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84 Unidade III Unidade III 7 OS ERROS DA GOVERNANÇA CORPORATIVA Neste capítulo, veremos alguns dos erros mais comuns que ocorrem nas empresas com governança corporativa, apresentaremos de forma teórica os acontecimentos que levam a essas falhas, bem como traremos exemplos de situações (como fraudes e decisões estratégicas indevidas) que afetaram organizações que possuíam ou não o sistema de governança. Evidenciaremos que parte dos problemas não estão diretamente ligados ao modelo de governança sugerido e/ou normatizado por governos, instituições e pelo mercado, mas ao fato de as empresas não atuarem conforme o estabelecido no sistema e, na maioria das vezes, caminharem em direção contrária às suas próprias convicções, valores e cultura. No capítulo anterior exibimos todos os atores da governança, suas respetivas autoridades e responsabilidades, assim como a inter-relação entre esses atores, inclusive no que diz respeito a acompanhamentos, controles e auditorias. Muitos dos erros a serem apontados virão de falhas no processo de condução do sistema de governança na empresa, itens que levam os órgãos governamentais e não governamentais, que possuem interesse direto na constituição de um sistema correto e ativo de governança, a efetuar os ajustes necessários. Cabe lembrar que o mercado também se altera constantemente e, em várias ocasiões, as organizações precisam se ajustar à nova realidade, alterando ou implementando normas internas, funções e demais requisitos que forças externas e internas demandam. 7.1 Principais erros Como visto, boa parte dos erros da governança surge por falhas nas estruturas organizacional e estratégica da empresa, que deveriam estar focadas em atender a todas as partes interessadas com transparência, senso de justiça, prestação de contas e responsabilidade corporativa. Assim, alguns dos mais comuns erros de governança corporativa encontrados nas organizações são: • Falta de participação dos acionistas minoritários nos processos de governança: os acionistas são parte importante de um sistema de governança, porque eles serão os atores responsáveis por verificar se as tomadas de decisão efetuadas pelos gestores da alta administração da empresa estão sendo direcionadas única e exclusivamente para os interesses da companhia e a valorização constante do capital envolvido. Ocorre que algumas corporações efetuam as reuniões de acionistas e efetuam a convocação pelos meios de comunicação legais e instituídos, porém a participação de parte dos acionistas minoritários é muito aquém do esperado. Se a organização não apresentar as 85 GOVERNANÇA CORPORATIVA decisões que são do interesse de todos, poderão ocorrer falhas nos processos administrativos que não serão questionadas por esse segmento importante no sistema de governança corporativa. • Problemas de comunicação entre os órgãos da governança na empresa: a comunicação interna de uma organização é parte fundamental para o sucesso de qualquer companhia em todos os aspectos. Tal fato, portanto, também será importante para que a governança seja ativa e efetiva na instituição. Muitas vezes, pode-se notar falhas de comunicação entre o Conselho Fiscal e o Conselho de Administração, principalmente no que tange às decisões tomadas pela gestão. Se esta comunicação não for rápida e eficaz, a empresa poderá tomar ações que não são totalmente compatíveis com sua estratégia sustentável de longo prazo. • Falta de integração entre os atores da governança na empresa: toda e qualquer companhia precisa ter integração entre seus diversos departamentos na sua estrutura organizacional, sendo atuante ou não no modelo de governança, porém é possível encontrar aquelas que possuem uma estrutura organizacional estabelecida, completa e focada neste modelo. Todavia, as atribuições dos atores nessas estruturas não são seguidas conforme os princípios da governança. Em alguns casos, podemos perceber que o Conselho Fiscal, o Comitê de Gestão de Riscos e a Auditoria caminham de forma separada, sem integração e a troca de informações necessárias para que os órgãos de regulação interna, tão importantes para o bom desempenho, possam atingir sua plenitude nas funções e responsabilidades para as quais foram criadas. • Conselho de Administração sem atividade: este erro pode estar diretamente ligado a diversos fatores da empresa, inclusive à cultura que implantou o sistema de governança, porém não o considera como algo importante e estratégico. Ou seja, há um Conselho de Administração formado na instituição, sem atuação, tornando-se apenas um mero órgão sem relevância, criado para apresentar ao mercado que a corporação deseja a governança (mas não a aplica, realmente). • Conselheiros sem formação em governança: como vimos, o Conselho de Administração pode ficar sem sua atuação plena, e um dos motivos encontrados para tal tem vínculo direto com a falta de experiência e conhecimento das atribuições de um conselheiro no órgão. As empresas, ao escolherem os participantes do seu Conselho de Administração, precisam estar atentas a isso, uma vez que esse ator do processo somente será atuante da forma correta se seus participantes tiverem a experiência e o conhecimento para tal. Esta situação é facilmente contornada, uma vez que o IBGC possui diversos cursos direcionados para tal finalidade. Esses cursos certificarão os seus participantes a atuarem como conselheiros. É importante destacar que existem alguns requisitos mínimos para que uma pessoa se torne parte do Conselho de Administração de uma empresa, por exemplo: ser ou ter sido executivo de primeiro escalão por pelo menos cinco anos. • Conselheiros de administração sem total independência: como vimos, o Conselho de Administração possui atribuições e responsabilidades que devem ser seguidas rigorosamente, sendo a sua total independência peça-chave para o sucesso do processo de governança corporativa. Uma das principais causas da falta de independência pode estar vinculada à remuneração e aos benefícios dos conselheiros, porém é importante lembrar que a organização, ao assumir o modelo 86 Unidade III de governança, deve compreender que esses profissionais têm obrigações com a maximização do valor da corporação, com transparência e atitudes que sejam benéficas a todos os acionistas. • Reuniões do Conselho de Administração sem preparação ou sem todas as etapas previstas: essas reuniões devem seguir um formato e um roteiro que atenda a todas as necessidades e que as responsabilidades dos conselheiros possam ser cumpridas conforme o esperado no processo. Muitas vezes, a reunião não possui um preparo prévio dos conselheiros e/ou das informações que devem ser prestadas para a verificação e tomada de ações, bem como há ocasiões em que não é efetuada o que chamamos de “sessão exclusiva” ou ela acontece sem a presença do CEO. Esses aspectos descaracterizam o Conselho de Administração, podendo torná-lo obsoleto ou incompleto. • Composição do Conselho de Administração: é possível encontrar normas e determinações que dispõem sobre o tamanho e a participação de pessoas nos conselhos. Podemos tomar como exemplo a participação de uma empresa no mercado acionário brasileiro, no segmento de listagem de Novo Mercado, que está vinculada ao fato de o conselho, obrigatoriamente, possuir duas pessoas ou 20% (na composição total) de conselheiros independentes, o que for maior, com mandato de dois anos no máximo. Outro aspecto importante é quando o CEO é parte integrante do Conselho de Administração, uma vez que tal situação pode gerar um conflito de interesses, levando a sociedade para dentro da gestão. • Análise de risco mal elaborada: um dos maiores erros da governança é a não vinculação direta à composição da estrutura organizacional da empresa focada no modelo. Porém, é importante ressaltar que se os conselhos e as auditorias permitem que a corporação possua uma matriz de risco muito extensa e complexa, ou seja, que suas atividades administrativase operacionais possibilitam que vários aspectos (como forças externas, por exemplo) venham a criar ameaças à instituição. Tal fato pode trazer prejuízos não somente financeiros, mas aqueles focados nas responsabilidades social e ambiental. As empresas precisam estar atentas aos riscos que podem assumir para que tenham condições de se manter no mercado de forma perene e com lucros constantes e sustentáveis. • Baixa remuneração: quando uma empresa assume o modelo de governança corporativa, ela deve se planejar estratégica e financeiramente para a contratação e retenção de talentos que participarão ativamente dos diversos órgãos constituintes da estrutura do processo de governança. A remuneração abaixo dos padrões de mercado poderá gerar o afastamento de pessoal mais preparado para a execução das atividades, trazendo prejuízos às funções daquele setor no processo. Podemos citar como exemplo a baixa remuneração do Conselho Fiscal, que é o órgão responsável por se reportar ao acionista, contestando o Conselho de Administração quando preciso. Se tal fato ocorre no conselho, o acionista será o maior prejudicado, pois não terá um órgão fiscalizador que o auxilie para que as tomadas de decisões sejam direcionadas ao ganho de valor da empresa no mercado. • Participação não ativa da auditora externa: um dos mais importantes órgãos externos no processo de governança, a auditoria externa deve ser ativa e estar presente para a prestação de contas durante a apresentação dos resultados. O parecer da auditoria externa nos balanços, 87 GOVERNANÇA CORPORATIVA com isenção e responsabilidade, é parte fundamental para que os dados sejam transparentes e fidedignos, não provocando erros que possam levar a fraudes ou outros problemas associados ao fato. Portanto, a auditoria externa precisa participar ativamente do processo, mantendo sua independência, inclusive em esclarecimentos e discussões na apresentação de ressalvas e notas explicativas dos balanços e das demonstrações de resultado divulgadas, sempre que pertinentes. • Conflito de agência: este é um dos erros que devem ser tratados com mais atenção e cuidado pelas empresas, pois tem vínculo direto com benefícios, gratificações e bônus para os atores da governança, com base nos resultados atingidos pela companhia. 