Prévia do material em texto
HISTÓRIAS DE INVESTIGAÇÕES MATEMÁTICAS João Pedro da Ponte Hélia Margarida Oliveira Maria Helena Cunha Maria Irene Segurado Histórias de investigações matemáticas 2 Sobre o livro Uma actividade matematicamente rica por parte dos alunos surge, em especial, quando o professor valoriza e fomenta nas aulas a realização, discussão e avaliação de activida- des de investigação. O presente trabalho enquadra-se no Projecto Matemática Para Todos — Investigações na Sala de Aula, e teve por objectivo estudar os problemas e dilemas profissionais bem como o conhecimento profissional necessário ao professor que pretende envolver os seus alunos neste tipo de actividade matemática. Tomam-se por base quatro ideias fundamentais. A primeira, refere-se à Matemática a ensinar, e respeita a uma perspectiva epistemológica sobre esta ciência que a encara muito mais como uma actividade no decurso da qual se constrói novo conhecimento do que como um corpo de saber a transmitir. A segunda, refere-se à importância da inte- racção social no processo de negociação dos significados matemáticos, e consequentemente na aprendizagem. A terceira, tem a ver com a dinâmica da inovação curricular e coloca o problema da concretização prática de novas orientações pedagógicas, nomeadamente quando subscritas pelos programas oficiais. Finalmente, a quarta, é de ordem metodológica, apostando nas potencialidades de uma análise narrativa das situações de ensino-aprendizagem, numa base de pesquisa cooperativa. Sobre os autores João Pedro da Ponte, licenciado em Matemática pela Faculdade de Ciências da Univer- sidade de Lisboa e doutor em Educação Matemática pela Universidade da Georgia. Tem coordenado diversos projectos de investigação na área da educação, com especial des- taque para o ensino da Matemática, a formação de professores e as novas tecnologias. É presentemente Professor Associado da FCUL e Presidente do respectivo Departamento de Educação. Hélia Margarida Oliveira, licenciada em Ensino da Matemática e mestre em Educação pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde desempenha presentemen- te as funções de Assistente. Participa no Grupo de Trabalho de História e Ensino da Matemática da Associação de Professores de Matemática. Maria Helena Cunha, licenciada em ensino, na Variante de Matemática e Ciências, pela Escola Superior de Educação de Viseu e mestre em Educação pela Faculdade de Ciên- cias da Universidade de Lisboa. É presentemente Equiparada a Assistente do Segundo Triénio naquela Escola Superior de Educação. Maria Irene Segurado, licenciada em Economia pelo Instituto Superior de Economia de Lisboa e mestre em Educação pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, é professora de nomeação definitiva do 4º grupo da EB 2,3 Rui Grácio, em Montelavar. Integrou o Projecto MINERVA e colabora no Grupo de Trabalho da Internet e no Cen- tro de Formação da Associação de Professores de Matemática. Histórias de investigações matemáticas 1 ÍNDICE 1. INTRODUÇÃO 3 O estudo 3 Contexto e objectivo 3 A Matemática como actividade 4 A interacção social no processo de aprendizagem 5 A dinâmica de inovação curricular 7 Investigações na aula de Matemática 8 O que são actividades de investigação? 8 A preparação de aulas de investigação 11 A realização de aulas de investigação 15 Dificuldades a ultrapassar 18 2. METODOLOGIA DE TRABALHO 21 Narrativas de situações de ensino-aprendizagem 21 Histórias, narrativas e conhecimento humano 21 Histórias, narrativas e conhecimento profissional 23 O processo de construção de uma narrativa 25 O trabalho da equipa 27 A elaboração e análise das narrativas 29 3. HISTÓRIAS 35 Conjecturando... (JP-IS5) 36 Matemática: Calcular ou pensar? (JP5) 44 Números quadrados e triangulares (HC5A) 50 Contra factos não há argumentos (HC5B) 57 Uma investigação em grande grupo (IS5) 62 Histórias de investigações matemáticas 2 E se os alunos seguem caminhos imprevistos? (IS6) 68 Matemática por conveniência?! (HO8A) 72 Quando os expoentes se tornam negativos (HO8B) 79 E os fósforos transformaram-se em palitos (HO8C) 84 Um problema com muitas soluções (AV8) 92 4. CONCLUSÕES 99 O conhecimento profissional do professor em actividades de investiga- ção 99 A Matemática 99 Os processos de aprendizagem 102 O currículo 105 A instrução 107 Reflexão geral sobre o trabalho desenvolvido 112 Tarefas de investigação e saber matemático 113 As interacções sociais no processo de aprendizagem 114 O professor e a inovação educativa 116 A metodologia 117 Nota final 120 5. BIBLIOGRAFIA 124 6. ANEXOS 128 Potências e regularidades 129 Números quadrados e triangulares 131 Explorações com números 132 Às voltas com os múltiplos 133 Propriedades das potências de expoente inteiro 134 Quadrados com fósforos 135 Histórias de investigações matemáticas 3 1. INTRODUÇÃO Este trabalho centra-se sobretudo no professor. Pretendemos dar um contributo para o estudo do seu conhecimento profissional em contextos de inovação curricular. E procuramos fazê-lo através de uma abordagem meto- dológica de algum modo também inovadora, pelo menos na educação matemática: a análise narrativa das situações de ensino-aprendizagem. Nes- te capítulo damos conta dos principais objectivos e pressupostos teóricos do estudo relativamente à Matemática, ao professor e à inovação curricular nesta disciplina. O estudo Contexto e objectivo O presente trabalho decorre de um projecto1 cujo objectivo era estu- dar, numa perspectiva de análise narrativa, o conhecimento profissional necessário ao professor que pretende envolver os seus alunos em actividade matemática significativa, bem como os problemas e dilemas profissionais com que se confronta nestas situações de ensino-aprendizagem. Uma acti- vidade matemática rica por parte dos alunos surge, em especial, quando o professor valoriza a realização, discussão e avaliação de actividades de investigação por parte dos alunos. Pretendia-se estimular os professores participantes e cooperantes a explicitar, desenvolver e produzir materiais de divulgação das suas teorias práticas acerca do modo de organizar e condu- zir tais actividades educativas. O projecto, que se revestiu de um carácter de investigação-acção, envolveu professores e alunos do 2º e 3º ciclos do 1 Projecto “Prática e reflexão sobre a prática: Análise narrativa de situações de ensino aprendizagem”, apoiado pelo Instituto de Inovação Educacional, Sistema de Incentivos à Qualidade de Educação (Con- curso 1995 — Medida 2) Histórias de investigações matemáticas 4 ensino básico, decorrendo as suas actividades de campo em escolas das zonas de Viseu e Lisboa. Tomámos por base quatro ideias fundamentais. A primeira, refere-se à Matemática a ensinar, e respeita a uma perspectiva epistemológica sobre esta ciência que a encara muito mais como uma actividade no decurso da qual se constrói novo conhecimento do que como um corpo de saber a transmitir. A segunda, refere-se à importância da interacção social no pro- cesso de negociação dos significados matemáticos, e consequentemente na aprendizagem. A terceira, tem a ver com a dinâmica da inovação curricular e coloca o problema da concretização prática de novas orientações pedagó- gicas, nomeadamente quando subscritas pelos programas oficiais. Final- mente, a quarta, é de ordem metodológica, apostando nas potencialidades de uma análise narrativa das situações de ensino-aprendizagem, numa base de pesquisa cooperativa. Assumindo um carácter eminentemente interpretativo, este projecto não pretendia testar hipóteses empíricas. Mas, como projecto de investiga- ção, assenta em diversos pressupostos sobre a natureza do saber matemáti- co em contexto escolar, sobre oprocesso de aprendizagem, sobre a inova- ção educativa e sobre o processo de investigação. Analisamos no fim do trabalho em que medida a sua validade sai reforçada ou, pelo contrário, enfraquecida. A Matemática como actividade A Matemática tem sido tradicionalmente encarada como um corpo de conhecimento. Mas ela pode igualmente ser vista como uma actividade humana e isso constitui uma primeira ideia fundamental deste projecto. A Matemática permeia muitas áreas da sociedade actual de modos dificilmen- te imagináveis há alguns anos atrás (Hammond, 1978). À medida que ela se tem tornado uma ferramenta cada vez mais poderosa para interpretar situa- ções e para agir nos mais diversos domínios, novas competências têm pas- sado igualmente para o primeiro plano. Mais do que executar algoritmos ou procedimentos repetitivos, o que se exige hoje às pessoas é flexibilidade intelectual, capacidade de lidar com diferentes tipos de representações, capacidade de formular problemas, de modelar situações diversificadas e de avaliar criticamente os resultados obtidos usando diferentes metodologias (MSEB, 1989). Histórias de investigações matemáticas 5 A Matemática está em evolução permanente e a sociedade também. O mesmo se pode dizer dos alunos. De um ensino selectivo e destinado apenas a uma elite, passámos a um ensino de massas, generalizado e obri- gatório para todos. Nesta situação, os objectivos e as práticas de ensino da Matemática têm também que mudar profundamente. As perspectivas absolutistas (Ernest, 1991), que encaram o conheci- mento matemático como um edifício solidamente alicerçado, construído dedutiva e cumulativamente, qual paradigma do rigor absoluto, contribuí- ram para a cristalização de um currículo fortemente estruturado em torno dos conteúdos. Como consequência, considerava-se que o papel do profes- sor era a simples exposição clara e rigorosa dos conceitos matemáticos e o treino dos alunos na resolução de exercícios repetitivos. Esta forma de apresentar a disciplina impõe aos alunos uma visão muito limitada e imper- feita da sua natureza. Diversos matemáticos têm afirmado, desde há muito, a sua discor- dância em relação a esta visão. Por exemplo, Bento Caraça (1958) contrasta a ideia de ciência feita com a de ciência em processo de elaboração. Na mesma linha de pensamento, George Pólya (1945) refere que “a Matemáti- ca apresentada à moda de Euclides surge como uma ciência dedutiva e sis- temática mas a Matemática no seu processo de criação aparece como ciên- cia experimental e indutiva” (p. vii). A aprendizagem da Matemática deve contemplar oportunidades de os alunos se envolverem em momentos genuínos de actividade matemática. Num movimento que tem igualmente o seu paralelo no ensino experimental das ciências, passa-se a dar atenção aos processos de criação do saber e não simplesmente ao seu produto final. Nesta abordagem, a Matemática é vista como uma construção social, impregnada de valores e, em última análise falível como qualquer outro produto do pensamento humano. Os processos sociais que ditam a aceita- ção de certos conceitos e a rejeição de outros têm uma expressão paralela na negociação do significado matemático que decorre na sala de aula (Bishop e Goffree, 1986). Em suma, sublinha-se a importância de aproxi- mar a actividade do aluno da actividade do matemático, contribuindo para que as salas de aula se constituam como comunidades matemáticas (Schoenfeld, 1992). Histórias de investigações matemáticas 6 A interacção social no processo de aprendizagem Surge assim uma segunda ideia fundamental deste projecto: a impor- tância das interacções na sala de aula. Na nossa tradição de ensino, a inte- racção professor-aluno tende a ser fortemente privilegiada no processo de ensino-aprendizagem. A interacção entre os alunos ou é quase inexistente ou é pouco valorizada pelo professor. O diálogo na sala de aula é na maior parte dos casos completamente conduzido pelo professor, limitando-se muitas vezes a perguntas fechadas que suscitam respostas unívocas e imediatas (Correia, 1995). Este tipo de interacção é de certo modo natural quando as tarefas propostas se limitam à resolução de exercícios rotineiros de aplicação da matéria dada, mas não basta quando se oferecem aos alunos experiências matemáticas mais inte- ressantes. Na verdade, ao pretender que os alunos desenvolvam a capacida- de de formular problemas, de explorar, de conjecturar e de raciocinar matematicamente, que desenvolvam o seu espírito crítico e a flexibilidade intelectual, é-se levado a um outro modo de conceber o ensino e a criar um outro ambiente de aprendizagem. Para isso, é essencial mudar de modo fundamental o discurso na sala de aula (NCTM, 1994). Os alunos, ao for- mularem as suas conjecturas, ao defenderem as suas ideias, ao questiona- rem e compararem os processos desenvolvidos por si e pelos seus colegas, bem como os resultados obtidos oralmente ou por escrito, dão passos essenciais para clarificar o seu pensamento e para alcançar uma compreen- são mais profunda de conceitos e princípios matemáticos. Em termos educativos torna-se importante valorizar a interacção dos alunos uns com os outros e com o professor. São, pois, necessárias tarefas específicas que favoreçam este tipo de actividades. No entanto, não será a simples introdução de tarefas que irá alterar só por si a aprendizagem. É de realçar a grande importância da acção do professor nas questões que colo- ca, nas interacções que promove, em especial encorajando os alunos a dis- cutir e a explicar a Matemática que desenvolvem. As discussões assumem um papel importante, favorecendo o desenvolvimento da capacidade de argumentar e de comunicar matematicamente. O professor terá como papel fundamental iniciar e dirigir o discurso, envolver cada um dos alunos, man- ter o interesse pelo assunto, colocar questões esclarecedoras ou provocantes e não aceitar apenas a contribuição dos alunos que têm habitualmente res- Histórias de investigações matemáticas 7 postas correctas ou ideias válidas. Terá de respeitar a diversidade dos alu- nos. Por outro lado, o professor fica a saber mais sobre as ideias e os conhecimentos dos alunos quando os observa e ouve. Os momentos de dis- cussão permitem que ele dê atenção individual aos alunos, coloque ques- tões para sondar os seus conhecimentos, e note a partir das suas respostas eventuais dificuldades conceptuais (NCTM, 1994). Além disso, o professor deve constituir um modelo vivo das atitudes e competências que deseja desenvolver no aluno. Como diz John Mason, “é através do seu ser mate- mático e do modo como esse ser se manifesta que o professor influenciará as atitudes e inclinações da maioria dos alunos” (1991, p. 17). Todos estes aspectos requerem uma competência profissional significativa. É, pois, importante que o professor reflicta sobre o novo papel que é chamado a desempenhar e o modo de contornar as respectivas dificuldades. A dinâmica de inovação curricular Chegamos deste modo à terceira ideia fundamental do projecto: as inovações curriculares impõem uma análise dos saberes profissionais requeridos para a sua concretização. A orientação para o ensino da Mate- mática que temos vindo a apresentar está de algum modo já presente nos novos programas portugueses (em vigor desde 1991), nomeadamente quando indicam a resolução de problemas como eixo do currículo ou se referem ao papel do aluno na aprendizagem. Mas estas ideias têm ainda reduzida expressão nas práticas pedagógicas. Na verdade, uma coisa é reconhecer a importância de um conjunto de princípios sobre o ensino da Matemática. Outra coisa, bem diferente, é levá-los à prática em condições muitas vezes adversas — em aulas superlotadas, sem se dispor dos mate- riais necessários, perante alunos muitas vezes fortemente desmotivados em relação à disciplina e pouco receptivos a experiências inovadoras. Como apresentar aos alunos uma actividade de investigaçãose eles não têm um mínimo de pré-requisitos matemáticos? O que fazer quando eles não com- preendem o enunciado de um problema nem se mostram dispostos a fazer o mínimo esforço? Como conduzir uma discussão quando todos os alunos querem falar ao mesmo tempo e mostram pouco interesse em ouvir os seus colegas? Que rotinas são necessárias para conduzir uma aula em que os alunos realizam trabalho de investigação? Qual a articulação entre o traba- Histórias de investigações matemáticas 8 lho investigativo e outras actividades de aprendizagem como a resolução de exercícios? Não é necessariamente por pouco empenho profissional que os pro- fessores têm, por vezes, dificuldade em encontrar maneiras de concretizar um ensino de cunho mais inovador. Trata-se, de um problema mais profun- do, que remete para competências ao nível do saber-fazer, para zonas de indefinição no que respeita a concepções essenciais sobre os assuntos que se ensina e sobre o processo de aprendizagem, para dificuldades de monito- rização da avaliação de actividades de aprendizagem com uma dinâmica significativamente complexa. Neste projecto pretendem-se equacionar os saberes profissionais relevantes para este tipo de prática pedagógica, para o que se têm em conta diversas tradições teóricas, nomeadamente a perspectiva psicológica (que recorre a conceitos como esquemas, rotinas e guião curricular), a perspecti- va da psicologia social (que se preocupa sobretudo com a influência das representações sociais e das identidades profissionais) e a perspectiva fenomenológica (que incide essencialmente no significado das experiências pessoais do professor)2. São estes os elementos-chave da fundamentação teórica do projecto e do seu enquadramento na realidade educativa portuguesa, à luz da reforma curricular. Uma quarta ideia fundamental do projecto, relativa ao sentido da análise narrativa e à sua concretização em termos metodológicos, será abor- dada no capítulo seguinte. Investigações na aula de Matemática O que são actividades de investigação? Uma vez que existe uma profusão de formulações sobre o que se entende por “investigações matemáticas”, é necessário explicitar o sentido que lhes atribuímos neste projecto. As investigações matemáticas são parte do que alguns autores designam por “actividade matemática”, o que corres- ponde a identificar aprender Matemática com fazer Matemática. Nesta 2 Ver Ponte (1994). Histórias de investigações matemáticas 9 perspectiva, esta ciência é encarada mais como uma forma de gerar conhe- cimento do que como um corpo de conhecimentos. Love (1988) define implicitamente este tipo de actividade, ao afirmar que os alunos devem ter oportunidade de: • identificar e iniciar os seus próprios problemas; • expressar as suas próprias ideias e desenvolvê-las ao resol- ver problemas; • testar as suas ideias e hipóteses de acordo com experiências relevantes; • defender racionalmente as suas ideias e conclusões e sub- meter as ideias dos outros à crítica ponderada. (p. 260) Um conceito muito próximo de investigação matemática é o de reso- lução de problemas. Os dois termos são usados muitas vezes de modo indistinto. Ambas as noções se referem a processos matemáticos complexos e ambas envolvem actividade fortemente problemática. A resolução de pro- blemas envolve uma grande variedade de tarefas, tanto de cunho mais fechado como mais aberto, tanto relativas a situações puramente matemáti- cas como referentes a situações da vida real. “Actividades investigativas” ou “investigações matemáticas” designam, no contexto deste projecto, um tipo de actividade que dá ênfase a processos matemáticos tais como procu- rar regularidades, formular, testar, justificar e provar conjecturas, reflectir e generalizar. São actividades de cunho muito aberto, referentes a contextos variados (embora com predominância para os exclusivamente matemáticos) que podem ter como ponto de partida uma questão ou uma situação propos- ta quer pelo professor, quer pelos alunos. O aspecto mais distintivo das actividades de investigação em relação à resolução de problemas diz respeito à natureza da questão a estudar. Enquanto que na resolução de problemas a questão tende a ser apresentada já completamente especificada ao aluno, na actividade de investigação as questões iniciais são de um modo geral vagas, necessitando de ser trabalha- das, tornadas mais precisas e transformadas em questões concretas pelo próprio aluno. As actividades de investigação envolvem assim uma compo- nente essencial de formulação de problemas, etapa normalmente ausente (porque já cumprida de antemão pelo professor) na resolução de problemas. Outra distinção diz respeito às estratégias a seguir. Enquanto que na resolução de problemas faz sentido sugerir heurísticas gerais (como as de Histórias de investigações matemáticas 10 Pólya, 1945) ou estratégias mais específicas (como as de Schoenfeld, 1982), nas actividades de investigação o leque de possibilidades é de tal maneira vasto que se torna difícil fazer semelhante sistematização. Assim, enquanto que na resolução de problemas o objectivo é a estratégia seguida e a solução a que conduz, na actividade de investigação o objectivo é a compreensão de um domínio problemático. Esta distinção é bem ilustrada na metáfora geográfica: “o objectivo é a jornada, não o desti- no” (Pirie, 1987, p. 2). A mesma ideia é reforçada por Ernest (1991) ao referir que nesta actividade “a ênfase está na exploração de uma terra des- conhecida” (p. 285), enquanto que na resolução de problemas se procura encontrar um caminho que conduza à solução ou soluções. O processo investigativo tem, assim, um carácter mais divergente do que, em geral, a resolução de um problema. Para que uma situação possa constituir uma investigação é essencial que seja motivadora e desafiadora, não sendo imediatamente acessíveis, ao aluno, nem o processo de resolução nem a solução ou soluções da questão. As actividades de investigação contrastam-se claramente com as tarefas que são habitualmente usadas no processo de ensino-aprendizagem, uma vez que são muito mais abertas, permitindo que o aluno coloque as suas próprias questões e estabeleça o caminho a seguir. Numa investigação par- te-se de uma situação que é preciso compreender ou de um conjunto de dados que é preciso organizar e interpretar. A partir daí formulam-se ques- tões, para as quais se procura fazer conjecturas. O teste destas conjecturas e a recolha de mais dados pode levar à formulação de novas conjecturas ou à confirmação das conjecturas iniciais. Neste processo podem surgir também novas questões a investigar. As investigações matemáticas caracterizam-se, igualmente, pelo estí- mulo que fornecem ao aluno para este justificar e provar as suas afirma- ções, explicitando matematicamente as suas argumentações perante os seus colegas e o professor. As capacidades de argumentação e prova são dois aspectos destacados da capacidade de comunicar matematicamente. O desenvolvimento desta capacidade é, também, um dos grandes objectivos educacionais do ensino da Matemática (NCTM, 1991). Ao confrontarem as suas diferentes conjecturas e justificações, os elementos da turma consti- tuem-se como pequena comunidade matemática, na qual o conhecimento matemático se desenvolve em conjunto. Histórias de investigações matemáticas 11 O trabalho do aluno aproxima-se, assim, do trabalho do matemático. Ernest (1991), afirma mesmo que, “a actividade matemática de todos os alunos de Matemática, desde que produtiva, envolvendo a formulação e a resolução de problemas, não é qualitativamente diferente da actividade do matemático profissional” (p. 283). Para este autor, a actividade matemática do aluno, se bem que possuindo um reduzido grau de complexidade de acordo com os seus conhecimentos matemáticos, compara-se à do matemá- tico em termos dos processosa que recorre. A preparação de aulas de investigação Este modo de ver a aprendizagem vem, naturalmente, relativizar a importância dos conteúdos no currículo. Ainda que estes continuem a cons- tituir o suporte da actividade, o desenvolvimento de capacidades de ordem superior torna-se um objectivo destacado, e os processos característicos da actividade matemática passam a constituir o foco do ensino. Como defende Lerman (1989), “a Matemática é identificada por modos particulares de pensar, conjecturar, procurar contradições formais e informais, etc., não pelo ‘conteúdo’ específico” (p. 77). Porém, dado que os programas vigen- tes se centram nos conteúdos, organizados de uma forma hierárquica e compartimentada, o professor tem necessidade de fazer surgir as investiga- ções matemáticas na aula em ligação com eles. Isto não significa que, em cada momento, as propostas tenham obrigatoriamente que introduzir ou explorar conceitos que estão a ser abordados. Significa apenas que se refe- rem de modo especial a certos tópicos do programa ao mesmo tempo que permitem que os alunos recorram a todo o arsenal matemático de que já dispõem. O ponto de partida de uma investigação, tal como foi pensado pelo professor, pode relacionar-se de modo mais ou menos directo com um ou outro tema do currículo. Mas a actividade que o aluno realiza, particular e única, pode originar outras questões, seguir por caminhos inusitados e aca- bar por se relacionar com muitos outros temas. Há que procurar um ponto de equilíbrio entre a preocupação de seguir de forma ordenada o currículo e a valorização da natureza aberta das investigações, reconhecendo o contri- buto importante que estas podem fornecer para o desenvolvimento matemá- tico dos alunos. Histórias de investigações matemáticas 12 O professor tem um papel fundamental na planificação de activida- des de investigação na sala de aula. A selecção das propostas e o estabele- cimento de objectivos para a sua realização relacionam-se com a especifi- cidade da turma e com o contexto em que surgem na aula. Nem os objecti- vos nem as tarefas podem ser completamente definidos, de antemão, pelos autores dos programas. O professor surge, deste modo, como alguém que participa no processo de elaboração do currículo — delineando objectivos, metodologias e estratégias, e reformulando-os em função da sua reflexão sobre a prática. A maior ou menor ligação das actividades de investigação com os conteúdos pode ser um dos factores que restringe ou amplia o tempo dispo- nível para a sua realização. O professor é confrontado com decisões difíceis quanto à gestão do tempo devido ao número elevado de aspectos que necessita de relativizar e conjugar. Para além de definir qual o peso relativo que estas actividades devem ocupar no cômputo das actividades de uma turma, tem também de ponderar sobre a frequência com que elas devem surgir: será mais vantajoso para os alunos aparecerem várias tarefas de investigação em sequência ou, pelo menos, com grande proximidade, ou mais espaçadas ao longo do ano? A articulação com os conteúdos leva também a questionar em que medida podem as investigações ser propostas no início, durante ou no fim de um assunto. Se a tarefa de investigação for introduzida num momento qualquer, que pontes se podem estabelecer com o trabalho já desenvolvido? Ao seleccionar ou criar uma tarefa, o professor deve definir clara- mente os objectivos a atingir e ter em atenção o nível etário e o desenvol- vimento matemático dos alunos. A maior ou menor familiaridade dos alu- nos com este tipo de actividade é um factor muito importante a considerar. Quer a criação quer a reformulação das propostas de investigação são actividades que consomem tempo e exigem do próprio professor uma atitu- de investigativa. A natural insegurança do professor num tipo de trabalho que ainda não domina, aliada ao investimento que exige, especialmente quando faltam os recursos apropriados na escola, podem constituir obstácu- los senão intransponíveis, pelo menos limitantes ao desenvolvimento deste tipo de actividade. Uma investigação matemática pode-se iniciar em condições muito variadas. No entanto, existem questões e situações que são potencialmente Histórias de investigações matemáticas 13 mais ricas. A atenção que deve merecer a escolha de uma tarefa encontra-se expressa nas seguintes palavras de Ollerton (1994): Uma parte importante da minha planificação tem a ver com o encontrar tarefas que: • sejam um começo apropriado para todos na aula trabalha- rem; • forneçam oportunidades ricas para muitos desenvolvimen- tos; • possibilitem que sejam trabalhadas uma variedade de com- petências de conteúdo; • criem oportunidades para os alunos explorarem ideias e colocarem questões; • apoiem diferentes tipos de intervenções do professor desde o colocar questões ao explicar e expor; • permitam aos alunos tomar a maior parte da responsabili- dade no seu desenvolvimento; • tenham uma variedade de resultados, alguns dos quais podem ser inesperados; • permitam que o conteúdo seja processado; • extraiam contextos transcurriculares “reais”, tais como usar de informação de um jornal, ou contextos de resolução de problemas; • sempre que possível tenham um começo prático de forma a prover experiências concretas a partir das quais abstracções possam ser feitas. (p. 64) Este professor indica diversos aspectos que devem ser contemplados na criação e selecção de tarefas de cunho exploratório e investigativo. Saliente-se, por exemplo, a preocupação com a possibilidade de os alunos desenvolverem múltiplas abordagens e colocarem questões, bem como com a adequação da tarefa inicial a todos os alunos. Nesta mesma linha de pensamento, Lampert (1990) chama-nos a atenção para o que considera ser o principal critério de selecção de um pro- blema, entendido como situação problemática. Para a autora, os problemas devem levar todos os alunos a fazerem e testarem conjecturas, que são, pos- teriormente, alvo de discussão na turma. Numa das propostas que apresen- tou aos seus alunos procurava potenciar a sua progressão em direcção a ideias matemáticas mais complexas e abstractas, ou ainda, segundo as suas Histórias de investigações matemáticas 14 palavras, criar “um cenário para um ziguezague entre a observação indutiva e a generalização dedutiva, que Lakatos e Pólya vêem como características da actividade matemática” (p. 39). A ideia de que as situações a propor devem ser abertas, no sentido de estimularem o aluno a colocar as suas próprias questões, é um dos aspectos mais fortes das tarefas de natureza investigativa. Este grau de abertura pode até mesmo traduzir-se em propostas não necessariamente na forma interro- gativa. Lerman (1989), ilustra este último caso, através da situação: Considera triângulos de lados inteiros. Existem três triângulos com 12 unidades de perímetro. Investiga. (p. 77) Em seguida apresenta uma figura com três triângulos com a indica- ção da medida do comprimento de cada um dos lados. Esta “situação”, em