciados pelo pensamento iluminis- ta e animados com a notícia de que as Treze Colônias inglesas da América do Nortehaviam se libertado da Ingla- 2 A serviço da Espanha Durante o período colonial, o governo da Espa- nha dividiu suas terras na América em vice-reinos e capitanias (releia o capítulo 3). Cada vice-reino era governado por um vice-rei, que respondia diretamen- te à Coroa espanhola. Na metrópole, as decisões po- líticas e administrativas relativas às colônias ficavam a cargo do Conselho das Índias, órgão criado em 1524 e encarregado de nomear os vice-reis, governadores, autoridades militares, judiciais, etc. A relação estabelecida entre as colônias e a Es- panha tinha por base o pacto colonial. Assim, as pri- meiras deviam produzir e exportar para a metrópole matérias-primas ou metais preciosos, e comprar dela os produtos manufaturados de que necessitavam. A administração desse comércio estava a cargo da Casa de Contratação, órgão criado em 1503 e sediado em Sevilha, na Espanha. 1 De mestiço e de índia, coyote, óleo sobre tela do pintor mexicano Miguel Cabrera (1763), que representa uma indígena, seu marido, um homem mestiço, e seus dois filhos, também mestiços. A criança nascida dessa união entre indígenas e mestiços era chamada de coyote. M ig u e l C a b re ra , 1 7 6 3 /W ik im e d ia F o u n d a ti o n /A rq u iv o d a e d it o ra HMOV_v2_PNLD2015_144a148_U03_C17.indd 145 3/20/13 4:36 PM
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