7.2 Conflitos de agência Quando as empresas começaram a atuar para separar a propriedade da gestão, houve uma busca no mercado por pessoas capazes de efetuar o gerenciamento e a estratégia delas, de modo a criar uma vantagem competitiva que se transformasse em lucros aos acionistas. Tal ação despertou, portanto, a necessidade de criar condições para que ocorresse a retenção desses talentos nas organizações. Interessante perceber que a separação da propriedade e gestão, bem como o gigantismo das corporações, que são parte do processo de busca da governança corporativa das empresas, também faz surgir a necessidade que levará ao conflito de agência. Para iniciar a compreensão do tema, que será explorado para maior entendimento a seguir, as empresas criaram métodos de bonificação e benefícios a fim de que os gestores se mantivessem nos seus cargos e ampliassem os lucros com estratégias direcionadas para este fim. Porém, parte dessa bonificação pode estar vinculada ao crescimento da riqueza da instituição e, portanto, faria com que os gestores agissem em seus próprios interesses, conseguindo lucros rápidos, mas com maior risco ou, até mesmo, vinculando tal fato a fraudes contábeis ou econômicas. Assim, pôde ser verificado que os acionistas que efetuaram o financiamento da empresa podem ter seu capital evoluindo em curto prazo, porém com riscos maiores de perda em longo prazo. Esse conflito independe do tipo de financiamento efetuado para o crescimento, seja interno, seja externo. No caso dos financiamentos internos, em que a grande maioria do capital da instituição ainda está concentrado nos empreendedores fundadores e em suas famílias, o risco é considerável, uma vez que eles estão acostumados com os bons resultados de seus negócios e perdas podem ser preocupantes. Por sua vez, na hipótese dos financiamentos externos, ou seja, nas companhias que captaram seus recursos com a emissão de ações nas bolsas de valores, o risco também se faz presente de forma avassaladora, apesar da pulverização do capital, visto que o principal intuito do investidor/acionista é investir seu capital em um empresa que traga lucros consistentes em longo prazo. Desta forma, as grandes corporações com capital pulverizado transformam os seus acionistas em outorgantes dos novos líderes, que são responsáveis pelas ações gerenciais, os outorgados. Rossetti e Andrade (2014, p. 84) nos explicam de forma detalhada sobre o funcionamento: 88 Unidade III No modelo de gestão das grandes corporações do moderno capitalismo, os acionistas, como agentes principais e outorgantes, estão focados em decisões financeiras, em alocação eficaz dos recursos, em carteiras de máximo retorno, em diversificação de riscos em operações. E como outorgados e agentes executores, os gestores estão focados em decisões empresariais, no domínio do negócio, em conhecimentos de gestão, em estratégias e em operações. Aos gestores os acionistas fornecem os recursos para a capitalização dos empreendimentos e as remunerações pelo serviço de gestão; em contrapartida, os gestores fornecem serviços eu maximizam o retorno dos acionistas com o compromisso de prestarem informações precisas, oportunas, confiáveis e abrangentes sobre a condução dos negócios, sobre os riscos e vulnerabilidades da empresa e sobre suas perspectivas futuras). Ao ocorrer tal troca, os dois agentes do processo efetuam o que chamamos de relação de agência, visto que é firmado um contrato que direciona a gestão para suas atividades, com base nas expectativas e desejos dos acionistas. A forma usual de pagamento desse contrato traz, por sua vez, uma série de bonificações (por exemplo, a participação acionária da empresa com a entrega de ações da própria companhia aos gestores) para que todos os itens contratados sejam alcançados em um prazo estipulado no planejamento estratégico da sociedade. Porém, não devemos esquecer que os gestores também possuem seus próprios desejos e necessidades, que no exemplo dado podem colidir com aqueles dos acionistas, provocando o conflito de agência. O importante seria que os desejos de ambos estivessem em perfeita sintonia, para que todas as ações visassem à maximização do valor investido (para os acionistas) e do valor ganho (para os gestores) e que fossem sempre vinculadas ao planejamento e às boas práticas corporativas. O que observamos, em alguns casos, foi o conflito desses interesses. Ainda como exemplo de bonificação, a participação acionária dos gestores, por meio de um programa de bônus (como programas de remuneração conhecidos no mercado como stock options), pode levar os gestores a obter lucratividade com bastante êxito em curto prazo, porém sem todos os itens do contrato efetuado entre outorgantes e outorgados estarem sendo seguidos rigorosamente. Isto acarreta situações como fraudes contábeis ou ganhos sem sustentabilidade e/ou responsabilidade corporativa, trazendo prejuízos futuros para a organização. Ainda que tal bonificação não seja bem definida, os gestores terão seus ganhos, pois o aumento do valor das ações no curto prazo no mercado terá sido benéfico no seu programa de opção de ações (stock options). O mercado, com o tempo, percebeu que o conflito de agência ocorreria sempre que o planejado, elaborado e colocado em prática pela governança corporativa não estivesse sendo cumprido em sua totalidade, seja porque os contratos efetuados entre as partes não estavam completos e apresentavam diversas falhas (axioma de Klein) ou porque os agentes se comportavam de forma indevida (axioma de Jensen e Meckling). 89 GOVERNANÇA CORPORATIVA Quando se refere ao fato de os contratos não possuírem a previsibilidade de talatitude por parte dos gestores, aliado à falta de um acompanhamento mais eficaz em governança (seja pela estrutura criada, seja pela baixa participação dos acionistas nos processos de tomada de decisões), deve-se entender que no início do processo de gigantismo das corporações e suas separações entre gestão e propriedade, o mundo corporativo era pouco mutável e os planejamentos de longo prazo possuíam uma coerência entre as ações tomadas e os objetivos alcançados. Principalmente no final do século XX (mais precisamente após os anos 1980), foi visto o aumento da participação do capitalismo na maioria das nações, além das mudanças constantes no mundo corporativo e nas relações entre as empresas e as partes interessadas. É possível perceber que desde então todas as decisões precisavam ser tomadas com mais agilidade, porém com maior envolvência de aspectos que antes não eram inseridos na estratégia das organizações, tais como: a globalização das empresas e sua participação em diversos mercados, cada um deles com características únicas, que precisam ser respeitadas e as companhias terem seu direcionamento para tal; a concorrência mais abrangente com novos entrantes no mercado surgindo de diversos países e de áreas antes não consideradas concorrentes; o avanço tecnológico, que transforma os meios de produção e as entregas de serviços das instituições aos clientes, exigindo uma nova série de demandas; e os desejos dos clientes sendo alterados conforme a nova dinâmica do mercado, elevando o nível dos processos de qualidade, não somente no produto ou serviço ofertado, mas em outros valores agregados. Há, então, uma busca por novos gestores que possam acompanhar na mesma velocidade os processos disruptivo e contínuo, transformando o conceito administrativo em um processo de atividades que se canalizam para a 4ª Revolução Industrial ou Administração 4.0. A Administração 4.0 surge com a inovação crescente e o aumento da tecnologia e da velocidade de produção, operação e transformação. Nela, temos alguns princípios básicos que são os seus pilares. Observemos na sequência: • Operação em tempo real: com as operações ocorrendo em velocidades cada vez mais rápidas, vemos uma alteração significativa de todo o processo, desde a entrada dos materiais dos fornecedores até a entrega dos produtos e serviços aos clientes. • Virtualização: as empresas começam a produzir de forma virtual em muitos aspectos, aproveitando-se de novas tecnologias, tais como: BI, inteligência artificial, armazenamento em nuvem etc. • Descentralização: tomada de decisões cada vez mais descentralizadas, que exigem maior controle das ações por meio de processos, como a governança corporativa. • Evolução dos sistemas produtivos: esta evolução inovativa e disruptiva gera uma série de benefícios para as empresas, sendo possível a redução significativa dos custos, o aumento da segurança e, principalmente, a transparência nos negócios e a maior responsabilidade socioambiental, ambos já vistos como estratégias importantes para as partes interessadas. 