que não é colocada nenhuma pergunta, permite a formulação de problemas diversos de acordo com o interesse e conhecimento matemático do aluno. Todavia, há que ser cuidadoso ao introduzir estas situações no processo de ensino-aprendizagem porque podem tornar-se algo frustrantes para os alu- nos que, no dia-a-dia da aula de Matemática, lidam apenas com questões muito estruturadas. Por outro lado, podem também criar uma certa insegu- rança no professor visto que envolvem uma grande margem de imprevisibi- lidade. Após a selecção da situação a propor, segue-se uma fase não menos importante: o planeamento da aula. As questões ligadas à organização e gestão da aula são tanto mais relevantes quanto menor é a experiência do professor nesta área. Decisões sobre se os alunos irão trabalhar individual- mente ou em grupo, como se irão constituir os grupos, e se haverámomen- tos de trabalho em grande grupo, dependem não só da natureza da tarefa apresentada mas, principalmente, dos objectivos estabelecidos pelo profes- sor. O modo de trabalho escolhido será um dos factores a ter em conta para se prever o tempo de duração da actividade. Será possível realizar a investigação numa única aula? Por quanto tempo conseguirão os alunos manter-se interessados na tarefa? Frequentemente, a estrutura escolhida pelo professor para uma aula de investigação consiste nas seguintes fases: Histórias de investigações matemáticas 15 • introdução da tarefa pelo professor (quer seja apenas um ponto de partida ou uma questão bem definida) e arranque da sua realização pelos alunos (interpretação da situação e definição do caminho a seguir); • realização da tarefa (durante a qual o professor interage com os alunos individualmente ou em pequeno grupo); e • apresentação de resultados pelos alunos e sua discussão (comparação das interpretações da tarefa, estratégias segui- das e resultados obtidos; neste ponto é frequente surgirem novas questões para futura investigação). Por vezes, as discussões intermédias do professor com um grupo de alunos ou mesmo com toda a turma durante a fase da realização da tarefa mostram-se bastante profícuas. Numa aula de investigação, mais do que em qualquer outra, não é possível prever com exactidão o que irá acontecer. É, pois, necessária uma grande flexibilidade na preparação de uma aula deste tipo. A realização de aulas de investigação O modo como a tarefa de investigação é apresentada aos alunos constitui um elemento extremamente relevante da actuação do professor: Mesmo os adeptos mais extremistas da Matemática investiga- tiva não acreditam, em geral, que não seja necessária interven- ção alguma do professor para que o aluno aprenda. Isso seria esperar que cada indivíduo recriasse, do princípio, toda a Matemática. (Hatch, 1995, p. 37) A situação, quer tenha sido criada ou recriada pelo professor, é já um refazer, sob a forma de questão, do processo investigativo em que o seu autor se envolveu. Tal como o trabalho do matemático que é publicado apa- rece com uma forma definitiva, não dando a conhecer o percurso, os avan- ços e os recuos, também a investigação que é proposta ao aluno surge-lhe burilada e acabada. Com isto quer dizer-se que não é razoável supor que as questões propostas ao aluno o levarão, necessariamente, a percorrer os mesmos caminhos que quem as gerou. Como refere Mason (1978), “o alu- no não está no mesmo estado que o originador” (p. 45). O professor não pode antecipar, fidedignamente, todas as suas reacções. Histórias de investigações matemáticas 16 Adicionalmente, a preocupação do professor com a exploração cabal da situação, pode levar a uma construção demasiadamente estruturada da investigação. Como consequência, o aluno tenderá a encarar a proposta de trabalho como um conjunto de tarefas específicas a serem resolvidas, e não como uma investigação cujos objectivos e estratégias são por ele definidos. O grau de abertura das situações depende não só (e talvez, não primaria- mente) do tipo de questão a investigar mas também da abordagem que é escolhida pelo professor. Quem já se embrenhou numa investigação e ten- tou transformá-la numa situação a ser apresentada (por escrito ou oralmen- te), sabe que não é fácil conseguir, sem se ser demasiado directivo, colocar questões que levem os alunos a explorarem todas as potencialidades que lhe reconhecemos. O papel do professor na fase de arranque de uma actividade de inves- tigação é, pois, extremamente importante. De acordo com Mason (1991), “uma questão é apenas um grupo de palavras com um ponto de interroga- ção” (p. 16), ou seja, uma questão, só por si, pode não gerar investigação. É necessário que o professor manifeste consistentemente uma atitude investi- gativa no decorrer das suas aulas para, desse modo, influenciar positiva- mente a curiosidade dos alunos. Na fase seguinte, tendo os alunos iniciado a actividade, o professor dará atenção ao desenvolvimento do seu trabalho. O apoio a conceder, no sentido de os ajudar a ultrapassar eventuais bloqueios ou a tornar mais rica a sua investigação, é um dos aspectos mais complexos da intervenção do professor. Tem extrema importância numa investigação a reflexão do aluno sobre o seu trabalho. Esta pode ser estimulada directa ou indirectamente pelo professor. É necessária experiência e sensibilidade para lidar com estes problemas de uma forma bem sucedida. Num curso criado pelo Shell Centre (1993) para auxiliar os professo- res na implementação e avaliação da resolução de problemas e de activida- des de investigação, apresentam-se indicações sobre a pertinência, ou não, de certas intervenções por parte do professor. Assim, com base na avalia- ção de um trabalho realizado em mais de 30 escolas, incentiva-se o uso de questões que levem o aluno a reflectir sobre o modo como está a abordar a situação (por exemplo, “o que tentaste fazer?”); recomenda-se alguma moderação no fornecimento de indicações quanto às estratégias (por exem- plo, “comprovaste se isso funciona?”); desaconselha-se a referência a aspectos específicos da situação (por exemplo, “por que não experimentas Histórias de investigações matemáticas 17 com três fichas?”) (p. 191). O objectivo é ir diminuindo a orientação do professor, à medida que o aluno vai ficando mais familiarizado com este tipo de actividade. Barbara Jaworski (1994) relata amplamente num estudo por si reali- zado os desafios que esta abordagem metodológica levanta ao professor, um dos quais designa por “tensão-didáctica”. E recorda as seguintes pala- vras de John Mason: Quanto mais explícito sou sobre o procedimento que espero que os meus alunos efectuem, mais provável é que eles o efec- tuem sem recurso à compreensão do que o procedimento é suposto indicar; isto é, mais eles tomarão a forma pela subs- tância... Quanto menos explícito sou sobre os meus objectivos (...) menos provável é que eles encontrem o que se pretendia ou que percebam o seu significado. (Mason, 1988, citado em Jaworski, 1994, p. 180) Em relação a alguns professores que participaram no seu estudo, Jaworski indica como observou essa tensão: “eram relutantes em dizer aos alunos factos que eles queriam que soubessem; no entanto, ficavam contra- riados quando esses factos não emergiam através da investigação” (p. 207). Pode observar-se que a implementação destas actividades não é de todo linear, colocando o professor perante inúmeros dilemas. Um dos grandes objectivos das actividades de investigação é a con- dução dos alunos a graus progressivos de generalização e de abstracção. Consequentemente, a justificação das conjecturas apresentadas é uma com- ponente importante do seu trabalho. Tal como foi mencionado anteriormen- te, o grau de formalização dessa justificação depende do nível de desenvol- vimento matemático do aluno. No entanto, é tarefa do professor fazer notar ao aluno a necessidade de se “convencer” a si próprio e aos outros dos seus argumentos de forma que, a pouco e pouco, acabe por o fazer espontanea- mente (Mason, 1991). A importância da realização de uma discussão final sobre a activida- de dos alunos tem sido referida com alguma insistência por diversos auto- res. Já no relatório Cockcroft (1982) se encontra a indicação explícita de que sem essa discussão o sentido da investigação se poderia perder. Usual- mente, é nesta fase que serão postas em confronto as estratégias, as hipóte- ses e as justificações que os diferentes alunos ou grupos de alunos construí- Histórias de investigações matemáticas 18 ram, e que o professor assume as funções de moderador. Ele procura trazer à atenção da turma os aspectos mais destacados do trabalho desenvolvido e estimula os alunos a questionarem as asserções dos seus pares. Assim, o desenvolvimento da capacidade dos alunos para comunicar matematica-mente e do poder de argumentação são dois dos objectivos destacados desta fase da actividade de investigação. O professor tem um papel determinante na feitura de propostas de investigação e na condução de aulas em que os alunos se empenham neste tipo de actividade. Todavia, para que os alunos sintam autenticidade nas suas propostas de trabalho é necessário que ele próprio demonstre um espí- rito investigativo. Os alunos só poderão compreender plenamente o que significa fazer matemática se tiverem oportunidade de o observar como um matemático em acção. Dificuldades a ultrapassar As investigações constituem um meio privilegiado de proporcionar aos alunos uma experiência matemática autêntica, porque facilitam o envolvimento num tipo de trabalho que se encontra muito próximo da acti- vidade matemática, abrangendo o desenvolvimento e a utilização de algu- mas capacidades de ordem superior que, de um modo geral, não são con- templadas noutro tipo de actividades. Antecipamos nesta reflexão grande parte das dificuldades e limita- ções referentes à realização de actividades de investigação na aula de Matemática. Muitas delas apontam para a necessidade de investigação aprofundada com base em situações de sala de aula. Passamos, brevemente, em revista algumas questões que se colocam. Uma das dificuldades decorre das limitações programáticas. A exten- são do programa é vulgarmente apontada como impeditiva da diversifica- ção de estratégias na sala de aula. Um aspecto que merece atenção diz res- peito às dificuldades manifestadas pelo professor ao tentar articular este tipo de actividades com os conteúdos programáticos e com os constrangi- mentos de tempo. Por outro lado, será que as investigações, quando apenas surgem como uma actividade esporádica, chegam a promover uma atitude investigativa nos alunos? Relativamente ao papel do professor no desenvolvimento das aulas surgem questões sobre a organização da turma — os alunos trabalham indi- Histórias de investigações matemáticas 19 vidualmente ou em grupos? como são formados os grupos? Outras questões referem-se ao apoio a fornecer aos alunos, à gestão do tempo concedido para os alunos realizarem o seu trabalho, à orientação da discussão final e ao modo de avaliar a actividade desenvolvida. Alguns impedimentos à realização de actividades de investigação advêm da falta de preparação que o professor possa sentir para ultrapassar os diversos obstáculos com que se depara. Outros problemas podem decor- rer do facto do professor possuir uma visão parcial ou redutora do que sig- nifica investigar. Torna-se, assim, imprescindível que ele tenha acesso a material diversificado e que sejam criadas condições para que possa discu- tir em conjunto com outros colegas sobre esta problemática. A margem deixada pelos actuais programas para a integração de investigações matemáticas não é muito explícita. Exige-se, por isso, algum engenho ao professor para manobrar no espaço deixado ao seu cuidado. Histórias de investigações matemáticas 20 2. METODOLOGIA DE TRABALHO Este trabalho, que se desenvolve numa lógica de investigação-acção3, tem por base a elaboração, análise e divulgação de narrativas referentes a situações de ensino-aprendizagem em que os alunos trabalham em tarefas de investigação matemática. Pretende-se que estas narrativas testemunhem aspectos dos dilemas e incertezas dos professores e evidenciem elementos relevantes do seu conhecimento profissional neste tipo de actividades edu- cativas. Narrativas de situações de ensino-aprendizagem O método narrativo, como método de investigação educacional, tem vindo a ganhar uma proeminência cada vez maior, configurando-se como uma importante abordagem no quadro da investigação qualitativa de tipo interpretativo. Passamos em revista, de modo sucinto, as principais ideias que nos levaram a considerar a sua utilização neste estudo. Histórias, narrativas e conhecimento humano Uma história é uma forma de contar uma sequência de acontecimen- tos, que tem três elementos básicos: (a) uma situação envolvendo algum conflito, ou dificuldade, (b) um ou mais personagens que se envolvem na situação com um dado propósito, e (c) uma sequência temporal na qual o conflito é de algum modo resolvido. Por outras palavras, uma história con- tém referência a personagens, locais e acontecimentos enquadrados numa sequência temporal que sugere implicitamente tanto causalidade como sig- 3 Trata-se de um projecto com características de investigação-acção porque os participantes pretendem incluir nas suas práticas docentes usuais actividades de tipo investigativo e de resolução de problemas, valorizando a correspondente comunicação/discussão no seio da turma, procurando, através da experi- mentação e da reflexão sistematizada, encontrar formas viáveis de o concretizar na sala de aula. Histórias de investigações matemáticas 21 nificado. Todo o ser humano é um contador de histórias: vê o presente nas- cer do passado e dirigir-se ao futuro. Pode-se dizer que percebe a realidade de um modo narrativo (Carter, 1993; Clandinin e Connelly, 1991). Neste domínio, como em muitos outros, a terminologia varia de autor para autor. Diremos, com Connelly e Clandinin (1990), que uma história é um fenómeno natural do nosso pensamento, que ocorre constantemente, e que uma narrativa é o uso da história como método de investigação. Trata- se portanto de uma história produzida deliberadamente, com um propósito muito particular. Por outro lado, um continuum na experiência de uma pes- soa é uma unidade narrativa se torna a sua experiência de vida significativa através da unidade que lhe proporciona (Carter, 1993; Connelly e Clandi- nin, 1986). As histórias constituem parte integrante da nossa experiência quoti- diana. Uma ideia fundamental é a de que organizamos as nossas experiên- cias de interacção social através de histórias. De acordo com Bruner (1991), o nosso conhecimento diz respeito a dois domínios distintos: o mundo físico e o mundo das interacções humanas. A maior parte dos estu- dos acerca do processo de aquisição do saber incide sobre o modo como nós conhecemos o mundo físico e não o mundo humano ou simbólico. Para aquele autor, organizamos a nossa experiência e a nossa memó- ria de acontecimentos humanos na forma de histórias, que são assim fenó- menos naturais do nosso pensamento. Vivemos através de histórias, ou seja, pensamos, percebemos, imaginamos e fazemos escolhas morais de acordo com estruturas narrativas. A criação de histórias permite-nos estabe- lecer ordem e coerência no fio da nossa experiência e construir a partir daí um sentido para os incidentes e acontecimentos do mundo real (Carter, 1993). Por outro lado, a pessoa que conta uma história tanto é moldada pela situação como molda a situação vivida (Clandinin e Connelly, 1991). Uma segunda ideia importante é a de que uma história é uma forma de pensamento convencional, culturalmente transmitida, constrangida pelas capacidades de cada pessoa e pela natureza do meio em que está inserida. Deste modo, as construções narrativas não são verdadeiras ou fal- sas, mas apenas mais ou menos verosímeis e mais ou menos evocativas. A sua aceitação é governada por convenção e por “necessidade narrativa”. Ou seja, a cultura fala através de histórias individuais, histórias que são cons- truídas em torno de temas que permitem a projecção dos valores humanos (Carter, 1993; Riessman, 1993). Histórias de investigações matemáticas 22 O modo de pensar narrativo é profundamente distinto do modo de pensar lógico ou científico e sujeita-se a diferentes critérios de qualidade. Riessman (1993), por exemplo, aponta os seguintes aspectos como essen- ciais numa boa narrativa: persuasividade, correspondência, coerência e uso pragmático. Não é qualquer história que pode ser relevante para fins de investigação, mas apenas as históriasque satisfazem estas características fundamentais. Uma terceira ideia marcante é a de que o conhecimento humano se baseia em ferramentas culturais, sendo por isso o grupo cultural uma uni- dade de análise fundamental. Na perspectiva de Bruner (1991), havendo domínios específicos do conhecimento e competência humanos que são suportados e organizados por conjuntos de ferramentas culturais, a unidade de análise não pode ser apenas o indivíduo, mas tem de ser o grupo cultu- ral. O pensamento, as percepções e as experiências dos professores são elementos integrantes da sua cultura, fazendo com que a força dos contex- tos culturais esteja presente nos seus pensamentos: “o que os professores nos dizem acerca das suas práticas é, fundamentalmente, um reflexo da sua cultura, e não pode ser compreendido correctamente sem referência a essa cultura que é interpessoal” (Olson, 1988, citado em Solas, 1992, p. 213). Em qualquer cultura existe necessariamente um largo consenso implícito no que respeita às crenças sociais — ou seja, como é que nós pen- samos que as pessoas são e como é que lidamos uns com os outros. Trata- se de um bom exemplo de um domínio do conhecimento organizado narra- tivamente (Bruner, 1991). Nele se incluiu, naturalmente, as representações dos docentes sobre os processos de aprendizagem dos seus alunos. As histórias tornaram-se assim num dos meios de captar a complexi- dade, a especificidade e as relações existentes entre os fenómenos com que lidamos. Elas relembram constantemente as limitações das abordagens positivistas tradicionais, para as quais o ensino surgia decomposto em variáveis discretas e em indicadores de eficácia (Carter, 1993). Histórias, narrativas e conhecimento profissional O conhecimento profissional do professor evidencia-se na sua práti- ca. Ora, uma outra ideia fundamental é que as histórias e as narrativas constituem um modo de conhecimento particularmente ligado à acção. Como diz Carter (1993), as histórias são “modos de conhecimento emer- Histórias de investigações matemáticas 23 gindo da acção... explicações das intenções humanas no contexto da acção” (p. 6). As histórias, com a sua multiplicidade de sentidos, são uma forma particularmente adequada para expressar o conhecimento associado à com- plexidade da acção. Uma vez que o ensino é uma acção intencional numa situação, o conhecimento essencial que os professores têm do ensino vem da sua prática, isto é, de agirem como professores nas salas de aula. Assim, para compreender o pensamento de um professor, podemos começar por procurar as histórias que estruturam o modo de pensar sobre os aconteci- mentos da sala de aula desse mesmo professor (as suas teorias práticas). No entanto, devemos ter presente que, nas suas narrativas, os professores não se limitam a recordar e a relatar as suas experiências, mas repetem e recriam as suas próprias histórias, reconstruindo significados, redefinindo o seu eu pessoal e profissional (Cortazzi, 1993). Segundo Connelly e Clandinin (1986), os académicos têm sido irre- dutivelmente teóricos e têm falhado na compreensão do pensamento práti- co. Para estes autores, a prática tem de ser o ponto de partida para a inves- tigação e não um mero lugar de aplicação da teoria. O estudo narrativo muda a ênfase da análise da prática em termos da teoria para o desenvolvi- mento da teoria em termos da prática. Uma última ideia-chave é a de que a produção de narrativas é uma forma de promover uma relação de colaboração entre investigadores e professores. Para estabelecer uma relação colaborativa é necessário tempo, relação pessoal, espaço e voz (Connelly e Clandinin, 1990). Este tipo de investigação permite o estabelecimento de formas de colaboração que pro- movem uma estreita relação entre todos os participantes. Esta relação envolve sentimentos de “interligação”, igualdade, afecto, propósito e inten- ção partilhados e de proximidade. Desta relação, mutuamente inspiradora, podem resultar insights sobre o pensamento dos professores que seria improvável obter através de qualquer outro tipo de investigação. A relação que se estabelece entre investigador e professor fomenta a reflexão sobre as práticas deste último, permitindo uma compreensão mais profunda das eventuais mudanças operadas nessa prática, bem como do papel dessas mudanças. Assim, será de realçar o contributo dado pelas nar- rativas no sentido do crescimento profissional, social e pessoal dos profes- sores. As histórias captam dum modo especial a riqueza, as nuances de sig- nificado, as ambiguidades e as contradições dos assuntos humanos, ao con- Histórias de investigações matemáticas 24 trário do pensamento paradigmático ou científico que requer precisamente consistência e não contradição (Bruner, 1991; Carter, 1993). Uma razão para valorizar a narrativa na investigação educacional é a sua grande capa- cidade para representar a vida e promover a ligação entre esta e as expe- riências educativas. As narrativas são uma forma de capturar a complexi- dade, a especificidade e as ligações internas e externas do fenómeno com que estamos a tratar e, desse modo, ultrapassar as limitações das aborda- gens atomistas e positivistas. As narrativas são, por isso, uma forma de conhecer e de pensar particularmente adequada para lidar com as questões com que nos debatemos na investigação educacional (Carter, 1993). O resultado da investigação narrativa é a produção de uma filosofia pessoal, traduzindo a forma como cada professor pensa acerca de si próprio em situações de ensino. Obtém-se assim uma visão do seu conhecimento prático e pessoal. A filosofia pessoal não é uma reconstrução do investiga- dor nem do participante. É uma reconstrução dos dois em colaboração (Connelly e Clandinin, 1986). Uma história, uma vez contada (oralmente ou por escrito), deixa de pertencer apenas ao personagem que a narrou. Passa a ter uma existência independente da sua vontade, das suas intenções ou da sua interpretação (Clandinin e Connelly, 1991). Passa a pertencer a toda a comunidade edu- cativa. O processo de construção de uma narrativa O método geral de investigação narrativa consiste em compreender e reconstruir em colaboração com os professores unidades narrativas dentro das suas histórias. A investigação narrativa tende a começar sem um pro- blema pré-especificado, mas com um interesse num fenómeno que possa ser entendido narrativamente (Connelly e Clandinin, 1986). Para Labov (citado em Riessman, 1993), uma narrativa pode ser decomposta em 6 elementos fundamentais: • resumo (sumário da substância da narrativa); • orientação (tempo, lugar, situação, participantes); • acção complicadora (sequência de acontecimentos); • avaliação (o significado da acção, a atitude do narrador); • resolução (o que finalmente aconteceu); Histórias de investigações matemáticas 25 • coda (faz regressar à perspectiva do presente). A escrita das narrativas é o primeiro passo da interpretação. As fon- tes de dados podem ser as mais variadas: notas de campo de experiência partilhada, registos em diários de bordo, entrevistas não estruturadas, histó- rias contadas, cartas escritas, escritos biográficos e autobiográficos, etc. Às várias fontes de dados o investigador acrescenta a sua própria reflexão. Nesta abordagem, a observação e a reflexão conjunta sobre situações vivi- das desempenham um papel fundamental. O processo de investigação nar- rativo tem um primeiro movimento da experiência para as notas de campo, transcrições, documentos e reflexões do investigador e do professor, avan- çando depois para uma reconstrução mútua da narrativa (Connelly e Clan- dinin, 1986, 1990). A construção de uma narrativa pressupõe diversas etapas, que Riess- man (1993) sistematiza no seguinte modelo: • viver ou participar da experiência; • contar a experiência (pelo sujeito que a viveu); • transcrever a experiência; • analisar a experiência, implicando a elaboração de umtestemunho (usualmente escrito); • ler, pressupondo uma recontagem da experiência. Para esta autora, trata-se no fundo de diversos níveis de representa- ção de uma experiência. Ao falar da experiência há que notar que se ergue um fosso inevitável entre a experiência como foi vivida e toda a comunica- ção que é feita acerca dela. Contar uma experiência implica também a cria- ção de uma identidade — um modo como se quer ser conhecido pelos outros. Toda a narrativa é inevitavelmente uma auto-representação. A transcrição é (como os outros níveis de representação) necessaria- mente incompleta, parcial e selectiva. Transcrever o discurso, tal como fotografar a realidade, é uma acção interpretativa. Decisões acerca de como transcrever, tal como acerca de falar e ouvir, são guiadas pela teoria e por normas retóricas. Analisar implica seleccionar, salientar, relacionar e comparar. Como em todo o processo investigativo, é o passo-chave da actividade criativa de investigação. Pretende-se que essa análise não deturpe a voz e o sentido das Histórias de investigações matemáticas 26 práticas profissionais, mas os enriqueça e clarifique tirando partido da mul- tiplicidade de experiências e perspectivas dos elementos da equipa. Uma vez na sua forma final, a narrativa continua aberta a várias lei- turas e a várias construções. O significado de um texto é sempre significado para alguém. As narrativas transportam uma carga cultural e histórica mui- to acentuada. As verdades que construímos são significativas para comuni- dades interpretativas específicas em circunstâncias históricas bem defini- das. Cada nível do modelo envolve uma redução, mas também uma expan- são: os contadores seleccionam para narrar os aspectos da sua experiência total mas juntam outros elementos interpretativos. O trabalho da equipa A equipa do projecto é constituída por dois docentes universitários, uma docente de uma escola superior de educação e uma professora do 2º ciclo do ensino básico4, interessados na exploração das possibilidades das narrativas como instrumento de investigação educacional e de formação de professores. Todos os membros da equipa têm vários anos de experiência de leccionação no ensino básico e secundário5. Os elementos presentemente no ensino superior trabalham na formação inicial e contínua de professores. O programa de trabalhos inicial previa que os elementos da equipa do projecto e outros professores cooperantes iriam promover durante o ano lectivo de 1995-96 um número significativo de aulas em que fossem reali- zadas e discutidas actividades investigativas e de resolução de problemas por parte dos alunos. Essas aulas, bem como o subsequente processo de avaliação das aprendizagens, seriam objecto de observação e registo vídeo por parte dos membros da equipa do projecto, dando lugar à realização de discussões e consequente produção de narrativas. As narrativas incidiriam sobre as situações de ensino-aprendizagem efectivamente vividas. Seriam produzidas tanto pelos professores que rege- ram essas aulas como pelos elementos que as observaram. Uma primeira 4 Uma outra professora do 3º ciclo e do ensino secundário (Ana Vieira), inicialmente prevista para inte- grar o projecto, acabou por não participar na equipa, tendo sido uma das professoras cooperantes. Esta professora elaborou uma das narrativas que integram este relatório e colaborou na experimentação de diversas propostas de trabalho. 5 Mais precisamente, 4, 5, 6 e 15 anos de experiência. Histórias de investigações matemáticas 27 versão seria sujeita a um processo de discussão e análise, a partir do qual surgiriam novas versões, sucessivamente mais aperfeiçoadas. Em reuniões conjuntas, a equipa estabeleceu e reformulou por diver- sas vezes o seu plano de trabalho, discutiu e reflectiu sobre textos de natu- reza teórica e debruçou-se sobre diversos aspectos do processo de constru- ção e de análise das narrativas. Versões preliminares de cada uma das his- tórias foram amplamente discutidas, tendo sido sucessivamente objecto de aperfeiçoamento. O mesmo processo foi seguido com as diversas secções deste relatório. Em vários momentos do percurso fizeram-se balanços colectivos sobre o desenvolvimento do trabalho. Nas suas reuniões, a equipa discutiu diversos contributos teóricos sobre as tarefas de investigação, sobre a dinâmica da aula, sobre o conhe- cimento profissional do professor e sobre o uso de narrativas em investiga- ção educacional6. Dois dos membros da equipa do projecto realizaram uma visita de estudo ao Reino Unido, tendo por foco a experiência de realização de tare- fas de investigação na aula de Matemática naquele país. Os resultados des- sa visita foram discutidos numa reunião de toda a equipa do projecto. 