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220 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 9 Variantes linguísticas Comunicação oral e escrita A comunicação escrita é a forma tangível das imagens acústicas da linguagem articulada, manifesta um estado avançado da língua e só é encontrada nas civilizações evoluídas (há línguas ágrafas, isto é, sem escrita). Sua ori- gem situa-se na necessidade de as pessoas conservarem as mensagens para veiculá-las ou transmiti-las. Na língua falada, a percepção de uma mensagem é simultânea; na escrita, o receptor só lê a mensagem depois de sua for- mulação. A escrita é uma garantia legal, confia-se sempre mais em uma assinatura, em um contrato do que em uma palavra dada, ou em um aperto de mão. Na língua oral, a comunicação só é possível se o emissor não ultrapassar os limites fisiológicos (pode haver ruídos, por exemplo), se a mensagem for identificável (um código comum ao emissor e receptor) e se o contato psicológico se mantiver. Traços da oralidade A língua, quando utilizada oralmente, apresenta suas especificidades, as quais devem ser respeitadas e aceitas como marcas desse tipo de comunicação. Veja a seguir algumas delas. Repetição A repetição é comum na oralidade; na escrita culta, deve ser evitada. Observe o texto a seguir. – Eu falei pra mãe, mas a mãe não escutou. Diz pra mãe novamente, tá? O termo “mãe” é repetido em curto espaço de tempo. Na escrita culta, tal procedimento não seria adequado, a menos que se queira produzir algum efeito de sentido. Mudança de pronúncia Ao pronunciar as palavras, o falante omite sílabas, con- soantes finais, abrevia palavras (como em pra em vez de para) e altera a pronúncia das vogais. Observe como Jô Soares satiriza a oposição oral/escrito no texto a seguir. “Português é fácil de aprender porque é uma língua que se escreve exatamente como se fala”. Pois é. U purtuguêis é muinto fáciu di aprender, purqui é uma língua qui a genti iscrevi ixatamenti cumu si fala. Num é cumu inglêis qui dá até vontadi di ri quandu a genti dis- cobri cumu é qui si iscrevi algumas palavras. Im portuguêis não. É só prestátenção. U alemão pur exemplu. Qué coisa mais doida? Num bate nada cum nada. Até nu espanhol qui é parecidu, si iscrevi muinto diferenti. Qui bom qui a minha língua é u portuguêis. Quem soubé falá sabi iscrevê. Jô Soares. Veja, n. 1.158, 28 nov. 1990. p. 19. Quebra sintática Outro traço de oralidade é o uso do anacoluto; o falante começa a frase e, em seguida, interrompe-a, iniciando outra ou abandonando-a. – Você quebrou... agora eu já sei... eu... meu pai vai dar uma bronca em você. Léxico menos formal Na língua oral cotidiana, o vocabulário é mais informal. Dependendo do falante, há o emprego de gírias ou de um léxico mais chulo (palavrões): – A mina tá viajando, cara. Eu não fiz nada, tá ligado?! Coordenação O predomínio da coordenação está ligado ao fato de que, nesse tipo de comunicação, utiliza-se uma sintaxe mais simples e frases mais curtas. – O meu time foi mal. O que fazer? Mudar o time, claro, e mandar um monte de jogador embora. Mas com aquele técnico... Está tudo errado e ninguém faz nada. Elipses Ainda que se observe a ocorrência de elipses na es- crita, elas se tornam mais abrangentes na fala. No texto a seguir, o falante omite palavras como “está” (está na esquer- da...), “passa” (Pelé passa de calcanhar), “bola” etc. Brasil × Suécia Final Mundial 1958 O time do Brasil na esquerda com Orlando, Orlando para Pelé. Pelé domina no peito, de calcanhar para Zagalo, Zagalo prepara-se, vê Pelé penetrando rápido na área, Za- galo levanta para Pelé, Pelé entrou de cabeça para o arco e GOOOOOOOOOL!!! Devido ao excesso de elipses, é frequente o uso de frase nominal. Atenção Coloquial e culto A norma culta está mais presente na comunicação es- crita, pois, nesse tipo de linguagem, há a necessidade de um código mais uniforme. O coloquial, por sua vez, é mais utilizado na comunicação oral, pois nesta a comunicação costuma ocorrer em tempo real, atendendo às necessida- des da interação imediata. Há momentos em que o culto será utilizado na comunicação oral – momentos com mais formalidade, por exemplo, uma palestra. O coloquial também pode estar presente na escrita, por exemplo, no romance, na crônica, no conto etc. Atenção Os tipos de variante A língua pode variar de acordo com o tempo, com o espaço, com o grupo social, com a situação, com a idade e com o sexo. Tais variações comprovam como a língua está em constante transformação e como ela é dinâmica. Veja, a seguir, os exemplos de cada variação. PV_2021_LU_ITX_FU_CAP9_LA.INDD / 16-09-2020 (20:49) / DANIELA.CAPEZZUTI / PROVA FINAL FR EN TE Ú N IC A 221 Histórica A língua varia no tempo – há palavras, expressões e construções típicas de determinada época. Veja os textos a seguir e observe as variantes ortográficas e lexicais (vo- cabulário). Exemplo 1 PALAVRA DE DEOS EMPENHADA, E DESEMPENHADA: E M P E N H A D A NO SERMAM DAS EXEQVIAS DA Rainha N. S. Dona Maria Francifca Ifabel de Saboya; D E S E M P E N H A D A NO SERMAM DE ACÇAM DE GRAÇAS Pelo nafcimento do príncipe D. João Primogênito De S.S. Antônio Vieira. Palavra de Deos empenhada, e desempenhada [...]