90 Unidade III Ainda podemos citar que os gestores das empresas atuais precisam ter o foco em algumas áreas, fato que ficou conhecido como “3 Cs e 1 V”. Conforme Bill McClain (2018), veremos na sequência cada um desses focos para a alta administração das empresas, que precisam ter governança corporativa a fim de atender todas as necessidades atuais: • Cliente: a voz do consumidor é cada vez mais ouvida e deve ser percebida como catalisador das ofertas da empresa, pois houve aumento das exigências e necessidades do mercado, que enxerga a instituição não somente como uma mera produtora, mas como uma organização que tem diversas responsabilidades com todos os stakeholders. • Comunicação: como já foi visto, as comunicações da empresa, tanto interna quanto externa, devem ser transparentes e com equidade, para que todas as informações sejam compreendidas. • Companhia: a estratégia e os processos da empresa devem estar voltados para a melhoria e inovação contínuas, buscando procedimentos ágeis e inovadores. • Visão: toda a empresa deve possuir uma visão futura que reflita as suas metas e objetivos, que atendam um foco maior. Trata-se da perenidade da organização. Portanto, existe a necessidade de um contrato complexo entre a empresa e seus gestores, que precisam ter as informações sempre atualizadas e vinculadas às necessidades do mercado, dos acionistas, da própria corporação e das demais partes interessadas. Outro aspecto é a inexistência do agente perfeito, uma vez que podem ocorrer ações e tomadas de decisões por parte dos gestores contratados pela empresa, que têm como principal foco o seu próprio benefício, em detrimento dos objetivos da instituição, é o que chamamos de gestor oportunista. Entre as ações e decisões que podem ser efetuadas, podemos citar: • Gestores concederem benefícios além do esperado para si, extrapolando as práticas do mercado. • Crescimento da empresa com ações que não trazem sustentabilidade futura, prejudicando a maximização do retorno em longo prazo aos acionistas da companhia. • Contratação de empresas fornecedoras que tenham conflito de interesses, como participação acionária dos gestores ou vinculação familiar nas organizações. Podemos citar ainda o acionista oportunista, que busca informações privilegiadas para compra de suas participações na empresa ou as estruturas piramidais de controle, quando falamos de grandes corporações proprietárias de um sistema de empresas sob seu domínio, como no caso das Holdings, por exemplo. Para todos os fatos apontados, a governança corporativa é a principal solução, que trabalhará para que tais conflitos de agência não venham a interferir ou, até mesmo, existir nas companhias. 91 GOVERNANÇA CORPORATIVA Tanto as legislações obrigatórias e compulsórias impostas pelos governos e instituições de regulação dos mercados de capital, quanto as normas e procedimentos internos com a criação de estruturas e responsabilidades impõem às empresas a necessidade de criar o modelo de governança corporativa e mantê-lo atuante e eficaz estratégica e operacionalmente. Com isso, o relacionamento entre os acionistas e as corporações é baseado na formalidade, conformidade dos processos e das estratégias, transparência das informações (comunicações sem qualquer tipo de ruído), equidade do tratamento de todos os acionistas (majoritários e minoritários) e percepção da empresa da relação direta entre sua perpetuidade e a responsabilidade socioambiental. Todavia, tais atitudes não foram suficientes para controlar todos os problemas de conflitos de agência, de fraudes ou de tomada de decisões que prejudicam a empresa em longo prazo. Veremos, a partir de agora, exemplos de erros da governança corporativa nas organizações. 7.3 Casos de erros de governança corporativa O principal exemplo que podemos citar, e que foi um dos causadores do processo de criação da Lei Sarbanes-Oxley, é o caso da empresa norte-americana Enron. A Enron Corporation era uma empresa de energia no Texas, resultado de uma fusão entre duas grandes companhias em 1985, sendo considerada, à época, uma das mais importantes companhias de distribuição de energia do mundo, com faturamento acima de 100 bilhões de dólares por ano. Porém, ao longo do tempo, ela começou a expandir seus negócios para outros segmentos, até mesmo impulsionada pelas oportunidades que o novo mercado de tecnologia trazia. No final de 1999, a corporação lançou seu site, o EnronOnline, tornando-se, em um espaço de tempo muito curto o maior portal de comércio eletrônico no ano seguinte. O portal se destinava a negócios vultuosos, com transações que envolviam vários tipos de papel e commodities que são negociadas no mercado financeiro, tais como: carvão, aço, petroquímicos e, claro, energia elétrica. A guinada para o mundo da rede social da Enron foi a responsável pelo crescimento exponencial significativo que a empresa teve em pouco mais de umano, uma vez que dois anos depois do lançamento do seu site, a instituição já possuía o total de mais de 6 mil transações por dia. A Nova Economia, baseada na internet, era vista como a grande responsável pelo dinamismo que a corporação apresentava em um curto período da sua história. Com isso, a instituição conseguiu uma ramificação enorme no mercado, deixando de ser apenas de energia elétrica e gás natural, e passando a dominar e influenciar vários outros mercados, o que levou a companhia a atingir o grupo das cem maiores empresas do mercado norte-americano. Consequentemente, ocorreu o aumento demasiadamente espantoso do valor de suas ações que eram negociadas na bolsa de valores norte-americana, fazendo com que o preço delas dobrasse em apenas um ano. Porém, tão rapidamente quanto a empresa cresceu, já em 2001, começou a surgir uma série de problemas que o mercado passou a verificar com a Enron. Primeiramente, foi uma crise forte de falta 92 Unidade III de abastecimento correto de energia no estado da Califórnia. Esse foi o motivo da queda de suas ações na bolsa, mostrando claramente ao mercado que ali, no mínimo, havia o que chamamos de bolha especulativa. Logo depois, todo o mercado de comunicações vinculado às empresas de tecnologia começa a sofrer com a redução dos ganhos e, em vários casos, na quebra de corporações no setor. Na época, o fator ficou conhecido como o estouro da bolha das empresas “.COM” (forma de o mercado denominar as instituições que estavam vinculadas à tecnologia, principalmente no Novo Mercado, que era iniciante, o mercado da internet). Por fim, para piorar a situação já alarmante que a empresa passava em 2001, aparecem boatos de que os balanços estavam sendo manipulados sem ética por parte dos seus gestores responsáveis, bem como tinham a anuência da corporação de auditoria independente. No último trimestre daquele ano, vários acontecimentos agravariam de tal forma a situação da instituição que ela se viu obrigada a entrar com pedido de falência/concordata no mercado norte-americano, fazendo com que suas ações, que haviam atingido a marca de US$ 90,00, fossem negociadas na bolsa ao irrisório preço de 67 centavos de dólar, provocando perdas astronômicas aos acionistas minoritários. Ainda, antes disso, vários acontecimentos levaram à crise da empresa, tais como: • A saída de seu presidente e de membros da diretoria previamente à queda, fazendo com que eles conseguissem vender suas ações (que faziam parte de suas remunerações) antes da queda. • A revisão dos seus balanços, que apontou prejuízos milionários, em contrapartida dos lucros exuberantes, que foram anteriormente divulgados sob a tutela da empresa Arthur Andersen, auditora externa independente. • A verificação da apresentação, nos balanços e nas informações divulgadas ao mercado, de transações fictícias que demonstravam lucros que jamais existiram. • A empresa auditora que tenta destruir as evidências das fraudes contábeis apresentadas nos balanços anteriores, efetuando um papel importante na divulgação de fatos inverídicos ao mercado. • O pagamento de dívidas da empresa não foi suficiente para acalmar os ânimos no mercado, uma vez que a confiabilidade das ações e informações que ela divulgava já não produziam mais efeitos. Tal situação levou à falência definitiva da empresa em 2002 e à desestabilização do mercado acionário norte-americano, pois a desconfiança nos padrões contábeis e de suas empresas auditoras poderiam ser utilizados por outras tantas companhias. Para entender a importância do processo de governança corporativa, vale ressaltar que no momento ainda estávamos no início das ideias e ideais do processo, sendo que boa parte do que temos atualmente não estava implantado ou, sequer, elaborado pelos governos, órgãos reguladores e instituições interessadas no andamento do mercado para atender aos stakeholders. 93 GOVERNANÇA CORPORATIVA Assim, houve várias consequências e ações posteriores ao fato que auxiliaram na percepção da importância de um modelo de governança na empresa e aprovado pelos participantes do mercado. Os responsáveis pela instituição naqueles momentos de fraudes contábeis, que demonstraram a falta de ética no processo (até porque venderam suas ações quando ainda estavam em alta, utilizando-se do recurso da informação privilegiada para tal), foram condenados e presos com penas severas. A auditora independente Arthur Andersen também não resistiu à pressão do mercado por conta do auxílio às fraudes nos balanços, e ainda em 2002 foi dissolvida. E, por fim, ocorreu a percepção do mercado de que todos os controles, que até aquele momento eram considerados exemplares e dignos de confiança, foram perdidos e que era necessária uma alteração significativa a fim de que os investidores (acionistas minoritários) retornassem a inserir seu capital em instituições listadas na bolsa. Desta forma, o governo americano, por meio de seus deputados e senadores, passou a trabalhar para que uma nova lei fosse criada, levando às empresas a um conceito de ética, transparência e responsabilidade, inclusive com penas severas para seus gestores em casos de fraude ou tomada de decisões prejudiciais à valorização dos negócios das organizações. Com isso, surge a Lei Sarbanes-Oxley (a SOX) em 2002, um dos pilares da moderna governança corporativa. Lembrete O principal exemplo que podemos citar, e que foi um dos causadores do processo de criação da Lei Sarbanes-Oxley, é o caso da empresa norte-americana Enron. 