6 Uma vez que este projecto incide na realização de tarefas de investigação matemáticas pelos alunos, foi feita uma discussão do texto de J. Mason (1991), que se debruça sobre a já longa experiência de uso des- tas actividades nas escolas do Reino Unido. O autor aponta diversas questões a ter em conta em cada uma das fases da realização de uma investigação na sala de aula. Atendendo ao interesse das interacções na sala de aula no decurso da realização deste tipo de tare- fas, foi seleccionada para discussão uma parte substancial da tese de doutoramento de E. Castro (1995), realizada na Universidade de Granada, que se refere precisamente a esta temática num contexto de traba- lho inovador na sala de aula com padrões numéricos. Para contextualizar o presente projecto em termos dos estudos já feitos sobre as competências pro- fissionais do professor de Matemática, discutiu-se um texto de J. P. Ponte (1996), que faz uma análise crítica da investigação realizada em Portugal em torno da figura e da actividade do professor. O estudo aprofundado da relação entre tarefa e actividade, nomeadamente no contexto educacio- nal, é de grande importância para se compreender o que se passa na realização de tarefas de investigação. Daí a selecção para discussão aprofundada do texto Task and activity de B. Christiansen e G. Walther (1986). Foi dada particular atenção ao modo como os autores se referem às actividades de exploração e investigação e à análise que fazem da forma como os professores as podem conduzir na sala de aula. Foram ainda discutidos diversos aspectos teóricos sobre o método narrativo, tendo como referên- cia principal o texto de K. Carter (1993), The place of story in the study of teaching and teacher educa- tion, e os livros de C. Reissman (1993) e M. Cortazzi (1993). Histórias de investigações matemáticas 28 A elaboração e análise das narrativas Algumas das narrativas produzidas neste projecto resultam de situa- ções de ensino-aprendizagem levadas a cabo pela professora do 2º ciclo pertencente à equipa. Outras narrativas resultam de aulas realizadas por professores contactados pelos elementos da equipa e que se disponibiliza- ram a colaborar. As tarefas a usar nas respectivas turmas foram escolhidas pelas profes- soras (da equipa ou cooperantes), de entre as sugeridas pela equipa do pro- jecto. As professoras, de um modo geral, escolhiam as tarefas por lhes parecerem mais adequadas à turma ou aos temas programáticos que trata- vam naquele momento ou, simplesmente, porque consideravam uma inves- tigação interessante. A preparação prévia das aulas com os professores cooperantes foi variável mas na maior parte dos casos reduziu-se a uma única reunião de trabalho (onde se esclareceram eventuais dúvidas). Por vezes, as professoras faziam pequenas sugestões de alteração (que eram naturalmente atendidas). Em alguns casos foram resolvidas e exploradas exaustivamente as tarefas propostas. Nesta reunião, os elementos da equipa procuravam ainda conhecer como a tarefa seria apresentada, quanto tempo a professora previa para a sua realização,como iria organizar os alunos para trabalhar e que expectativas tinha quanto ao seu desempenho. A produção das versões preliminares das narrativas foi levada a cabo por cada um dos elementos da equipa do projecto, em colaboração com outros elementos da equipa e por vezes com as professoras cooperantes7. A elaboração de uma narrativa sobre uma situação de ensino-aprendizagem revelou-se um processo bastante problemático, tendo-nos obrigado a reflec- tir e a tomar decisões em relação a diversos aspectos. Em primeiro lugar, surge a questão da autoria das narrativas. Estas devem ser elaboradas essencialmente pelos membros da equipa de investi- gação ou pelos professores responsáveis pela leccionação das aulas? A rea- lização dos textos pelos professores seria sem dúvida mais interessante — conferindo-lhes um papel de maior protagonismo. No entanto, depois de algumas tentativas, acabámos por verificar que as professoras cooperantes 7 Exceptua-se o caso de uma história produzida por uma professora cooperante (Ana Vieira), que foi integralmente elaborada por esta professora. Histórias de investigações matemáticas 29 tinham grande dificuldade e pouca motivação para realizar tal tarefa. Esse processo foi, por isso, pouco utilizado8. Em segundo lugar, põe-se o problema da relação entre as narrativas escritas e as narrativas orais. Sendo o objectivo final do trabalho a produ- ção de narrativas escritas, seria adequado passar por uma etapa intermédia de produção de narrativas orais? A estratégia adoptada foi a da realização de narrativas (escritas) com base numa conversa com a professora sobre a aula9. Essa conversa decorria num registo não estruturado e informal, e nela estavam normalmente presentes diversos elementos de narrativa oral. O texto assim produzido era submetido à apreciação da professora para even- tuais correcções e validação, de modo a ter tanto quanto possível a garantia de representar fidedignamente a situação vivida10. Em terceiro lugar, deve referir-se o problema de encontrar o tipo certo de narrativa adequado a este estudo, problema que surgiu em diversos momentos. Qual a natureza das “complicações” que temos em vista? Que tipo de informação deve ser dada para contextualizar cada uma das narrati- vas? Em ensaios preliminares foram produzidos textos representando pequenos momentos da aula mas que não se revelaram adequados aos objectivos deste trabalho. Houve, também, necessidade de distinguir uma narrativa de um relatório sobre uma aula. Este tende a ser bastante porme- norizado, descrevendo tudo o que de importante aconteceu, com algum substrato crítico. Uma narrativa, para manter a sua fluência natural, não pode ter a preocupação de “contar tudo”, nem sequer de “contar muita coi- sa”. Pelo contrário, tem de se centrar no desenvolvimento das sucessivas complicações e resoluções da acção. E tem de procurar colocar-se no ponto de vista do actor principal — o professor — e não deixar-se abafar comple- tamente pelas ideias preconcebidas do investigador. Muito embora, o nar- rador explícito nas narrativas produzidas seja o investigador, pretendemos 8 Note-se, no entanto, que houve narrativas produzidas pela professora do 2º ciclo que integra a equipa do projecto (Irene Segurado) e por uma outra professora cooperante (Ana Vieira), inicialmente prevista para integrar a equipa. 9 Na maior parte dos casos o membro da equipa assistiu à aula em causa. Nessas circunstâncias, a com- plicação central da narrativa pode surgir tanto da observação como da reflexão conjunta realizada com o professor. Nos casos em que o investigador não assistiu à aula, a complicação ou surge espontaneamente do professor ou resulta de um questionamento perspicaz por parte do investigador na conversa conjunta posterior. 10 Os professores não fizeram quaisquer correcções, considerando que o conteúdo retratava aquilo que tinha de facto acontecido na aula. Histórias de investigações matemáticas 30 que o professor tenha, também, um papel importante na narração, para o que transcrevemos com frequência o seu discurso directo. Em quarto lugar, coloca-se também a questão de onde encontrar o ponto de partida para a elaboração de uma narrativa. A complicação tem de estar identificada à partida ou evolui naturalmente a partir de uma primeira versão que descreve uma situação vivida na sala de aula? Cada elemento da equipa procurou desenvolver o seu próprio método para a elaboração de narrativas, trabalho que requer tanto de inspiração como de esforço e per- sistência. De grande utilidade foram os registos áudio da professora na aula (e dos alunos com quem dialogava), as entrevistas feitas às professoras e os registos escritos durante as aulas. A sua utilização não levantou grandes problemas. A importância do vídeo é variável — é grande se a narrativa pretende descrever a aula mas é reduzida se se centra num acontecimento isolado. Os registos vídeo revelaram-se bastante úteis para reproduzir a fase de discussão na aula quando “se passa muita coisa ao mesmo tempo”. Se a situação tiver sido vivida há já algum tempo, o vídeo é também muito útil para ajudar a recordar certos pormenores. O vídeo é tanto menos importan- te quanto mais elaborada está a narrativa antes de começar a ser posta no papel (ou no computador). No caso das aulas não assistidas directamente pelos membros da equipa de investigação, os registos vídeo foram funda- mentais para que se formasse uma ideia (ainda que parcial) do decorrer dos acontecimentos e da actuação das professoras11. No entanto, o uso do vídeo é mais problemático do que o dos restantes métodos e instrumentos de registo porque impede o observador de prestar total atenção aos aconteci- mentos que se estão desenrolando na aula. Em quinto lugar surge o problema da relação entre a produção da nar- rativa e a sua análise. A narrativa, ao ser elaborada, deve sair logo com uma estrutura de análise claramente identificada? Deve seguir, por exemplo, o esquema de Labov (indicado na p. 26)? Depois de algumas tentativas, con- cluímos que produzir em simultâneo a narrativa e a análise não era um pro- cesso natural. Por outro lado, para nós, o esquema de Labov assumiu importância sobretudo como um esquema orientador e não como estratégia fundamental de análise. 11 Os casos de não assistência às aulas pelo membro da equipa foram em número reduzido. No entanto, esta situação parece ter proporcionado mais informações e comentários interessantes por parte da profes- sora cooperante do que a situação de assistência directa. Histórias de investigações matemáticas 31 Existem diversos métodos que se podem utilizar para fazer a análise das narrativas. Mas os métodos devem sempre servir os propósitos estabe- lecidos e não devem ser encarados como valendo em si mesmos. A verdade é que as narrativas não têm sido muito usadas para identificação de dilemas e incertezas dos professores ou para evidenciar aspectos do seu conheci- mento profissional, nomeadamente no que se refere à sua acção na sala de aula, pelo que não podíamos recorrer a modelos preexistentes. Assim, deci- dimos usar uma grelha de análise baseada num conjunto de categorias refe- rentes ao conhecimento profissional do professor de Matemática relativo à sua prática lectiva desenvolvido pela própria equipa do projecto (ver o qua- dro 1). Esta grelha tem por base as questões emergentes da literatura e da experiência anterior dos elementos da equipa sobre a realização de activi- dades de investigação (ver Ponte, 1995). A estratégia de análise consistiu em procurar identificar em cada situa- ção os aspectos que remetem, de um modo directo ou problemático, para elementos do conhecimento didáctico referidos neste quadro. Estes aspec- tos foram colocados numa coluna na margem direita de cada uma das nar- rativas,seguindo o modelo adoptado nas Normas Profissionais do NCTM (1994). Um segundo momento da análise tomou em consideração os aspec- tos identificados nas diversas narrativas e salientados pelo processo indica- do, propondo uma articulação e perspectiva geral. O resultado deste traba- lho de análise surge no capítulo das conclusões. Finalmente, procedeu-se a um balanço dos pressupostos iniciais, tendo em conta o trabalho desenvol- vido e a experiência adquirida. Histórias de investigações matemáticas 32 Quadro 1 - Categorias do conhecimento didáctico do professor relativo à sua prática lectiva Matemática Conceitos Terminologia Relações entre conceitos Processos matemáticos Forma de validação de resultados Competências básicas e processos de raciocínio Processos de aprendizagem Relação entre acção e reflexão Papel das interacções Papel das concepções dos alunos Papel dos conhecimentos prévios Estratégias de raciocínio Perspectivas em relação às capacidades dos alunos Currículo Finalidades e objectivos Ligação entre conteúdos Ligação com outros assuntos Representações dos conceitos Materiais Instrução Ambiente de trabalho e cultura da sala de aula Tarefas - concepção, selecção, sequenciação Tarefas - apresentação, apoio na execução, reflexão Actividade Comunicação e negociação de significados Modos de trabalho na sala de aula Histórias de investigações matemáticas 33 3. HISTÓRIAS Histórias de investigações matemáticas 34 Conjecturando... A Irene entrou na sala do conselho directivo à minha pro- cura. Vinha apreensiva tanto com a turma como com o equipamento de gravação. A turma não tinha experiência de trabalho em tarefas de investigação e além disso só tinha tido uma aula e meia sobre potências. E a câmara de vídeo que ia ser usada tinha acabado de vir da reparação. Pensei paciência, com um bocado de sorte pode ser que tudo aca- be por correr bem. A Irene ia dar uma aula de duas horas a uma turma do 5º ano, experimentando uma ficha de traba- lho sobre Potências e Regularidades. O dia — 29 de Feve- reiro de 1996 (um dia “bissexto”) — tinha que ser bem aproveitado pois só aparece de 4 em 4 anos! A grande questão que se colocava à Irene era a de pôr a trabalhar na sala de aula estes alunos em tarefas de investi- gação. Trata-se, segundo ela, duma turma de rendimento médio e bastante homogénea. Apenas três ou quatro alunos se destacam pela positiva e uns quatro ou cinco pela nega- tiva. Desde o princípio do ano que os alunos desta turma se têm revelado com pouca capacidade de pensamento inde- pendente. Para eles, a “autoridade” está no professor, pro- curando cumprir à risca tudo o que ele pede, sem nunca se atreverem a ir mais longe. A Irene tem vindo a tentar modificar esta maneira de ser dos alunos. Colocou algumas tarefas onde eles eram cha- mados a tomar algumas decisões, por exemplo, problemas onde não estavam claramente expressos os dados necessá- rios ou onde era preciso fazer alguma selecção de informa- ção. No entanto, em todas estas tarefas, havia claramente uma pergunta formulada, à qual havia que dar resposta. Agora, estava apreensiva quanto à reacção que os alunos teriam quando A professora procura ter em conta as características específicas dos seus alu- nos ao pla- near a reali- zação de um novo tipo de tarefa. A professora realiza tarefas que gradual- mente vão desenvolven- do nos alunos novas capaci- dades. Histórias de investigações matemáticas 35 confrontados com uma actividade de investigação, onde se pretende que eles vão bastante além do que lhes é explici- tamente indicado. Estava também preocupada com o tem- po. A sua ideia era a de usar a aula de duas horas para que os alunos fizessem a ficha e a respectiva discussão — mas neste tipo de trabalho é sempre difícil prever se o tempo disponível irá ser suficiente. Apesar de ser uma turma pouco habituada a trabalhar em grupo, pareceu à Irene que esta seria a melhor maneira de resolverem as tarefas que lhes iriam ser propostas. A troca de ideias poderia tornar o trabalho mais rico e os alunos não sentiriam o peso da avaliação, que se torna por vezes bastante inibidor. Além disso, tinha a certeza de que os alunos iriam solicitar frequentemente o seu auxílio, sendo este impensável se se tivesse de repartir por 24 alunos e não apenas por 6 grupos de trabalho. Pensou em introduzir a ficha com as diversas questões, conforme já havia feito com outra turma no ano anterior, fazendo uma breve expli- cação oral dos termos desconhecidos dos alunos. A Irene indicou aos alunos para se organizarem para traba- lho de grupo — o que levou a grande movimentação das mesas e cadeiras, tomando algum tempo. Começou então por ler as questões propostas na ficha, explicando o signifi- cado de uma ou outra palavra. Por vezes formulava uma pergunta: Profª: Qual o significado da palavra ‘cubo’? Tudo se passou conforme o planeado até ao momento em que começou a explicar o termo “conjectura” e, não encon- trando os termos desejados, acabou por fazer uma deriva- ção mais prolongada. Mas a certa altura pareceu-lhe que os alunos estavam a ficar com um ar cada vez mais A professora procura que as tarefas sejam ade- quadas ao tempo dispo- nível. A professora decide reali- zar trabalho de grupo — o modo de tra- balho que neste caso considera mais ade- quando às tarefas pro- postas. A tarefa é introduzida oralmente e por escrito. A professora procura encontrar o melhor modo de apresentar a tarefa, tendo em conta que não deve dar informação a mais nem a menos. A professora procura clari- ficar os con- ceitos que Histórias de investigações matemáticas 36 confuso e sentiu que seria mais importante esclarecer o que se entendia por regularidades. Procurou encontrar exem- plos e levar os alunos a indicarem, eles mesmos, outros exemplos de diversos domínios da Matemática. Este início levou mais tempo do que o previsto, mas por fim os alunos começaram a trabalhar. Nos primeiros momentos da aula estive à volta do material de gravação vídeo. A câmara, na verdade, não inspirava muita confiança. Dirigi a objectiva para o grupo de alunos mais próximo — mesmo assim a mais de dois metros. O aspecto degradado do microfone, envolvido num papel meio rasgado, e a distância a que o grupo se encontrava davam-me a sensação que pouco iria ser registado. Além disso, a câmara estava irritantemente inclinada a 30º, mais parecendo um barco em vias de se afundar! Todas as minhas tentativas para a endireitar esbarraram com a tei- mosia do tripé, provocando certamente bastantes tremuras na gravação. Enfim, deixei a câmara a fazer o seu melhor e fui instalar-me junto do grupo que estava a ser filmado, composto por quatro alunos. Terminada a explicação inicial, a Irene tinha começado a circular pelos grupos. A primeira questão desafiava os alu- nos a escreverem diversos números como uma potência de base 2: 64 = 128 = 200 = 256 = 1000 = Pedia-lhes ainda que fizessem conjecturas acerca dos números que podem ser escritos como potências de base 2 irão ser necessários, solicitando as contribuições dos alunos, e altera a sua estratégia tendo em conta a sua reacção. Os alunos, na expectativa de que há uma resposta- padrão para cada pergunta têm dificul- dade em lidar com questões postas de modo diferen- te do habitual. Histórias de investigações matemáticas 37 e como potências de base 3. Havia alguma confusão uma vez que os alunos não entendiam muito bem qual a resposta que era para dar, mostrando tendência para escreverem coi- sas como 642 = 4096. Para eles devia haver uma resposta esperada e que por certo a professora já tinha explicado na aula, mas não viam qual era. A Irene tentou levá-los a per- ceber queeles é que tinham de descobrir observando com atenção os resultados que haviam obtido e procurando outros que achassem interessantes. Foi percorrendo os vários grupos, pedindo-lhes para lerem novamente as ques- tões e perguntando-lhes o que era pedido, de modo a levá- los a perceber o que se pretendia — em primeiro lugar se o número 123 podia ser obtido como uma potência de base 2 (e expoente natural). Com o decorrer da aula, o termo “con- jectura” foi sendo indirectamente explicado grupo a grupo, através de questões como O que te parece que vai aconte- cer? Será que é mesmo assim?... Passado algum tempo (talvez cerca de 30 minutos), os gru- pos começaram a perceber o que era pretendido e a entu- siasmar-se com a actividade. Ultrapassados os primeiros bloqueios e percebido o que era para fazer, os alunos foram avançando com o trabalho. Começaram a formular conjec- turas pertinentes sobre as propriedades dos últimos alga- rismos das potências de diversas bases. Alguns alunos che- garam mesmo a encontrar padrões. Muitos alunos saltaram da primeira questão para a segunda referindo apenas que os números terminados em zero não podiam ser obtidos como potência de base 2. Outros regis- taram que para poder ser escrito como uma potência de base 2, um número tinha que ser par, e de base 3, tinha que ser ímpar. A Irene notou que a segunda questão tinha-os levado a perceber que era melhor observarem com mais atenção as terminações das potências de base 2 e de base 3, voltando novamente à primeira questão. Os alunos procuram responder à tarefa, tendo em conta tarefas seme- lhantes já anteriormente realizadas. A professora procura que os alunos des- cubram o que têm a fazer através de perguntas indirectas. O apoio aos grupos é determinante para que eles esclareçam as suas dúvidas e se envolvam na realização da tarefa. Os alunos, num processo de vaivém, aprofundam a sua compreen- são acerca das regularidades numéricas envolvidas nas potências. Histórias de investigações matemáticas 38 A Irene achou bastante curioso que a Tânia e a Tatiana (ambas a trabalhar no mesmo grupo), e a Sofia, considera- das boas alunas não só a Matemática mas também nas outras disciplinas, revelaram bastante dificuldade neste tipo de actividade. Pareceu-lhe acharem a Matemática utilizada bastante fácil, não acreditando que as suas respostas se diri- gissem ao que se pretendia. Em alguns casos tornou-se notório que não prestaram grande atenção às descobertas feitas pelos colegas do grupo considerados mais fracos do que elas, tendo a Irene procurado fazer-lhes ver que o que os colegas estavam a dizer era bastante interessante. O contrário também se verificou. Houve alunos (por exem- plo, o André, repetente, considerado um dos casos- problema da turma) que se entusiasmaram com o trabalho ao ponto de não quererem terminar quando a Irene anun- ciou que se ia passar à discussão. Isto pode resultar do facto de que a Matemática exigida nas descobertas era acessível também a estes alunos. A calculadora foi bastante utilizada por todos os alunos, parecendo-me que eles a usavam com desembaraço. Alguns alunos faziam mesmo bastante utilização do factor constan- te. Em toda a aula respirou-se uma atmosfera de trabalho. Mas as demoras na organização das mesas e na explicação das questões da ficha fizeram com que depressa se ouvisse o toque para o intervalo (por sinal bastante ruidoso). Uns queriam ficar, outros queriam sair, gerando-se alguma con- fusão. A Irene deu-lhes liberdade de escolha, e foi gratifi- cante ver que cerca de metade dos alunos decidiram ficar a trabalhar nas questões propostas. A Irene estava neste momento um pouco apreensiva relati- vamente ao tempo. Parecia-lhe que os alunos não iriam ter- minar o trabalho proposto naquela aula. Sugeri, em alterna- tiva, a ideia de se fazer uma pequena discussão no final sobre as questões 1 e 2 da ficha, deixando o trabalho na questão 3 e a sua discussão para a aula seguinte, com o que ela concordou. A professora nota que esta tarefa eviden- cia tanto as capacidades de alguns alu- nos tidos por fracos, como as dificulda- des de alguns bons alunos. A professora incentiva os alunos a usa- rem a calcu- ladora com desembaraço. A professora dá aos alunos liberdade de escolha, dei- xa-os decidir sobre um aspecto do funcionamen- to da aula e, ao mesmo tempo, recebe feedback sobre o seu interesse. Aulas de 2 horas são apropriadas para realizar tarefas de investigação. Histórias de investigações matemáticas 39 A cerca de 15 minutos do fim da aula iniciou-se então a discussão. A princípio, os alunos não se mostravam muito atentos ao que diziam os seus colegas, não parecendo ainda muito habituados a este tipo de interacção. A professora foi perguntando pelas conclusões a que eles tinham chegado, questão a questão, e a pouco e pouco a situação foi melho- rando. A certa altura eram vários os grupos que manifesta- vam vontade de intervir. Inicialmente, a professora tentou que houvesse uma certa ordem na apresentação dos resul- tados, o que aos poucos foi deixando de acontecer pois o entusiasmo dos alunos fazia-os avançar de questão para questão de modo um tanto impulsivo e desordenado. Houve grupos que conjecturaram que, quando a base é 2, as potências sucessivas têm como último algarismo 2, 4, 8 e 6, repetindo-se depois esta sequência. Teresa: Termina sempre em 4, 8, 6 e 2. Daniel: Anda sempre à roda. Profª: Anda sempre à roda? Daniel: É 4, 8, 6, 2. Profª: Perceberam o que o Daniel está a dizer? Augusto: Ainda não percebi. Profª: Presta atenção, que o Daniel vai voltar a explicar. Daniel. Daniel: Os números rodam pela mesma ordem. Álvaro: Mas não na ordem que vocês disseram. Profª: Não? Então como é? A discussão final, pondo em comum resultados e significados, constitui um bom fecho para a aula. A discussão foi realizada questão a questão, com a participação de todos os grupos em simultâneo. A professora encoraja os alunos a apre- sentarem argumentos em defesa das suas afirma- ções. Histórias de investigações matemáticas 40 Álvaro: 2, 4, 8, 6. O primeiro número é o 2. (Algum baru- lho na turma) Profª: Calma, estejam com atenção. Estão de acordo com o Álvaro? Alunos: Sim. (Era notório que alguns alunos disseram sim só por dizer) Profª: Porquê? Alguns alunos: Porque 21 é 2. Falta colocar esse aí. Profª: Eu quando andei pelos grupos vi que muitos de vocês não tinham considerado o 21. Quanto à primeira pergunta alguém quer acrescentar mais alguma coisa? Alguns alunos (em coro): Queremos. Termina sempre em par. Profª: Se falarmos todos ao mesmo tempo não nos vamos entender. Para os que não perceberam, os colegas disse- ram que as potências de base 2 terminam sempre em número par. Vejam! (Indica no quadro) Do mesmo modo quando a base é 3 temos as terminações 3, 9, 7, 1, de novo 3, 9 , 7, 1 e assim por diante. Com as potências de base 5 e 6 verificava-se um fenómeno curioso. O último algarismo é sempre 5 ou 6. Um dos grupos apre- sentou mesmo a conjectura de que nas potências de base 5 o penúltimo algarismo é sempre 2. Profª: Vamos agora ver o que descobriram quanto às potências de base 5. Agora responde o grupo da Amélia. Sílvia: Termina sempre em 5. Daniel (alunos de outro grupo): E em 2. Profª: Como é que é? Calma, vamos ouvir o Daniel. A Síl- via diz que termina sempre em 5 e é verdade, não é? Mas o grupo do Daniel avançou mais qualquer coisa. A aprendiza- gem da prática da discussão por parte dos alunos é algo que leva o seu tempo. Histórias de investigações matemáticas 41 Daniel: A partir do 52 termina sempre em 25. Profª: Mais alguma coisa sobre as potências de base 5? A discussão decorreu de um modo bastante agradável. Tan- to a Irenecomo eu ficámos com a sensação que os alunos apresentavam as suas ideias com entusiasmo, manifestando uma compreensão muito razoável das questões propostas. Eles estiveram activos a trabalhar, a procurar descobrir coi- sas, chegaram a diversas conclusões e proporcionaram uma pequena discussão bastante animada. Pareceu-me que nesta discussão acabou por se ilustrar de modo bem sugestivo o conceito de conjectura. Esta aula reforçou-me a ideia da importância do binómio acção-reflexão na aprendizagem da Matemática. Muita acção sem reflexão por parte dos alunos rapidamente se torna cega e pouco produtiva. Reflexão ou discussão que não se baseie em acção corre seriamente o risco de se tor- nar forçada, artificial e ineficaz. Nesta aula, o binómio fun- cionou bastante bem, muito melhor do que a câmara de vídeo que, na verdade, não gravou nada que se pudesse aproveitar. A reflexão sobre o traba- lho feito neste tipo de aula permite per- ceber melhor o que é uma conjectura do que uma sim- ples explica- ção. O binómio acção - reflexão é fundamental no processo de ensino- aprendiza- gem. João Pedro da Ponte e Irene Segurado Histórias de investigações matemáticas 42 Matemática: Calcular ou pensar? Os quatro alunos preparavam-se para começar a trabalhar a ficha sobre potências que lhes tinha sido distribuída e apre- sentada. A Irene, a professora desta turma do 5º ano, de vez em quando faz trabalho de grupo e quando isso acontece estes alunos ficam sempre em conjunto. Pedi licença para me sentar junto deles e perguntei-lhes como se chamavam. Indicaram ser a Vânia, a Liliana, o Bruno e o João e este — o mais espevitado — perguntou também pelo meu nome. Tanto ele como o Bruno fizeram uma festa por estarem perante mais um João. As alunas, sentadas lado a lado, falavam por vezes uma com a outra mas em voz muito baixa. Na mesma mesa, eu mal conse- guia perceber o que elas diziam. Do outro lado, os rapazes faziam o mesmo. Começaram todos por tentar responder à questão número 1: 1. O número 729 pode ser escrito como uma potência de base 3. Para o verificar basta escrever uma tabela com as sucessivas potências de 3: 32 = 9 33 = 27 34 = 81 35 = 243 36 = 729 • Procura escrever como uma potência de base 2 64 = 128 = 200 = 256 = 1000 = A professora usa o trabalho de grupo quando o con- sidera adequa- do às tarefas propostas. Os alunos começam a trabalhar na tarefa cada um por si. Histórias de investigações matemáticas 43 • Que conjecturas podes fazer acerca dos números que podem ser escritos como potências de base 2? e como potências de base 3? Nas próprias fichas os alunos foram escrevendo 64 = 4096 128 = 16384 200 = 400000 256 = 65536 1000 = 1000000 Claramente tinham percebido que a tarefa tinha a ver com potências. Normalmente, nas tarefas com potências é dada a base e o expoente e procura-se saber qual o valor resultante. Talvez levados por esta sua experiência anterior interpreta- ram erradamente a questão. A minha agenda não era corri- gi-los de imediato, mas tentar perceber o melhor possível como é que eles estavam a pensar e como poderiam desco- brir o seu próprio erro. Deixei-os continuar mais um boca- do até que a certa altura perguntei: Mas então 64 é igual a 4096? Não perceberam o alcance da minha pergunta e res- ponderam 64 ao quadrado é 4096. Preparava-me para continuar com outras questões do mes- mo tipo quando a professora chegou ao pé do grupo e viu o que eles estavam a fazer. A sua agenda era claramente mui- to diferente. Tomou de imediato o comando das operações e questionou os alunos: Então, se aqui diz para escrever como potência de base 2, qual é a base? E qual é o expoen- te?. Chegou-se rapidamente à conclusão que 2 era a base, não o expoente. Mesmo assim reinava a atrapalhação. O João escreveu 64 x 2 = 128, evidenciando uma outra confu- são extremamente comum nos alunos. Finalmente, assenta- ram-se diversos pontos: Perante um pedido dife- rente do habi- tual, os alunos fazem uma leitura incor- recta da per- gunta e come- çam a traba- lhar numa direcção erra- da. Apesar disso, mos- tram possuir alguns conhe- cimentos sobre potên- cias. A agenda da professora é pôr os alunos a trabalhar de modo produ- tivo nas ques- tões propos- tas. Colocando questões, a professora ajuda os alu- nos a concen- trar a sua atenção nos aspectos essenciais da questão pro- posta. Histórias de investigações matemáticas 44 —a base é sempre 2; —o expoente é que varia. Isto levou a Vânia a escrever em coluna vários 2: 2 2 2 2 2 Eram as bases que ficavam assim à espera dos respectivos expoentes. A Vânia teve então uma ideia brilhante. Pegou na calculadora e introduziu 2 x x = = = tirando partido do factor constante. Foi com grande entusiasmo que viu apare- cer 64 e 128 e rapidamente concluiu que 26 = 64 27 = 128 Este entusiasmo rapidamente deu lugar a uma grande con- fusão quando perceberam que não podiam deste modo che- gar ao 200 nem ao 1000. Não dá! Não dá! gritava o João. A sua expressão era de incredulidade e espanto. Pareciam não acreditar no que viam. Como era possível uma questão pro- posta numa ficha de Matemática não ter solução?! Tendo presente as dificuldades encontradas para atacar a primeira questão, resolvi ajudá-los de pronto: Então nesse caso, o que temos de dizer é que não há nenhum número... Aceita- ram de bom grado esta sugestão e registaram-na nas suas fichas. Perguntei então que números achavam que nunca poderiam ser obtidos desse modo. Indicaram 20, 1000, 200, 30, 40, 50, números que foram