Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Doença falciforme ● causadas por uma mutação no gene da β-globina, com modificação do sexto aminoácido, substituindo o ácido glutâmico pela valina ● HbS (α2β26 Glu→Val): sofre polimerização reversível quando desoxigenada→ forma rede gelatinosa de polímeros fibrosos que enrijecem a membrana eritrocitária + aumentam a viscosidade + causam desidratação (extravasamento de potássio e influxo de cálcio)→ forma de foice ● células falcêmicas: perdem a flexibilidade necessária para atravessar os pequenos capilares + possuem membranas “viscosas” alteradas, que aderem anormalmente ao endotélio das pequenas vênulas → episódios imprevisíveis de vasoclusão microvascular e destruição prematura dos eritrócitos (anemia hemolítica) no fígado e no baço ● células aderentes rígidas → obstrução dos pequenos capilares e das vênulas → isquemia tecidual, dor aguda e lesão gradual dos órgãos-alvo ● componente venoclusivo: em geral, caracteriza a evolução clínica ● manifestações proeminentes: episódios de dor isquêmica (crises álgicas) e disfunção isquêmica ou infarto franco do baço, do sistema nervoso central (SNC), dos ossos, das articulações, do fígado, dos rins e dos pulmões Manifestações clínicas ● maioria: anemia hemolítica, com hematócrito de 15 a 30% e reticulocitose significativa ● aumento do Ht e a inibição da reticulocitose por feedback podem ser benéficos, mesmo à custa de aumento da viscosidade do sangue ● granulocitose: comum ● contagem dos leucócitos: pode flutuar de modo substancial e imprevisível durante e entre episódios álgicos, infecções e outras doenças intercorrentes ● granulócitos + plaquetas + c. inflamatórias mononucleares + mediadores inflamatórios liberados nos locais de vasoclusão → reconhecidos como fatores contribuintes essenciais para a iniciação e o agravamento da morbidade associada às crises vasoclusivas ● crises álgicas: episódios intermitentes de vasoclusão em estruturas de tecido conectivo e musculoesqueléticas→ isquemia → dor aguda e hipersensibilidade, febre, taquicardia e ansiedade→manifestação clínica mais comum ○ frequência e gravidade variam enormemente ○ dor pode surgir em quase qualquer parte do corpo e durar poucas horas até 2 semanas ● crises repetidas que exigem internação (> 3 por ano): correlacionadas com redução da sobrevida na idade adulta → episódios estejam associados a um acúmulo de lesão crônica dos órgãos-alvo ● fatores desencadeantes: infecção, febre, exercício excessivo, ansiedade, mudanças abruptas da temperatura, hipoxia ou corantes hipertônicos ● microinfartos repetidos: podem destruir os tecidos que apresentam leitos microvasculares propensos ao afoiçamento ● frequente: perda da função esplênica nos primeiros 18 a 36 meses de vida→ suscetibilidade às infecções, em particular por pneumococos ● crise de sequestro esplênico: obstrução venosa aguda do baço → evento raro no início da infância + pode exigir transfusão de emergência e/ou esplenectomia para impedir a retenção do débito arterial no baço obstruído ● oclusão dos vasos da retina→ hemorragia, neovascularização e descolamentos subsequentes ● necrose papilar renal: sempre induz à isostenúria ● necrose renal mais disseminada→ insuficiência renal em adultos→ causa tardia comum de morte ● isquemia óssea e a articular → necrose asséptica (esp. cabeças do fêmur ou úmero), artropatia crônica e suscetibilidade incomum à osteomielite, que pode ser causada por microrganismos como Salmonella, raramente encontrados em outros contextos ● infartos dolorosos dos dedos e dactilite→ síndrome mão-pé ● acidente vascular cerebral (AVC): particularmente comum em crianças + pequeno subgrupo tende a sofrer episódios repetidos ○ adultos: menos comum + hemorrágico (frequente) ● priapismo: complicação particularmente dolorosa em homens→ infarto dos tratos venosos de saída do pênis→ impotência permanente uma consequência frequente ● úlceras crônicas de pernas: surgem por isquemia na circulação distal e infecção secundária ● síndrome torácica aguda: manifestação distinta, caracterizada por dor torácica, taquipneia, febre, tosse e dessaturação da oxigenação arterial ○ pneumonia, embolia pulmonar, infarto e embolia da medula óssea, isquemia miocárdica ou infarto pulmonar in situ ○ causada por falcização in situ nos pulmões e/ou microêmbolos da medula óssea → dor + disfunção pulmonar temporária ○ infarto pulmonar e a pneumonia: afecções subjacentes ou concomitantes mais frequentes em pacientes com essa síndrome ○ episódios repetidos de dor torácica aguda: correlacionados com uma redução da sobrevida ○ casos agudos: redução da saturação arterial de oxigênio é especialmente grave→ promove o afoiçamento em escala maciça ● crises pulmonares crônicas agudas ou subagudas→ hipertensão pulmonar e cor pulmonale ○ causa cada vez mais comum de morte à medida que o paciente sobrevive por mais tempo. ● lesão subaguda e crônica do SNC na ausência de AV: fenômeno lamentavelmente comum, que começa no início da infância ● disfunção da circulação, devido a uma provável vasculopatia falciforme do SNC → anormalidades cognitivas e comportamentais observadas em crianças e adultos jovens ● heterogeneidade clínica. ○ alguns: permanecem praticamente assintomáticos até a idade adulta ou mesmo no decorrer dela ○ outros: sofrem crises repetidas que exigem internação desde o início da infância ○ pacientes com talassemia falciforme e anemia falciforme-HbE: tendem a apresentar sintomas semelhantes e ligeiramente mais discretos, talvez devido aos efeitos favoráveis da produção de outras Hb no eritrócito ○ hemoglobinopatia SC (uma das variantes mais comuns da anemia falciforme): com frequência se caracteriza por graus menores de anemia hemolítica e maior tendência ao desenvolvimento de retinopatia, bem como necrose asséptica dos ossos; maioria dos aspectos: manifestações clínicas assemelham-se às da anemia falciforme ○ algumas variantes raras da Hb agravam o fenômeno de afoiçamento Traço falciforme ● frequente: assintomático ● anemia e crises álgicas: raras ● sintoma incomum: hematúria indolor, frequentemente em adolescente do sexo masculino (talvez resultado da necrose capilar) ● isostenúria ● descamação das papilas, com obstrução ureteral, assim como casos isolados de falcização maciça ou morte súbita, devido à exposição do indivíduo a grandes altitudes ou extremos de exercício e desidratação ● recomendação: evitar a desidratação ou o estresse físico extremo Diagnóstico ● suspeitar da presença de síndrome falciforme com base na anemia hemolítica, na morfologia dos eritrócitos e nos episódios intermitentes de dor isquêmica ● confirmado por eletroforese da hemoglobina, espectroscopia de massa e testes de falcização ● caracterização minuciosa do exato perfil da Hb: importante → talassemia falciforme e a doença da hemoglobina SC têm prognósticos ou manifestações clínicas distintos ● em geral: diagnóstico estabelecido na infância ● alguns pacientes com estado heterozigoto composto: só desenvolvem sintomas após o início da puberdade, durante a gravidez ou no início da idade adulta ● determinação do genótipo dos familiares e parceiros potenciais: essencial para o aconselhamento genético ● detalhes da história da infância estabelecem o prognóstico e a necessidade de terapias agressivas ou experimentais ● fatores associados ao aumento da morbidade e à redução da sobrevida: + de 3 crises por ano que exigem a internação do paciente, neutrofilia crônica, história de sequestro esplênico ou síndrome