7.3.1 O caso do Banco Panamericano Apresentaremos agora alguns casos de erros e fraudes que ocorreram já com a governança corporativa estabelecida no mercado e nas empresas, com o intuito de compreender melhor sua importância e quais os aspectos falhos que trouxeram essas situações ao mercado. O primeiro caso a ser explorado será o do Banco Panamericano. O Banco Panamericano fazia parte do conglomerado do grupo Silvio Santos, reunindo empresas de diversos setores, desde a comunicação, com o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), até o setor de cosméticos, com a Jequiti Perfumes. Tal grupo teve início em 1958 com a abertura da primeira empresa pelo Senor Abravanel (nome oficial do apresentador e empresário Silvio Santos), ou seja, trata-se de um conglomerado respeitado pelo mercado e por demais setores, não somente pelo seu tempo de vivência, mas pela figura do seu principal acionista. O grupo Silvio Santos já chegou a controlar mais de trinta empresas no Brasil e no exterior, sendo que uma delas era o Banco Panamericano, que estava no segmento bancário e durante alguns anos foi a principal responsável pelo sucesso financeiro do grupo, uma vez que boa parte das companhias apresentava prejuízo no início dos anos 2000. 94 Unidade III A importância do banco não era restrita ao grupo, pois o Banco Panamericano estava, no ano de 2007, entre as cem maiores empresas do Brasil (21ª empresa brasileira na época). Tratava-se de um banco múltiplo, pois ele possuía um conjunto de carteiras de clientes em vários segmentos: conta-corrente, cartões de crédito, financiamentos etc. Sua maior participação estava no mercado de crédito direto ao consumidor, operando linhas de crédito pessoal e financiamentos de veículos, material de construção, móveis, turismo, eletrodomésticos e outros. Assim, o Banco Panamericano despontava em um mercado extremamente concorrido com grandes players já estabelecidos, como Itaú, Bradesco, Santander e Banco do Brasil. Porém, em 2011, por meio de seus controles e fiscalização, o Banco Central do Brasil apontou uma série de falhas contábeis nos balanços do banco, que não foram verificadas pela auditoria e remetiam aos balanços desde 2008. Tal controle se fez por conta da percepção do Banco Central do aumento exponencial e sem contrapartida direta nas operações de cessão de crédito. Saiba mais Para entender melhor sobre cessões de crédito e sua importância no mercado financeiro brasileiro, leia: BANCOCENTRAL DO BRASIL. Manual de informações de negociação de operações: documento 3040. BCB, [s.d.]. Disponível em: https://bit.ly/3x0f4Bg. Acesso em: 27 jul. 2021. Muitas das inconsistências foram efetuadas internamente na empresa com aval do diretor financeiro, porém o caso envolveu todos os órgãos internos da instituição vinculados à governança corporativa (Diretoria, Comitê de Auditoria, Conselho Fiscal e Conselho de Administração), bem como as corporações que faziam as auditorias contábeis e as consultorias financeiras para o banco. Fica evidente, então, a falta de comprometimento e orientação dos órgãos de governança, que existiam na teoria, porém não atuavam na prática. Um dos pontos cruciais do processo de fraude envolvendo o banco e relacionado ao modelo de governança que a empresa possuía tem vínculo com o seu Conselho de Administração durante o período apontado com as inconsistências contábeis propositais. Esse Conselho era formado por pessoas independentes, e até apontou certas inconsistências para o Comitê de Auditoria, porém não foi dada a devida atenção ao fato. Como todo o processo de fraude foi conduzido pela alta administração da empresa, chegou-se à conclusão de que os órgãos internos de governança depositaram confiança nos processos, porém sem fazer as investigações, indagações e críticas pertinentes a cada um dos componentes da estrutura. Todo o processo foi elaborado de tal forma a tentar criar falsos números e procedimentos que, quando não acompanhados ou auditados em sua plenitude, são capazes de acarretar fraudes contábeis 95 GOVERNANÇA CORPORATIVA que têm o objetivo de “maquiar” o balanço e a demonstração de resultado da empresa, provocando problemas futuros. Saiba mais Na sequência, consta uma matéria com mais detalhes do ocorrido, bem como uma análise do histórico de situações similares no país desde a família real: LOPES, M. Fraudes em bancos, como no caso do Panamericano, existem desde família real. Uol, 2017. Disponível em: https://bit.ly/3lpKJtU. Acesso em: 2 ago. 2021. Os passos para o entendimento da fraude podem ser assim descritos: • O banco possuía cessões de crédito e efetuava a venda delas para outros bancos, tais como: Itaú, Santander e Bradesco. Essas transações são comuns no mercado bancário, em que as instituições financeiras compram e vendem suas carteiras no intuito de ampliar clientela ou obter recursos financeiros para outras atividades, respectivamente. • O banco, primeiramente, vendeu a mesma carteira para mais de um banco, provocando a duplicidade no mercado, de forma fictícia, causando transtornos no mercado bancário. • Ele também não fazia a contabilização da venda da carteira de cessões de crédito, ficando com uma irregularidade contábil por dois motivos: o aumento de capital (um acréscimo do caixa da instituição financeira), que possibilitava ao Banco Panamericano ampliar significativamente a sua participação no mercado e a manter sua cessão vendida registrada em carteira, fazendo com que seu patrimônio ficasse com valores além do efetivo, possibilitando a participação do banco em outras negociações que ultrapassassem o permitido pelo mercado (há uma norma do Banco Central que estipula a quantidade de capital envolvido nas operações bancárias, sempre vinculada a seu patrimônio). • O Banco Panamericano passa a obter lucros irreais, pois parte deles não era real (fazia parte de uma fraude contábil) e a outra surgia de transações que o banco não poderia executar, caso tivesse seguido as normas estabelecidas. • Houve falhas de processo na auditoria externa, que não efetuou todas as práticas de mercado para a verificação das informações que constavam no balanço da empresa, bem como não se certificou no mercado das transações ocultadas pela contabilidade criativa do diretor financeiro do banco. 96 Unidade III • Após a verificação do crescimento exponencial do banco de forma insustentável e sem precedentes no mercado bancário brasileiro, o Banco Central do Brasil cruzou as informações entre as instituições e verificou que havia duplicidade de carteiras (elas estavam registradas tanto nos balanços dos bancos compradores quanto no próprio Banco Panamericano, que havia vendido, mas não contabilizado). • Por fim, ainda houve a verificação da bonificação dos diretores, que estava diretamente ligada à lucratividade da empresa, apresentando um conflito de agência, pois parte das decisões tomadas tinham como objetivo o enriquecimento e o ganho pessoal dos envolvidos na fraude. Com isso, apesar de um sistema de governança corporativo implantado e, ainda que com falhas, ativo na organização, isso não foi suficiente para que a instituição financeira efetuasse a fraude e, consequentemente, atingisse o mercado de capitais. Assim, pode ser listada uma série de falhas no processo de governança corporativa, fato que demonstra que o modelo precisa ser não somente implantado, mas seguido em todos os seus procedimentos para que atinja seus objetivos. As falhas são: • O distanciamento do sócio majoritário do processo, deixando que a companhia trabalhasse sob a luz da governança, porém sem o devido controle que se faz necessário. Aqui, vale ressaltar que Silvio Santos, na época, disponibilizou todo o seu patrimônio como garantia para a utilização de medidas de saneamento da empresa, restabelecendo o equilíbrio patrimonial da instituição financeira, ampliando a sua liquidez e reduzindo as perdas dos clientes, colaboradores e acionistas. • Tal distanciamento levou os diretores a tomarem ações que visavam seu próprio benefício para se valer das bonificações de ações (no modelo de stock options) que possuíam. • A estrutura da governança corporativa estava montada, porém os diversos órgãos e seus atores eram falhos ou permissivos em várias etapas do processo de verificação das ações tomadas pela alta administração, desde o Conselho de Administração até o Comitê de Auditoria. Além disso, as informações verificadas e questionadas à diretoria pelos órgãos, inclusive o Conselho Fiscal da empresa, não tinham o tratamento de isenção necessária nessas situações, pois as explicações fornecidas em relação ao que havia sido verificado internamente eram consideradas suficientes e fundamentadas. • Parte de vários processos que ocorreram, como no caso da venda de ações para a Caixapar S.A. (subsidiária da Caixa Econômica Federal) e das vendas de cessões de crédito, não teve o comprometimento das auditorias externas, inclusive sem a elaboração de uma due diligence, necessária nessas transações. • A fraude foi descoberta pelo Banco Central do Brasil, o órgão fiscalizador do mercado bancário brasileiro, demonstrando plenamente a falha geral de toda a estrutura interna de governança corporativa e da capacitação da auditoria externa independente. 97 GOVERNANÇA CORPORATIVA Observação A due diligence, que poderia ser traduzida literalmente como diligência prévia, é um processo de estudo, análise e avaliação detalhada de informações de uma empresa alvo de negociação. Com isso, previamente ao fechamento de uma negociação, a corporação a ser comprada passará por um processo de avaliação técnica, que envolverá os diversos aspectos da organização, desde a verificação dos dados contábeis (demonstrações financeiras) até os aspectos trabalhistas e tecnológicos. 