registando nas suas fichas. Pergun- tei de novo se não podiam dizer isso de modo mais simples, ao que a Vânia respondeu Não há números que acabem em zero! Desafiei-os a mostrar que assim era e eles, usando o Escrever 642=64x2 é um erro extremamente frequente nos alunos. Os alunos conhecem o factor constan- te de aulas anteriores. O seu uso num novo contexto é uma acção criativa. Os alunos mostram grande surpre- sa por encon- trarem uma questão matemática “sem respos- ta” Tendo encon- trado uma res- posta certa, os alunos consi- deram errado Histórias de investigações matemáticas 45 factor constante, fizeram desfilar uma longa sequência de potências de dois nenhuma das quais terminava em zero. Estabelecida a conclusão, pegaram nas borrachas e com força desataram a apagar a sequência 20, 1000, 200, 30, 40, 50 que já tinham escrito! Para eles a resposta correcta tinha passado a ser Não há números que acabem em zero e não fazia sentido deixar uma resposta incorrecta. Procurei dizer-lhes que o que tinham também estava bem, o que os deixou com um ar pouco convencido. Antes que dirigissem a sua atenção para a pergunta seguinte resolvi levá-los a pensar um pouco mais nas potências de base 2, perguntan- do se não podiam tirar ainda outras conclusões. Há potên- cias de 2 terminadas em 1? Em 3? Em 4? Foram assim registando que as potências de 2 terminavam em 4, 6, 8 ou 2 e nunca terminam em 3, 7 e 9 (não consideraram os casos de 0, 1 e 5). No intervalo a meio da aula (tratava-se duma aula de duas horas) as raparigas decidiram continuar a trabalhar enquan- to que os rapazes foram dar uma volta. É de referir que o Bruno, um dos rapazes do grupo, quase não falou o tempo todo. A certa altura, depois de ter falado um pouco com todos eles, resolvi formular-lhe directamente uma pergunta. O Bruno não respondeu. Insisti e ele voltou a não respon- der. Mudei de registo: Então não queres responder? Com ar desenvolto e natural, a Liliana meteu-se na conversa Ele é sempre assim, e os outros concordaram. Resolvi não insistir mais com o Bruno mas fiquei a pensar que deveria ser realmente difícil “dar-lhe a volta” e levá-lo a participar. Durante a maior parte do tempo, os alunos falavam de modocurioso. Sempre num tom bastante baixo, pareciam falar mais consigo próprios do que uns com os outros. A certa altura, no meio deste diálogos/monólogos, pare- ceu-me ouvir o João dizer duas ou três vezes “ponente” em ou sem inte- resse tudo o que tinham feito ante- riormente. Os alunos mostram-se capazes de produzir gene- ralizações. O professor pode incenti- var os seus alunos a tirar mais conclu- sões das situa- ções propos- tas. Os alunos conhecem-se muito bem uns aos outros. Histórias de investigações matemáticas 46 vez de expoente. Mas a ideia parecia estar certa, e para não quebrar o ritmo do trabalho, resolvi não intervir. A profes- sora teria mais tarde ocasião de corrigir a designação, se fosse caso disso. Na investigação realizada por este grupo houve um interes- sante momento de confusão. Procurando saber se há potên- cias de 2 terminadas em 1, a certa altura deslocaram a per- gunta para saber se há potências de 2 que tenham o 1 e a resposta foi afirmativa: 128. E escreveram na ficha — entre as potências de 2, algumas podem terminar em 1. É um exemplo curioso em como no decurso duma investigação uma pergunta se transforma noutra mas a resposta é regis- tada como válida para a pergunta inicial. Na utilização do factor constante para as potências de 3 a certa altura aconteceu algo inesperado. Ao produzir uma longa sequência, a Vânia obteve 14348907, 43046721, e até aqui tudo bem, mas depois 1.2914016E, ou seja algo que aparentemente é um número terminado em 6. Fiquei um bocado embaraçado em explicar o sucedido. Verificá- mos que, continuando a carregar na tecla do =, já não se alterava o número. Sugeri então que a máquina tinha “blo- queado” e já não dava resultados correctos. Aceitaram a minha justificação e não incluíram o 6 entre as possibilida- des de último algarismo de uma potência de 3. Na verdade, tinha pensado que a máquina de calcular seria muito útil neste trabalho para calcular potências mas não me tinha ocorrido usar o factor constante. Muito menos tinha consi- derado o modo de explicar o problema dos limites da máquina neste aspecto a alunos deste nível etário. A observação do modo como os alunos trabalharam sugere que se passam imensas coisas no trabalho de um grupo de que dificilmente nos podemos aperceber quando a nossa preocupação é atender a todos os grupos e ajudá-los a No decurso duma investi- gação é posi- tivo que sur- jam novas questões. As respostas podem sair erradas se o aluno perde de vista a questão a que está a responder. O professor tem de alertar os alunos para os limites da máquina de calcular. Histórias de investigações matemáticas 47 avançar. A intervenção da professora foi decisiva para des- bloquear os alunos e levá-los a perceber que tipo de respos- ta teriam que dar. Mas uma presença menos interventiva junto do grupo mostrou aspectos importantes e por vezes pouco valorizados do modo como os alunos trabalham — a ideia que em Matemática todas as questões têm uma res- posta óbvia, a preocupação em só deixar registado o que está certo, o saltar de questão para questão. Por vezes os alunos “respondem certo à questão errada”. O que nos dei- xa com uma questão: como poderá o professor ganhar consciência destas questões no meio da turbulência da sala de aula? Conseguir tempo para ouvir os alu- nos é decisi- vo para com- preender o seu modo de pensar e as suas verda- deiras difi- culdades. João Pedro da Ponte Histórias de investigações matemáticas 48 Números quadrados e triangulares Para a professora Maria, aspectos decisivos da disciplina de Matemática são a aprendizagem de conceitos e a sua aplicação. Aceitou com agrado a proposta de realização de um conjunto de quatro tarefas de investigação numa das suas turmas de Matemática, com quem tem uma boa relação. Referiu que os alunos da turma escolhida eram muito interessados e trabalhadores, embora alguns reve- lassem dificuldades de aprendizagem. Neste episódio conta-se a história de uma aula que decor- reu em Junho de 1996. A professora escolheu a tarefa intitulada Números quadrados e números triangulares que tinha sido originalmente pensada para alunos mais velhos. Como os seus alunos eram do 5º ano foi necessá- rio introduzir-lhe algumas alterações. A Tarefa 1. Os números quadrados podem “escrever-se” formando quadrados. Por exemplo: • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 1 4 9 16 25 36 • Descobre um processo rápido de descobrir se um número qualquer é quadrado e regista-o na tua folha de trabalho. A professora dá especial atenção à aprendizagem de conceitos e à sua aplica- ção. A professora mostra dispo- nibilidade para experimentar a realização de tarefas de investigação, preocupando- se com a adap- tação das ques- tões ao nível etário dos seus alunos. Histórias de investigações matemáticas 49 2. Os números triangulares podem “escrever-se” formando triângulos. Por exemplo: • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 1 3 6 10 15 21 • Escreve os cinco números triangulares que se seguem ao 21. • Investiga um processo rápido de descobrir se um número qualquer é triangular ou não. • Regista as tuas conclusões. Na opinião da professora, esta tarefa é completamente dife- rente daquilo que os alunos estão habituados a fazer. Segundo ela esta diferença não residia tanto na actividade em si, mas na sua apresentação, pelo facto de recorrer à representação geométrica dos números. E, sem que pudes- se perguntar algo, acrescentou que por isso despertou mais dúvidas do que as tarefas propostas em aulas anteriores. Alguns alunos perguntaram: Mas o que é que são números quadrados? Quadrados como? Depois a dúvida maior sur- giu: como é que o 1 pode ser um número quadrado se na figura só aparecem círculos? A professora indicou que para os casos dos números quadrados seguintes foi mais fácil porque a apresentação sugeria exactamente que eram números quadrados, não é? Agora no 1, acho que a maior parte dos grupos falou nisso... fazia-lhes confusão que o 1 fosse um número quadrado. Como ultrapassar a questão? A dúvida era geral. A repre- sentação de círculos numa proposta que falava em quadra- dos parecia aos alunos realmente inapropriada! Mas os cír- culos não impediram que os alunos visualizassem e A professora reconhece que uma tarefa que se apresenta diferente do habitual tem dificuldade em ser reconhecida pelos alunos suscitando-lhes múltiplas per- guntas. Histórias de investigações matemáticas 50 aceitassem que os restantes números representados nas suas fichas fossem números quadrados. A verdadeira ques- tão, a verdadeira dúvida era o 1! Como o 1 despertava dúvidas passámos para o 4 e para o 9. Construíram outros números quadrados a seguir ao 36. Construíram o 49 e o quadrado respectivo e depois foi mais fácil perceberem que o 1 também era um número quadrado! Descobri- ram que multiplicador e multiplicando tinham que ser iguais. Assim, o 1 também é um número qua- drado, porque se obtém através do cálculo do produto 1x1. A dúvida foi assim ultrapassada, não tendo nenhum dos alunos levantado qualquer outra questão em torno do número 1. Mas como obtiveram os alunos os números quadrados que se seguem ao 36? De início, a maior parte dos alunos não se apercebeu de que bastava calcular um produto de dois factores iguais para obter um número quadrado. Pode ler-se a seguinte conclusão na folha de uma das crianças: em cada quadrado tem que se pôr mais uma bolinha na verti- cal e na horizontal. Tomaram como ponto de partida o 36 e depois acrescentaram mais uma coluna e mais uma linha para descobrirem o número seguinte. Mas parece que nem todos necessitaram fazer a representação dos círculos para concluírem que, por exemplo, o 100 também era um núme- ro quadrado: O grupo do Luís começou logo no 10x10. Pensa- ram no 100 uma vez que viram que os factores tinham que ser iguais. Mas houve grupos que fize- ram mesmo assim, que foram acrescentando ao princípio, mas depois conseguiram... foi logo ime- diato... mas no princípio acrescentaram mais uma coluna e mais uma linha para descobrirem o número seguinte. A exploração de outros casos, sugerida pela professora, levou à desco- berta da regra geral, e desta à aceitação do caso particular. Os alunos usa- ram estratégias diversificadas para estabelece- rem uma lei de formação da sequência pro- posta. Histórias de investigações matemáticas 51 Estando a trabalhar com produtos de dois factores iguais, os alunos utilizaram as potências de expoente dois? Para a professora, o conceito de potência, dado a conhecer cerca de dois meses antes, parecia não estar presente: Não sur- giu, não estava presente na cabeça deles e não o fizeram, mas descobriram que realmente tinha que ser um produto de dois factores iguais. A questão 1 tinha sido respondida. E agora, o que se terá passado com os números triangulares? Em relação aos triangulares foi mais complicado, porque começaram por acrescentar uma bolinha de cada lado... e depois já não batia certo. Depois é que viram que na linha de cima tinha que ter sempre menos uma bolinha do que na linha de baixo. Apa- garam muito... Fizeram! Depois apagaram! Torna- ram a fazer! Mas depois lá conseguiram fazer tudo direitinho, porque viram que teriam que tirar sem- pre uma bolinha à medida que iam subindo. E depois descobriram os números seguintes! Surgiu então uma descoberta espantosa para alunos tão pequenos. Tentaram escrever, talvez à semelhança do que haviam feito para os números quadrados, os números que iam obtendo como produto de dois factores, mas agora de dois factores diferentes. Para o 28, que se segue ao 21, representado na ficha, escreveram 4x7, para o 36, 4x9. Depois igualaram o 55 a 5x11 e o 66 a 6x11. Aceitaram que a seguir ao 6x11 viria o 6x13, mas já não o comprova- ram através do cálculo do número triangular seguinte. Não comprovaram. O grupo da Filipa e da Andreia só disse que se é o 6x11 a seguir tem que ser o 6x13. E tiraram uma conclusão: Os alunos ten- dem a recorrer muito mais a processos intui- tivos e infor- mais do que a usar conceitos formais. A professora valoriza a per- sistência dos alunos na reso- lução da nova tarefa. Histórias de investigações matemáticas 52 Todos os números do multiplicador são ímpares e os do multiplicando representam-se duas vezes. Está um bocado confuso mas percebe-se a ideia. Acho que este grupo foi aquele que conseguiu che- gar mais longe. Segundo a professora, os alunos foram mais longe nas suas descobertas na resposta à segunda questão da proposta de trabalho relativa aos números triangulares. Neste caso con- seguiram estabelecer uma relação entre esses números que a professora não esperava, tal como ela própria reconhece. Repare-se que a sequência de números triangulares se obtém recorrendo à soma dos n primeiros termos de uma progressão aritmética: ( )n n + 1 2 . Quando o número triangu- lar é de ordem ímpar isto representa n n + × 1 2 . Quando é de ordem par representa ( )n n 2 1× + . Não seria de esperar que os alunos chegassem à dedução destas fórmulas. Mas eles conseguiram, sem dúvida, arran- jar um processo rápido de gerar números triangulares. Admirável! Esta tarefa foi bem aceite pela professora que admite vir a utilizá-la em anos futuros com outros alunos. O facto de se poderem trabalhar os números quadrados e os números triangulares parece surgir-lhe como algo lógico. O estudo dos números quadrados abriu a possibilidade de uma abor- dagem mais rica no estudo dos números triangulares. Claro que os alunos sentiram dificuldades que foram ultra- passadas pelo acompanhamento constante da actividade por parte da professora. Afirma que não podem ser deixa- dos sozinhos e que o seu papel é o de orientadora. Não se vê como a personagem que define as Os alunos escreveram produtos de factores dife- rentes e desco- briram nesses produtos regu- laridades que correspondem à soma dos pri- meiros n termos de uma pro- gressão aritmé- tica. A professora admite vir a propor de novo esta tarefa no futuro. O apoio dado pela professora aos alunos é fundamental: assume o papel de orientadora. Histórias de investigações matemáticas 53 regras do jogo ou que traça os caminhos. Ajuda a ultra- passar dificuldades, motiva e incentiva os seus alunos na realização das tarefas que lhes propõe. A preparação desta aula não envolveu uma planificação rígida. Nem isso podia acontecer, afirma. Na sua opinião algumas dificuldades podem prever-se, mas não todas. Há que deixar aberta a possibilidade de sermos surpreendidos. Os alunos surpreenderam-me, foram eles que construíram a aula, não fui eu. E neste caso esta constatação revelou-se extremamente acertada: a dificuldade dos alunos em lida- rem com um enunciado diferente do habitual, aliada à difi- culdade em aceitarem o 1 como número quadrado, são evi- dências disso. Mas também foi evidente que a forma como a professora ultrapassou e resolveu a complicação surgida resultou depois na descoberta de relações que nem mesmo ela esperava em alunos tão jovens. O seu contentamento e até um certo orgulho ficaram bem espelhados ao relatar as descobertas dos alunos. Do mesmo modo, a professora reconhece às tarefas inves- tigativas a capacidade de desencadearem processos de raciocínio muito úteis à aprendizagem da Matemática: podem consolidar conceitos previamente adquiridos; envolver questões que não foram pensadas pelo professor, introduzindo necessariamente uma componente investiga- tiva que caracteriza a disciplina e que a aproxima da vivên- cia dos matemáticos. E uma certa insegurança que possa resultar do carácter aberto deste tipo de tarefa não foi sufi- ciente para impedir a sua realização. Tanto a professora como os alunos lidaram bem com as dúvidas e as dificul- dades surgidas. É evidente nesta professora o gosto em trabalhar com os seus alunos, gosto que facilmente se reconhece na As tarefas de investigação oferecem a grande possibi- lidade de sur- preenderem a professora e os alunos. As tarefas de investigação potenciam pro- cessos de racio- cínio valoriza- dos no actual ensino/ apren- dizagem da Matemática. Histórias de investigações matemáticas 54 sugestão que dá para o futuro: estas tarefas devem ser ela- boradas tanto pelos professores como pelos seus alunos, numa relação de colaboração e de trabalho conjunto. Assim poderão abrir-se novas perspectivas ao ensino e à aprendizagem da Matemática. O professor não deve, na sua opinião, trabalhar isoladamente. A troca de experiên- cias deverá ser constante ao longo da sua vida profissional. A professora considera que as tarefas podem resultar do trabalho conjunto entre professor e alu- nos. Maria Helena Cunha Histórias de investigações matemáticas 55 Contra factos não há argumentos A professora Ema tem uma experiência de docência de 2º Ciclo do Ensino Básico de sete anos. É uma pessoa muito exigente consigo mesma com a necessidade que sente de ser objectiva e correcta, tanto quando ensina Matemática como quando ensina Ciências da Natureza. No que respeita à sua relação com aMatemática, diz gos- tar da disciplina e de a ensinar. No entanto, as demonstra- ções não são nem foram vez alguma a sua predilecção. Admira-se que o possam ser para outros, mas admira-os também pelo hábito e gosto bizarros que possuem. Sugeriu para a realização de uma tarefa de investigação na turma do 5º D. Os seus 27 alunos revelam-se geralmente interessados. Esta história foi construída a partir do relato de uma aula, feito pela professora, onde foi resolvida e explorada a tare- fa intitulada Explorações com números: • Procura descobrir relações entre os números que se seguem: 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 ... ... ... ... • Como sempre, regista as conclusões que fores obten- do. Em ocasiões anteriores esta professora já havia manifes- tado grande entusiasmo no relato dos sucessos A professora sente-se bem na profissão pro- curando ser exigente consi- go mesma. Histórias de investigações matemáticas 56 passados com os seus alunos a propósito desta ou daquela ocorrência. No entanto, e apesar deste ser o seu registo mais breve, é também, e talvez, o mais sentido. A aula iniciou-se com a introdução da tarefa por parte da professora. Distribuiu os enunciados pelos alunos e começou por dar algumas indicações acerca do modo como deveriam proceder e, ainda não tinha dado as indi- cações, já eles estavam a dizer - já descobrimos, já des- cobrimos o que se passa aqui!, referiu. A impaciência latente dos alunos, a ansiedade e a vontade de comunicarem as suas descobertas dificilmente pode- riam ser maiores. Perante tão impetuoso início a professora lembrou que havia que ter calma, que tinham que ouvir as suas indica- ções para que não tivessem que a chamar aos seus lugares a todo o momento: acalmaram um pouco. As indicações continuaram. A tendência deles é, assim que começam a trabalhar em grupo, chamarem-me, explicou. A pressa dos alunos em relatarem as suas descobertas à professora e aos colegas era grande: começaram logo por descobrir as colunas dos ímpares e dos pares. Uma conclusão muito engraçada, [diz a rir] foi a de alguns alunos ao dizerem que os números iam de 4 em 4, só que não viram que realmente as colunas começa- vam no zero e iam até ao três ... 0, 1, 2, 3. Logicamente, se haviam 4 colunas, iam de 4 em 4! Uma outra conclusão que tiraram, quase de imediato, foi a de que os números iam de 3 em 3 numa oblíqua [da direita para a esquerda] e de 5 em 5 na outra [da esquerda para a direi- ta]. Eles diziam - há o 3 ... do 3, 6, 9 e 12. Pas- saram logo o traço! Assim que os alunos lêem o enunciado começam de imediato a anunciar as suas descober- tas. A professora fornece indi- cações que julga necessá- rias para a rea- lização da tarefa. As descober- tas dos alunos surgem em catadupa. Histórias de investigações matemáticas 57 Outras descobertas iam surgindo. A dado momento, a professora apercebeu-se de que um dos grupos parecia fazer referência à localização dos qua- drados perfeitos. No entanto, não existia consenso entre os alunos. A dificuldade parecia residir numa identificação entre quadrados perfeitos e potências de base 2. A discus- são acesa entre os elementos do grupo continuava e não se adivinhava possibilidades reais de consenso. Foi então que a professora sentiu ter chegado o momento de intervir colocando-lhes questões que os levassem a ultrapassar as dificuldades encontradas: Aí tive de ajudar para aquilo que pretendia. Pedi-lhes que pensassem e que experimentas- sem as potências de expoente 2, e que as com- parassem com as potências de base 2. Eles foram tentando, descobriram, colocaram qua- dradinhos nos quadrados perfeitos mas, entre- tanto, não descobriam nenhuma relação. Ape- nas um grupo de dois é que descobriu que esta- vam numa coluna, na primeira e na terceira. E uma relação engraçada que eles encontraram, que eu na secretária estava também a tentar ver... é que, por exemplo, no quadrado do dois elevado a um dava dois, depois dois ao qua- drado dava quatro, depois nove, portanto era assim [hesita um pouco], deixa cá ver se eu me recordo, eu disse mal, era só entre a primeira e a segunda colunas que estavam os quadrados perfeitos, e o que eles descobriram, o que eu pensei que nenhum deles iria descobrir, foi que na primeira a diferença entre um quadrado perfeito e o outro há um elemento, mas na segunda coluna já há dois números que sepa- ram, depois... três, e é sempre intercalado, vai da primeira para a segunda coluna. A professora apercebe-se do impasse e da dúvida dos alunos. A professora apoia os seus alunos durante a realização da tarefa para que lhes seja possível con- tinuar. A própria pro- fessora desco- bre relações em que ainda não tinha pen- sado. Histórias de investigações matemáticas 58 Chegada a parte final da aula chegou também a fase em que era necessário dar a conhecer aos colegas as conclu- sões dos vários grupos: sabia quem é que tinha mais con- clusões do que os outros e então na turma pedi para que as comunicassem aos colegas! A professora considera que esta parte da aula foi impor- tante, repleta de descobertas feitas por alguns dos grupos enquanto ouviam as referências dos outros colegas. Simul- taneamente, tentavam encontrar nas suas folhas evidências das relações que ouviam existir. A comunicação foi tão dialogada que acabou por ser também uma aventura de descoberta, na sua opinião. Esta era já, e pelo menos, a terceira proposta de investiga- ção e de descoberta desenvolvida com os seus alunos desta turma. A professora referiu ter mantido a metodologia de trabalho por pares por tornar o trabalho mais rápido e por ser mais cómodo dado o modo como as mesas se encon- tram dispostas nas salas de aula. Na sua perspectiva, os alunos gostam deste tipo de activi- dades: vê-se logo que eles estão preparados para traba- lhar. É o aluno não pacífico mas activo! No entanto, a professora mostra algumas reservas relativas à realização de várias aulas seguidas com actividades que considera de descoberta: eu gostava de verificar agora, na sequência de muitas actividades deste género, se eles iam saturar-se ou não. Penso que se vão cansar. Vão ansiar por coisas mais pacatas! Refere existirem turmas em que a descoberta resulta de imediato, mas mesmo na mesma turma há casos em que se nota perfeitamente quem tem já um raciocínio mental mais rápido, por exemplo, uma boa aluna, certinha, não conseguia relacionar as coisas, descobria casos pontuais mas não os conseguia relacionar, enquanto outros alunos não tão certinhos relacionavam imediatamente! O relato das conclusões dos grupos tem um tempo próprio na aula. A importância dos períodos de discussão é acentuada pela professora: o diálogo final acaba por se tornar num momento importante de descoberta. A professora procura a for- ma mais ade- quada de organizar o trabalho dos alunos. A professora mantém algu- mas reservas sobre a atitude dos alunos quando lhes são propostas demasiadas aulas de investigação. Para a profes- sora, as acti- vidades inves- tigativas pos- sibilitam a participação dos alunos com mais Histórias de investigações matemáticas 59 No que respeita às actividades de investigação, a sua opi- nião é a de que se perde mais tempo para avançar no pro- grama do que com as outras actividades regulares e habi- tuais. Nota-se que há um certo impasse, mas que é mais compensador para o aluno e para o professor, eu acho que é! A professora mostrou bastante preocupação quando, no início da primeira tarefa que realizou, se viu confrontada com a necessidade de que os seus alunos utilizassem a máquina de calcular. Agora já deixo que utilizem a máqui- na de calcular para tudo, afirma. Eu já lhes disse - tragam sempre! - Para já,não estamos nas expressões numéricas! Já não me interessa muito o cálculo. Eu parto do princí- pio que já está adquirido! A preocupação com o cálculo continua, no entanto, laten- te: tenho consciência que muitos não sabem fazer o algo- ritmo da divisão, e tento esquecer isso! A vantagem do uso da calculadora começa a ser um dado adquirido? Nas suas próprias palavras, é um avanço incrível! A incerteza, a indecisão e a dúvida mantêm-se! Que opções fazer? Deixar ou não deixar que os alunos utilizem a máquina de calcular? Mas também é falsear resultados, porque o cálculo não está lá, não está lá! E eu sei que eles não sabem, muitos deles nem a tabuada sabem, mas avança-se ... e aí, aí é que se nota um grande avanço ao nível da descoberta. E eu já questionei mesmo os alunos. Porque é que eles gostam daquelas actividades? E a resposta deles surgiu prontamente: - Porque nós esta- mos a descobrir!- aí está, contra factos não há argumentos! fraco aprovei- tamento. Para a profes- sora, as tarefas de investiga- ção necessi- tam bastante tempo afec- tando o cum- primento dos programas. O cálculo é uma preocu- pação cons- tante da pro- fessora. A professora mostra-se indecisa quan- to ao papel da calculadora nas aulas de Matemática, mas está sen- sível à adesão dos alunos às actividades de descoberta. Maria Helena Cunha Histórias de investigações matemáticas 60 Uma investigação em grande grupo A tarefa que me propunha apresentar, a uma das minhas turmas do 5º ano, era de carácter investigativo e estava relacionada com os múltiplos de um número, conteúdo que me encontrava a leccionar. Os alunos iriam trabalhar em pequenos grupos, como lhes era habitual neste tipo de acti- vidade. A tarefa era a seguinte: • Escreve em coluna os 20 primeiros múltiplos de 5. • Repara nos algarismos das unidades e das deze- nas. Encontras algumas regularidades? • Investiga agora o que acontece com os múlti- plos de 4 e 6. • Investiga para outros números. Ao entrar na sala de aula reparei que os alunos se encon- travam um pouco agitados, devido talvez ao belo dia que se fazia sentir e à proximidade das férias. A arrumação do material que se encontrava sobre as mesas e a mudança de lugar dos alunos, o que nesta turma se torna necessário para a realização do trabalho em grupo, poderia levar a uma agitação ainda maior. De modo a não agravar este problema decidi mantê-los nos seus lugares. Procurei agarrar de imediato os alunos. Coloquei-me junto do quadro e pedi que me indicassem os múltiplos de 5. Em simultâneo fui-os registando. 0 5 10 15 20 Para conseguir mais rapida- mente envol- ver os alunos no trabalho, a professora opta por man- tê-los nos seus lugares habi- tuais. A professora procura que os alunos se con- centrem na tarefa, intera- gindo consigo. Histórias de investigações matemáticas 61 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 90 95 Questionei-os de seguida quanto ao que se passava de inte- ressante e curioso com os algarismos das unidades e das dezenas. A Tatiana levantando o braço respondeu prontamente: o algarismo das unidades é sempre 0 ou 5, o que foi aceite pelos colegas, ecoando pela sala: é sempre 0; 5, 0; 5... Mais? — estimulei-os. O algarismo das dezenas repete-se: 0-0, 1-1, 2-2; 3-3..., afirmou o Octávio com um ar feliz. Encontrava-me a assinalar no quadro, com giz de cor, estas duas afirmações de modo a que todos verificassem a sua veracidade quando o Carlos, com uma certa agitação, me interrompeu, descobri mais uma coisa... posso ir ao qua- dro explicar? Pedi-lhe que esperasse um pouco de modo a terminar o meu registo. Acedeu, não deixando de comuni- car aos seus colegas mais próximos a sua descoberta. Já no quadro, unindo os números com o giz, o Carlos explicou: O 0 com o 5 dá 5, o 0 com o 0 dá 0, o 1 com o A professora incentiva os alunos à des- coberta de regularidades. Um dos alu- nos interrom- pe a professo- ra para dar a conhecer a sua descoberta. A professora pede ao aluno para ir ao qua- dro explicar o seu raciocínio aos colegas. Histórias de investigações matemáticas 62 5 dá 6, o 1 com o 0 dá 1, o 2 com o 5 dá 7, o 2 com o 0 dá 2, o 3 com o 5 dá 8, estão a perceber? Há uma sequência. Dá 5, salta um, dá 6, salta um, dá 7... ou dá 0, salta um, dá 1, salta um, dá 2... 0 0 1 1 2 2 3 3 0 5 0 5 0 5 0 5 5 0 6 1 7 2 8 Satisfeita, pois já tinham sido ultrapassadas as minhas expectativas, pedi que investigássemos o que se passava com os múltiplos de 4, que coloquei numa coluna ao lado dos múltiplos de 5. 0 0 5 4 10 8 15 12 20 16 25 20 30 24 35 28 40 32 45 36 50 40 55 44 60 48 65 52 70 56 75 60 80 64 85 68 90 72 95 76 Rapidamente, a quase totalidade dos alunos respondeu em coro: terminam sempre em 0, 4, 8, 2, e 6. Descobriram A professora encoraja os alunos a alar- garem a inves- tigação a um novo caso. Histórias de investigações matemáticas 63 ainda que: termina sempre em número par, o algarismo das dezenas repete-se 2 vezes, 3 vezes, alternadamente, o algarismo das dezenas que se repete três vezes é sempre par e o que se repete duas vezes é sempre ímpar. Os alunos que a princípio se encontravam mais passivos, foram-se animando com as descobertas dos colegas mais afoitos, mostrando também eles grande entusiasmo na pro- cura de regularidades. Após alguns momentos de procura sem resultados, e por terem sido descobertas todas as regularidades a que eu própria tinha chegado em casa, propus que fossemos inves- tigar o que se passava com os múltiplos de 6. Coloquei-os paralelamente aos múltiplos de quatro — por nenhuma razão pré-estabelecida, mas simplesmente para não perder tempo com o apagar do quadro. 