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HEMATOLOGIA E HEMOTERAPIA - PRISCILA DUTRA - 8º PERÍODO ANEMIAS HEMOLÍTICAS ADQUIRIDAS CASO CLÍNICO Mulher, 50 anos, chega à emergência com queixas de fraqueza progressiva há 2 semanas, com aparecimento de olhos amarelados. Nega febre, emagrecimento ou sudorese noturna. Nega sangramentos e história familiar de anemia. Boa alimentação. Menopausa há 3 anos. Ao exame físico: hipocorada (++/4+), icterícia leve e esplenomegalia leve. Exames laboratoriais: Leucócitos 6000 com diferencial normal, Hb 8,5 g/dL, VCM 101 fL, plaquetas normais, reticulócitos aumentados, DHL aumentada e BT aumentada às custas de Bilirrubina Indireta. Leucócitos: Hemoglobina Normal na Mulher: até 12 g/dL VCM Normal: 80 - 100 fL Não se espera Icterícia e Baço aumentado numa Anemia Carencial. Poderia ser uma Anemia Megaloblástica pelo aumento de reticulócitos, porém, sempre que ver Anemia com Icterícia, pensar em Anemia Hemolítica. Levar em consideração a idade para descartar as Anemias Hemolíticas Hereditárias, que geralmente são descobertas na infância. 1. Anemia Hemolítica Autoimune → A Anemia Hemolítica Autoimune (AHAI) é uma condição clínica em que Autoanticorpos se ligam à superfície das Hemácias, ocasionando sua destruição precoce devido à ação da Resposta Imunológica Humoral, via Sistema Complemento ou Sistema Retículo Endotelial. CLASSIFICAÇÃO DE ACORDO COM A TEMPERATURA DE REATIVIDADE DOS ANTICORPOS AOS ERITRÓCITOS • AHAI a Quente (IgG): 70-80% dos casos. Os Autoanticorpos “quentes” reagem mais fortemente à temperatura corporal (37oC), sendo incapazes de aglutinar as Hemácias, ocorrendo Hemólise via Sistema Retículoendotelial (Baço). Hemólise Extravascular! • AHAI a Frio (IgM): 20-30% dos casos. Os Autoanticorpos “frios” se ligam as Hemácias em temperaturas entre 4- 18oC, podendo levar a aglutinação de Eritrócitos na circulação sanguínea, ocorrendo Hemólise ao ser ativado o Sistema Complemento. Hemólise Intravascular e Extravascular! • Hemoglobinúria Paroxística a Frio (IgG): 1% dos casos. Autoanticorpo “quente” que vai estar alterado e vai reagir ao frio. Hemólise Intravascular! • Forma Mista: 7-8% dos casos. Os dois tipos de Autoanticorpos coexistem (IgG e IgM). CLASSIFICAÇÃO DE ACORDO COM A ETIOLOGIA • Primária/Idiopática: maioria dos casos. • Secundária. AHAI POR ANTICORPOS “QUENTES” → Reagem à temperatura corporal (37oC): quase sempre IgG, raramente IgM ou IgA. → Acomete qualquer idade, mas é prevalente em mulheres na quarta e quinta décadas de vida. → Secundária: 25% dos casos. Neoplasias Linfoproliferativas (LLC e Linfomas) e Colagenoses (Lupus Eritematoso Sistêmico e Artrite Reumatoide). Outra causa: Medicamentosa, como Metildopa (Tratamento p/ HAS) e AINH (Anti-inflamatórios não-hormonais) ... → Os Anticorpos IgG são ativadores relativamente pobres da Via Clássica do Complemento devido a sua conformação estrutural. → Eritrócitos ligados a IgG sofrem destruição extravascular por Fagocitose dos Macrófagos primariamente no Baço, mas se ligados a C3b ou IgM podem ser destruídos por Macrófagos no Fígado. Os Autoanticorpos “Quentes” são tipicamente Panaglutininas, reagindo com todas as Células do painel de Hemácias. Em geral, não causam problema para a tipagem ABO, mas as Hemácias Rh-negativas podem ser classificadas como positivas. AHAI POR ANTICORPOS “FRIOS” • Doença das Aglutininas a Frio (Crioaglutininas) - Mediada por Anticorpos IgM contra Antígenos na superfície das Hemácias. - Mais comum: idiopática, principalmente na sexta e sétima décadas de vida. - Usualmente produzidos em