7.3.2 O caso Petrobras Outra falha de governança corporativa que trataremos diz respeito a uma das companhias brasileiras mais conhecidas e de maior valor no mercado: a Petrobras. A empresa foi criada em 1953, pelo Presidente Getúlio Vargas, com o ideal de incentivar a exploração de petróleo no Brasil. A estatal surgiu de um processo popular que durou vários anos e tinha como slogan “O Petróleo é nosso”, e foi o resultado final das ações de vários órgãos criados para tal fim, a exemplo do CNP – Conselho Nacional do Petróleo. Como descrito por Dias e Quaglino (1993, p. 166-167): Um primeiro aspecto a merecer destaque é a posição daempresa relativamente ao mercado internacional de petróleo. Sua primeira função, nos slogans dos comícios e nos documentos oficiais da campanha “O petróleo é nosso”, seria a de prover a autossuficiência na produção de petróleo e derivados, protegendo os recursos naturais, os consumidores e a economia do país dos efeitos da ação predatória e corruptora das companhias multinacionais. É importante notar que mesmo um elemento moral não esteve ausente dessa perspectiva. Sendo já bastante conhecida a natural estrutura do setor petrolífero e a trajetória política e econômica das multinacionais em países subdesenvolvidos, qualquer tipo de concessão exploratória configuraria uma “entrega” do país. Por outro lado, dadas as conhecidas debilidades do capital nacional, qualquer proteção garantida pelo Estado à iniciativa privada poderia se transfonar em um favorecimento escandaloso. Não restava assim alternativa senão o estabelecimento do monopólio estatal. Aos poucos, o processo de exploração do petróleo ganhou força no Brasil e a empresa se tornou em pouco tempo referência nacional, uma vez que já em 1961 foi fundada a refinaria de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, sendo atualmente a mais complexa de todo o sistema que envolve a companhia. 98 Unidade III Quinze anos após sua criação, a Petrobras iniciou a exploração de petróleo no mar por meio de sua primeira plataforma de petróleo, e um pouco adiante, em 1974, realizou a descoberta da Bacia de Campos, uma província petrolífera no Oceano Atlântico que já foi responsável por quase 80% da produção brasileira. Já no século XXI, temos a descoberta do petróleo e gás no pré-sal, fazendo com que a Petrobras (s.d.) criasse “ações estratégicas que garantem o desenvolvimento de toda a cadeia de bens e serviços, trazendo tecnologia, capacitação profissional e grandes oportunidades para a indústria nacional”. Em 2016, a produção de petróleo extraída da camada de pré-sal atingiu a marca extraordinária de 1 milhão de barris por dia. O pré-sal foi fator fundamental para que a Petrobras evoluísse consideravelmente no mercado internacional, tornando-se a quarta maior empresa petrolífera de capital aberto no mundo. Saiba mais A descoberta de petróleo no pré-sal foi um marco importante para a empresa e para o Brasil, aumentando substancialmente a produção brasileira de petróleo e alavancando a empresa, além de expandir a tecnologia da exploração do combustível. Com o objetivo de compreender mais sobre o pré-sal, consulte: PETROBRAS. Pré-sal. Petrobras, [s.d.]. Disponível em: https://bit.ly/3eKvw2j. Acesso em: 23 jul. 2021. Por ser uma empresa de capital aberto, possui suas ações negociadas na bolsa brasileira em duas modalidades: preferenciais (PN – PETR4) e ordinárias (ON – PETR3) há mais de sessenta anos, sempre com altos volumes negociados e grande participação no índice brasileiro – o Ibovespa. Então, o gigantismo da companhia, sua importância no cenário nacional e sua participação ativa e de alto volume no mercado de capitais levaram à pulverização do capital (inclusive com o lançamento de um programa de compra de ações por meio da utilização de saldos do FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – em 2000), ainda que possuísse o governo brasileiro como o acionista majoritário. Com tal importância e por meio da necessidade da transparência, equidade e responsabilidade corporativa, a instituição utilizava uma série de políticas internas e de estruturas focadas nas boas práticas com vistas a atender a todas as partes interessadas. É importante frisar que os papéis da Petrobras também são negociados no exterior, como na bolsa de valores americana, por exemplo. No ano de 2002, foi efetuada uma série de reformas estatutárias que visavam atender às necessidades do mercado internacional e à redução substancial da insegurança dos investidores minoritários. São elas: 99 GOVERNANÇA CORPORATIVA • O estabelecimento da adoção da Câmara de Arbitragem para solução de conflitos. • A chance de os acionistas preferenciais poderem eleger um membro do Conselho de Administração. • A oportunidade de os acionistas preferenciais exporem oficialmente opiniões, sugestões e recomendações em diversos assuntos, tais como: fusão, aprovação de contratos etc. • A alteração da composição do Conselho de Administração: cinco membros representantes do acionista controlador, três representantes dos demais acionistas ordinários e um representante dos acionistas preferenciais. • A redução do tempo de mandato dos conselheiros. • A proibição de prestação de serviços de consultoria pelo auditor independente. Em 2009, a empresa expandia sua estrutura de governança corporativa, com atores bem definidos, considerando desde conselhos de administração e fiscal até auditorias, ouvidorias e comitês. A figura a seguir exibe a estrutura de governança da Petrobras na época: Definições estratégicas e supervisão Conselho Fiscal Conselho de Administração Comitês do C.A. Relatores Comitês de Gestão Comitê de Negócios Diretoria Executiva Presidente Auditorias Ouvidoria Diretores Execução da estratégia e desenvolvimento das operações Figura 11 – Estrutura de governança da Petrobras Fonte: Meireles (2009, p. 47). 100 Unidade III Ainda em 2014, a empresa criou uma Diretoria de Governança e Conformidade e ampliou sua estrutura de governança, além de atualizar seus processos considerando as novas exigências normativas, legais e do mercado acionário brasileiro e internacional. Essas ações foram realizadas também por conta do escândalo de corrupção que envolveu a instituição, com irregularidades que somaram em torno de 3 bilhões de reais. Interessante verificar que mesmo com processo de governança instalado, uma das principais consequências no caso foi a perda de valor da empresa, com a queda significativa das ações no mercado de capitais (mais de 70% do valor das ações preferencias). Elencaremos a seguir algumas falhas no processo: • A verificação da interferência governamental nas decisões da empresa, que necessita ser reduzida ou eliminada para que a Petrobras possa tomar ações que visem somente à maximização do seu valor de mercado ao longo do tempo. • A maior independência da gestão para a tomada de ações, bem como o maior controle de todos os atores da estrutura de governança na empresa. • A formação de um Conselho de Administração verdadeiramente independente. • A criação de uma secretaria de governança que deve agir sob a direção do Conselho de Administração para acompanhar e questionar as ações e decisões dos diversos diretores da empresa. Por fim, também foram percebidas que atitudes e regulações externas precisam ser melhoradas, alteradas ou criadas para atender a todas as necessidades, por se tratar de uma empresa estatal amplamente utilizada pelo governo brasileiro, uma vez que trata de um produto que afeta todo o mercado e o processo inflacionário da nação – o petróleo. 8 NOVOS DESAFIOS DA GOVERNANÇA CORPORATIVA A governança corporativa é um modelo de estrutura e de planejamento administrativo que, como todos os demais setores e áreas de uma organização, precisa de atualizações constantes, impulsionadas por pressões externas e internas que são cruciais para a manutenção da vantagem competitiva em longo prazo e, consequentemente, sua perpetuidade. Assim, ela segue por tendências futuras, bem como adaptações ao novo mundo globalizado e disruptivo. Com isso, é possível entender que todas as transformações que impactam as organizações, desde a parte tecnológica, que atualmente apresenta uma mudança constante e muito veloz, até as questões de responsabilidade socioambiental, que muitas vezes são exigidas pelos nossos clientes, naturalmente serão percebidas pelos órgãos responsáveis pela governança corporativa. Tanto os atores externos dos processos de boas práticas de governança (tais como: mercado, bolsa de valores, acionistas minoritários etc.) quanto os internos (os diversos setores de uma estrutura101 GOVERNANÇA CORPORATIVA envolvida na governança) precisam se atualizar a ponto de atender leis, normas e processos que são criados ou atualizados. Importante afirmar que essas ações levam a um caminho de mão dupla, no qual mercado, governo e outros fatores externos apresentam suas necessidades (compulsórias ou não) e esperam das empresas que elas cumpram seu papel e entreguem dados, informações e resultados compatíveis com o exigido, bem como as corporações esperam que o mercado receba suas novas ações e tomadas de decisão associadas à nova realidade em busca da máxima valorização dos seus negócios. Dessa forma, os atores externos se comportam com vistas à nova realidade: • Investidores estão dispostos a pagar um valor maior nas ações das empresas bem governadas, uma vez que esse prêmio (diferença de valor em relação às demais empresas) está diretamente ligado à proposta de valor entregue por tais organizações. • Indicadores são uns dos principais métodos de avaliação das empresas no mercado, e a apresentação de informações transparentes e com responsabilidade em companhias que assumem o processo de governança criam maior confiança nos dados, auxiliando o mercado. • Leis e normas criadas pelos diversos atores externos são bem vistos pelo mercado, pois também criam a exigência para as organizações e trazem mais responsabilidade corporativa e equidade. Por sua vez, já é sabido que as companhias também efetuam uma série de movimentações internas para atender às necessidades e se atualizar. São elas: • Compreensão maior em relação às recomendações de boas práticas de governança. • Maior profissionalização de todos os seus setores, e ainda o maior foco no empowerment e na independência dos Conselhos de Administração. • Novas estruturas realinhadas e geridas para atender a todas as necessidades da governança. • Compreensão das exigências do mercado, absorvendo-as nas suas práticas e nos processos de gestão. Observação Empowerment é uma