0 0 0 5 4 6 10 8 12 15 12 18 20 16 24 25 20 30 30 24 36 35 28 42 40 32 48 45 36 54 50 40 60 55 44 66 60 48 72 65 52 78 70 56 84 75 60 90 80 64 96 85 68 102 90 72 108 95 76 114Os alunos dão a conhecer as suas descober- tas. A professora observa que mesmo os alu- nos mais pas- sivos se entu- siasmam na procura de regularidades. A professora propõe que se proceda á investigação de regularidades num novo caso. Histórias de investigações matemáticas 64 As descobertas surgiam agora em catadupa e não havia aluno que não se empenhasse em dar a sua contribuição, o que me dificultava, por vezes, o registo e a sistematização: O algarismo das unidades é sempre 0, 6, 2, 8 e 4. O algarismo das unidades é sempre um núme- ro par. O algarismo das dezenas não se repete de 5 em 5. Fui refreando esse entusiasmo com pedidos e exclama- ções: Calma! Vamos verificar se o que o colega afirmou é verdade; Atenção; Vejam!; Olhem que interessante o que o colega descobriu! A Sónia de repente afirmou: São os mesmos algarismos que para os múltiplos de 4. E mesmo antes desta afirma- ção fazer sentido para mim já a Vânia declarava: Estão é por outra ordem. Percebi então que estavam a comparar os múltiplos de 4 e 6, o que expliquei à turma. Começa na mesma por zero, constatou o Pedro que neste dia se encontrava bem acordado. Os outros algarismos estão ao contrário, referiu a Ana. Há múltiplos de 4 que também são múltiplos de 6. Os múltiplos de 6 a partir do 12, são alternadamente tam- bém múltiplos de 4. ... As descobertas vinham agora como as cerejas, umas atrás das outras, ultrapassando todas as minhas expectativas quanto às respostas que os alunos dariam. Eu não tinha previsto a hipótese de comparar os múltiplos dos diferen- tes números, pois nunca os colocara em paralelo. Vivi por isso as suas descobertas com enorme entusiasmo. Um alu- no mais perspicaz observou: A Os alunos par- ticipam de uma forma dinâmi- ca no relato no relato de con- clusões. A professora sugere que os alunos organi- zem a sua par- ticipação na discussão. Uma aluna descobre outras relações e a professora ajuda a relatá- las à turma. As expectati- vas da profes- sora são lar- gamente ultra- passadas pela participação dos alunos. Histórias de investigações matemáticas 65 professora está muito contente connosco não está? E esta- va! O registo feito no quadro proporcionou uma nova aborda- gem da tarefa. Além disso, o ter trabalhado com o grande grupo levou a que o contributo de um dado aluno fosse ‘agarrado’ por todos os seus colegas, conduzindo a um maior número de descobertas. Para mim, o trabalho de grupo é o que melhor se adequa à realização de actividades de investigação/exploração. O trabalho em pequeno grupo permite atingir objectivos que dificilmente serão alcançados com o trabalho individual ou com o trabalho em grande grupo: cooperação, inter-ajuda, trabalho em equipa, organização. Dá ainda espaço para reflectir sobre as ideias dos outros e para explicar e verifi- car o seu raciocínio. No entanto, a realização de uma tarefa de investigação/exploração com toda a turma (experiência realizada pela primeira vez), parece-me ter tido o mérito de permitir um alargamento das descobertas. A estratégia uti- lizada por um aluno, para uma dada descoberta, é utilizada por um maior número de colegas para gerar novas desco- bertas. Esta estratégia permitiu ainda que os alunos assu- missem individualmente as suas intervenções, o que é bas- tante importante para o processo de ensino-aprendizagem. Esta tarefa, talvez por ter a ver com a investigação de regu- laridades simples, resultou plenamente numa aula de carác- ter colectivo — muito para além das minhas expectativas mais optimistas. A professora reconhece que a interacção entre os alu- nos estimula- os a descobri- rem novas relações. A professora argumenta acerca da ade- quação do tra- balho de gru- po à realização de tarefas de investigação. A professora indica como o trabalho em grande grupo também pode ser usado para trabalhar tare- fas de investi- gação. Maria Irene Segurado Histórias de investigações matemáticas 66 E se os alunos seguem caminhos imprevistos?... Era uma quarta-feira igual a muitas outras, mas eu sentia- me ansiosa por ir dar a aula aos meus alunos do 6º D. Antevia que esta iria ser um ‘sucesso’. A tarefa que tinha preparado parecia-me ser bastante aliciante e, pelo que conhecia dos meus alunos, previa que estes iriam sentir o mesmo prazer que eu sentira, na véspera, ao explorá-la. A tarefa, cujo título era Exploração com números, consis- tia no seguinte: Procura descobrir relações entre os números da figura 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 ... ... ... ... Como sempre, regista as conclusões que fores obten- do. Já na aula, dei aos alunos pequenas ‘dicas’ sobre o que poderiam tentar observar (regularidades, como se compor- tam na figura: múltiplos, divisores, números primos, qua- drados perfeitos...) e todos os grupos começaram anima- damente a trabalhar. Não era a primeira vez que eram con- frontados com tarefas de investigação/exploração e por isso mesmo tinham entendido o que se pretendia. Contudo, continuei a ser solicitada constantemente pelos grupos, não com o intuito de tirar dúvidas, mas para me revelarem as descobertas feitas (em segredo, não fosse o grupo do lado ouvir e estragar-lhes o ‘brilharete’ na hora da discussão!). A professora sente-se entu- siasmada com a tarefa a pro- por aos alu- nos. A professora dá algumas sugestões sobre aspes- tos a observar na situação proposta. Os alunos tra- balham em grupo, evi- denciando grande entu- siasmo. Histórias de investigações matemáticas 67 Várias descobertas foram surgindo: Nas diagonais da direita para a esquerda os números crescem de 3 em 3 unidades, da esquerda para a direita de 5 em 5 unidades. A tabuada dos 2 encontra-se na primeira e ter- ceira coluna. A tabuada dos 6 encontra-se na primeira e ter- ceira coluna saltando sempre dois números. Os números primos estão nas colunas ímpares, incri- velmente o 2 está numa coluna par. ... Em dado momento, o grupo do Bruno, Ricardo, Cândido e Pedro chamou-me, mostrando grande entusiasmo. Haviam conjecturado (palavra usada pelos próprios alunos) que se os números se encontrassem arrumados em quatro colunas, na primeira coluna teriam a tabuada dos 4; se estivessem arrumados em 5 colunas teriam na primeira coluna a tabua- da dos 5; se estivessem arrumados em 6 teriam a tabuada dos 6, o que já tinham verificado. Veja-se: 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 ... ... ... ... ... 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 ... ... ... ... ... ... A professora é frequente- mente solici- tada pelos alunos para lhe revelarem as suas des- cobertas. Os alunos identificaram várias regula- ridades. Um grupo estuda o que acontece quando se altera o número de colunas, for- mulando as suas conjectu- ras. Histórias de investigações matemáticas 68 Este mesmo grupo tinha ainda descoberto que: Nas diagonais da esquerda para a direita os números crescem uma unidade em relação ao número de colunas e nas diagonais da direita para a esquerda decrescem uma unidade. Notava-se claramente terem achado mais aliciante investi- gar o que acontecia quando a arrumação dos números se modificava, do que descobrir as relações existentes entre os números apresentados na figura da ficha. Fiquei um pouco apreensiva quanto ao que fazer. Uma possibilidade era deixá-los continuar mesmo que na hora da discussão não estivessem em sintonia com os colegas. Uma actividade de investigação não é mesmo isso, ir para além do que é previsível? Outra possibilidade era encami- nhá-los novamente para a tarefa apresentada. Nesse caso, não seria grande o risco de lhes cortar o prazerque esta- vam a ter naquele momento? Durante algum tempo, fui deixando que seguissem o cami- nho escolhido, embora a validação das suas descobertas me demorasse um pouco mais (não havia pensado neste tipo de exploração em casa), o que perturbava de certo modo o meu acompanhamento ao resto da turma. A hora da discussão aproximava-se. Eu sabia que a ‘rique- za’ do trabalho deste grupo não seria entendida pelos cole- gas se deixasse que a sua divulgação fosse feita ao mesmo tempo que a deles, pois estes estariam demasiado envolvi- dos pelo estrutura da tarefa que lhes havia sido apresenta- da. Pensei, então, que a melhor maneira de valorizar o tra- balho destes alunos era dar-lhes um espaço para comunica- rem à turma a sua pequena investigação, o que só seria possível numa próxima aula. Um grupo escolhe uma direcção de trabalho dife- rente da dos restantes, gerando assim um dilema à pro- fessora. As exigências de acompa- nhamento de uma activida- de diferente colocam um novo desafio à professora na gestão da aula. A professora organiza o momento des- tinado à dis- cussão dos resultados. Histórias de investigações matemáticas 69 Com alguma pena, dirigi-me então ao grupo, pedindo- lhes que não se esquecessem de pensar também um pouco sobre a figura inicial. Prometi-lhes que iriam ter oportunidade de comunicarem aos seus colegas a sua investigação. No início da aula seguinte dei a palavra ao grupo. Foi o Bruno o escolhido para relatar a investigação feita no dia anterior. Os colegas da turma mostravam-se atentos. Uma mal disfarçada rivalidade impedia-os, no entanto, de se revelarem muito maravilhados com a descoberta. Contudo, pareceu-me, pelo modo como se comportaram na realização da tarefa seguinte e que lhes foi proposta pelo Bruno — Que acontece quando alteramos o número de colunas?, que tinham entendi- do que investigar era ir para além daquilo que lhes era pedido, era ter a liberdade de explorar outros cami- nhos não indicados na tarefa. Terminei a aula com um sentimento misto de realiza- ção e de preocupação. De realização porque os alunos tinham avançado no seu conceito de investigação, de preocupação pelo novo desafio que um dia terei de enfrentar: orientar uma turma em que grupos de alu- nos avançam, independentemente, em direcções muito diferentes nas suas investigações. A professora valoriza a possibilidade de os alunos explorarem uma tarefa de investigação em diversas direcções. Maria Irene Segurado Histórias de investigações matemáticas 70 Matemática por conveniência ?! Encontramo-nos numa aula do 8º ano. Os alunos, sentados em grupo, estão a iniciar o estudo das potências de expoen- te inteiro com base numa ficha que lhes foi entregue. Ati- ram-se com afinco às primeiras expressões numéricas apre- sentadas: 1. Recorda as regras do cálculo com potências e apli- ca-as sempre que possível às seguintes expressões: • 105 : 102 • 23 + 24 • 24 x 34 • 32 - 33 • (-12)6 : 26 • 3n x 2n • (-5)3 : (-5)3 • a5 : a5 A Teresa, a professora da turma, comenta, com algum orgulho, eles são bons nisso. Ultrapassam com facilidade as multiplicações e as divisões em que apenas se pode aplicar uma regra, derrapam ligeiramente na adição e na subtracção de potências e, finalmente, surpresa das surpre- sas, vêem-se perante uma potência de expoente nulo. Para alguns alunos não há grande problema porque consideram que (-5)0 é -5, para outros é zero mas, para alguns, é 1. Pois, tal como a professora retoricamente questiona em alguns grupos, como é que podia ser outra coisa se apli- cando a regra da divisão de potências com o mesmo expoente obtinham 13, que é 1? Os grupos avançam para a questão 2, esperando alguns deles que a professora venha arbitrar as divergências exis- tentes. 2. Nota que nos dois últimos casos da questão anterior podes aplicar tanto a regra do quociente de potências com a mesma base A professora manifesta confiança nas competências de cálculo dos alunos. A professora intervém para clarificar o significado matemático de uma nova designação. Histórias de investigações matemáticas 71 como a do quociente de potências com o mesmo expoente. • Que resultados obténs aplicando as duas regras? • Experimenta com outros exemplos idênticos aos anteriores. O que poderás concluir acerca do valor de a0? Uma das alunas, a Sara, perante a força dos argumentos do seu próprio trabalho, vê-se obrigada a responder que a0 é 1 mas, com uma enorme dose de cepticismo. Questiona-se sobre o significado de elevar um número a zero: Nós sabe- mos que 32 é 3 vezes 3, mas o que é ‘a’ elevado a zero? Não tem sentido! Pois é, não tem sentido! Como explicar a miúdos de 13/14 anos que as potências que até aqui eram, simplesmente, uma forma abreviada de escrever o produto de um certo número de factores iguais passem, agora, a ser outra coisa? Contudo, para alguns alunos isso não representa problema algum porque têm uma ferramenta poderosa para esclare- cer as dúvidas. Dá sempre 1, eu já sei experimentei com 500, e isso, e dá sempre 1, diz satisfeito o Rui. E justifica que é assim na sua calculadora, olhe aqui stôra, 39 elevado a zero dá ... 1, mostrando com visível satisfação o resulta- do. A professora questiona-os sobre a conclusão a tirar, uma vez que até ali o grupo dividia-se entre os que diziam que o resultado era zero e os que diziam que era 1. Profª: Então qual é a conclusão que tiram daqui? Aluno: Que qualquer número elevado a zero dá 1. Profª: Estão convencidos ou não? Alunos: Estamos. Profª: Aqui a máquina do Rui ajuda a tirar as conclusões. A aluna pro- cura integrar a nova designa- ção nos seus conhecimen- tos sobre potências. A calculadora é encarada pelos alunos como um ins- trumento faci- litador. A professora arbitra as divergências num grupo. Os alunos confiam nos resultados obtidos a par- tir da calcula- dora. Histórias de investigações matemáticas 72 A autoridade da máquina na confirmação dos resultados é inquestionável e por isso quem não tem uma calculadora científica sente alguma inveja dos colegas que as possuem: A minha máquina é uma porcaria não dá para fazer isso! afirma desconsoladamente a Mariana. Como se poderão contornar estas dificuldades aquando da discussão da ficha na aula seguinte? Trata-se de uma con- venção, afirma a professora, não há outra forma de expli- car. Pensámos, então, usar a dúvida da Sara para abanar as convicções dos que não foram tão críticos como ela. Chegou o grande momento! Os alunos já escreveram o sumário, sossegaram após o reboliço normal da entrada na sala. A professora refere então que vão conversar sobre a ficha do dia anterior mas que é necessário ordem nas suas intervenções, não podem falar todos ao mesmo tempo! E os alunos levaram a peito esta admoestação... Pelo menos, enquanto se conseguiram controlar. ‘É que às vezes é tão difícil esperar pela nossa vez quando achamos que temos mesmo a resposta para o colega do lado.’ A Vânia, por exemplo, a certa altura, impaciente por dar a sua opinião, e vendo que o Diogo se expressava com dificuldade, inter- rompe: Vânia: O que ele quer dizer ... Profª: O que ele quer dizer só ele sabe! Vânia: Pois. Profª: Então deixem-no falar. Continua Diogo! Voltemos então ao início da aula. A professora começa por tentar levar os alunos mais fracos a participar perguntando- lhes acerca dos aspectos que eles consideram mais impor- tantes desta ficha. Perante o silêncio desses alunos, ques- tiona-os: Já sabias tudo? Não surgiu nada de novo? Após alguma insistência da sua parte surgiram A professora interroga-se sobre a melhor forma de explicar o significadode ‘potência de expoente nulo’. Antes de ini- ciarem a dis- cussão da ficha, a pro- fessora dá indicações de como os alu- nos devem intervir. A professora insiste em questionar a turma sobre o significado de a0. Histórias de investigações matemáticas 73 algumas ideias e chegaram à conclusão de que a0 deveria ser 1. E agora era a ocasião crucial: Ninguém teve dúvidas em generalizar isto. Toda a gente concorda? ‘E se ninguém dissesse nada, Teresa? Como seria?’ Bom, mas disseram. A Sara expressa novamente a sua perplexi- dade: Eu não percebo. Como é que um número qualquer elevado a zero dá 1?. A professora não lhe responde e remete a questão para a turma: Quem é que quer convencer a Sara? Alguns alunos pensam que é tarefa fácil afirmando que a máquina diz que sim. A professora afasta a ideia de utilização da máquina e pede-lhes justificações. Muitos alunos querem participar e explicar como chegaram a essa conclusão utilizando as duas regras da divisão de potências. Enquanto vários alunos tentam explicar, a Joana estende o braço e assim continua por longos instantes à espera de dizer que, do seu ponto de vista, nada de novo se tinha acrescentado. Finalmente, vê chegar a sua vez: Stôra eu acho que ... Pronto, já provámos que quando o expoen- te é zero é igual a 1, mas eu também não estou propria- mente convencida. É entretanto interrompida pelo Diogo que começa a falar tendo o braço no ar. A professora inter- vém para que a Joana termine o seu raciocínio. A aluna retoma no ponto em que estava: Mas não se trata de estar convencida, trata-se que não tem sentido nenhum porque 45 vezes zero... Aí foi o descalabro total, os seus colegas não se podiam conter, ‘então a Joana não sabe que 450 não é 45 vezes zero?’ Claro que sabe, os colegas é que não sabem o que ela quer dizer. Mas ela explica: Joana: 452 é igual a 45 vezes 45, certo? Mas se não temos nenhum número (no expoente) se fizermos zero dá zero. Mariana: Eu também acho. Diogo: Então achas que 450 é o mesmo que 451? A professora remete a ques- tão da aluna para a turma. A professora alerta de que a calculadora não é um ins- trumento ade- quado para justificar a questão. A participa- ção desorga- nizada da turma leva a professora a intervir para que uma aluna conclua o seu raciocínio. A aluna repor- ta-se ao signi- ficado de potência que lhe é familiar para explicar a Histórias de investigações matemáticas 74 Joana: Não! E assume o ar de quem está farta de ouvir o que já sabe muito bem. A professora vem em seu auxílio e afirma concordar quan- do ela diz que parece um pouco artificial concluir da apli- cação das duas regras que um número elevado a zero seja 1: É um bocado forçado porque eu tenho uma parcela que nunca se repete. Continua a haver vários alunos a pedirem para intervir. Nesse momento o Pedro consegue-se fazer ouvir: Tem que haver zero porque é a passagem para os negativos. Vai-se dividir por 3... Recorda, assim, a questão 3. 3. Considera agora a sequência: 81 27 9 3 1 1/3 1/ 9 1/27... • Qual é a lei de formação dos termos desta sequência? • Representa os termos indicados sob a forma de potências de base 3. • Serás capaz de encontrar uma expressão gera- dora que represente todos esses termos? A professora pega na deixa do aluno e escreve no quadro a sequência que aparece na ficha e por baixo desta escreve 33, 32, 31, , 1/31, 1/32, 1/33. Propositadamente deixa em branco o termo correspondente a 30 e refere que come- çando com os expoentes positivos chegaria uma altura em que eu não saberia o que haveria de escrever. Pergunta logo de seguida à turma: Mas qual é a justificação para que seja 30=1? A Joana estava novamente com o braço levantado mas acabou por ser o Pedro novamente a explicar que isso esta- va relacionado com as sucessivas divisões por três. Era uma ideia interessante na qual a professora não pegou devido a uma afirmação algo perturbadora da Joana: Stôra, então a resposta do Pedro, 30 é por conveniência?! dificuldade em aceitar que a0 seja 1. A professora reconhece a pertinência da dúvida das alunas. Um aluno usa a questão seguinte da ficha para convencer as suas colegas. A professora utiliza a sugestão do aluno. A aluna iden- tifica, com uma certa Histórias de investigações matemáticas 75 Estaria a aluna convencida ou vencida? E os restantes alu- nos? Ficaria neste momento a imagem de que a Matemáti- ca se molda a nosso belo prazer? A professora resolve então provar que a0 não poderia ser outra coisa senão 1, recorrendo ao caso geral, com letras, como eles costumam dizer. Chama-lhes a atenção para que: eu trabalhei sempre com letras portanto é válido para qualquer número. Sente-se confiante de que os alunos não só entendem o que quer dizer como sabem que isso corres- ponde a uma demonstração. Eu própria tive, aliás, oportu- nidade de os ouvir dizer durante a realização da ficha, por exemplo, que a representava qualquer número ou que n era um número natural qualquer e que -n seria um inteiro negativo. Generalizar não constitui um obstáculo para a maioria destes alunos. Tal como já tinha feito durante a realização da ficha, a Ana raciocina com os alunos sobre o facto da mesma expressão numérica não poder ter dois resultados diferentes por se terem aplicado duas propriedades e, pegando na expressão da Joana, afirma: Ou seja é conveniente convencionar que a0= 1, senão teríamos que dizer que estas regras são váli- das só em alguns casos e isso não daria jeito nenhum! Observa-se uma acalmia generalizada e aparentemente os alunos estão satisfeitos com as justificações apresentadas. Ainda é proposta pela professora uma discussão sobre as potências de expoente negativo que encontraram na ficha. Pegando na intervenção de um aluno a professora aprovei- ta para sublinhar que também os expoentes negativos são uma invenção do homem, não surgem por aí na Natureza. incredulidade, uma conven- ção na Mate- mática. É consensual na turma que a generaliza- ção deve ser estabelecida através da prova. A professora aprofunda o significado do termo ‘con- venção’. A Matemática é apresentada aos alunos como uma criação huma- na. Histórias de investigações matemáticas 76 No ensino secundário perguntei muitas vezes aos alunos por que motivo a0 é 1. Nunca obtive resposta. Mas o que sem- pre me surpreendeu foi o facto de não se sentirem incomo- dados com esse desconhecimento. Podia ser tentada a dizer que os alunos desta turma do 8º ano nunca se irão esquecer por que é que a0 é igual a 1, mas esse não é, segundo me parece, o aspecto mais relevante. Um dos grandes ganhos destas duas aulas foi a oportunidade que os alunos tiveram de questionar o sentido e a validade dos conceitos matemá- ticos e serem confrontados com uma visão da Matemática como conhecimento que se constrói. Hélia Oliveira Histórias de investigações matemáticas 77 Quando os expoentes se tornam negativos Essa foi a segunda vez nesse ano lectivo que os alunos des- ta turma, do 8º ano, se viram confrontados com uma acti- vidade a que não só a professora dava destaque especial, mas que contava também com a presença de um elemento estranho, observando atentamente, e preparado para regis- tar os seus movimentos e as suas palavras através de todo um aparato tecnológico: câmara de filmar, microfone na lapela da professora, caderno e lápis. As expectativas eram, por isso, à partida grandes. A pequena introdução da Isa- bel, a professora, contribuiu para aumentar o ‘suspense’: Requere-se muita atenção porque vocês vão detectar novidades nesta ficha para aumentar a vossa bagagem científica sobre operações com potências. Essas novidades não sou eu que as vou transmitir mas são vocês que as vão detec- tar.A motivação para a realização da ficha foi conseguida. Eles queriam mesmo era receber a ficha para saber que novidade viria ali, comentou a professora posteriormente. Existiam alguns receios por parte da Isabel quanto ao desempenho dos alunos uma vez que estavam envolvidos novos conteúdos. Nesta ficha, segundo ela, nada lhes é apresentado como receita... mas eles com os conhecimen- tos que já têm, anteriores, vão fazer um cozinhado novo. Esta ideia de que se tratava de uma situação nova para os alunos esteve bastante presente, por exemplo, quando numa conversa anterior disse, eles vão inferir o alarga- mento das regras de cálculo às potências de expoente negativo, e ainda na aula ao afirmar, pois é isso que vocês vão descobrir, quando lhe pediam orientação directa quan- to ao conteúdo. A professora cria uma atmosfera de expectativa na turma. A professora procura que o alargamento da noção de potência seja feito por des- coberta. Histórias de investigações matemáticas 78 A professora começou por rever com os alunos o que representavam os símbolos N e Z e referiu que poderiam representar um elemento do conjunto N por um n minúscu- lo e um elemento de Z por k minúsculo. Recordou ainda o que são números simétricos e as propriedades das opera- ções com potências. Era sua intenção falar também sobre números inversos mas achou que estaria a gastar demasia- do tempo necessário para a realização da ficha. A ficha foi distribuída logo de seguida e os alunos começa- ram a trabalhar suavemente, mas mal nos demos conta, já a professora, ou melhor dizendo, as professoras andavam numa ‘roda viva’. Ainda que os alunos não solicitassem de forma insistente a presença da professora, reconhecia-se que, praticamente em todos os grupos, a sua chegada era recebida com bastante agrado. Havia necessidade de resol- ver as várias diferenças de opinião! A professora num grupo: A1: Oh, professora venha cá! Não está bem esta aqui?! P: Ora bem, que propriedade aplicaste aqui? A1: Dividi este por este. A2: Não é, não! P: Dividiste este por este. São iguais ou diferentes? A1: São iguais. A2: Mas se são iguais mantém-se a base e multiplicam-se os expoentes! A3: Não é, não. P: Espera, calma aí! Mas ele queria dividir um pelo outro. Também pode fazer ...? A professora recorda algu- ma terminolo- gia sobre con- juntos já conhecidos dos alunos. As diferenças de opinião no grupo são arbitradas pela professora. A professora leva os alunos a reflectirem sobre as pro- priedades de que fizeram uso. Histórias de investigações matemáticas 79 Havia agora que decidir o caminho por onde seguir, por onde queres ir ? e chegar a um entendimento sobre o enunciado das propriedades. Entretanto outros desentendimentos surgiram num outro grupo. Tratava-se já da terceira questão e não havia con- senso sobre a forma de representar os termos indicados como potências de base 3. Após uma breve conversa com eles para se aperceber do que estava a acontecer, interroga- os: P: Que dizem os restantes elementos do grupo ? A1: Digam que concordam porque eu acho que é assim. A2: Como é que se faz aqui em 3-3 ... ? P: Diz a Ana que é 3-3, e os demais do grupo o que dizem? Vê lá se convences os teus colegas! A1: Pois. Convenço ... E parece que convenceu mesmo. A professora recorda que a Ana foi a primeira no grupo a demonstrar segurança quanto à escrita da potência com expoente negativo, apesar de inicialmente ter sido um outro aluno a sugerir a sua uti- lização: ela é que deu uma ajudinha no grupo... Ele já tinha visto, mas a Ana conseguiu teimar mais... Existiu, pois, um forte estímulo por parte da professora para que os alunos tomassem decisões quanto ao decurso do seu traba- lho e decidissem sobre a validade das afirmações proferi- das no grupo. A aula foi correndo com um empenho constante por parte dos alunos: Eu vi que eles trabalharam. Até aqueles que tra- balham pouco nas (outras) aulas. Estavam entu- siasmados... com dificuldades, sempre, mas tam- bém eram empurrados pelos colegas do Ao chegar ao grupo, e antes de intervir, a professora tenta com- preender a situação em que os alunos se encontram. A professora procura que a veracidade da afirmação da aluna seja sujeita ao escrutínio do grupo. A professora realça que o empenho dos alunos man- tém-se durante toda a activi- dade. Histórias de investigações matemáticas 80 próprio grupo... Fiquei contente com esse aspec- to. Mas, claro, também surgiram algumas dificuldades. Estas foram semelhantes na generalidade dos grupos. Notou-se que alguns dependiam da ajuda da professora para ultra- passarem as questões mais difíceis. Em relação a um dos grupos que a professora considera ser mais dependente, referiu mesmo que o facto de não avançarem se devia ao receio de errarem: parecia-lhes que a seguir ao zero deve- ria ser o -1, só que também achavam que era algo de novo e estavam receosos de arriscar. As sugestões que a professora sentiu que foram mais úteis não tinham sido previstas antecipadamente uma vez que como afirma: era uma surpresa, não sabia bem como é que eles iriam reagir. Estas foram-lhe surgindo à medida que os alunos iam colocando questões e manifestando algum tipo de bloqueio. Aconteceu mesmo usar, com aparente sucesso, em diversos grupos, uma sugestão que lhe ocorreu a partir do trabalho já realizado por um certo grupo: há coisas que surgem na altura. Até os próprios alunos podem ajudar a orientar os outros. Ao conversarmos sobre esta aula ficámos com a sensação de que na questão 3 alguns grupos teriam escrito a sequên- cia de potências de base três mas seguindo apenas a regula- ridade nos expoentes e não tendo em conta a relação com o termo da sequência inicial. Tínhamos dúvidas se os alunos escreveriam a mesma sequência se lhe tivéssemos apresen- tado inicialmente, por exemplo, a sequência 81; 27; 9; 3; 1; 0,3; 0,27; 0,81. A Isabel achava que uma situação destas para introdução seria muito complicada, no entanto, a inse- gurança quanto às conclusões a que alguns alunos tinham chegado levou-a a pensar cuidadosamente na orientação da discussão a ter lugar na aula seguinte. A professora considera que alguns dos alunos pouco autónomos não avançam na tarefa por- que têm medo de errar. Algumas das sugestões que a professora dá aos alunos surgem-lhe na própria aula. A professora mantém algu- mas dúvidas quanto à apro- priação da noção de potência de expoente negativo pelos alunos. A discussão da tarefa é cuidadosa- mente prepa- rada pela pro- fessora. Histórias de investigações matemáticas 81 A aula de discussão iniciou-se com a escrita do sumário: conclusão da ficha número três. Imediatamente se ouviram reclamações de alunos que afirmavam já ter concluído. A professora começou por recordar algumas das dificulda- des manifestadas pelos alunos na última questão, nomea- damente quanto ao significado de ‘inverso’. Em seguida construiu uma tabela no quadro com a sequência da ques- tão 3, algumas linhas abaixo, de modo a escrever cada ter- mo de várias maneiras. Por exemplo, 1/9 aparecia, por sugestão dos alunos, como (1/3)2, 1/32, 9-1 e 3-2. Daí pro- curou que os alunos dissessem como se relaciona 3-2 com 1/32. A Andreia disse que 1/32 é o inverso de 3 com expoente 2. A professora pareceu satisfeita e procurou, então, que concluíssem genericamente, o que alguns alunos conseguiram fazer: é o inverso da base e o simétrico do expoente. Finda a aula e após o teste escrito que abrangeu estes con- teúdos a Isabel manifesta a sua satisfação pelos bons resul- tados obtidos pelos alunos. A aula de discussão foi, do seu ponto de vista, determinante para a boa