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U2-T3 TOXICOLOGIA

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TOXICOLOGIA
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INTRODUÇÃO
Neste último tópico, abordaremos as intoxicações causadas por medicamentos.
A Organização Mundial da Saúde cita que há uso racional de medicamentos quando pacientes recebem medicamentos apropriados para as condições clínicas deles, e em doses adequadas às necessidades individuais, por um período adequado e com o menor custo para si e para a comunidade. No entanto, a realidade apresentada é bem diferente. 
Pelo menos 35% dos medicamentos adquiridos, no Brasil, são comprados por automedicação. 
Os medicamentos são responsáveis por 27% das intoxicações no Brasil, e 16% dos casos de morte por intoxicações são causados por medicamentos. 
Além disso, 50% de todos os medicamentos são prescritos, dispensados ou usados inadequadamente, e os hospitais gastam de 15 a 20% dos orçamentos para resolver as complicações causadas pelo mau uso destes.
Embora, basicamente, todos os medicamentos possam causar quadros de intoxicação, neste tópico, focaremos nos principais que levam a essa condição, como: anti-inflamatórios, anticonvulsivantes/antiepilépticos, antidepressivos e sais de ferro.
TÓPICO 3
2 ANTI-INFLAMATÓRIOS
Esses fármacos estão entre os mais utilizados no mundo, com mais de 35 tipos disponíveis para uso clínico. Apesar de amplamente utilizados, quando a dose terapêutica é extrapolada, pode haver o desenvolvimento de intoxicação. 
Os efeitos tóxicos mais comuns ocorrem, principalmente, no trato gastrointestinal (TGI), no sistema hematológico, cardiovascular e renal. 
Esses efeitos decorrem, geralmente, da inibição de prostaglandinas (PG) que estão envolvidas, também, no mecanismo farmacológico dos AINEs.
De modo geral, os AINEs inibem a atividade da enzima ciclo-oxigenase-1 (COX-1: constitutiva; encontrada na maioria das células, nos vasos sanguíneos, estômago e rins) e da ciclo-oxigenase-2 (COX-2: induzida durante o processo inflamatório pelas citocinas e mediadores da inflamação) e, portanto, reduzem a síntese de prostaglandinas e do tromboxano. 
Os efeitos adversos provenientes do uso dos AINEs não seletivos devem-se principalmente pela inibição da COX-1, com consequente redução da síntese de prostaglandinas endógenas responsáveis pela integridade da mucosa gástrica e pelo fluxo sanguíneo renal e de tromboxano A2 (TXA2 ), produzido pelas plaquetas com significativa importância fisiológica.
2 ANTI-INFLAMATÓRIOS
2.1 SALICILATOS – AAS
Dentre os derivados do ácido salicílico (salicilatos), o ácido acetilsalicílico, conhecido como AAS é o mais utilizado. Por se tratar de um AINE, possui ação antiinflamatória, analgésica e antipirética. No entanto, seu principal uso é devido sua propriedade como antiagregante plaquetário, ou seja, previne a formação de coágulos sanguíneos. 
A principal via de administração é a oral, sendo a região de maior absorção a parte superior do intestino delgado. O pico de concentração plasmático é atingido em cerca de meia a duas horas. A distribuição ocorre por todos os tecidos e líquidos do organismo. Cerca de 80 a 90% ligam-se as proteínas plasmáticas, principalmente a albumina.
Em casos de hipoalbuminemia ou no emprego de fármacos como penicilina e fenitoína, que compete com os salicilatos por sítios de ligação à albumina, ocorre o aumento da concentração de fármaco livre no plasma, podendo desenvolver um quadro de intoxicação. 
A principal via de excreção é a urinária.
O principal efeito adverso do AAS que surge com maior frequência é a irritação gástrica. Esse efeito está relacionado à ação direta sobre a mucosa e à inibição da síntese de prostaglandinas gástricas, em especial a PGE2 e a PGI2 , que modulam a secreção gástrica e promovem a secreção de um muco citoprotetor pelo intestino. Logo, a inibição da síntese dessas PGs pode tornar o estômago mais suscetível a lesão;
Além de efeitos gastrintestinais, podem surgir algumas alterações sanguíneas, como anemia aplásica, trombocitopenia, pancitopenia e agranulocitose. Efeitos sobre a função plaquetária também são observados. 