estratégia assumida pelas empresas para que ocorram delegações de poder em alguns colaboradores, visando ao aproveitamento ideal do seu capital humano. No quadro a seguir, podemos ver as principais direções e sinais das novas tendências externas e internas que afetam diretamente o ambiente de governança corporativa: 102 Unidade III Quadro 5 Ambiente Direções e sinais das novas tendências Externo Mundo globalizado, onde qualquer pessoa pode se tornar investidor de empresas de qualquer país por meio de transações financeiras efetuadas on-line Sistemas de regulação e normas contábeis mais exigentes presentes em todas as grandes economias mundiais, criando mais credibilidade e segurança para os investidores As crises financeiras se tornam globais em poucos instantes, trazendo mais responsabilidades para corporações e órgãos externos Postura do mercado com exigências constantes e sempre atualizadas Investidores mais ativos e, com isso, mais exigentes. A migração de seus recursos para outros ativos pode ser feita de forma simples, rápida e eficaz Interno Criação de normas e processos internos que garantem tratamento idêntico a todos os acionistas (majoritários e minoritários) Mitigação dos riscos, inclusive aqueles relacionados com conflitos de agência Entendimento das organizações em relação aos poderes e às responsabilidades dos proprietários e gestores (separação entre propriedade e gestão) A criação de órgãos de governança independentes e ativos, por exemplo, os Conselhos de Administração Adaptado de: Meireles (2009, p. 528). Segundo Rossetti e Andrade (2014, p. 526), existem “quatro grandes tendências percebidas” e elas serão estudadas a seguir. Também abordaremos o processo de disrupção, que foi visto com muita clareza nos últimos anos e que afeta, direta ou indiretamente, os processos de governança. 8.1 Tendência à convergência Primeiramente citaremos a tendência à convergência das normas e dos procedimentos da governança em todas as partes do globo, uniformizando todos os quesitos para acelerar o processo de boas práticas e atender aos investidores internacionais, que conseguiriam entender qualquer mercado, pois ele segue os princípios, códigos e práticas. Como visto anteriormente, há uma série de modelos de governança no mundo (anglo-saxão, alemão, japonês etc.) com suas características específicas por conta das necessidades e dos modelos dos mercados locais, porém já é possível perceber as semelhanças entre eles. Podemos citar como exemplo a criação da Lei SOX nos Estados Unidos, que alavancou o processo de convergência. Tal fato ocorre porque várias empresas espalhadas pelo mundo querem (e necessitam) ter seus papéis negociados nas bolsas americanas (não somente pela importância da participação em um dos mercados de capitais mais importantes do mundo, mas por ampliar seus horizontes de investidores e de possibilidades de investimento, financiamento e de rating). E, para que esses papéis possam ser negociados nos Estados Unidos, há a necessidade de as companhias cumprirem as obrigações impostas 103 GOVERNANÇA CORPORATIVA pela Lei SOX e pelos órgãos reguladores americanos. Esse exemplo demonstra a importância da convergência dos processos de governança. Porém, a convergência será lenta e constante, com pequenas evoluções significativas nos ambientes externos e internos das organizações, sempre no intuito de atender às novas necessidades de todas as partes envolvidas. Rossetti e Andrade (2014, p. 531) nos dizem que: Claramente, não é um movimento que se completará no curto prazo. E os principais obstáculos são as diferentes condições estruturais e operacionais do mundo corporativo dos países, que geralmente respondem a fatores ligados à sua formação histórica, à construção de seus sistemas institucionais e às marcantes diferenças em suas culturas, quando não nas bases mais profundas das civilizações em que se inserem. Com isso, pode ser percebido obviamente que as estruturas organizacionais das empresas e suas formas de tomada de decisões e de planejamento estratégico estão, na maioria das vezes, vinculadas a questões culturais e institucionais de cada país. Há também as idiossincrasias de cada organização, que refletem suas características principais, dependendo do tamanho, da participação acionária, da forma de constituição, entre outros aspectos. Um exemplo claro é o caso de companhias que possuem alta centralização do poder em suas estruturas, influenciada pelas características culturais do país, que irá enfrentar dura resistência para a implantação, manutenção e efetivação de um processo de boas práticas de governança, pois a criação de diversos setores, com funções bem definidas e, muitas vezes, reguladoras das tomadas de decisão aparece como algo muito diferente da prática habitual. Até mesmo o mercado possui outros tipos de exigências que não possuem vínculo direto com aquilo que está sendo solicitado em outros países. Na Unidade I, foi visto como a governança corporativa no Japão ainda está sendo assimilada pelas empresas, já que está desalinhada com o modelo vigente até o momento. Outro exemplo em relação às dificuldades para uma convergência global está diretamente ligado ao ambiente externo, principalmente quando verificados os formatos das instituições governamentais e de controle para a criação de leis e normas que serão compulsoriamente seguidas pelas empresas. As questões legais e regimentais para a criação das leis serão diferentes em seu prazo, formato e necessidades, trazendo o distanciamento entre as datas de início de processos mais convergentes. Evidentemente que parte das ações para a governança serão tomadas de modo interno pelas empresas, por um processo de dependência em relação às exigências atribuídas, devido a decisões e inserções em mercados estrangeiros (path dependence). Assim, já vimos que uma empresa brasileira que deseje emitir papéis que serão negociados na bolsa americana deverá seguir – obrigatoriamente – as determinaçõesdo mercado de capitais dos Estados Unidos da América, bem como todas as exigências impostas pela Lei SOX. Portanto, muitas vezes a convergência é confundida com exigência local no início do processo, mas ao longo do tempo é verificada a necessidade de ajustes externos e internos nos demais países 104 Unidade III e organizações. O processo de melhoria contínua das boas práticas é visto como algo saudável para as empresas, uma vez que o modelo de governança não é imutável e inflexível, sendo importante sua atualização, seu controle e seu dinamismo, evitando novos erros de governança que são vistos no mercado. A visão de mudanças deve ser enxergada pelas empresas como um fator motivador para que se mantenha a vantagem competitiva e a percepção do mercado do alinhamento da corporação em relação às novas realidades, sejam de características tecnológicas, operacionais, culturais etc. Rossetti e Andrade (2014, p. 531) nos apresentam que “para se manter competitivas em um mundo em transformação, as empresas precisam inovar e adaptar as suas práticas de governança”. Sabemos que o mundo atual está cada vez mais disruptivo e, com isso, traz novos desafios para toda a estrutura empresarial e, assim, a governança não ficaria à parte do processo. O conceito de disrupção e seu impacto na governança corporativa será tratado com maior ênfase ainda neste capítulo. A responsabilidade das empresas é enorme para que sejam atendidas as necessidades dos acionistas e das demais partes interessadas. Evidentemente que também é necessário um esforço governamental e dos órgãos reguladores e controladores do mercado para que leis, normas e direcionamentos sejam feitos visando às boas práticas. Ambas as responsabilidades, internas e externas, são focadas em atender aos investidores globais, que buscam por melhores empresas para investir seu dinheiro como acionistas, levando à convergência cada vez maior de normas, processos e modelos. Podemos, inclusive, elencar alguns fatores determinantes para tal convergência. São eles: • Quebra das fronteiras dos investimentos: surge a figura do investidor global, aquele que pode direcionar seu capital para o mercado acionário de várias partes do mundo, com a chegada e a expansão da grande rede mundial de computadores. Vemos que o mercado, então, não mais possui fronteiras, exigindo das corporações e dos governos e órgãos nacionais uma convergência às boas práticas que já estejam mais avançadas e estabelecidas em outras nações. • Comparação dos modelos nacionais e regionais de governança: com tantas possibilidades de direcionamento do capital, o investidor efetua, de forma natural, a comparação dos modelos de governança entre todos os mercados e também internamente nas corporações. Tal comparação pode levar o investidor ao não investimento em determinado mercado por verificar discrepâncias ou desatualizações que dificultariam seus direitos como acionista minoritário. Por conta da comparação, há tendência alta da unificação ou aproximação das práticas de governança nos diversos mercados, convergindo para um modelo quase único em diversos pontos. • Benchmarking globalizado: as empresas e os mercados conseguem verificar o que há de mais atualizado e eficiente em todos os países do mundo, trazendo para si as melhores ideias e práticas, fazendo o benchmarking (avaliar os mercados pelo mundo para verificar e incorporar os melhores desempenhos, buscando o aperfeiçoamento dos métodos locais). Como demonstrado, quando 105 GOVERNANÇA CORPORATIVA vários países e seus mercados procuram as melhores práticas, há a tendência constante de os métodos e as práticas se tornarem cada vez mais semelhantes. • Mercado de ações internacionalizado: como visto, não há mais fronteiras para o investidor e, por sua vez, não há mais barreiras para as empresas e os procedimentos das bolsas de valores ao redor do mundo. • Boas práticas assumidas de forma universal pelas empresas: com a crescente verificação, por parte das