compreensão que os alunos manifestaram acerca deste assunto. Comparando com ométodo que utiliza vulgarmente para introdução deste tema (uma exposição oral), a professora considera que este terá um maior sucesso por absorver a atenção dos alunos, envolvendo-os na aprendizagem. A prova de que sente que foi um trabalho produtivo é que pensa vir a usar novamente esta ficha no próximo ano. Os alunos consideram a ficha concluí- da mesmo antes de ser discutida. Os alunos representam de diversas formas potên- cias de expoente negativo. A professora considera a discussão da ficha um momento mui- to importante. A professora pretende vir a usar novamen- te esta tarefa na introdução do estudo das potências de expoente negativo. Hélia Oliveira Histórias de investigações matemáticas 82 E os fósforos transformaram-se em palitos Há alguns dias atrás tinha apresentado à Isabel, professora de Matemática do 8º D, uma tarefa de investigação. Pen- sámos ser uma proposta motivadora, passível de ser abor- dada de diversas formas, numérica ou geometricamente, e que poderia dar azo a explorações adicionais pelos alunos. Chegou então o dia de ser apresentada à turma. • Quantos fósforos foram utilizados na constru- ção deste quadrado? • Investiga quantos fósforos são necessários para construir qualquer quadrado deste tipo. No final dos 50 minutos, em que pude deambular livremen- te pela sala e interagir com os alunos, pedi à Isabel que me relatasse, em termos gerais, as suas impressões desta aula. Tinha havido muitas surpresas: ninguém tinha utilizado um método geométrico para construir uma expressão geral do número de fósforos em cada figura; os grupos mais prome- tedores, do seu ponto de vista, não conseguiram fazer essa generalização; um grupo de cinco alunos, quatro dos quais manifestam algumas dificuldades de aprendizagem, estando até propostos para avaliação sumativa extraordinária, apre- sentaram a expressão geral pretendida. Além do mais: Aquele grupo da Noemi, do Lucas e do Frederico foi o que custou mais a arrancar porque estavam indecisos nesta pergunta do investigar o número de fósforos para construir qualquer quadrado. A Noemi chamou-me porque não sabiam o que fazer. Foi curioso que no final foi o grupo que foi mais longe e conseguiu generalizar. A professora considera a tarefa bas- tante prome- tedora por permitir abordagens diversas. A professora mostra-se surpreendida com as estra- tégias segui- das e o traba- lho produzi- do pelos alu- nos. A dificuldade inicial de um grupo de alu- nos mais fra- cos não os Histórias de investigações matemáticas 83 Já em relação ao grupo em que se encontravam alunos com muito bom aproveitamento e em que um dos membros, o André, é considerado pela professora como tendo uma aptidão extraordinária para a Matemática e, em especial, para as investigações, as impressões iniciais eram outras: Agora o grupo do André entenderam logo o que se pretendia com esta pergunta, ao contrário do outro grupo. Começaram logo a analisar, a criar a sequência por ali abaixo, a ver as relações que existiam, identificaram os múltiplos de quatro. Foram muito rápidos. Apesar de um bom começo este grupo não apresentou a expressão geral no final da primeira aula e o inesperado aconteceu — o grupo do Lucas antecipou-se. Mas voltemos ao princípio e vejamos como decorreram os acontecimentos. A Isabel começou a aula, após o habitual sumário, recordando uma tarefa do manual que tinham resolvido há alguns meses atrás. Tratava-se ali de identifi- car a expressão geradora da sequência das áreas de certos quadrados. Contudo, no trabalho proposto para esta aula existia uma dificuldade acrescida: Aqui não está nenhuma sequência, vão vocês descobri-la e construí-la. Para ajudar os alunos a realizar esta tarefa relembra a importância de efectuarem um registo completo e organi- zado do trabalho: Até para sabermos como cada grupo resolveu, porque podem ter seguido processos diferentes. Indica também que a utilização de tabelas pode ser útil tal como viram na tarefa do manual. E depois, ‘mãos à obra’! impediu de serem os pri- meiros a con- cluir a inves- tigação. Ao invés, o grupo com os melhores alu- nos iniciou rapidamente a investigação mas não a concluiu. A professora relaciona esta tarefa com outra que tinham reali- zado ante- riormente. A professora fornece algu- mas sugestões quanto à orga- nização da investigação dos alunos. Histórias de investigações matemáticas 84 Registou-se alguma confusão em quase todos os grupos assim que passaram a considerar a segunda questão: O que é um quadrado deste tipo?; O número de fósforos para construir cada quadrado é no mínimo quatro. É isso que a professora quer?; Não estamos a perceber o que é para fazer. Depois de ter sido prestado auxílio em todos grupos, com excepção daquele em que se encontrava o André, lá come- çaram de forma mais ou menos organizada, consoante os grupos, a contar o número de fósforos existentes num qua- drado de lado 1, 2, 3... Depois dessa primeira volta a professora retorna ao grupo do Lucas e eles comunicam-lhe que decidiram fazer uma tabela. Persistem, porém algumas dúvidas: O que contam são as cabeças dos fósforos ou os pauzinhos? Tendo sido esclarecidos quanto a essa questão de ‘identidade’, um dos alunos retoma a ideia da tabela: Stôra podemos deixar isto e fazer antes uma tabela?! A professora incentiva-os nesse sentido e eles explicam o que pretendem fazer: A1: Nós estamos a pensar construir uma tabela com, por exemplo, um quadrado que tenha um fósforo de lado. Tem sempre quatro fósforos e assim sucessivamente. P: Exacto. A2: E depois um quadrado com dois fósforos de lado terá... doze fósforos na... P: No total, exacto. A2: Na sua construção. Pronto, e lá continuaram a trabalhar. O grupo do André é, finalmente, visitado pela professora. P: E então aqui como vamos nós? Perante algu- ma dificulda- de de interpre- tação da tare- fa, a professo- ra apoia direc- tamente os grupos. A professora percorreu todos os gru- pos para se inteirar do que estavam a fazer. Os alunos dão a conhecer à professora a estratégia que pensam seguir, e esta incentiva-os a continuarem. Histórias de investigações matemáticas 85 A1: A gente já descobriu que isto é assim, stôra: 4, para chegar ao segundo quadrado que é 12, temos que acres- centar 8; o 12 para chegarmos a 24, temos que acrescen- tar 8+4; o 24 para chegar ao 40 temos que acrescentar 12+4; o 40 para chegar ao próximo temos que acrescentar 16+4; o 60 para chegar ao próximo, ao quadrado de 6, temos que acrescentar 20+4, vai dar 84 e depois o séti- mo... P: (interrompendo) Então acrescentam sempre que tipo de número? A1 e A2: A diferença dos dois números anteriores mais 4. P: Aqui adicionei 8, 12, 16... Que tipo de números são esses? A1: São múltiplos de quatro. A Isabel questiona-os então sobre o caminho a seguir para generalizar o número de fósforos em cada figura. O André afirma positivamente e com grande confiança: Ah! Isso já se arranja! A professora ainda sugere que comparem os números na sequência que obtiveram com o número de fós- foros que utilizam em cada lado do quadrado e questiona- os sobre a variável que irão usar na expressão geral. Após mais uma volta pelos grupos, retorna ao grupo do Lucas onde continuavam numa grande azáfama a construir a sua tabela, embora não tivessem ainda passado do qua- drado com três fósforos de lado. A sua grande preocupação era encontrar a expressão geral — a que chamaram equação — que nos conseguisse fazer uma sequência de quantos fósforos precisávamos para construir (cada figura). A pro- fessora sugere-lhes que vejam ainda, pelo menos, o qua- drado com quatro fósforos de lado e dirige-se rapidamente ao grupo do André. Os alunos explicam à professora as relações que encontraram.A professora dirige a aten- ção do grupo para a neces- sidade de obter uma generalização. Um outro gru- po procura uma expres- são geral, mas a professora sugere um alargamento da experimen- tação. Histórias de investigações matemáticas 86 Com o enorme entusiasmo que sempre o caracteriza, o André apresenta a expressão que escreveram, n +(n - n1 ) + 4. Perante a complexidade da fórmula a professora detém-se na sua análise e vai pedindo explicações aos alu- nos. De facto, conseguiram formalizar a ideia inicial apre- sentada mas o problema para a professora era que se trata- va de uma expressão por recorrência. Perguntou-lhes como poderiam, desta forma, determinar o número de fósforos utilizados num quadrado de dez de lado: P: E vocês nessa expressão têm o n1, qual seria o n1? A1: n1 é o 9. P: Sim e vocês não sabem. Portanto... A2: (interrompendo) Sabemos, stôra! P: Então quantos fósforos são utilizados com nove de lado? A3: Temos que fazer todos. P: Pois é isso, tinham que fazer os outros todos. A2: A gente pensa. Insta com eles para procurarem uma expressão ainda mais genérica em que não seja necessário conhecer o número de fósforos da figura anterior. E ficam a pensar nisso. Entretanto a professora ao dar mais uma volta à turma começa a ser insistentemente chamada pelo grupo do Lucas: Descobrimos, descobrimos! Perante tal onda de euforia, dirige-se ao grupo com uma expressão na qual pude ler um misto de censura pelo barulho que faziam e de cepticismo quanto às suas consecuções. Mas não havia dúvida, os alunos tinham mesmo encontrado um processo de representar todos os números da sequência e explica- vam-no claramente e com visível satisfação. Tinham a con- fiança de que estavam certos expondo todo o Ao verificar o trabalho do grupo a pro- fessora pede- lhes que indi- quem o signi- ficado dos termos da sua expressão. A professora confronta os alunos com as limitações da definição por recorrência da sequência. Histórias de investigações matemáticas 87 seu trabalho à professora. Mas, afinal, o que fizeram eles durante aqueles cerca de 40 minutos? Nem foi preciso perguntar-lhes porque eles quiseram logo contar. Construíram uma tabela vertical e começaram por olhar só para a segunda linha procurando relações entre cada número e o seguinte, mas sem sucesso. Depois alguém se lembrou de dividir o número total de fósforos de cada quadrado pelo número de fósforos de lado e acrescen- taram os resultados obtidos numa terceira linha: 4, 6, 8, 10... Curiosamente, só perceberam que tinham chegado à expressão depois, porque decidiram multiplicar a primeira linha pela terceira e obtiveram — como não podia deixar de ser — o número total de fósforos. Quando a professora chegou ao grupo, já era claro para todos eles que bastava multiplicar cada elemento da pri- meira linha pelo elemento da terceira para obter o número pretendido e que a sequência da terceira linha era consti- tuída pelos números pares começando em quatro. Daí até à expressão geradora não foi preciso mais do que um empur- rãozinho pedindo-lhes, por exemplo, que representassem os números pares. E por aqui terminou a primeira aula. Agora era preciso reflectir sobre o que tinha acontecido e pensar como se poderia ajudar, na próxima aula, os alunos que estavam num impasse. Será que o sucesso deste grupo poderia con- tribuir para tal? A Isabel pensava que sim. Este grupo tinha identificado facilmente a sequência de números pares que designou 2l, representando l o número de fósforos por lado. Talvez os outros grupos precisassem também de recordar alguma coisa sobre sequências, assunto que tinha sido tratado já há quatro meses atrás. No início da segunda aula, a professora recordou com a turma algumas sequências familiares, entre elas a dos números pares. Depois ficou à espera para ver o que Os alunos tomam a ini- ciativa de explicar o processo que os levou à relação pre- tendida. A professora presta alguma ajuda para que os alunos escrevam a expressão geral da sequência. A professora planeia dar algumas indi- cações à tur- ma relaciona- das com o processo seguido pelo grupo. Histórias de investigações matemáticas 88 acontecia, ou quase. Após cerca de trinta minutos quase todos os grupos tinham pegado na sequência dos números pares e chegado à expressão pretendida. Foi assim também no grupo do André? Não. Houve uma fragmentação no grupo que os levou por caminhos diferentes. Metade do grupo aproveitou a dica da professora, mas o André estava nitidamente interessado em seguir a sua linha de raciocínio. Junto com a colega ao seu lado, que é quem tem maior facilidade em o acompanhar, embrenharam-se na figura e procuraram contar os fósforos de uma maneira organizada: o interior, linhas e colunas, e o exterior. Obtiveram então a uma outra expressão, algo complicada: l x (l - 2 + l) + (l x 4). No final todos tinham conseguido chegar onde queriam. A hora da apresentação chegou e, desta vez, muitos alunos levaram o seu papel muito a sério, tanto quem apresentava como quem ouvia. Durante toda essa aula, o grupo do Lucas assumiu uma postura inquiridora colocando várias perguntas para verificar até que ponto os seus colegas dos outros grupos tinham percebido o que tinham feito. Os ter- mos, a ordem, as diversas sequências e o que representa- vam nas figuras tinham que estar na ponta da língua. Sim, porque para o Lucas e os seus colegas, sempre em unísso- no, esta era uma actividade tão interiorizada que os fósfo- ros já se tinham ‘transformado’ em palitos e, perante a cor- recção apressada de outros colegas, responderam com a maior das descontracções: tanto faz. Será caso para dizer que os ‘fracos’ se transformaram em ‘fortes’ ? A professora deu espaço e estimulou a que tal acontecesse. De facto, segundo ela, esta aula constituiu um momento especial para os alunos se expressarem matematicamente. A comunicação do processo que cada grupo seguiu, o questionamento mútuo e a justificação são aspectos que considera bem conseguidos. As sugestões fornecidas pela professo- ra mostram-se úteis para a generalidade dos grupos. Dois alunos optam por continuar a investigação num sentido diferente daquele que a professora sugeriu. Alguns alunos questionam os colegas à medida que apresentam o seu trabalho. A professora promove a discussão pro- curando valo- rizar a comu- nicação entre os alunos. Histórias de investigações matemáticas 89 Mas como reagiram os outros alunos à apresentação do tra- balho do André? Tal como recorda a Isabel: Um silêncio absoluto perante a sua fórmula do número de fósforos! Eles gostam muito de o ouvir porque tem sempre coisas diferentes para dizer. O André teve assim também o seu momento de glória. Os alunos saíram satisfeitos porque, afinal apesar de terem seguido por caminhos diferentes, chegaram todos ao mesmo ponto: a desejada expressão para o número de palitos. Perdão, fósforos! Os alunos ouviram o seu colega com muita atenção. Hélia Oliveira Histórias de investigações matemáticas 90 Um problema com muitas soluções O 8º B é uma turma com alunos muito fracos. É uma tur- ma difícil, não porque sejam muito indisciplinados, mas porque são alunos com dificuldades de aprendizagem, sem hábitos de trabalho, pouco interessados e com pouca autoconfiança, sendo muito difícil ter um bom ambiente de trabalho na aula. Estão constantemente a procurar dizer graças uns aos outros, intervêm despropositadamen- te, procuram no ensino uma lista de receitas mostrando muita dificuldade em desenvolver raciocínios próprios. No primeiro período, o insucesso a Matemática foi de 68%. Há poucas aulas atrás estivemos a resolver problemas de aplicação do Teorema de Pitágoras, retirados do manual adoptado. Foiassim que chegámos ao seguinte problema: a. Calcula e compara as medidas das diagonais das duas caixas. b. Encontra as dimensões de outros pares de caixas cujas medidas das arestas sejam números inteiros e tenham diagonais com o mesmo comprimento. Há pelo menos mais três soluções com dimensões inferiores a 10 unidades. 4 5 6 2 3 8 A professora considera que esta é uma tur- ma difícil pelo seu compor- tamento e aproveitamen- to. Histórias de investigações matemáticas 91 Os alunos calcularam a medida da diagonal de cada caixa, √77. Começaram depois a procurar soluções para a 2ª par- te do problema. Ao fim de algum tempo, perceberam que bastava procurar dois triplos de números cuja soma dos quadrados fosse igual. Começaram a fazê-lo por tentati- vas, de uma forma muito desorganizada, sem procederem a qualquer registo. Sugeri-lhes que fossem organizando um quadro com os vários casos, para não se perderem. Entretanto terminou a aula, não se tendo conseguido des- cobrir mais nenhuma solução, e por isso pedi que conti- nuassem em casa. Nunca mais me lembrei que tinha mandado tal trabalho para casa e, como no dia seguinte me esqueci de pergun- tar por ele, foi um aluno, o José Miguel, que me lembrou que havia trabalho de casa. Ninguém tinha feito, excepto o José que conseguiu encontrar nada menos que 20 solu- ções diferentes! Quando ele me disse isto, fiquei muito admirada pois, como o livro dizia que havia pelo menos mais três solu- ções, nunca pensei que existissem tantas. Trazia as diver- sas soluções escritas numa folha e pude confirmar que estavam correctas. Perguntei-lhe então como tinha conse- guido descobrir tanta solução. Comecei por tentar fazer todas as somas, mas eram muitas. Então fui procurar apenas os casos em que a soma de dois quadrados de números diferentes fossem iguais. Fiz uma tabela com os quadrados dos números, de lado e a mesma coi- sa em cima, e fui preenchendo com a soma dos dois, e vi que só havia dois resultados iguais. Depois foi só juntar o mesmo terceiro quadrado a ambos de 12 até 102. Como encontrei dois casos diferentes deu 20. E apresentou-me as respostas: A professora sugere a utili- zação de um quadro para a organização da investiga- ção. O número de soluções que um aluno encontra sur- preende a pro- fessora. A professora questiona o aluno sobre a estratégia que o conduziu à descoberta das diversas solu- ções. Histórias de investigações matemáticas 92 72 + 12 + 12 = 52 + 52 + 12 = 51 72 + 12 + 22 = 52 + 52 + 22 = 54 72 + 12 + 32 = 52 + 52 + 32 = 59 72 + 12 + 42 = 52 + 52 + 42 = 66 72 + 12 + 52 = 52 + 52 + 52 = 75 72 + 12 + 62 = 52 + 52 + 62 = 86 72 + 12 + 72 = 52 + 52 + 72 = 99 72 + 12 + 82 = 52 + 52 + 82 = 114 72 + 12 + 92 = 52 + 52 + 92 = 131 72 + 12 + 102 = 52 + 52 +102 = 150 92 + 22 + 12 = 72 + 62 + 12 = 86 92 + 22 + 22 = 72 + 62 + 22 = 89 92 + 22 + 32 = 72 + 62 + 32 = 94 92 + 22 + 42 = 72 + 62 + 42 = 101 92 + 22 + 52 = 72 + 62 + 52 = 110 92 + 22 + 62 = 72 + 62 + 62 = 121 92 + 22 + 72 = 72 + 62 + 72 = 134 92 + 22 + 82 = 72 + 62 + 82 = 149 92 + 22 + 92 = 72 + 62 + 92 = 166 92 + 22 + 102 = 72 + 62 +102 = 185 Fiquei encantada com a forma como ele organizou a investigação, tanto mais que sei que não tinha feito nenhuma actividade deste género no ano anterior. Propus então a toda a turma que construíssemos a tabela da soma dos quadrados, tal como o José tinha feito em casa, pro- curando desta forma que um maior número de alunos acompanhasse o seu raciocínio. Ele foi ao quadro dese- nhou-a e explicou o que tinha feito. Pedi aos alunos que a reproduzissem no caderno e a completassem. À medida que iam completando uma linha, iam ao quadro preen- cher. Voltando à sua mesa, o José quis tornar a fazer a tabela, pois não a tinha trazido. Reparei que só preenchia a metade inferior em relação à diagonal. Perguntei-lhe porque não preenchia tudo. — Não é preciso. Já vi em O aluno expli- ca, com segu- rança, como organizou a investigação. A professora propõe à tur- ma a utiliza- ção da estra- tégia apresentada pelo aluno. Histórias de investigações matemáticas 93 casa que o resto é igual, logo não vale a pena porque não vão aparecer resultados novos. Quando se lembrou disto, dirigiu-se aos colegas e disse- lhes para não preencherem a tabela toda que não era pre- ciso. Mandei-o calar explicando-lhe que gostaria que os colegas chegassem a essa conclusão por eles próprios. Calou-se, mas talvez sem perceber bem as minhas razões. No entanto, como são alunos pouco vivos, também não perceberam nem o que o José lhes estava a dizer, nem o que eu tinha dito, e estiveram muito entretidos a preen- cher a tabela toda. Adicionar dois quadrados foi, porém, uma tarefa muito mais difícil do que eu estava à espera. Procuravam aplicar regras inexistentes de operações com potências. Outros utilizavam máquinas não científicas, que não dão priori- dade às operações, chegando a resultados completamente absurdos sem mostrarem qualquer sentido crítico. Estes problemas foram sendo ultrapassados, aos poucos, a um ritmo muito lento da parte de alguns alunos. A certa altura o Mário, um aluno muito fraco, chamou-me e disse-me: Já descobri uma maneira de fazer isto muito mais rápido. Daqui para aqui (da primeira para a segunda linha) soma-se 3 a todos os números, depois soma-se 5, depois 7... vai ver que agora é 9 e depois 11. Foi o meu segundo momento de admiração nesta aula. Ao princípio não percebi porque é que o que ele dizia estava correcto. Nem me lembrava já que os quadrados dos números naturais se podem escrever como a soma de números ímpares consecutivos, embora ainda há pouco tempo tenha conhecido uma demonstração geométrica desta relação. Elogiei imenso o Mário pela sua perspicácia, dizendo-lhe que eu ainda não tinha descoberto isso. Esta minha A professora procura que os alunos percor- ram todas as etapas de um processo de investigação. Os alunos evi- denciam difi- culdades de cálculo e usam deficien- temente a cal- culadora como auxiliar. A descoberta de um outro aluno sur- preende a pro- fessora que não a relacio- na imediata- mente com algo que conhece. Histórias de investigações matemáticas 94 reacção foi comentada por um outro aluno: Ah, com cer- teza que já sabia isto tudo, então é setôra de Matemáti- ca? Como lhe disse veemente que não, que os professores não sabiam tudo, ficou um pouco duvidoso se eu falava a verdade ou se estava a fazer um grande teatro. Noutro canto da sala estavam dois alunos cujo desempe- nho é, em geral, bastante fraco. Fui ver o que estavam a fazer e verifiquei que estavam também a preencher o quadro de uma forma muito rápida. Disse-me o Fernando: Tenho um processo muito mais rápido de fazer isto. E explica-me o mesmo raciocínio do Mário mas desta vez de coluna para coluna. Foi uma aula óptima. Para minha grande admiração, toda a turma trabalhou arduamente, e alguns alunos até comentaram que isto era giro. Era a última aula antes do teste e ninguém me pediu para fazer revisões, como cos- tumam fazer. Alguns alunos até me pediram: Ponha este quadro no teste que isto é engraçado e fácil! Foi preciso a aula inteira para preencher o quadro e per- ceber algumas regularidades, mas mesmo depois de tocar alguns alunos continuaram até acabar (coisa que nunca tinha acontecido antes). A maior parte dos alunos não percebeu na altura, a relação entre o preenchimento do quadro e a investigação proposta no exercício, pois não houve tempo para voltarmos à questão inicial. Antes da aula acabar, o José Miguel ainda me disse: Mas este processo não dá para descobrir todos casos, porque os que vêm no exercício do livro não aparecem aqui! Estava tão entretida com estahistória do quadro, que ain- da nem me tinha lembrado disso. Propus-lhe que conti- nuássemos ambos a pensar no assunto. Durante o resto desse dia, e pela noite fora, tentei Os alunos pensam que a professora sabe tudo acerca deste problema. Há um grande empenhamen- to dos alunos nesta aula. Histórias de investigações matemáticas 95 encontrar um processo de continuar a investigação, mas não consegui avançar grande coisa. Utilizando papel quadriculado, recortei umas tiras com 1, 4, 9, 16, 25, 36, 49, 64, 81 e 100 quadrados. Fiz uma tabela em Excel com todas as somas possíveis (1000!), e levei para a aula seguinte. Era uma aula de teste, mas propus ao José Miguel e à Rita (outra aluna que se tinha interessado bastante pelo assunto), que em vez de faze- rem o teste, continuassem a investigar o problema e que se quisessem podiam utilizar aquele material que eu leva- va. Encontraram-se assim mais 3 pares de triplos diferentes dos anteriores: 32 + 32 + 32 = 52 + 12 + 12 = 27 82 + 22 + 12 = 42 + 72 + 22 = 69 82 + 32 + 42 = 92 + 22 + 22 = 89 Chegámos no total a 23 soluções, uma quantia bem dife- rente daquela que o livro fazia supor com a frase existem pelo menos mais 3 soluções diferentes! Colocaram-se-me, na altura, vários problemas: como con- tinuar a investigação? como organizar a pesquisa, de modo a conseguir um processo que dê todas as soluções possíveis? com dar uma "saída" a esta investigação no trabalho com a turma? retomo o assunto ou deixo-o esquecer? Procurei continuar a investigação, mas não encontrei uma saída. Achei então que era isso mesmo que devia transmitir aos alunos: não sabíamos se era possível resolver o problema. Apesar de termos ficado por aqui, valeu a pena realizar esta aula com o 8º B, visto que todos os alunos se empe- nharam com gosto na tarefa proposta. Não sei se esta acti- vidade terá sido muito importante para estes alunos, mas para mim, enquanto professora, trouxe-me bastantes A professora continuou a investigação em casa e pre- parou material para a aula seguinte. Dois alunos continuam a investigação enquanto os restantes fazem o teste. Surgem mui- tas dúvidas à professora sobre a conti- nuidade a dar à investiga- ção. Histórias de investigações matemáticas 96 ensinamentos. Tenho tido até aqui tendência para desen- volver actividades de investigação com as turmas que considero boas e menosprezado um pouco as outras tur- mas com alunos mais fracos. Pensava que estas activida- des não os conseguiriam interessar, uma vez que eles revelam, em geral, pouca persistência. Quando me preocupo com a motivação para a aprendiza- gem deste tipo de alunos, procuro encontrar questões liga- das à realidade pensando que com isso os interesso mais pela Matemática. Afinal esta pequena actividade mostrou- me que estava enganada. Também as turmas fracas podem fazer actividades de investigação e, desde que bem esco- lhidas, até podem servir para desenvolver nos alunos a sua capacidade de persistência e de trabalho, levando-os a gos- tar de fazer Matemática. A professora considera que este foi um momento de aprendizagem para si pró- pria. A professora reflecte sobre as suas con- cepções acer- ca das investi- gações. Ana Vieira Histórias de investigações matemáticas 97 4. CONCLUSÕES Apresentamos neste capítulo as principais reflexões, conclusões e interrogações que fazemos a propósito deste projecto. Numa primeira parte, abordamos o conhecimento profissional do professor em actividades de investigação, bem como algumas das suas dificuldades e dilemas, tal como elas se revelam ao longo das diversas narrativas. Numa segunda parte, con- frontamos o trabalho desenvolvido com os pressupostos iniciais da investi- gação e propomos algumas pistas para trabalho futuro. O conhecimento profissional do professor em actividades de investigação As narrativas anteriores sobre aulas envolvendo tarefas de cunho investigativo ilustram diversos aspectos do conhecimento profissional do professor, bem como alguns problemas e dilemas com que ele se confronta na sua prática profissional. De acordo com o esquema apresentado no capí- tulo 2 deste relatório, organizamos a nossa discussão em torno de quatro grandes temas: o conhecimento da Matemática, o conhecimento dos pro- cessos de aprendizagem, o conhecimento do currículo e o conhecimento da instrução. A Matemática Um primeiro domínio do conhecimento profissional do professor diz respeito à disciplina que ensina, neste caso a Matemática. Nestas narrativas, o seu conhecimento da Matemática revela-se sobretudo de modo implícito, na actividade que desenvolve na preparação e execução das aulas e nas suas afirmações sobre aspectos de incidência curricular. Mesmo assim, há aspectos interessantes a referir. Histórias de investigações matemáticas 98 Os aspectos mais básicos do conhecimento matemático são os con- ceitos e a terminologia. O seu domínio está subjacente a todo o trabalho realizado pelos professores nestas actividades, embora nem todos valori- zem de igual modo cada um deles. Por exemplo, para uma das professoras, é preciso dedicar especial atenção à aprendizagem de conceitos e à sua aplicação (HC5A)12. Em contraste, outra professora valoriza a realização de tarefas que gradualmente vão desenvolvendo nos alunos novas capaci- dades (JP-IS5). Por vezes, sentem necessidade de recordar terminologia (...) já conhecida dos alunos (HO8B). A realização de tarefas de investiga- ção suscita uma atenção particular a termos que muitas vezes são pouco usados na aula de Matemática, como conjectura (JP-IS5) e convenção (HO8A). As relações entre conceitos são outro aspecto essencial do conheci- mento matemático. Nas actividades de investigação, espera-se que os alu- nos descubram relações que o professor sabe de antemão poderem ser encontradas na situação proposta: os alunos representam de diversas for- mas potências de expoente negativo (HO8B); a aluna procura integrar a nova designação nos seus conhecimentos (HO8A). Por vezes os alunos surpreendem o professor, descobrindo relações em que ele ainda não tinha pensado (HC5B), ou que não relaciona imediatamente com algo que conhece (AV8). Este tipo de acontecimento evidencia ao professor a rique- za das relações matemáticas existentes na situação e coloca-o num plano de maior proximidade em relação aos alunos. Estes mostram, por vezes, serem capazes de ultrapassar as expectativas do professor que, por outro lado, é levado a reconhecer com naturalidade que há coisas que não sabe e outras que não lhe ocorrem... Os processos de pensamento matemático incluem a procura de res- postas, mas para isso é preciso começar por ter questões, sobretudo boas questões. No decurso duma actividade de investigação é frequente surgi- rem novas questões. É positivo que isso aconteça e é importante que os professores o valorizem na devida altura (JP5). É também importante que os alunos sintam que faz parte do seu papel colocar novas questões: um grupo estuda o que acontece quando se altera o número de colunas, formu- lando as suas conjecturas (IS6); os alunos usaram estratégias diversifica- 12 Os códigos usados neste capítulo remetem para o autor da narrativa, ano de escolaridade e turma envolvida. Assim (HC5A) é a narrativa produzida por Helena Cunha, referente à turma A do 5º ano de escolaridade. Histórias de investigações matemáticas 99 das para estabelecerem uma lei de formação da sequência proposta (HC5A); os alunos escreveram produtos