resposta a Infecções de apresentação aguda ou por doenças Linfoproliferativas. Ex: Infecções Virais (Mononucleose Infecciosa, HIV) e Bacterianas (Mycoplasma pneumoniae) autolimitadas. • Hemoglobinúria Paroxística ao Frio - Resulta da formação do Anticorpo Policlonal de Donath- Landsteiner (IgG direcionado ao Antígeno P da superfície da Hemácia). *Prova - Subtipo raro, descrito inicialmente como manifestação de Sífilis Terciária. Atualmente relacionada a Infecções Virais, especialmente em crianças. - Ativa diretamente a cascata de Complemento, causando Hemólise Intravascular. AHAI INDUZIDA POR DROGAS → Todas as AHAI Induzida por drogas são causadas por Autoanticorpos a Quente (IgG). • Indução de Autoanticorpo pela Metildopa: Anticorpo induz a formação de um Autoanticorpo que vai agir contra a superfície da Hemácia. EXAME FÍSICO DA AHAI • Icterícia • Febre • Hepato/Esplenomegalia secundária a Hemólise. • Acrocianose na AHAI a Frio. • Astenia • Dispneia • Hemoglobinúria secundária às Anemias que ativam o Complemento causando Hemólise Intravascular - AHAI a Frio. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DA AHAI • Hemograma: ↑ VCM (Macrocitose) ↑ HCM (Hipercromia) ↑ RDW (Anisocitose). Ex: Reticulócitos • Poiquilocitose: variação na forma das Hemácias. • Dosagem de Bilirrubina Indireta elevada. • ↓ Haptoglobina. • ↑ Desidrogenase Láctica (DHL). • Coombs Direto Positivo. - AHAI a Quente: mostra IgG. - AHAI a Frio: mostra C3 (Complemento) ligado às Hemácias, sugerindo Anticorpo da classe IgM. A grande maioria dos Testes de Coombs Diretos são positivos para a Anemia Hemolítica Autoimune (AHAI), mas se a hipótese de AHAI for considerada para o paciente e o Teste der Negativo, o diagnóstico não deve ser descartado. Isso pode ocorrer devido à pequena quantidade de Autoanticorpos que o exame não conseguiu detectar. Nesses casos, pode-se tratar a Anemia e observar a evolução do paciente. O Teste de Coombs Direto avalia os Glóbulos Vermelhos diretamente para verificar se há Anticorpos ligados à Hemácia e se são derivados do próprio sistema da pessoa ou de outras fontes (recebido a partir de uma transfusão, por exemplo). O Teste de Coombs Indireto, por outro lado, avalia o Soro do Sangue para identificar os Anticorpos presentes. É mais utilizado em Pré-natal de Gestantes Rh negativo, Triagem de Anemias Hemolíticas e provas Pré-transfusionais. TRATAMENTO • AHAI Secundária: tratamento da causa base (Tratamento de Doenças Linfoproliferativas ou Autoimunes associadas e suspensão de Fármaco). • Suplementação com Ácido Fólico devido a Eritropoiese aumentada na tentativa de compensar a Hemólise. • Identificação do Tipo de AHAI - AHAI a Quente: Corticoide - Prednisona, Via Oral, de 1 até 2 mg/dia, até estabilizar os níveis de Eritrócitos e diminuir gradualmente. Esplenectomia em pacientes intolerantes ou refratários à terapia de primeira linha (Corticoide). Em 50% dos pacientes, o uso de Corticoide será necessário em doses inferiores (córticodependente). A retirada do Baço aumenta o risco de infecções por germes encapsulados... - AHAI a Frio: proteção contra o frio. Corticoides e Esplenectomia não são tão efetivos. - Hemoglobinúria Paroxística ao Frio: Corticoide + proteção contra o frio. Paciente estável com Hb de 8 g/dL: Imunossupressão e observa a evolução; Paciente instável com Hb de 5 g/dL: Imunossupressão (Metilprednisolona, Via Intravenosa, 1g/dia, durante 3 dias) e Transfusão. Refratariedade ao Corticoide e Pré Esplenectomia. • Risco de morte, com Hb de 4 g/dL: Imunoglobulina Humana - efeito fugaz. TRANSFUSÃO NA AHAI → A