empresas, dos benefícios trazidos com o foco em compliance (no qual elas cumprem regras de transparência e de responsabilidade corporativa em todos seus processos) e de accountability (divulgação correta e auditada dos seus dados contábeis e financeiros), é constatada a convergência desses aspectos para que qualquer investidor global possa entender e efetuar seus investimentos com mitigação de riscos e participação acionária ativa. Portanto, parte da convergência às boas práticas está vinculada ao desejo de perenidade das organizações, à valorização máxima de seus negócios para os acionistas e ao alcance de suas metas e objetivos. Rossetti e Andrade (2014, p. 532) descrevem de forma nítida tais aspectos: A busca pelos mais eficazes padrões de governança está fortemente ligada à competição global, entre os países, pelo capital e pelos investimentos das corporações. Os investimentos são atraídos pela existência de condições favoráveis ao pleno desenvolvimento dos negócios corporativos. E entre estas condições estão as práticas adotadas pelas empresas, em conformidade com os princípios, com os códigos e com as condições institucionais dos países. Proteção a acionistas, padrões rigorosos na contabilização das operações, prestação responsável e abrangente de contas, relações eficazes entre a propriedade, os conselhos e a direção contam pontos positivos na definição dos níveis de atratividade dos países. A partir dessas percepções, o mercado passa a criar uma série de indicadores que servem para auxiliar os investidores, bem como serem verificados pelas organizações no intuito de fazer um alinhamento de sua estratégica e seu direcionamento a longo prazo às novas tendências que surgem. Um dos principais indicadores que podemos citar refere-se ao rating das agências de classificação de risco. Tal avaliação é feita com base em diversos aspectos e irá gerar resultados que tendem mais uma vez à convergência das boas práticas, por meio do que é chamado de princípios aglutinadores. Podemos utilizar o exemplo do enquadramento dos países no Corporate Governance Index (Índice de Governança Corporativa), criado no Fórum Econômico Global de 2006, visando apresentar um comparativo de ações de governança entre países, com valores de 10 (alto grau de governança) a 0 (sem governança). A seguir, pode ser visto um quadro com os números levantados em mais de 130 países: 106 Unidade III Tabela 2 Intervalos de índices Exemplos de países nos intervalos Acima de 7,0 Nova Zelândia (10,0) Reino Unido (9,13) Canadá (8,08) Estados Unidos (7,83) Austrália (7,65) 6,9 a 5,0 Suécia (5,93) Alemanha (5,83) Suíça (5,23) 4,9 a 3,0 Portugal (4,93) Espanha (4,46) China (4,16) Brasil (3,56) Turquia (3,13) Abaixo de 2,9 Paquistão (2,76) Polônia (2,33) Grécia (2,01) Filipinas (1,25) Venezuela (0,26) Adaptada de: Rossetti e Andrade (2014, p. 535). Esse ranking foi efetuado em mais de 130 países em 2006 e obteve uma média de 7,96 entre os 15 primeiros colocados. O índice teve a intenção de apresentar o desenvolvimento da governança, considerando quatro importantes componentes: • Grau de enforcement: qual a participação das empresas e do ambiente externo para a aplicação das leis, normas e marcos regulatórios no intuito de efetuar as boas práticas de governança, eliminando falhas e conflitos de interesse, como o conflito de agência, por exemplo. • Índice de Proteção ao Investidor (IPI): este índice foi criado pelo Banco Mundial para comparar o ambiente de negócios dos países do mundo, considerando os direitos dos acionistas. • Índice de Governança Corporativa (CGI) do Fórum Econômico Global: criado a partir da percepção dos executivos das maiores empresas em relação às práticas de governança das companhias dos países envolvidos no estudo. • Corporate and Public Ethics Index: índice baseado na ética das corporações e dos governos dos países do estudo. 107 GOVERNANÇA CORPORATIVA Assim, pode-se perceber que várias foramas ações tomadas em todos os cantos do mundo para chegarem à convergência, ou seja, a uma aglutinação e semelhança dos processos de governança corporativa. Essas convergências assumiram duas posições bem definidas: convergências legais e convergências funcionais. 8.2 Tendência à adesão Em relação à adesão, podemos perceber que se deu de forma voluntária em boa parte das ocasiões, devido às empresas e aos governos perceberem a necessidade de se adaptar às novas características dos mercados e seus investidores, cada vez mais globalizados e ativos. Ainda assim, percebemos que a adesão é diferenciada em relação ao tempo e modo a ser efetuada em cada país, pois devemos considerar suas culturas, histórias, conceitos administrativos e formas de legalizações por meio dos agentes governamentais. Rossetti e Andrade (2014, p. 538) nos apresentam a seguir “as principais barreiras a vencer para a implementação de melhores e mais apropriadas práticas de governança nas empresas”: • Conflitos de interesse dos gestores: tendência da gestão a tomar decisões que tenham mais vínculo com seus interesses próprios em curto prazo do que com aqueles de valorização da empresa no mercado em longo prazo. • Hostilidade cultural dos gestores: fator determinante para o sucesso do modelo de governança corporativa nas organizações são o entendimento e a efetivação dos seus processos associados ao seu planejamento estratégico e sua estrutura organizacional por parte dos gestores, que, por algumas vezes, são resistentes às mudanças que o modelo efetua na empresa. • Falta de compreensão: quando não há hostilidade, o que se percebe é um não entendimento das normas e regras impostas pelo modelo ou por forças externas. Nesses casos, é necessário, na maioria das vezes, um treinamento específico para que os gestores entendam e atuem baseados nas boas práticas. • Custos de implementação: outro fator determinante é o custo que a empresa terá para implementar toda uma estrutura voltada à governança. Ele afasta as empresas de uma rápida adesão. • Regulações diferentes entre os países. Ainda que haja todos esses aspectos que atrasam o processo de adesão, é possível perceber que ele é crescente e ocorre de forma expansiva nas empresas ao redor do globo. Do mesmo modo que se tem barreiras que dificultam o início dos processos de boas práticas, podemos encontrar fatores internos e externos que aumentam a adesão. 108 Unidade III Como fatores externos, podemos apontar a regulação mais efetiva e dura dos órgãos normativos, bem como as normas mais duras auxiliadas pela organização crescente dos investidores globais, que são os acionistas minoritários das empresas. Por sua vez, o principal fator interno que percebemos é a gestão direcionada para evitar fraudes, conflitos internos e harmonização da empresa, entendendo que o modelo traz benefícios superiores aos custos em um pequeno espaço de tempo. Para melhor detalhamento dos fatores, ampliemos o entendimento avaliando alguns quesitos importantes que aumentam o processo de adesão. São eles: • Monitoramento e supervisão das finanças das organizações mais detalhados por conta da transparência cada vez mais efetiva. • Redução ou ausência dos conflitos de interesse nas empresas com governança, fazendo o mercado perceber a importância do processo, não se incomodando em comprar ações com valores mais altos, porém com menor risco. • Participação acionária ilimitada (sem fronteiras) e com mais informações e direitos aos acionistas minoritários. • Questões estratégicas e operacionais com melhor comunicação e entendimento, sempre focadas na valorização da empresa em longo prazo. • Normas contábeis e regulamentos dos órgãos fiscalizadores cada vez mais acessíveis e direcionados para este fim. Assim, é possível perceber que a adesão voluntária das empresas é realmente crescente, bem como há o enquadramento maior dos processos de governança na lista de prioridades das sociedades para um futuro próximo. Na figura a seguir, é possível percebermos a busca pela governança: Está entre as dez prioridades É importante, mas não constitui prioridade É a prioridade máxima É uma das três prioridades Não é importante 32% 18% 5% 8% 37% Figura 12 – Busca pela governança nas organizações – prioridade Adaptada de: Rossetti e Andrade (2014, p. 541). 109 GOVERNANÇA CORPORATIVA Tal adesão das empresas leva o mercado ao que chamamos de ágios de governança nos preços das ações aplicadas no mercado. Ainda assim, como já foi visto, o ágio é aceito pelos investidores globais por perceber que esse custo é menor segundo as análises de risco de um mercado de renda variável. Rossetti e Andrade (2014, p. 542) nos explicam sobre essa aceitação: O “ágio” – forma de prêmio incorporado ao preço das ações – situa-se entre as expressivas taxas de 20 a 28%. E é relevante observar que, na data da pesquisa, não existiam ainda comprovações empíricas, como hoje já existem, entre boas práticas de governança e desempenho das corporações. Mas desde as revelações dos ativistas pioneiros e as primeiras pressões dos investidores institucionais, havia claras indicações de mercado de que a má governança, como registrou Mahoney, “tira a empresa da tela dos investidores”. 