de factores diferentes e descobri- ram nesses produtos regularidades que correspondem à soma dos primei- ros n termos de uma progressão aritmética (HC5A). Um outro aspecto também de salientar no conhecimento matemático respeita à forma de validação de resultados.Na Matemática, as demons- trações assumem um papel primordial. Deste modo, é natural salientar que a generalização deve ser estabelecida através da prova (HO8A); a profes- sora alerta de que a calculadora não é um instrumento adequado para jus- tificar a questão (HO8A). Mas na actividade matemática também se usam correntemente outras formas mais informais de validação e de argumenta- ção. Assim, na actividade de ensino, põem-se dois problemas: (a) saber como se validam as ideias (com simples afirmações de autoridade? exibin- do exemplos e argumentos? com uma demonstração matemática?) e (b) saber quem valida essas ideias (o professor? o aluno? os dois?). As activi- dades de investigação, principalmente com alunos muito novos, não são um terreno muito propício para a valorização das demonstrações formais. Mas já o são para outras formas mais informais de argumentação: a professora encoraja os alunos a apresentarem argumentos em defesa das suas afirma- ções (JP-IS5). Um aspecto particularmente problemático do conhecimento matemá- tico diz respeito à articulação entre as competências básicas e os proces- sos de raciocínio mais avançados. Os professores envolvidos nestas acti- vidades mostram disponibilidade para pôr em prática, ocasionalmente, uma ou outra aula onde os alunos possam dar livre curso a um trabalho de inves- tigação matemática. Alguns destes professores parecem fundamentalmente condicionados pela aquisição das competências básicas: o cálculo é uma preocupação constante da professora (HC5B); a professora mantém algu- mas reservas sobre a atitude dos alunos se lhes fossem propostas sucessi- vas aulas de investigação (HC5B). Outros parecem sobretudo preocupados com o desenvolvimento das competências mais avançadas: A professora valoriza a possibilidade de os alunos explorarem uma tarefa de investiga- ção em diversas direcções (IS6). Evidencia-se assim, que as tarefas de investigação potenciam processos de raciocínio valorizados no actual ensino-aprendizagem da Matemática (HC5A ). Histórias de investigações matemáticas 100 Os processos de aprendizagem Um outro domínio fundamental do conhecimento profissional do pro- fessor diz respeito aos processos de aprendizagem dos alunos e aos nume- rosos factores que intervêm no seu desenvolvimento. O professor conhece os alunos, tanto na sua maneira de estar na aula e de se relacionarem entre si, como no progresso que vão fazendo na aprendizagem da disciplina. Para além dos alunos individuais, o professor relaciona-se com a entidade “tur- ma”: a professora considera que esta é uma turma difícil pelo seu compor- tamento e aproveitamento (AV8). As interacções, entre o professor e os alunos e entre os próprios alu- nos, são essenciais no processo de aprendizagem. Estas interacções estimu- lam a actividade criativa dos alunos e levam-nos a novas formas de com- preensão das ideias matemáticas: a professora reconhece que a interacção entre os alunos estimula-os a descobrirem novas relações (IS5); a profes- sora considera que as tarefas investigativas podem resultar em trabalho conjunto entre professor e alunos (HC5A). As interacções dos alunos entre si são um excelente indicador de um bom ambiente de aprendizagem: alguns alunos questionam os seus colegas à medida que estes apresentam o seu trabalho (HO8C). A orientação do modo de interacção é uma das principais armas do professor para a condução da aula: a professora procu- ra que os alunos se concentrem na tarefa, interagindo consigo (IS5); ou ainda que a veracidade da afirmação da aluna seja sujeita ao escrutínio do grupo (HO8B); a professora sugere a exploração de outros casos, o que leva à descoberta da regra geral pelos alunos (HC5A). A própria actuação do professor tem a ganhar com a interacção com os alunos: algumas das sugestões que a professora dá aos alunos surgem-lhe na própria aula (HO8B). Mesmo quando o professor não dá particular atenção às interac- ções dos alunos uns com os outros, o facto é que elas desempenham sempre um papel importante na dinâmica da aula: um aluno usa a questão seguinte (...) para convencer as suas colegas (HO8A); os alunos conhecem-se muito bem uns aos outros (JP5) Para aprender, não basta ao aluno estar “activo” na sala de aula. É preciso que ele pense e, sobretudo, reflicta sobre as acções por si realiza- das. O professor tem de estar, por isso, atento à relação entre acção e reflexão, e procurar que ambos os aspectos se articulem com naturalidade na actividade dos alunos. A professora leva os alunos a reflectirem sobre Histórias de investigações matemáticas 101 as propriedades de que fizeram uso (HO8B); a professora confronta os alunos com as limitações da definição por recorrência da sucessão (HO8C); a professora insiste em questionar a turma sobre o significado de a0 (HO8A); a professora valoriza o contributo dado pela discussão à des- coberta de novas relações (IS5); a discussão da ficha é considerada um momento muito importante da aula (HO8B); o diálogo final acaba por se tornar num momento importante de descoberta (HC5B); o binómio acção- reflexão é fundamental no processo de ensino-aprendizagem (JP-IS5). As concepções prévias dos alunos condicionam fortemente a sua aprendizagem. As actividades de investigação mostram que os alunos têm concepções muito próprias em relação à natureza das questões matemáticas e ao que se espera que eles digam como resposta: os alunos, na expectativa de que há uma resposta-padrão para cada pergunta, têm dificuldade em lidar com questões postas de modo diferente do habitual (JP-IS5); mos- tram grande surpresa por encontrar uma questão matemática “sem res- posta”(JP5); tendo encontrado uma resposta certa, os alunos consideram errado ou sem interesse tudo o que tinham feito anteriormente (JP5). Além disso, salienta-se bem a dificuldade dos alunos em lidarem com questões postas de modo diferente do habitual (JP-IS5 e HC5A). Os alunos também têm concepções muito próprias acerca do conhecimento dos seus professo- res. Pensam, por exemplo, que a professora sabe tudo acerca dos proble- mas que lhes propõe (AV8). Um aspecto que tem grande influência na aprendizagem é a extensão e a qualidade dos conhecimentos prévios dos alunos. Por exemplo, numa das investigações pôde observar-se que os alunos conheciam o factor cons- tante [da calculadora] de aulas anteriores. Pode considerar-se que o seu uso num novo contexto é uma acção criativa (JP5). Em certos casos, a pro- fessora manifesta confiança nas competências de cálculo dos alunos (HO8A). Noutros casos, a professora mostra-se atenta para o facto dos alu- nos usarem deficientemente a calculadora como instrumento auxiliar (AV8). Um dos pontos mais característicos das dificuldades dos alunos diz respeito ao cálculo numérico: os alunos evidenciam dificuldades de cálculo (AV8). Os alunos mais novos recorrem muito a processo intuitivos e informais, mais do que a conceitos formais (HC5A). Mas o que os alunos conseguem fazer noutras ocasiões leva a pensar se as dificuldades no cálcu- lo, muitas vezes, não correspondem mais a uma dificuldade em relação ao Histórias de investigações matemáticas 102 modo de usar o conhecimento que efectivamente possuem do que a uma falta absoluta de conhecimento. O conhecimento dos processos de aprendizagem passa em grande par- te pelo conhecimento das estratégias de raciocínio dos alunos. Estas estra- tégias estão longe de ser lineares e apoiam-se sobretudo nos seus conheci- mentos e experiências prévias: Os alunos procuram responder à tarefa, tendo em conta tarefas semelhantes já anteriormente realizadas (JP-IS5); os alunos, num processo de vaivém, vão aprofundando a sua compreensão acerca das regularidades numéricas envolvidas nas potências (JP-IS5); escrever 642=64x2 é um erro extremamente frequente nos alunos (JP5). Como é natural, as situações novas para os alunos são as que envol- vem mais dificuldades: Perante um pedido diferente do habitual, os alunosfazem uma leitura incorrecta da pergunta e começam a trabalhar numa direcção errada. Apesar disso, mostram possuir alguns conhecimentos sobre potências (JP5). Os alunos têm de se habituar a formularem perguntas com clareza. Como se notou no decurso do trabalho, em alguns casos mostravam ten- dência para deslizar subrepticiamente de questão para questão acabando naturalmente por dar respostas erradas e inconsequentes. Além disso, mani- festaram claramente a sua tendência para procurar interpretar rapidamente as questões propostas avançando de imediato para as respostas, sem reparar que a interpretação requeria bastante mais atenção da sua parte. As respos- tas podem sair erradas se o aluno perde de vista a questão a que está a tentar responder (JP5). Por isso, é importante habituar o aluno, ao dar a resposta, a ter presente a questão a que está a responder. Outro aspecto importante do conhecimento da aprendizagem tem a ver com o modo como o professor encara as capacidades dos alunos. As tare- fas de investigação mostram que muitos alunos possuem capacidades fre- quentemente insuspeitadas pelo professor: os alunos descobrem várias regularidades (IS6); os alunos mostram-se capazes de produzir generali- zações (JP5); há um grande empenhamento dos alunos nesta aula (AV8); a professora observa que mesmo os alunos mais passivos se entusiasmam na procura de regularidades (IS5). O professor, por outro lado, reconhece e valoriza o trabalho realizado pelo aluno: os alunos surpreenderam a pro- fessora, descobrindo relações em que ela ainda não tinha pensado (HC5A); a descoberta de um aluno surpreende a professora (AV8); as expectativas da professora são largamente ultrapassadas com a participa- Histórias de investigações matemáticas 103 ção viva dos alunos (IS5); o número de soluções que um aluno encontra surpreende a professora (AV8). As actividades de investigação proporcionam uma relação diferente dos alunos com a disciplina e também dos alunos entre si. Evidenciam assim facetas totalmente novas dos alunos: a professora nota que esta tare- fa evidencia tanto as capacidades de alguns alunos tidos por fracos, como as dificuldades de alguns bons alunos (JP-IS5); a professora observa que mesmo os alunos mais passivos se entusiasmam na procura de regularida- des (IS5); a dificuldade inicial de um grupo com alunos mais fracos não os impediu de serem os primeiros a concluir a investigação (HO8C); ao invés o grupo com os melhores alunos iniciou rapidamente a investigação mas não a concluiu na primeira aula (HO8C). Deste modo o conceito de bom aluno e mau aluno é posto em causa (JP-IS5), e este é um aspecto deste trabalho muito valorizado pelas professoras. O currículo Um terceiro domínio do conhecimento profissional do professor diz respeito ao conhecimento do currículo. Um dos aspectos fundamentais des- te conhecimento refere-se às finalidades e objectivos e outro à gestão do tempo. Os professores de Matemática consideram, dum modo geral, os programas muito extensos e muito fraca a preparação que os alunos trazem dos anos anteriores. As tarefas de investigação pressupõem um outro tipo de estruturação dos conteúdos, que surgem num plano mais secundário. Para alguns professores isto dificulta o “cumprimento do programa”: para a professora, as tarefas de investigação necessitam de bastante tempo, afectando o cumprimento dos programas (HC5B). Noutros casos, a reali- zação deste tipo de tarefas é muito valorizado na medida em que elas gra- dualmente vão desenvolvendo nos alunos novas capacidades (JP-IS5). As actividades de investigação evidenciam a ligação entre conteúdos matemáticos, um dos aspectos frequentemente mais pobres do conhecimen- to matemático dos alunos. Por exemplo, um problema inicialmente formu- lado em termos das diagonais de um sólido e que se apresenta como uma aplicação do Teorema de Pitágoras, transforma-se rapidamente num pro- blema sobre quadrados perfeitos, exigindo o conhecimento correcto das regras de cálculo das potências (AV8). A ligação com outros assuntos (extra-matemáticos) é outro aspecto importante do conhecimento do pro- Histórias de investigações matemáticas 104 fessor. Mas este aspecto não está particularmente em foco quando as acti- vidades de investigação surgem em contextos puramente matemáticos, como é o caso das tarefas propostas. Um outro aspecto tem a ver com a representação dos conceitos. É importante que os alunos sejam capazes de lidar com os conceitos matemá- ticos em diversos tipos de representação (numérica, algébrica, geométrica, esquemática, verbal, etc.). Isso nem sempre acontece, privilegiando-se mui- tas vezes as representações simbólicas em detrimento de todas as outras. A professora reconhece que uma tarefa que se apresenta diferente do habi- tual tem dificuldade em ser reconhecida pelos alunos (HC5A); a professo- ra considera a tarefa muito prometedora por permitir abordagens diver- sas: numéricas e geométricas (HO8C). A utilização de materiais diversificados é um aspecto importante do ensino-aprendizagem da Matemática. As actividades de investigação podem ter como ponto de partida materiais muito diversos. Nas tarefas pro- postas, sobressai claramente o valor da calculadora, para a realização de cálculos simples, obtendo resultados, ou para testar conjecturas. Em alguns casos, a calculadora é um instrumento de que os alunos já se habituaram a tirar partido: A professora incentiva os alunos a usar a calculadora com desembaraço (JP-IS5). Noutros casos, e apesar dos esforços da professora, os alunos usam deficientemente a calculadora como instrumento auxiliar (AV8). Noutros casos, ainda, a utilização deste instrumento pelos alunos é ainda motivo de hesitação para a professora: A professora mostra-se inde- cisa quanto ao papel da calculadora nas aulas de Matemática, mas está sensível à adesão dos alunos às actividades de descoberta (HC5B). A máquina de calcular não deve só ser usada. Deve também ser conhecida, nas suas potencialidades e limitações, e isso surge igualmente numa das investigações: A máquina de calcular mostra-se muito útil nesta investiga- ção mas evidencia igualmente os seus limites (JP5). A instrução Finalmente, um quarto domínio do conhecimento profissional do pro- fessor refere-se à instrução, ou seja, à preparação, condução e avaliação do processo de ensino-aprendizagem (que no caso da Matemática decorre principalmente, mas não exclusivamente, dentro da sala de aula). Neste ponto incluem-se questões como o ambiente de trabalho e a cultura da sala Histórias de investigações matemáticas 105 de aula, as tarefas, tanto no que respeita à sua concepção, selecção e sequenciação como à sua apresentação aos alunos, apoio na execução e dis- cussão, e ainda a actividade dos alunos, a comunicação e a negociação de significados e os modos de trabalho na sala de aula (em colectivo, em gru- po, aos pares ou individual). O professor de Matemática move-se dentro de condicionalismos apertados, um dos quais tem a ver com a gestão do tempo escolar. As aulas de 50 minutos são adequadas para a realização pelos alunos de actividades muito estruturadas mas pouco adequadas ao prosseguimento de investiga- ções mais abertas. Para isso são muito mais indicadas as aulas de 2 horas embora, em muitos casos, a investigação se possa prolongar depois por vários dias ou mesmo por várias semanas. A grande tarefa do professor é a de encontrar forma de, dentro desses condicionalismos, proporcionar momentos de trabalho e de reflexão, estabelecendo uma forte interacção entre estes dois momentos do processo de aprendizagem. Outro aspecto fundamental da preparação das aulas tem a ver com a concepção, selecção e sequenciação das tarefas a propor aos alunos. Para isso é necessário ter em conta os objectivos pretendidos, as características dos alunos, bem como os recursos disponíveis (incluindo o recurso tempo): a professora realiza tarefas que gradualmente vão desenvolvendonos alu- nos novas capacidades (JP-IS5); a professora procura ter em conta as características específicas dos seus alunos ao planear a realização de um novo tipo de tarefa (JP-IS5); a professora preocupa-se com a adaptação das questões ao nível etário dos seus alunos (HC5A); a professora procura que as tarefas sejam adequadas ao tempo disponível (JP-IS5); aulas de 2 horas são apropriadas para realizar tarefas de investigação (JP-IS5). Por outro lado, é necessário adequar as estratégias aos objectivos e às condi- ções: a melhor maneira de perceber o que é uma conjectura é reflectir sobre o que se faz neste tipo de actividade (JP-IS5). Uma vez já em plena situação de ensino-aprendizagem, é fundamental o modo como o professor promove a apresentação das tarefas, o apoio que dá aos alunos na sua execução, e a reflexão que promove sobre o trabalho realizado. O modo como a tarefa é introduzida tem uma influência enorme sobre tudo o que se passa a seguir: a professora cria uma atmosfera de expectativa na turma (HO8B). Esta introdução pode ser feita de diversas maneiras: a tarefa é introduzida oralmente e por escrito (JP-IS5). A sim- ples apresentação por escrito, através duma “ficha de trabalho”, é um modo Histórias de investigações matemáticas 106 bastante “frio”, que muitas vezes suscita nos alunos pouco empenho em interpretar o desafio proposto. A apresentação oral não deve ser muito demorada (sob o risco de se tornar cansativa e de desviar a atenção dos alu- nos do que é essencial) nem dar pistas em demasia (que retirem aos alunos o prazer de serem eles próprios a resolver as dificuldades): a professora dá algumas sugestões sobre aspectos a observar na situação proposta (IS6); a professora apoia os seus alunos assumindo o papel de orientadora (HC5A); a professora deu as indicações que julgou necessárias para a realização da tarefa (HC5B); a professora relaciona esta tarefa com outra que tinham realizado anteriormente (HO8C); a professora fornece algu- mas sugestões quanto à organização da investigação dos alunos (HO8C); a professora dá sugestões sobre aspectos a observar na situação proposta (IS6); a professora procura encontrar o melhor modo de apresentar a tare- fa, tendo em conta que não deve dar informação a mais nem a menos (JP- IS5); a professora procura clarificar os conceitos que irão ser necessários, solicitando as contribuições dos alunos e altera a sua estratégia, tendo em conta a sua reacção (JP-IS5). O professor tem de apoiar a execução das tarefas pelos alunos. Este apoio pode ajudar os alunos na interpretação das questões propostas e na sua compreensão: colocando questões, a professora ajuda os alunos a con- centrarem a sua atenção nos aspectos essenciais da questão proposta (JP5); o apoio aos grupos é determinante para que eles ultrapassassem as suas dúvidas e se envolvam na tarefa (JP-IS5); a professora sugere a utili- zação de um quadro para a organização da investigação (AV8); perante alguma dificuldade de interpretação da tarefa, a professora apoia direc- tamente os grupos (HO8C); a professora dirige a atenção do grupo para a generalização (HO8C). Pode ser importante para que os alunos reconhe- çam aspectos marcantes da tarefa proposta: a professora confronta os alu- nos com as limitações da definição por recorrência da sequência (HO8C). O apoio pode ser também decisivo para que os alunos ultrapassem um blo- queio: a professora apoiou os seus alunos durante a realização da tarefa para que lhes fosse possível continuar (HC5B); a professora presta algu- ma ajuda para que os alunos escrevam a expressão geral da sequência (HO8C). O apoio pode ainda servir para incentivar os alunos a irem mais longe: a professora encoraja os alunos a alargar a investigação a um novo caso (IS5); a professora propõe que se proceda à investigação de regula- ridades num novo caso (IS5). Histórias de investigações matemáticas 107 O modo como o professor presta esse apoio é, de novo, muito impor- tante: as sugestões fornecidas mostram-se muito úteis para a generalidade dos grupos (HO8C). Dizer coisas de mais retira importância ao papel do aluno. Dizer de menos pode revelar-se muito frustrante. Assim, a professo- ra procura que os alunos descubram o que têm a fazer através de pergun- tas indirectas (JP-IS5); os alunos dão a conhecer à professora a estratégia que pensam seguir e esta incentiva-os simplesmente, sem dizer explicita- mente se “está certo ou errado” (HO8C); o grupo procura uma expressão geral mas a professora sugere um alargamento da experimentação (HO8C). No diálogo que estabelece com os alunos, o professor pode apreender aspectos muito significativos acerca do seu modo de pensar: conseguir tempo para ouvir os alunos é decisivo para poder compreender o seu modo de pensar e as suas verdadeiras dificuldades (JP5); a professo- ra valoriza a persistência dos alunos na resolução da tarefa (HC5A); a professora é frequentemente solicitada pelos alunos para lhe revelarem as suas descobertas (IS6); os alunos explicam à professora as relações que encontraram (HO8C); ao verificar o trabalho do grupo, a professora pede- lhes que indiquem o significado dos termos da sua expressão (HO8C); os alunos tomam a iniciativa de explicar qual foi o processo que os levou à relação pretendida (HO8C); a professora questiona o aluno sobre a estra- tégia que o conduziu à descoberta das diversas soluções (AV8). No acom- panhamento do trabalho dos grupos a professora defronta-se muitas vezes com dilemas difíceis de resolver: um grupo escolhe uma direcção de traba- lho diferente da dos restantes gerando assim um dilema à professora — deixá-los prosseguir ou encaminhá-los para uma direcção próxima dos res- tantes alunos? (IS6); as exigências de acompanhamento de uma actividade diferente colocam um novo desafio à professora na gestão da aula (IS6). Surge depois um outro momento fundamental na realização da acti- vidade de investigação: a reflexão e discussão sobre o trabalho realizado — a professora organiza os momentos destinados à discussão dos resultados (IS6); o relato das conclusões dos grupos teve um tempo próprio na aula (HC5B) a discussão final, pondo em comum resultados e significados, constitui um bom fecho para a aula (JP-IS5); os alunos participam de uma forma dinâmica no relato de conclusões (IS5). Em muitos casos o essencial da actividade decorre numa aula e a discussão na aula seguinte. É uma for- ma prática de gerir o tempo, mas que por vezes dificulta o arranque da dis- cussão e a sua própria produtividade. O professor tem de ajudar os alunos a Histórias de investigações matemáticas 108 aprenderem a apresentar o seu trabalho e a questionarem o trabalho dos colegas: a aprendizagem por parte dos alunos da prática da discussão é algo que leva o seu tempo (JP-IS5); antes de iniciarem a discussão (...), a professora dá indicações de como os alunos devem intervir (HO8A); a pro- fessora sugere que os alunos organizem a sua participação na discussão (IS5); a participação desorganizada da turma leva a professora a intervir para que a aluna conclua o seu raciocínio (HO8A); o aluno explica com segurança como organizou a investigação (AV8). Para que a discussão seja produtiva e todos os grupos tenham oportunidade de mostrar as suas estra- tégias e resultados é preciso encontrar boas estratégias de discussão: a dis- cussão foi realizada questão a questão, com a participação de todos os grupos em simultâneo (JP-IS5); a discussão da tarefa é cuidadosamente preparada pela professora (HO8B). O professor propõe tarefas tendo em vista suscitar a actividade dos alunos. Em cada momento o professor tem de avaliar se a actividade destes é aceitável ou se é preciso fazer alguma acção para a alterar de modo signi- ficativo: a agenda da professora era pôr os alunos a trabalhar de modo produtivo nas questões propostas (JP5); a professora realça que o empe- nho dos alunos mantém-se durante toda a actividade (HO8B). Essa activi- dade incluimúltiplos aspectos. Envolve tanto actividade física (escrever, falar, manipular objectos) como mental (pensar, reflectir): o binómio acção-reflexão é fundamental no processo de ensino-aprendizagem (JP- IS5). A comunicação e negociação de significados é essencial para a aprendizagem: alguns alunos questionam os colegas à medida que apre- sentam o seu trabalho (HO8C); a professora promove a discussão procu- rando valorizar a comunicação entre os alunos (HO8C); a importância dos períodos de discussão é acentuada pela professora: o diálogo final acabou por se tornar num momento importante de descoberta (HC5B); os alunos dão a conhecer as suas descobertas (IS5); uma aluna descobre outras relações e a professora ajuda a relatá-las à turma (IS5). Por vezes, os momentos de discussão colectiva podem ser oportunos a meio da realização de uma tarefa: a professora propõe à turma a utilização da estratégia apresentada pelo aluno (AV8); a professora remete a questão (da aluna) para a turma (HO8A). É através da comunicação que se faz a explicitação das ideias matemáticas: a professora pede ao aluno para ir ao quadro explicar o seu raciocínio aos colegas (IS5). Uma boa comunicação pressu- Histórias de investigações matemáticas 109 põe que os alunos estejam suficientemente à vontade para tomarem a ini- ciativa de falar quando têm coisas importantes para dizer: um dos alunos interrompe a professora para dar a conhecer a sua descoberta (IS5); a professora reconhece a pertinência da dúvida das alunas (HO8A). O ambiente de trabalho e a cultura da sala de aula são aspectos determinantes na aprendizagem. É importante que as aulas tenham um forte ambiente de trabalho, ou seja, que prevaleça a noção de que a aula é para trabalhar e aprender e não simplesmente para passar o tempo. A criação desse ambiente implica um processo continuado. Mas as actividades de investigação podem dar um contributo significativo neste sentido: Assim que os alunos leram o enunciado, começaram de imediato a anunciar as suas descobertas (HC5B); as descobertas dos alunos surgiram em catadu- pa (HC5B). Para que tanto os alunos se sintam bem no ambiente de traba- lho da aula é importante que tenham margem para tomarem, eles próprios, diversas decisões. Assim, colocada entre duas opções contraditórias (numa aula de duas horas, deixar os alunos terem o seu intervalo habitual ou pros- seguir com a tarefas de investigação), a professora dá aos alunos liberdade de escolha, deixando-os decidir sobre um aspecto do funcionamento da aula e, ao mesmo tempo, recebe feedback sobre o seu interesse (JP-IS5). Finalmente, o professor deve ser capaz de organizar os alunos em dife- rentes modos de trabalho na sala de aula: a professora procura a forma mais adequada de organizar o trabalho dos alunos (HC5B). Uma destas formas é o trabalho de grupo: a professora decide realizar trabalho de gru- po — o modo de trabalho que neste caso considera mais adequado às tare- fas propostas (JP-IS5); os alunos trabalham em grupo, evidenciando gran- de entusiasmo (IS6). No entanto, como todos os tipos de trabalho, o traba- lho em grupo tem os seus problemas. O facto de estarem à volta duma mesa não implica que os alunos cooperem muito entre si: os alunos, apesar de estarem em grupo, começaram a trabalhar na tarefa cada um por si (JP5). Em alguns casos, a movimentação necessária para criar as condições físicas propícias ao trabalho de grupo, desencoraja a realização deste tipo de traba- lho: para conseguir mais rapidamente envolver os alunos no trabalho, a professora opta por mantê-los nos seus lugares habituais (IS5). No entan- to, também aos pares e em grande grupo é possível realizar com sucesso este tipo de tarefas: o trabalho em grande grupo também pode ser usado para trabalhar tarefas de investigação (IS5). Por vezes, a dinâmica das actividades e as diferenças entre os alunos podem aconselhar que estes se Histórias de investigações matemáticas 110 dediquem num dado momento a actividades distintas: dois alunos conti- nuam a investigação enquanto os restantes fazem o teste (AV8). A realização de tarefas de investigação na sala de aula exige do pro- fessor uma atitude de reflexão permanente. Que tarefas propor? que supor- tes utilizar? a professora continuou a investigação em casa e preparou material para a aula seguinte (AV8). Como continuar a tarefa já iniciada? surgem muitas dúvidas à professora sobre a continuidade a dar à investi- gação (AV8); a professora planeia dar algumas indicações à turma rela- cionadas com o processo seguido por um dos grupos (HO8C). Que conclu- sões tirar do trabalho feito? a professora considera que este foi um momen- to importante de aprendizagem para si própria (AV8); a professora reflec- te sobre as suas concepções acerca das investigações (AV8); a professora admite vir a propor de novo esta tarefa no futuro (HC5A). Reflexão geral sobre o trabalho desenvolvido Este projecto, como se referiu na introdução, assenta em pressupos- tos gerais sobre a natureza do saber matemático em contexto escolar, sobre o papel das interacções no processo de aprendizagem, sobre a relação do professor com a inovação educativa e sobre o processo de investigação. É chegada a altura de analisar os contributos do trabalho realizado relativa- mente ao conhecimento profissional do professor, de discutir em que medi- da os diversos pressupostos saíram reforçados ou alterados e de apresentar algumas pistas e questões para trabalhos futuros. Tarefas de investigação e saber matemático Um primeiro comentário vai para o valor educacional das tarefas de investigação. A realização de aulas tendo por base trabalho de investigação mostrou potencialidades extremamente significativas para a aprendizagem desta disciplina por parte dos alunos. Este tipo de actividade parece mere- cer, por consequência, um lugar de destaque no saber matemático em con- texto escolar. A capacidade de pensar matematicamente é, pelo menos, tão importante como o domínio de conhecimentos matemáticos específicos. Trata-se de uma capacidade que parece ser claramente estimulada pela rea- lização deste tipo de actividades. Histórias de investigações matemáticas 111 Para além disso, a realização de tarefas de investigação permite o estabelecimento de ligações entre os mais diversos tópicos, dando uma perspectiva coerente e integrada da Matemática, completamente diferente da