. Lisboa: Officina de Miguel Deslandes, 1690. No texto de Vieira, do século XVII, nota-se que as re- gras que norteiam a ortografia são outras: presença do “y”; sequência “am” em vez de “ão”; “magestade” com “g” em vez de “j”; “Deos” em vez de “Deus”. Exemplo 2 Re pr od uç ão Fig. 1 Variante histórica. Na publicidade apresentada, do início do século XX, observa-se o emprego de uma ortografia diferente da usa- da nos dias atuais; a presença do “ph”, de etimologia grega, e do p mudo, por exemplo, projetam a língua no tempo. Geográfica A língua varia no espaço; de região para região, te- mos vocábulos e expressões diferentes, que refletem uma geografia e uma cultura peculiares. Em Santos, cidade do litoral sul paulista, o falante pediria 20 pães dessa maneira: – Seu Manuel, me dê vinte médias, por favor. Na cidade de São Paulo, no entanto, “média” significa café com leite e pão com manteiga; vinte médias seriam vinte cafés com leite e vinte pães com manteiga. No sul do país, mandioca recebe o nome de aipim; já no nordeste é chamada macaxeira. Palavras que em Portugal possuem outro significado: Girafas da BOA Pilsen – Duas girafas, Manuel! alfinete: lá é broche bica: o nosso cafezinho drogaria: é o nosso armarinho, não vende remédios estalo: trata-se de uma bofetada fino: chope pequeno girafa: cerveja hipótese: em Portugal significa chance jogo do galo: é o jogo da velha pipi: órgão sexual feminino das “meninas”; também [pode significar “elegante” quinta: sítio, pequena propriedade reformado: aposentado salchicha: é a nossa linguiça trepador: ciclista 31 de boca: entrar numa fria, mentira vaivêm: ônibus espacial Mário Prata. Dicionário de português Schifaizfavoire. Disponível em: <https://www.dartmouth.edu/~mavall/libguides/documents/ Schifaizfavoire.pdf>. [Adaptado.] Social A língua varia de acordo com a classe social. Os se- tores da sociedade mais privilegiados economicamente utilizam com mais frequência a variante culta; já os me- nos privilegiados, a coloquial. Observe a seguir a letra de uma canção de Adoniran Barbosa – ela retrata o falar de classes populares: PV_2021_LU_ITX_FU_CAP9_LA.INDD / 15-09-2020 (15:03) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL PV_2021_LU_ITX_FU_CAP9_LA.INDD / 15-09-2020 (15:03) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL 222 INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 9 Variantes linguísticas Luz da Light Lá no morro, Lá no morro, quando a luz da Light pifa a gente apela pra vela Que alumeia também, quando tem Se não tem, [...] Adoniran Barbosa. Luz da Light. Intérprete: Demônios da Garoa. In: Mais demônios que nunca. São Paulo: Trama, 2000. Faixa 4. Notam-se, da letra dessa canção, falta de concordância, gírias, léxico informal, repetições e abreviações, ou seja, marcas de coloquialida- de. Trata-se deuma variante popular. Atenção Situacional A língua varia conforme a situação; em contextos mais formais, por exemplo, há o predomínio do culto; em situa- ções mais informais, há o predomínio do coloquial. Situação de formalidade: Traga-me uma cerveja, por favor. Situação de informalidade: Uma breja, campeão! As variantes culta e popular (níveis gramaticais) Lexical A língua varia no vocabulário. Veja o anúncio a seguir. Oh meu! já leu Machadão? Então dá uma sapiada, é o maior barato! Pode crê que no �nal do livro seu vocabulário vai �cá massa! Galeria do rock pauleira: CD’s, DVD’s e livros. Rua da Paz, 41 – Bom retiro, SP. D iv ul ga çã o O texto anterior utiliza a variante popular no nível do vocabulário. Morfológico No nível da morfologia, isso ocorre quando está em jogo a variação em gênero, número e grau e no uso de afixos (prefixo e sufixo). Variante culta: O moço era sem-vergonha! Variante popular: O moço era sem-vergonho! Variante culta: Que luxo, é nobilíssimo! Variante popular: Que luxo, é supernobre! Variante culta: Ela é macérrima! Variante popular: Ela é magríssima! O termo “magríssimo”, superlativo consagrado na língua oral, deve ser evitado em situação culta, mas encontra registro em gramáticas como forma vulgar de “macérrimo”. Já o termo “magérrimo”, am- plamente utilizado na linguagem coloquial, não tem respaldo nas gramáticas tradicionais e, por isso, deve ser evitado. Atenção Sintático Trata-se de variedade na regência e na concordância, principalmente. Variante culta: Chegaram as férias, graças a Deus! Variante popular: Chegou as férias, graças a Deus! Observa-se a falta de concordância na segunda oração. É interessante observar que a variação sintática ocorre também no uso de orações; em Portugal, por exemplo, há uma preferência pelo infinitivo precedido de preposição em vez do gerúndio, note: Portugal Brasil Estava a jogar futebol. Estava jogando futebol. infinitivo gerúndio PV_2021_LU_ITX_FU_CAP9_LA.INDD / 15-09-2020 (17:48) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL
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