Doses de 80 mg/dia de AAS são suficientes para inativar o tromboxano A2 , um poderoso vasoconstritor e agregante plaquetário, aumentando o tempo de sangramento. 
Efeitos renais, respiratórios, hepatotoxicidade, prolongamento do tempo de gravidez e alterações metabólicas também são observados;
As doses fatais variam de acordo com a preparação dos salicilatos. Foram descritos óbitos em adultos com doses de 10 a 30 g de salicilato de sódio ou AAS, sendo, porém, relatados alguns casos em que o emprego de doses maiores não provocou a morte do paciente. 
2.1 SALICILATOS – AAS
A morte geralmente ocorre por acentuada depressão do SNC e está relacionada à paralisia respiratória central ou ao colapso cardiovascular. 
Para o diagnóstico e tratamento da intoxicação aguda, é importante estabelecer a correlação entre a concentração de salicilato no soro e o tempo. Se 12 horas após a ingestão de salicilato a concentração sérica for de 25 mg%, o paciente, provavelmente, apresentará um quadro clínico assintomático. 
No entanto, se essa mesma concentração for determinada cerca de 24 a 36 horas após a ingestão, o quadro é caracterizado como intoxicação branda a moderada.
Quando há suspeita de ingestão de altas doses, deve-se iniciar o tratamento sem esperar o resultado laboratorial. O tratamento consta de êmese para crianças e lavagem gástrica para adultos, carvão ativado para prevenir a absorção, aumento do pH urinário (bicarbonato) e hidratação. 
Em casos graves, deve-se proceder à hemodiálise ou hemoperfusão acrescida de vitamina K.
2.1 SALICILATOS – AAS
2.2 PARACETAMOL
O paracetamol é recomendado como primeira linha de tratamento para dor. 
A principal via de administração é a oral, onde a absorção acontece rapidamente e quase completamente no trato digestivo. 
O pico de concentração plasmática ocorre entre 15 minutos e duas horas, dependendo da formulação, e a meia-vida plasmática é de cerca de duas a três horas, após doses terapêuticas. Distribui-se por quase todos os líquidos corporais, atingindo uma biodisponibilidade de cerca de 80% nas doses de 5 a 20 mg/kg. 
Em doses terapêuticas, de 55 a 60% da dose são conjugados com o ácido glicurônico, 30 a 35% com o ácido sulfúrico, 3% com a cisteína e 4% com o ácido mercaptúrico, além de pequena quantidade de metabólitos hidroxilados e acetilados .
Intoxicações fatais pelo paracetamol nas doses terapêuticas são pouco prováveis. O pequeno número de casos relatados foi de pacientes alcoólicos crônicos. O efeito adverso mais grave é a necrose hepática fatal, que ocorre após superdose de paracetamol. Nos adultos, a hepatotoxicidade pode ocorrer após a ingestão de uma única dose de 10 a 15 mg de paracetamol, sendo doses de 20 a 25 g ou mais, potencialmente fatais. Os sintomas que aparecem durante os dois primeiros dias de intoxicação aguda podem não refletir a gravidade e o potencial dela. Nas primeiras 24 horas, ocorrem náuseas, vômitos, anorexia e dor abdominal, que podem persistir por uma semana ou mais. A manifestação de lesão hepática surge de dois a quatro dias após a ingestão de doses tóxicas. A princípio, as transaminases plasmáticas se elevam, as concentrações de bilirrubinas plasmáticas podem aumentar e o tempo de protrombina se prolonga
.O paracetamol desenvolve lesão hepática, por meio de seu metabólito intermediário, resultante da biotransformação hepática. Na biotransformação desse fármaco, uma pequena parte da dose, após N-hidroxilação mediada pelo Cit P-450, dá origem ao N-acetil-benzoquinonaimina (NAPQI), que é altamente tóxico. Normalmente, esse metabólito reage com o grupamento sulfidril da glutationa e é excretado como mercapturato. 