perspectiva compartimentada que os alunos tendem a manifestar. Trata- se, portanto, de um tipo de actividade que ajuda a criar uma imagem muito diferente — e mais verdadeira — desta ciência. Estas tarefas proporcionam momentos de intenso envolvimento em actividades matemáticas de alunos de diversos níveis etários e de compe- tências. Nas narrativas produzidas neste projecto temos fortes testemunhos do entusiasmo e da riqueza das experiências por eles vividas — aproxi- mando-se muitas vezes da ideia de comunidade de aprendizagem. Se por vezes falta vida na aula de Matemática, ela parece claramente poder ser estimulada com a realização deste tipo de tarefas. Estas tarefas permitem ainda ao professor conhecer melhor as reais capacidades e dificuldades dos seus alunos, dando-lhe a possibilidade de uma mais adequada programação do seu ensino. Por todas estas razões, o trabalho desenvolvido não fez senão refor- çar a nossa convicção na importância curricular deste tipo de trabalho matemático, pelo menos nos ciclos de ensino a que se referem as aulas rea- lizadas no quadro deste projecto (2º e 3º ciclos do ensino básico). Uma outra observação refere-se à natureza das actividades de inves- tigação. O conceito de actividade de investigação tem diversos significa- dos, conforme os autores, os contextos e as tradições. O trabalho realizado (sobretudo pelas discussões que motivou entre os membros da equipa) aju- dou a clarificar este conceito. No início era muito forte a ideia de que as actividades de investigação poderiam ser um bom suportepara a aprendi- zagem de conceitos. Com o prosseguimento da reflexão sobre as experiên- cias tornou-se cada vez mais evidente o valor das actividades de investiga- ção para o desenvolvimento de determinadas competências nos alunos e também como um meio para melhor se compreenderem as suas capacidades e processos de raciocínio. Assim, foi ganhando peso a noção que há grande vantagem em que as propostas de trabalho sejam tanto quanto possível abertas, dando aos alunos uma verdadeira oportunidade de serem eles pró- prios a formular as suas questões. O ponto de partida poderá ser, em muitos casos, uma ou outra questão mais estruturada. Mas, dum modo geral, as tarefas a propor devem permitir ao aluno uma ampla margem de escolhas Histórias de investigações matemáticas 112 pessoais, tanto em relação às questões a estudar como no que se refere às estratégias a seguir. As interacções sociais no processo de aprendizagem No que respeita ao processo de aprendizagem, os nossos pressupos- tos iniciais sobre a importância da interacção na sala de aula também não fizeram mais do que confirmar-se. Colocados perante tarefas estimulantes, os alunos espontaneamente interagem uns com os outros, o que favorece fortemente a aprendizagem. A interacção ocorre em múltiplas ocasiões — quando o aluno dialoga “de igual para igual” com o professor, quando (no trabalho de pares ou em grupo) fala e negoceia com os colegas, ou quando participa numa discussão colectiva. A interacção é essencial para a partilha de significados, para o intercâmbio das ideias e para a sustentação do ambiente de aprendizagem. As aulas de investigação realizadas usaram com bons resultados diversos tipos de modo de trabalho dos alunos (aos pares, em grupos de 4 ou de 5 alunos e em momentos colectivos). Predominou o trabalho de gru- po, que tem sem dúvida potencialidades importantes para facilitar a inte- racção entre os alunos e promover o desenvolvimento da capacidade de cooperação. Mas o trabalho de grupo envolve, como é sabido, uma apren- dizagem de articulação de estilos de trabalho e de características pessoais e de divisão de tarefas que os alunos levam tempo a realizar. O trabalho aos pares também promove a colaboração e a interacção entre os alunos. A principal dificuldade surge durante o acompanhamento na realização da tarefa e na discussão (em vez de 6 ou 7 grupos, o professor tem de dar atenção a 12 ou 13 pares). Numa aula colectiva de investigação, a dinâmica é completamente diferente, mas os resultados podem também ser positivos. O trabalho de investigação realizado teve por base fundamental a sala de aula, mas por vezes propostas de questões para pensar em casa também se revelaram extremamente produtivas. A interacção professor-aluno que tende a ocorrer numa aula de inves- tigação é muito diferente da que ocorre numa aula de exposição de matéria ou de realização de exercícios. Não perde importância, mas muda de natu- reza. Em contrapartida, a interacção aluno-aluno, tende a ser muito mais forte numa aula de investigação do que numa aula de tipo habitual. A emergência de modos de interacção tende a alterar o papel do professor, Histórias de investigações matemáticas 113 que, em vez de “actor” solitário, aparece mais como o “maestro” das acti- vidades da aula. Mais participada e mais produtiva (pelo leque muito mais diversificado das aprendizagens que são promovidas), a aula torna-se deste modo um lugar onde não só se aprende uma Matemática mais autêntica, mas onde também se aprende a discutir, a argumentar e a viver numa rela- ção interpessoal mais democrática. Por outro lado, a interacção entre alunos estimula-os a descobrir novas relações entre conceitos, proporciona-lhes uma maior compreensão e muito mais segurança nas ideias matemáticas. A valorização da importância das interacções que resulta deste pro- jecto, sugere novas questões empíricas a investigar: quais os aspectos característicos das interacções professor-aluno na fase de arranque, de rea- lização e de discussão duma actividade de investigação? e quais os traços principais das interacções aluno-aluno? que relação há entre a natureza da tarefa (mais aberta ou mais estruturada) e as interacções que naturalmente se desenvolvem? e para além da natureza das tarefas, que outros factores intervêm de forma decisiva no desenvolvimento das interacções? O professor e a inovação educativa Relativamente à inovação educativa, a realização deste tipo de tare- fas na sala de aula revelou-se um desafio mais difícil para alguns dos pro- fessores do que aquilo que se podia esperar. O ensino usual da Matemática contempla essencialmente momentos de exposição (de forma mais ou menos dialogada, mas sempre conduzida pelo professor) e de prática de exercícios de aplicação das ideias anteriormente expostas. Todos os profes- sores tiveram certamente ao longo da sua vida momentos mais ou menos gratificantes de investigação (enquanto alunos do ensino não superior, em disciplinas da Faculdade, em cursos de formação contínua, em projectos individuais ou de grupo, etc.). Mas, como mostra a reacção dos professores exteriores à equipa do projecto convidados a colaborar, a ideia de propor este tipo de actividades aos alunos surge para a grande maioria como com- pletamente nova. Quais os objectivos destas actividades? como se articulam com o programa?... Na verdade, nas narrativas incluídas neste trabalho há que distinguir entre as que se referem a professores com uma forte participação anterior em processos de inovação educacional ou que tiveram ao longo deste ano muitas oportunidades de discutir aspectos relacionados com a condução das Histórias de investigações matemáticas 114 actividades de investigação13 e os outros professores, para quem esta ideia surge pela primeira vez. Enquanto que os primeiros se mostram relativa- mente à vontade (embora por vezes também sintam dúvidas e hesitações), os segundos mostram algum embaraço no modo de enquadrar as activida- des de investigação no seu plano curricular. Manifestam interesse e boa vontade, mas evidenciam grande dificuldade em integrar as propostas nos seus planos de trabalho e em executar aulas de investigação. Como seria de esperar, os professores evidenciam diversas dificulda- des, dilemas e receios. Sentem-se em cheque a experimentar os materiais, têm medo de não fazer “bem” as coisas. Manifestam receios que os alunos não compreendam ou não se interessem pelas tarefas, embora outras vezes pareçam acreditar que este tipo de trabalho é intrinsecamente motivante. Nem sempre planeiam com cuidado o arranque das actividades14. Têm tam- bém dificuldade no dosear do apoio a prestar aos alunos, umas vezes dando apoio de mais e outras vezes de menos. Mostram tendência para separar duma forma muito estanque os momentos de trabalho dos alunos dos momentos de discussão — que muitas vezes só ocorrem em aulas distintas. Por vezes dão pistas a mais logo na fase de introdução da tarefa. Raramente promovem discussões intermédias a meio do percurso e por vezes nem fazem a discussão final. Os professores tendem a ficar embaraçados quando a discussão toma caminhos imprevistos, o que pode acontecer tanto com alunos mais velhos como com alunos mais jovens. Eles estimulam e enco- rajam os alunos mas têm dificuldade em colocar boas questões que os orientem sem lhes “dizer tudo”. Sentem insegurança no modo de avaliar os alunos. Estas inseguranças são, de resto, naturais e inevitáveis, sendo cada vez mais necessário aprender a viver com elas. A realização de actividades de investigação na sala de aula constitui obviamente um quadro de acção mais exigente e mais trabalhoso para o professor. As diversas narrativas produzidas mostram também os professores a entusiasmar-se com este tipo de actividade na sala de aula. Mostram que os professores valorizam a realização de investigações e reconhecem as suas próprias capacidades na respectiva condução — na adaptaçãodas tarefas às características dos seus alunos, no relacionamento com os grupos, na reali- zação das discussões e nas decisões tomadas em momentos críticos do tra- 13 Estão neste caso os membros da equipa do projecto e algumas das professoras cooperantes. 14 Uma tendência muito comum entre os professores de Matemática é a de dar uma ficha com o enuncia- do das tarefas aos alunos e dizer-lhes simplesmente para começarem a trabalhar. Histórias de investigações matemáticas 115 balho. Mostram ainda que os professores reconhecem novas competências e capacidades nos alunos, surpreendendo-se com frequência com aquilo que eles são capazes de fazer. Em resumo, parece existir o potencial para fazer destas actividades um eixo importante no ensino da Matemática. Mas não pode ser subestima- do o trabalho de apoio (em recursos, em formação, em dispositivos perma- nentes de troca de experiências) necessário para que a sua prática se possa tornar corrente nas aulas desta disciplina. A metodologia Este projecto de investigação teve uma forte dimensão colaborativa, propondo-se reflectir com os professores sobre a sua prática. Pretendíamos encontrar modos de facilitar a reflexão aos professores sobre o conheci- mento profissional implícito nas suas aulas — com o duplo objectivo de lhes proporcionar uma oportunidade de reflexão acompanhada e de obter os dados necessários para a investigação. Nas conversas posteriores às aulas verificámos que os professores falam com gosto sobre coisas que acontece- ram, o que disse o aluno, o que fez o grupo, etc. em registos informais. Mas quando se adopta um registo formal de entrevista (e pior ainda, quando se começa a gravar a conversa), os professores tendem a falar muito pouco. O seu constrangimento é evidente. Tudo corre ainda pior quando se dispõe de pouco tempo. Apesar disso, à falta de melhor alternativa, neste projecto usámos extensivamente as gravações. Futuramente, serão de ensaiar outras técnicas que permitam evitar estes problemas. Uma hipótese será procurar fazer um melhor planeamento do tempo. Outra possibilidade será usar metodologias em que a conversa seja “gravada” na memória do investiga- dor, sendo transcrita posteriormente o mais rapidamente possível. Só a comparação de diversos procedimentos de investigação poderá indicar qual o modo mais vantajoso para se alcançar tanto o objectivo formativo como o de investigação. Na maior parte dos casos, foram observadas as aulas onde se propu- seram tarefas de investigação15. Em alguns casos efectuaram-se registos vídeo. A realização de discussões, não logo a seguir à aula mas um pouco mais tarde, já depois de visto o vídeo e seleccionados pontos para discus- 15 O processo de realizar observações e os instrumentos de apoio a usar nesta tarefa precisam de ser objecto de maior atenção em futuros estudos. Histórias de investigações matemáticas 116 são, revelou-se particularmente frutífera. Mas estas discussões também mostram que, para o professor, reflectir sobre as aulas é sempre uma tarefa difícil. Torna-se evidente que os professores não têm um vocabulário muito fluente para descrever e analisar as suas aulas. É-lhes particularmente com- plicado explicar e fundamentar as suas opções, tanto na preparação como na condução da aula, o que resulta certamente do modo essencialmente intuitivo como planeiam e executam a maior parte da sua actividade. O trabalho realizado neste projecto evidencia igualmente a tendência do investigador para avaliar os acontecimentos da aula de modo diferente do professor. A adopção de uma atitude crítica pela parte dos investigado- res em relação aos professores inviabiliza o desenvolvimento duma relação de proximidade e confiança e põe completamente em causa a produção das narrativas. Além do mais, a aparente assimetria de autoridade sobre o assunto pode condicionar a própria reflexão do professor se o investigador não for cuidadoso e insistir em atender apenas aos seus pontos de vista sobre a situação vivida. As narrativas são uma ideia fundamental da metodologia do projecto. O que apreendemos a seu respeito? Na grande maioria dos casos, as narra- tivas aqui apresentadas são da iniciativa dos membros da equipa, tendo por base a observação da aula e a discussão com o professor. Mas há várias excepções, como as auto-narrativas feitas pelos próprios professores que viveram os acontecimentos e uma narrativa tendo por base o visionamento do vídeo e o testemunho oral da professora. A intenção de dar aos professo- res um papel importante na redacção inicial das narrativas não deve, no entanto, ser completamente abandonada, sendo necessário procurar formas alternativas de a concretizar. Depois de algumas tentativas de narrativas mais ou menos mal suce- didas, chegámos à conclusão que uma narrativa tem de ter um tema central. Não pode conter “tudo” sobre a aula, pois nesse caso corre o sério risco de se transformar num relatório. Sendo a narrativa um modo de descrever a experiência vivida, ela tem que necessariamente conter ‘cor’ porque é dessa forma que as situações são percebidas pelos intervenientes. O relatório, ao invés, tende a ser um registo mais linear que, pretendendo-se objectivo e imparcial, é desprovido das sensações, das incertezas e do sentido que o acontecimento teve para a pessoa que o viveu. Uma narrativa precisa naturalmente de ter uma complicação princi- pal (que pode ser sentida pelo professor ou pelo observador). Precisa, além Histórias de investigações matemáticas 117 disso, de ter uma “avaliação” que nos dê a perspectiva do narrador (neste caso, o professor). Finalmente, precisa de ter um mínimo de atractivo para quem as lê16, o que significa que a complicação da acção foi identificada como tal pelo leitor e que este procura conhecer o seu desenvolvimento e desfecho. A produção das narrativas revelou-se um processo bastante mais penoso do que o que tínhamos suposto — tanto para os professores como para os próprios membros da equipa. Foi necessário um esforço considerá- vel para produzir a presente colecção. Apesar disso, consideramos o pro- cesso de construção das narrativas como francamente fecundo. Ajudou-nos a compreender novos aspectos do processo de ensino-aprendizagem, em especial no que toca às actividades de investigação. A procura da compli- cação em cada caso levou-nos a ver a aula sob novas perspectivas, ajudou- nos a ver aspectos da aula que muitas vezes não entram nos relatos usuais. No fim deste trabalho o que podemos dizer sobre o alcance e o valor das narrativas? Elas constituem relatos interessantes que poderão ser utili- zados na formação (inicial e contínua) de professores. Poderão igualmente servir para investigadores, técnicos de educação, políticos e pais terem um melhor conhecimento do que se passa do outro lado dos acontecimentos. Continuamos a acreditar que serão um bom meio de divulgação de questões relacionadas com as problemáticas da didáctica da Matemática e o conhe- cimento profissional do professor. Só o futuro poderá dizer se temos nesse ponto alguma razão. Nota final O confronto da experiência do projecto com as impressões da visita de estudo realizada a Inglaterra por membros da equipa suscita-nos algu- mas reflexões finais. Neste país, a sala de aula de Matemática começa por dar a um visitante desprevenido uma impressão de grande desarrumação. Não será de admirar, porque nas nossas salas de aula (praticamente só com mesas e cadeiras) não há muita coisa para desarrumar. No entanto, pode-se fazer uma outra leitura: nas aulas de Matemática inglesas, ao contrário das nossas, usam-se bastantes materiais e há uma grande actividade. Naquele país, as salas (do 6º ano de escolaridade em diante) tendem a ser atribuídas 16 A avaliação de que modo este objectivo foi atingido fica, naturalmente,a cargo do leitor. Histórias de investigações matemáticas 118 às disciplinas (e não às turmas), favorecendo a organização de recursos para o ensino-aprendizagem. Numa semana, visitando escolas um pouco ao acaso, foi possível descobrir alunos a realizar actividades de investigação, bem como aulas de tipo mais habitual. Nas aulas de investigação salta à vista a pouca atenção que, aparentemente, o professor dedica aos alunos. A outra leitura é que os alunos trabalham de modo muito mais independente do que o que nós estamos habituados a ter nas nossas aulas. Nestas condições, o registo escrito do trabalho realizado tem um peso muito grande. Nos seus trabalhos (a maior parte dos quais individuais) os alunos explicam todo o seu racio- cínio por escrito. O trabalho de grupo não é, aparentemente, a prática domi- nante (embora os alunos estejam sentados com frequência em grupos de 3 ou 4 numa mesa). Mesmo quando os alunos trabalham em grupo, cada um entrega o seu relatório. Na aula vê-se pouca discussão. Aparentemente, os professores dão um papel pouco relevante a este momento de trabalho. O que importa sobretudo é o trabalho escrito e é isso que é tido em conta para avaliação. Sabemos que a oralidade é difícil, sobretudo na argumentação à volta de questões incertas em que tanto o professor como os alunos têm que estar constantemente a “pensar em voz alta”, sujeitando-se com frequência a errar e a ter de mudar as suas posições e opiniões. Será que a revaloriza- ção da dimensão oral (no apoio a prestar aos alunos, nos momentos de dis- cussão colectiva) se revelará um desafio demasiado ambicioso para os pro- fessores e alunos portugueses? O trabalho final dos alunos, relativo a cada investigação, é apresen- tado por escrito e levado pelo professor para corrigir em casa. O professor, em Inglaterra, faz muito mais trabalho de verificação das produções escri- tas dos alunos do que é habitual entre nós. Mas, como vimos, não é só neste aspecto que o trabalho do professor se torna mais exigente. Será que os professores portugueses estarão disponíveis para o investimento extra que representa a preparação, a condução e a avaliação regular deste tipo de acti- vidades? Nas escolas existem portefólios com trabalhos antigos dos alunos que os professores mostram com gosto aos visitantes. Pelo volume dos tra- balhos feitos, percebe-se que as investigações têm um peso significativo nas actividades da aula. Mas também se vêem os alunos a fazer exercícios repetitivos. As aulas de “matéria nova”, tal como entre nós, são muito estruturadas e centradas no professor. Tudo parece indicar que se passou a Histórias de investigações matemáticas 119 ter aulas de três tipos: (a) introdução de novos assuntos, (b) exercícios de aplicação, e (c) investigações. Será isto inevitável ou será possível ir mais longe e conseguir uma maior integração entre estes três tipos de situação de ensino-aprendizagem? Em Inglaterra, os professores já parecem ter interiorizado que reali- zar investigações faz parte do trabalho normal da aula de Matemática. Tra- ta-se de um dado adquirido, além do mais claramente estabelecido no currí- culo oficial. No entanto, existe na comunidade de educação matemática um grande mal estar em relação a esta questão. Muitos investigadores apontam que a generalização forçada destas actividades pela regulamentação oficial levou ao estabelecimento de práticas que tendem a rotinizar este tipo de processos, fazendo-as perder o essencial dos seus objectivos e das suas características — momentos de actividade matemática genuína e criativa por parte dos alunos. Enfim, são problemas que nos devem alertar para o facto de que a divulgação das actividades de investigação na aula de Matemática não pode deixar de assentar em primeiríssimo lugar na descoberta do seu real valor educativo por parte dos professores. Histórias de investigações matemáticas 120 5. BIBLIOGRAFIA Bishop, A., & Goffree, F. (1986). Classroom organization and dynamics. In B. Christiansen, A. G. Howson, & M. Otte (Eds.), Perspectives on mathematics education (pp. 309-365). Dordrecht: D. Reidel. Bruner, J. (1991). The narrative construction of reality. Critical Inquiry, Nº 18, pp. 1-21. Caraça, B. (1958). Conceitos fundamentais da Matemática. Lisboa: Sá da Costa. Carter, K. (1993). The place of story in the study of teaching and teacher education. Educational Researcher, Vol. 22, Nº 1, pp. 5-12. Castro, E. (1995). Exploración de patrones numéricos mediante configura- ciones puntuales. Granada: Comares. Christiansen, B., & Walter, G. (1986). Task and activity. In B. Christiansen, A. G. Howson, & M. Otte (Eds.), Perspectives on mathematics educa- tion (pp. 243-307). Dordrecht: D. Reidel. Clandinin, D. J., & Connely, F. M. (1991). Narrative and story in practice and research. In D. A. Schön (Ed.), The Reflective turn: Case studies in and on educational practice (pp. 258-281). New York: Teachers College Press. Clandinin, D. J. (1992). Narrative and story in teacher education. In T. Russel & H. Munby (Eds.), Teachers and teaching: From classroom to reflection Londres: The Falmer Press. Connely, F. M., & Clandinin, D. J. (1986). On narrative method, personal philosophy, and narrative unities in the story of teaching. Journal of Research in Science Teaching, Vol. 23, Nº 4, pp. 293-310. Connelly, F. M., & Clandinin, D. J. (1990). Stories of experience and narra- tive inquiry. Educational Researcher, Vol. 19, 5, pp. 2-14. Correia, J. L. (1995). Concepções e práticas de professores de Matemática: Contributos para o estudo da pergunta. (Dissertação de mestrado, Universidade de Lisboa). Lisboa: APM. Cortazzi, M. (1993). Narrative analysis. London: Falmer Press. Histórias de investigações matemáticas 121 Cockcroft, W. H. (1982). Mathematics counts (report of The Comittee of Inquiry into the Teaching of Mathematics in Schools). London: Her Majesty Stationery Office. Ernest, P. (1991). The philosophy of mathematics education. London: Fal- mer. Hammond, A. L. (1978). Mathematics: Our invisible culture. In L. A. Steen (Ed.). Mathematics today: Twelve informal essays (pp. 16-34). New York: Springer. Hatch, G. (1995). If not investigations: What? Mathematics Teaching, Nº 151, pp. 36-39. Hewitt, D. (1994). Train spotters’ paradise. Em M. Selinger (Ed.), Teach- ing mathematics (pp. 47-51). London: The Open University. Jaworski, B. (1994). Investigating mathematics teaching: A constructivist enquiry. London: The Falmer Press. Lampert, M. (1990). When the problem is not the question and the solution is not the answer: Mathematical knowing and teaching. American Educational Research Journal, Vol. 27, Nº 1, pp. 29-63. Lerman, S. (1989). Investigations: Where to now? Em P. Ernest (Ed.), Mathematics teaching: The state of the art (pp. 73-80). London: Fal- mer Press. Love, E. (1988). Evaluating mathematical activity. Em D. Pimm (Ed.), Mathematics, teachers and children: A reader (pp. 249-262). London: Hodder & Stoughton. Mason, J. (1978). On investigations. Mathematics Teaching, Nº 84, pp. 43- 47. Mason, J. (1991). Mathematical problem solving: Open, closed and ex- ploratory in the UK. ZDM, Vol. 91, Nº 1, pp. 14-19. Mattingly, C. (1991). Narrative reflections on practical actions: Two learn- ing experiments in reflective storytelling. In D. Schön (Ed.), The re- flective turn: Case studies in and on educational practice (pp. 235- 257). New York: Teachers College Press. MSEB (1989). Everybody counts: A report to the nation o the future of mathematics education. Washington: National Academy Press. NCTM (1991). Normas para o currículo e a avaliação em Matemática escolar (tradução portuguesa da APM do original em inglês de 1989). Lisboa: APM e IIE. Histórias de investigações matemáticas 122 NCTM (1994). Normas profissionais para o ensino da Matemática (tradu- ção portuguesa da APM do original em inglês de 1991). Lisboa:IIE e APM. Ollerton, M. (1994). Contexts and strategies for learning mathematics. Em M. Selinger (Ed.), Teaching mathematics (pp. 63-72). London: The Open University. Pirie, S. (1987). Mathematical investigations in your classroom. London: Macmillan. Pólya, G. (1945). How to solve it: A New aspect of the mathematical method. Princeton: Princeton University Press. Ponte, J. P. (1994). Mathematics teachers professional knowledge Proceed- ings of the PME XVIII (Vol. I, pp. 195-210), Lisboa. Ponte, J. P. (1995). A didáctica da Matemática numa perspectiva de desen- volvimento profissional. In Colectânea de Textos de Didáctica da Matemática (Vol I) Lisboa: DEFCUL. Ponte, J. P. (em preparação). O professor de Matemática. In Investigação e desenvolvimento curricular em Matemática. Lisboa: IIE. Riessman, C. K. (1993). Narrative analysis. Newbury Park: Sage. Schoenfeld, A. H. (1982). Recent advances in mathematics education: Ideas and implications. In S. Rachlin (Ed.), Probelm solving in the mathematics classroom (Math monograph, no 7) (pp. 127-140). Al- berta: MCATA. Schoenfeld, A. H. (1992). Learning to think mathematically: Problem solv- ing, metacognition, and sense making in mathematics. In D. A. Grouws (Ed.), Handbook of research on mathematics teaching and learning (pp. 334-370). New York: Macmillan. Shell Center for Mathematical Education (1993). Problemas con pautas y números (edição espanhola). Vizcaya: Servicio Editorial de la Univer- sidad del Pais Vasco. Solas, J. (1992). Investigating teacher and student thinking about the proc- ess of teaching and learning using autobiography and repertory grid. Review of Educational Research, Vol. 62, Nº 2, pp. 205-225. Histórias de investigações matemáticas 123 6. ANEXOS Histórias de investigações matemáticas 124 Potências e regularidades 1. O número 729 pode ser escrito como uma potência de base 3. Para o verificar basta escrever uma tabela com as sucessivas potências de 3: 32 = 9 33 = 27 34 = 81 35 = 243 36 = 729 • Procura escrever como uma potência de base 2 64 = 128 = 200 = 256 = 1000 = • Que conjecturas podes fazer acerca dos números que podem ser escri- tos como potências de base 2? e como potências de base 3? Histórias de investigações matemáticas 125 2. Repara na seguinte tabela de potências de 5 51 = 5 52 = 25 53 = 125 54 = 625 • O último algarismo de cada uma das sucessivas potências é sempre 5. Será que isso também se verifica para as potências seguintes de 5? • Investiga o que se passa com as potências de 6 • Investiga também as potências de 9 e 7. 3. Repara que os cubos dos primeiros números naturais obedecem às seguintes relações: 13=1 23=3+5 33 = 7+9+11 • Nota que, no exemplo acima, 13 foi escrito como uma “soma” com um único número ímpar, 23 como a soma de dois números ímpares e 33 como a soma de três números ímpares. Será que o cubo de qualquer número pode ser escrito como a soma de números ímpares? Histórias de investigações matemáticas 126 Números quadrados e triangulares 1. Os números quadrados podem “escrever-se” formando quadrados. Por exemplo: • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 1 4 9 16 25 36 • Descobre um processo rápido de descobrir se um número qualquer é quadrado e regista-o na tua folha de trabalho. 2. Os números triangulares podem “escrever-se” formando triângulos. Por exemplo: • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 1 3 6 10 15 21 • Escreve os cinco números triangulares que se seguem ao 21. • Investiga um processo rápido de descobrir se um número qualquer é triangular ou não. • Regista as tuas conclusões. Histórias de investigações matemáticas 127 Explorações com números • Procura descobrir relações entre os números que se seguem: 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 ... ... ... ... • Como sempre, regista as conclusões que fores obtendo. Histórias de investigações matemáticas 128 Às voltas com os múltiplos • Escreve em coluna os 20 primeiros múltiplos de 5. • Repara nos algarismos das unidades e das dezenas. Encontras algumas regularidades? • Investiga agora o que acontece com os múltiplos de 4 e 6. • Investiga para outros números. Histórias de investigações matemáticas 129 Propriedades das potências de expoente inteiro 1. Recorda as regras do cálculo com potências e aplica-as sempre que pos- sível às seguintes expressões: • 105 : 102 • 23 + 24 • 24 x 34 • 32 - 33 • (-12)6 : 26 • 3n x 2n • (-5)3 : (-5)3 • a5 : a5 2. Nota que nos dois últimos casos da questão anterior podes aplicar tanto a regra do quociente de potências com a mesma base como a do quociente de potências com o mesmo expoente. • Que resultados obténs aplicando as duas regras? • Experimenta com outros exemplos idênticos aos anteriores. O que poderás concluir acerca do valor de a0? 3. Considera agora a sequência: 81 27 9 3 1 13 1 9 1 27 ... • Qual é a lei de formação dos termos desta sequência? • Representa os termos indicados sob a forma de potências de base 3. • Serás capaz de encontrar uma expressão geradora que represente todos esses termos? Histórias de investigações matemáticas 130 Quadrados com fósforos • Quantos fósforos foram utilizados na construção deste quadra- do? • Investiga quantos fósforos são necessários para construir qual- quer quadrado deste tipo. View publication statsView publication stats https://www.researchgate.net/publication/261178171