mão-pé, bem como segundo episódio de síndrome torácica aguda ● pacientes com história de AVC: maior risco de sofrer episódios repetidos e necessitam de exsanguineotransfusão parcial e de monitoramento particularmente rigoroso, com estimativas do fluxo carotídeo pelo Doppler ● pacientes com episódios graves ou repetidos de síndrome torácica aguda: podem precisar de transfusão pelo resto da vida, com exsanguineotransfusões parciais, se possível Tratamento ● assistência contínua ● examesregulares com lâmpada de fenda, para monitorar o desenvolvimento de retinopatia, profilaxia apropriada, com antibióticos para os pacientes esplenectomizados durante procedimentos dentários ou outros procedimentos invasivos, e hidratação oral vigorosa durante os períodos de exercício extremo ou sua antecipação, exposição ao calor ou frio, estresse emocional ou infecção ● controle das crises álgicas agudas: hidratação vigorosa, porém cuidadosa (evitar edema pulmonar) + avaliação completa das causas subjacentes (como infecção) + analgesia agressiva administrada com prescrição permanente e/ou bomba de analgesia controlada pelo paciente (ACP) ○ morfina (0,1-0,15 mg/kg a cada 3-4 horas): usada para controlar a dor intensa ○ dor óssea também pode responder ao cetorolaco (dose inicial de 30-60 mg; a seguir, 15-30 mg a cada 6-8 horas) ○ inalação de óxido nitroso: pode proporcionar o alívio da dor a curto prazo, mas é preciso ter muita cautela para evitar hipoxia e depressão respiratória + aumenta a afinidade pelo O2→ reduz o transporte de O2 para os tecidos→ uso só deve ser efetuado por especialistas ○ bloqueio das atividades das moléculas de adesão (ex.: P-selectina) ou dos mediadores inflamatórios: usado para diminuir a duração das crises e reduzir a dor ○ uso do pronto-socorro deve ser reservado para os sintomas particularmente graves ou as circunstâncias em que há forte suspeita de outros processos, como infecção ○ administrar oxigênio nasal, quando apropriado, para proteger a saturação arterial ○ maioria das crises desaparece em 1 a 7 dias ○ transfusão sanguínea deve ser reservada para os casos extremos, pois não diminui a duração da crise ○ adultos: considerar a possibilidade de necrose asséptica ou artropatia falciforme, em particular se a dor e a imobilidade se tornarem repetidas ou crônicas em um único local ○ intervenções fundamentais: transfusão para manter um hematócrito > 30 + exsanguineotransfusão de emergência se houver queda da saturação arterial para < 90% ● pacientes com a síndrome falciforme sobrevivem cada vez mais até a quinta e a sexta décadas de vida→ insuficiência renal em estágio terminal e a hipertensão pulmonar estão se tornando causas de morbidade terminal cada vez mais proeminentes ● miocardiopatia falciforme e/ou a doença arterial coronariana prematura: podem comprometer a função cardíaca nos anos subsequentes ● hidroxiureia (10-30 mg/kg/dia): base da terapia para os pacientes com sintomas graves → aumenta a Hb fetal + efeitos benéficos sobre a hidratação dos eritrócitos, a aderência à parede vascular e a supressão das contagens dos granulócitos e reticulócitos ○ dose: deve ser titulada para manter uma contagem dos leucócitos entre 5.000 e 8.000 células/μL ○ leucócitos e reticulócitos: podem desempenhar um papel importante na patogênese da crise falciforme, podendo sua supressão ser um importante efeito benéfico da terapia com hidroxiureia → níveis de HbF aumentam em poucos meses na maioria dos pacientes ● transplante de medula óssea pode proporcionar a cura definitiva, porém sabe-se que é eficaz e seguro apenas em crianças ● crianças que sofrem AVC: devem ser mantidas durante pelo menos 3 a 5 anos em um programa de exsanguineotransfusão vigorosa→ risco de AVC é extremamente alto
Compartilhar