decisão deve ser tomada levando-se em conta as condições clínicas do paciente e as provas de compatibilidade. No entanto, é impossível encontrar sangue compatível já que o Autoanticorpo do paciente reage com todos os Eritrócitos normais do sangue e pode mascarar a presença de um Aloanticorpo (Anticorpo surgido em um membro de uma espécie contra um Antígeno Alotípico de outro membro da mesma espécie). → Transfundir apenas quando houver sinais de descompensação hemodinâmica e/ou hipóxia que comprometam o prognóstico vital imediato, independente do Hematócrito e Hemoglobina.* → Todas as Transfusões devem ser monitoradas pelo Hematologistae Hemoterapeuta, que devem sempre verificar o aproveitamento transfusional e o eventual surgimento de reações. ORIENTAÇÕES* • Fracionar a bolsa de Concentrado de Hemácias. Ex: 100 ml • Transfundir Hemácias Fenotipadas. Ex: Hemoglobinúria Paroxística ao Frio com Antígeno P - Hemácia Antígeno P negativa. • Ideal: utilizar Hemácias compatíveis com Soro ou Plasma adsorvido 2. Hemoglobinúria Paroxística Noturna FISIOPATOLOGIA → Na Hemoglobinúria Paroxística Noturna, ocorre uma mutação na Célula-tronco, que leva à inativação do Gene PIG- A, responsável pela síntese da Fosfatidilinositolglicana Classe A (GPI). Essa inativação resulta em um bloqueio precoce na síntese de GPI, que serve como uma "âncora" para várias Proteínas na superfície celular. Como resultado, várias Proteínas ligadas à GPI podem não ser expressas na superfície celular. Na HPN, isso leva à deficiência das Proteínas CD55 e CD59, que protegem o organismo da ativação da Cascata do Complemento. Consequentemente, ocorre uma ativação contínua dessa cascata, levando à Hemólise Intravascular. CD55: protege, fazendo com que não haja muita ativação do C3 para poder formar o Complexo de Ataque à Membrana. CD59: age após a formação do Complexo de Ataque à Membrana para que não haja a ativação desse Complexo, o que leva à Lise Celular. → O nome "Hemoglobinúria Paroxística Noturna" surgiu porque o paciente, com muita hemólise intravascular, apresenta urina muito escura ao acordar devido à hemoglobinúria que ocorre após o despertar. → Células HPN são vulneráveis à ativação do Complemento por qualquer uma das 3 vias. Isso resulta em Hemólise Intravascular Crônica e Contínua. → Haverá uma Depleção do Óxido Nítrico, que é consumido pela Hemoglobina Livre da Hemólise. Essa depleção é responsável pela grande maioria dos sintomas da HPN: • Astenia; • Dispneia; • Palidez; • Sonolência; • Irritabilidade; • Insônia; • Cefaleia; • Tontura; • Taquicardia/Palpitação; • Baixa tolerância ao exercício físico; • Disfagia; • Espasmo Esofágico; • Dor abdominal; • Impotência sexual masculina; • Trombose: não se sabe o mecanismo fisiopatológico. SUSPEITA DE HPN → Situações que devem despertar a suspeita de HPN: • Hipoplasia Medular associada à Hemólise. • Neutropenia ou Plaquetopenia associada à Hemólise; • Trombose (principalmente intra-abdominal) em veias incomuns ou associadas a Citopenias e/ou Hemólise. • Hemólise Adquirida com Coombs Negativo. QUADRO CLÍNICO → Mosaicismo Genotípico e Fenotípico: depende do Fenótipo de cada paciente, alguns podem ter apenas Hemólise e outros Hemólise com Pancitopenia. A composição de cada Fenótipo é variável e também está relacionada com a gravidade da Hemólise. • Hemoglobinúria - 25% dos pacientes (minoria). • Sintomas decorrentes das Citopenias (Leucopenia e Plaquetopenia): Astenia, Dispneia... • Complicações Trombóticas. • Maior causa de morte: Trombose e Infecções. DIAGNÓSTICO • Avaliação Inicial: Hemograma - Pancitopenia. - Reticulocitose. • Provas de Hemólise: - Dosagem de Bilirrubina Indireta elevada. - ↓ Haptoglobina. - ↑ Desidrogenase Láctica (DHL). • Medula Óssea: Mielograma/Aspirado de Medula Óssea - Hiperplasia Eritróide. ou - Aplasia. • Urina: - Hemossiderinúria. - Hemoglobinúria. Testes Antigos: avaliam a sensibilidade dos Eritrócitos à ativação do Complemento: • Teste de HAM: baixa sensibilidade e alta especificidade. • Teste de Lise da Sacarose: alta sensibilidade e baixa especificidade. O teste de Ham (Teste de Sucção do Soro) é usado para diagnosticar Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN), onde os Eritrócitos sensíveis à Hemólise pelo Complemento são incubados com soro normal. Se houver Hemólise, indica sensibilidade à Hemólise. O Teste de Lise da Sacarose também é usado para HPN, onde os Eritrócitos são submetidos à Sacarose Hipotônica; se houver Hemólise, indica que os Eritrócitos não conseguem manter a forma normal na solução Hipotônica, o que é uma característica da HPN. • Diagnóstico Padrão-ouro: Imunofenotipagem por Citometria de Fluxo com Marcadores Eritrocitários - Alta sensibilidade e especificidade. - Estuda a deficiência das Proteínas CD55 e CD59. CLASSIFICAÇÃO DA HPN • HPN Clássica - Evidências de Hemólise Intravascular, sem Pancitopenia. Ex: Leucócitos e Plaquetas normais. - Mielograma: Hiperplasia Medular ou normal. • HPN associada à anormalidade Medular - Evidências de Hemólise Intravascular, com Pancitopenia. Ex: Aplasia Medular - Necessário Mielograma, Biopsia de Medula Óssea e Avaliação Citogenética/Cariotipagem. Este último para diferenciar de Síndrome Mielodisplásica Hipoplásica. • HPN Subclínica - Não apresenta evidências de Hemólise Intravascular. - Células HPN são detectadas por Imunofenotipagem por Citometria de Fluxo. A HPN pode estar associada à Anemia Aplásica e à Síndrome Mielodisplásica. Portanto, é recomendado realizar a pesquisa de Clones de HPN em todos os pacientes diagnosticados com Anemia Aplásica ou Síndrome Mielodisplásica anualmente. TRATAMENTO • Anticoagulação Profilática: manter por toda a vida em pacientes que já apresentaram evento trombótico e em pacientes com grandes Clones de HPN > 50%. • Transplante de Medula Óssea Alogênico. - Único tratamento curativo. - Associado a alta mortalidade. ECULIZUMAB (SOLIRIS®) → Anticorpo Monoclonal humano que bloqueia a ativação do Complemento terminal no nível de C5. → Previne a formação do Complexo de Ataque à Membrana. → Problema: 400.000 dólares/ano e não age sob falência medular/Aplasia Medular. → Ótimo p/ HPN Clássica e as vezes o paciente nem precisa ser submetido ao Transplante após resposta medicamentosa. → Diminui a Hemólise Intravascular, reduz a Anemia e os sintomas (Trombose), causando um grande impacto na qualidade de vida e na sobrevida dos pacientes. • Reposição de Ferro nos casos de Ferropenia. • Suporte Transfusional: pode melhorar o episódio Hemolítico pela supressão da Hematopoiese. Ex: Pancitopenia • Corticoide: controverso. • Andrógenos: “parecem” agir na inibição do Complemento. • Esplenectomia: não é indicada por se tratar de uma Hemólise Intravascular. • Ácido Fólico: fundamental nas Anemias Hemolíticas. GRAVIDEZ → Incidência de Tromboembolismo aumenta em 10%. Não é indicado que a paciente engravide. → Eculizumab é categoria C, ou seja, não pode ser usado durante a gravidez pelo alto risco de Teratogenicidade. PROGNÓSTICO → Variável. → Trombose é a causa mais comum de óbito, seguida pelas manifestações das Citopenias, principalmente infecções.
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