8.3 Tendência à diferenciação Uma tendência que também deve ser estudada é a de diferenciação, que tem como motor as forças externas, que influenciam direta e indiretamente as corporações. Entre elas, podemos destacar: as agências de classificação de risco (agências de rating), os investidores institucionais e as bolsas de valores espalhadas pelos países. A tendência de assumir as boas práticas de governança, porém em estágios diferentes de profundidade, baseia-se em alguns aspectos externos relevantes para as empresas: • A bolsa de valores com níveis diferenciados (como ocorre na B3, por exemplo). • A aceitação do mercado quanto ao ágio no preço das ações das empresas que possuem governança. • A evolução constante dos processos de governança corporativa em todas as partes. • Os investidores cada vez mais exigentes para a participação da sociedade como minoritários. • As agências de classificação de risco e as pontuações das empresas neste rating. Evidentemente que a cadeia de informações que envolvem o tripé agências, investidores e empresas ainda está em fase inicial de crescimento e aprimoramento, porém será tal composição que irá direcionar as organizações às boas práticas de governança. Contudo, são os investidores, com base em dados precisos e em pontuações apresentadas pelas agências de classificação de risco que buscarão, no amplo mercado de capitais, as corporações que possuem características que sejam mais confiáveis e de maior vínculo com o processo de governança. Alguns dos aspectos que podemos citar são: • Informações e demonstrações contábeis transparentes, precisas e confiáveis. • Infraestrutura e liquidez do mercado de capitais de cada país. • Normas legais e ambiente fiscal, tributário e bancário sólidos e estáveis. 110 Unidade III 8.4 Tendência à abrangência A última tendência que será observada é a de abrangência, que apresenta vários fatores que podem estar ligados diretamente ao processo de adesão à governança por parte das organizações. Ela tem relação com algumas pressões externas, tais como: • Papel das corporações em questões de interesse de todos os stakeholders. • Envolvimento direto das empresas em diversos tipos de campanha que reforcem os desejos da sociedade, tanto em quesitos ambientais quanto sociais. • Prestação de contas por parte das empresas em questões que vão além das informações financeiras e contábeis. Consequentemente, vimos que algumas questões são, atualmente, tratadas com maior ênfase por uma alteração da percepção da sociedade. A expansão econômica das nações, e até mesmo de blocos econômicos (como a União Europeia), é requisito avaliado pelos investidores para constatar quais os mercados a serem escolhidos como seguros parao aporte do capital. Há, claro, questões socioambientais também envolvidas, que ampliam a abrangência da necessidade de um modelo de governança, nas quais as boas práticas não se limitem a lucro e retorno de capital em longo prazo, mas a uma função de sustentabilidade dos negócios das empresas, preservando o planeta para as futuras gerações. Podemos ainda perceber a importância que os investidores têm em relação ao comportamento empresarial dos seus colaboradores, pois a qualidade do clima organizacional e uma melhor distribuição útil de sua força de trabalho naturalmente trarão maior faturamento, pois a empresa estará entre as melhores para o trabalho, atraindo e retendo capital humano mais preparado e profissionalizante. Assim, fica claro que a responsabilidade corporativa atinge um número enorme de partes envolvidas – desde fornecedores e clientes até o governo e os órgãos reguladores do mercado e da bolsa de valores. Essa responsabilidade amplia exponencialmente os compromissos que as organizações precisam ter, uma vez que elas trazem credibilidade para o mercado e direcionamento estratégico com maior foco em ética corporativa. Então, a abrangência é uma tendência das mais verificadas nas empresas em todas as partes, não somente para atendimento aos acionistas, mas pela percepção da importância das decisões empresariais nos demais aspectos que envolvem a sociedade. 8.5 Tendência da governança corporativa no Brasil Por sua vez, compreendemos que no Brasil há grande tendência de adesão e abrangência, uma vez que as empresas possuem melhor adaptabilidade a esses processos. Portanto, percebemos que as corporações saem de seu modelo atual, profissionalizando os atores envolvidos no processo de governança e, com isso, de forma emergente, indo para o ideal do modelo de mercado que possui diversos aspectos, que vão desde o maior controle compartilhado e entendido pelos 111 GOVERNANÇA CORPORATIVA stakeholders até os objetivos de competir globalmente, direcionando-se para o mercado internacional e a possibilidade de negociar seus papéis nas bolsas pelo mundo, principalmente na norte-americana. Os maiores obstáculos encontrados no Brasil em relação à adoção imediata e voluntária para a governança corporativa e suas boas práticas podem ser divididos em dois tipos: • Externos: obstáculos referentes ao mercado (como a pequena expressão no mercado de ações e a pouca participação da população nele, apesar do aumento considerável nos últimos anos), referentes aos custos para a abertura de capital e a implantação do modelo de governança, e as dificuldades de negócios ainda sentidas no país com a interferência direta das ações governamentais. • Internos: a postura cômoda e pouco ativa dos acionistas, e ainda algumas falhas nos processos de governança já implantados nas empresas nacionais (como nos casos do Banco Panamericano e da Petrobras, que apresentamos no capítulo anterior). Há esperança de que com mudanças econômicas internas que facilitem e incentivem a participação de um número maior de brasileiros, que se tornem investidores (acionistas minoritários) no mercado de capitais, aplicando seus recursos em ações na bolsa de valores brasileira (a B3), as empresas nacionais aumentem suas intenções de aderir ao modelo de governança corporativa. 8.6 Processo de disrupção e sua influência na governança corporativa De acordo com o autor Eric Ries (2012), atualmente, há mais empreendedores atuando do que em qualquer outro período de nossa história. Tal crescimento se deu por conta de uma série de alterações no mecanismo socioeconômico mundial, sobretudo norteado pelo surgimento, aprimoramento e ampliação da internet, facilitando e acelerando a quantidade de informações na obtenção do conhecimento e também a forte competitividade com a globalização no mercado mundial. A velocidade também foi sentida no que tange às alterações das necessidades e aos desejos dos clientes, bem como nas relações fornecedor-cliente, nos meios de comunicação para o desenvolvimento mercadológico de seus produtos/serviços e da sua marca, e, sem dúvidas, na forma como administrar os processos organizacionais das empresas, principalmente quando abordamos os conceitos de planejamento estratégico do negócio. Segundo Bower e Christensen (1995), disrupção é a quebra do curso natural de um processo. Importante frisar que ela sempre ocorreu. Em termos administrativos, já foi percebida essa disrupção nas outras Revoluções Industriais anteriores, citadas em diversos livros, artigos e textos administrativos. Podemos refletir que a atual disrupção possui uma característica singular: a velocidade da transformação causa influência nas decisões, impactando a governança corporativa e seus atores. O economista e cientista político austríaco Joseph Alois Schumpeter já citava em seus textos sobre as ondas de inovação – as famosas ondas schumpeterianas. O que podemos perceber é um intervalo cada 112 Unidade III vez menor entre os grandes impactos inovadores, forçando as empresas a repensar de forma cada vez mais ágil e eficaz suas formas de estratégia, gerando mudanças nos interesses das partes interessadas. Evidentemente que tais ondas de inovação atingirão qualquer tipo de organização, não importando tamanho ou segmento. Assim, conforme Vieira et al. (2019, p. 9), “o mundo globalizado, repleto de informações e totalmente disruptivo é, atualmente, um grande desafio para qualquer empresa, mesmo aquelas que conseguem ter escala e eficiência produtiva”. Para que os empreendedores possam verificar as oportunidades no mercado disruptivo atual, há a necessidade de reavaliações estratégicas constantes em seu negócio e os 8 Ps da governança corporativa (Propriedade, Princípios, Propósitos, Papéis, Poder, Práticas, Pessoas e Perpetuidade) apontarão as diretrizes. Logo, os profissionais da área necessitam de um planejamento estratégico que contribua para o sucesso da organização conforme o conceito disruptivo moderno. Podemos destacar três norteadores para o desenvolvimento de uma estratégia atual: • Compreensão do cliente e percepção de valor agregado do produto ou serviço ao cliente. • Competências empresariais. • Novos modelos de estratégia e de projetos. A seguir discutiremos cada um desses tópicos, de forma a perceber a importância deles no planejamento estratégico nas organizações. 8.6.1 Compreensão do cliente Não podemos alegar que é uma novidade para as instituições que o cliente precisa ser atendido da melhor forma possível para que o empreendimento possa ter sucesso e atingir suas metas e objetivos. Porém, é possível observar que as companhias possuem um novo setor/cargo que tem como objetivo principal o sucesso do cliente – o Customer Success. Damin (2019) ainda nos lembra que se trata de uma modificação em nosso pensamento, não somente mais um cargo corporativo. Customer Success, portanto, tenta criar o que é conhecido como jornada do cliente, sendo mais do que um Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC), pois nessas organizações os clientes não precisam buscar ajuda; já é necessário estar lá por eles. É fundamental perceber a alteração estratégica que as companhias precisam analisar e implementar para que possam ter clientes que sintam sucesso ao comprar seus produtos e/ou serviços. O nível de modificação já se inicia quando falamos da prospecção de clientes: a importância para as organizações com Customer Success na aquisição do cliente certo. 113 GOVERNANÇA CORPORATIVA Evidentemente que o processo passará por todas as etapas de venda, assim como será conduzida a pós-venda com novas visões e atitudes perante os clientes. Na prática, os consumidores apresentam seus objetivos e desejos quando da aquisição dos produtos/serviços, e a empresa vendedora se prepara administrativa e operacionalmente para que eles sejam plenamente alcançados – o sucesso do cliente. Enfim, como já dito, não é novidade que as empresas necessitam trabalhar direcionadas ao atendimento,
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