No entanto, após o uso de altas doses de paracetamol, ocorre saturação nas reações de conjugação com o ácido glicurônico e sulfato, fazendo com que este metabólito, ao consumir cerca de 70% da glutationa hepática, possa reagir com as proteínas hepáticas, por ligação covalente, levando à necrose hepática.
Quando houve história sugestivado uso de doses excessivas, o tratamento deve iniciado mesmo antes da comprovação pelos resultados laboratoriais. Deve-se proceder à lavagem gástrica no máximo quatro horas após a ingestão do fármaco. A administração de carvão ativado é uma intervenção capaz de reduzir a absorção de paracetamol nas primeiras horas após a ingestão. 
A diálise por um período de três horas, também é recomendada, pois ela retira cerca de 58% dos metabólitos da dose administrada. A administração de N-acetilcisteína intravenosa também é indicada, pois estimula a síntese de hepática de glutationa.
2.2 PARACETAMOL
3 ANTICONVULSIVANTES/ANTIEPILÉPTICOS
Anticonvulsivantes ou antiepilépticos são aqueles capazes de prevenir e/ou interromper crises convulsivas de diferentes tipos, permitindo o funcionamento do SNC dos indivíduos epilépticos e protegendo-os dos efeitos deletérios das crises convulsivas;
3.1 CARBAMAZEPINA
Medicamento considerado de primeira linha para o tratamento da epilepsia. É também utilizado nas síndromes dolorosas crônicas e distúrbios psiquiátricos. 
O mecanismo da carbamazepina consiste na inativação de canais de sódio, inibindo a descarga neuronal repetitiva no SNC. Como a carbamazepina é estruturalmente semelhante aos antidepressivos tricíclicos, possui efeitos anticolinérgicos que podem reduzir a motilidade intestinal e retardar sua absorção e, na intoxicação, pode provocar convulsões e distúrbios do ritmo cardíaco. 
Em relação às doses tóxicas: 
Doses > 10 mg/kg já podem resultar em nível sérico acima do terapêutico (4-12 mg/L); 
Menores doses já relatadas em ingestões fatais: 3,2 g (adultos); 1,6 g (crianças); 
Níveis séricos de carbamazepina acima de 40 mcg/mL estão geralmente associados a intoxicações mais graves. 
O quadro clínico geralmente é prolongado, com duração média de 48 horas. Intoxicações leves a moderadas geram náuseas, vômitos, nistagmo, ataxia, hiperreflexia, distonias, depressão do SNC, taquicardia sinusal e efeitos anticolinérgicos leves (midríase, delírios), enquanto, intoxicações graves levam a convulsões, coma e depressão respiratória.
4.2 ANTIDEPRESSIVOS TRICÍCLICOS E TETRACÍCLICOS
São medicamentos utilizados no tratamento da depressão maior, insônia e síndromes dolorosas crônicas. Os principais representantes deste grupo incluem: Amitriptilina, Clomipramina, Imipramina, Maprotilina e Nortriptilina. Possuem ações em diversos receptores no organismo, gerando antagonismo colinérgico, bloqueio alfa-adrenérgico, inibição da recaptação da noradrenalina, serotonina e dopamina, bloqueio de canais de sódio e potássio e depressão respiratória e do sistema nervoso central (SNC). 
Na intoxicação, os efeitos mais importantes são em SNC e cardiovascular.
Efeitos cardiovasculares: taquicardia e hipertensão por ação anticolinérgica e inibição da recaptação de catecolaminas; hipotensão pelo bloqueio alfa-adrenérgico; depressão miocárdica e distúrbios da condução cardíaca por bloqueio dos canais de sódio; 
Efeitos em SNC: sedação e coma por atividade anticolinérgica; convulsões por provável inibição da recaptação de catecolaminas cerebrais. Doses acima das doses terapêuticas já podem ser tóxicas; doses acima de 10- 20 mg/kg representam risco de vida. Em intoxicações leves são observados sonolência, sedação, taquicardia, alucinações e midríase, já em intoxicações graves são observados convulsões, coma, aumento do intervalo QRS no eletrocardiograma (ECG), arritmias ventriculares, insuficiência respiratória, e hipotensão. Podem ocorrer arritmias graves levando à parada cardíaca e óbito, mesmo em pacientes jovens. A farmacocinética, medidas de suporte e descontaminação são as semelhantes ao antidepressivos ISRS.
Os antidepressivos ISRS são utilizados para o tratamento de depressão, síndrome do pânico, fobias e transtorno obsessivo-compulsivo, e de transtornos alimentares, incluindo anorexia, bulimia e obesidade.
 Os principais representantes desse grupo incluem: Fluoxetina, Paroxetina, Sertralina, Citalopram e Escitalopram. 
Como o próprio nome sugere, seu mecanismo de ação é baseado na inibição da recaptação de serotonina no SNC e SNF, estimulando os receptores serotoninérgicos.
São fármacos bem absorvidos e possuem alta biodisponibilidade, com um pico de concentração plasmática em seis horas após a ingestão. O metabolismo acontece através do CYP-450 e a eliminação é feita através da urina.
A intoxicação por antidepressivos ISRS, agrava quando ingerido em conjunto com outras drogas que aumentam o nível de serotonina, como por exemplo: outros antidepressivos (inibidores da monoaminoxidase, tricíclicos, duais e atípicos), anfetaminas, sibutramina, ecstasy, cocaína, crack, LSD e opioides. 
Os principais sinais e sintomas observados nestes casos são: alterações do estado mental: agitação, ansiedade, confusão mental, hipomania; instabilidade autonômica: taquicardia, hipertensão, sudorese, hipertermia, midríase; hiperatividade neuromuscular: hiperreflexia, mioclonias, rigidez e tremores. A maioria dos casos de ingestão de ISRS não desenvolvem sintomas graves necessitando apenas de medidas de suporte básico de vida, como: desobstrução das vias aéreas, monitorização dos sinais vitais, hidratação e oxigênio suplementar quando necessário. A descontaminação consiste em lavagem gástrica e administração de carvão ativado.
4.2 ANTIDEPRESSIVOS TRICÍCLICOS E TETRACÍCLICOS
5 SAIS DE FERRO
Os sais de ferro são utilizados no tratamento da anemia ferropriva e como complemento nutricional no período pré-natal. Existe risco elevado de intoxicações graves na infância, devido a sua grande disponibilidade e pouco conhecimento da sua toxicidade. Os sais de ferro geralmente estão disponíveis em drágeas e soluções, com diversas quantidades do princípio ativo. O ferro é absorvido no duodeno e se liga a proteínas plasmáticas e transferrina. 
Quando o nível sérico está muito elevado, ultrapassa a capacidade de transporte permanecendo como ferro livre. O ferro em excesso promove a formação de radicais livres, que resultam provavelmente nos danos locais, com necrose por coagulação e sangramento do trato gastrointestinal.
A toxicidade sistêmica ocorre quando o ferro é transportado até os órgãos-alvo, como o fígado e o coração. O ferro não ligado a transferrina é rapidamente captado pelo fígado.
5 SAIS DE FERRO
Os sinais e sintomas são manifestados em fases:
 • 1ª fase – 30 min a seis horas: lesão de mucosa GI, náuseas, vômitos, febre, distensão abdominal, hematêmese, melena, alterações cardiovasculares (taquicardia, palidez, hipotensão), hiperglicemia, leucocitose, letargia e coma; 
• 2ª fase – seis a 24 horas: falsa melhora dos sintomas, atribuída à distribuição do ferro, provocando o acometimento sistêmico; 
• 3ª fase – 24 a 48 horas: piora progressiva do quadro com choque, convulsões, coma, acidose metabólica, alterações da coagulação, falência hepática e renal, pode evoluir para óbito;
• 4ª fase – de duas a oito semanas: quando superada a fase anterior, podem ocorrer sinais de cicatrização das lesões GI com estenose e alterações hepáticas. O tratamento consiste em medidas de suporte básicas (desobstrução das vias aéreas, monitorização dos sinais vitais, oxigenação – quando necessário); descontaminação (lavagem gástrica com soro fisiológico) e administração de antídoto (deferoxamina – agente quelante, liga-se ao ferro livre formando complexo hidrossolúvel).
5 SAIS DE FERRO

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