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FR EN TE Ú N IC A 43 divisão em quatro partes. Platão sugere que as partes não são divididas igualmente, mas mantendo uma mesma pro- porção em cada divisão. Nem mesmo entre os especialistas há consenso sobre o sentido dessa desigualdade; para nós, é suficiente imaginar as quatro partes iguais. Para cada uma dessas partes, Platão credita um certo tipo de objeto e um tipo de conhecimento apropriado a esse objeto. O primeiro tipo de objeto são as sombras e reflexos de objetos físicos, sendo o modo de conhecimento correspondente a eles a imaginação. Esses são os objetos com menor grau de realidade, e o conhecimento correspondente é o que possui menor grau de clareza. Conforme seguimos a linha, há uma gradação crescente em ambos os aspectos: os objetos de conhecimento se tornam mais reais que os anteriores, servindo como modelos dos quais os anteriores são cópias, e o tipo de conhecimento envolvido se torna também mais claro. Das sombras e reflexos, passamos aos objetos físicos em si, cujo conhecimento correspondente é a crença. Essas duas primeiras partes ainda se encontram na primeira grande divisão, que corresponde ao mundo sensível, sujeito à mudança e à destruição. Os próximos objetos na escala de realidade e consequente clareza de conhecimento são os objetos matemáticos: números, formas, proporções. Ainda que eu possa desenhar um triângulo ou construir um objeto em forma triangular, minha representação do triângulo não é o triângulo. O nome que ele dá a esse tipo de conhecimento pode ser traduzido como “raciocínio”. O último grau na escala de realidade e de clareza é ocupado pelas ideias. Elas são o modelo copiado por todas as outras formas de existência, e apenas com respeito a elas é possível haver a forma mais clara de conhecimento. O objetivo último do projeto educacional que Platão propõe para os governantes é a possibilidade de alcançar este tipo de conhecimento, que ninguém pode ensinar diretamente, de forma que a cidade fosse governada por aqueles que fossem capazes de apreender diretamente as ideias de Justiça, Bondade e Harmonia, entre outras. Em resumo, Platão está propondo o governo do rei-filósofo. A terceira alegoria trazida por Platão é, sem dúvida, a mais célebre de todas e talvez a parte mais conhecida de sua filosofia. Trata-se da Alegoria da Caverna, às vezes mais conhecida – de forma menos precisa – como o mito da caverna. Ela se inicia assim: imagine um grupo de prisioneiros vivendo no fundo de uma caverna. Eles sempre viveram aprisionados, de modo que não sabem o que existe lá fora, e estão acorrentados de tal forma que são forçados a olhar sempre para o fundo da caverna. A caverna vai ficando mais baixa conforme nos aproximamos do fundo. Próximo à entrada, existe uma fogueira, cuja luz se projeta no fundo da caverna formando uma espécie de tela de cinema. Às vezes, pessoas carregando objetos passam entre a fogueira e o fundo da caverna, sendo suas sombras projetadas no fundo e vistas pelos prisioneiros. Como eles nunca saíram da caverna nem sequer puderam olhar para trás, isto é, diretamente para a fogueira, eles acreditam que apenas existam sombras e, portanto, que elas produzem os sons que eles escutam. Platão narra, então, o que acontece quando um dos pri- sioneiros se liberta de suas correntes e sai da caverna, ainda que seja difícil e ele sinta seus olhos doerem ao se voltar para a luz. Ele passa por quatro etapas: primeiro olha para as pessoas com os objetos passando em frente à fogueira e compreende que elas são as causas das sombras que os prisioneiros veem; depois, olha para a fogueira e compreende que ela é a fonte da luz que permite que as sombras sejam produzidas e que ele agora enxergue essas coisas direta- mente. A seguir, ele sai da caverna e vê os mesmos objetos que viu dentro da caverna, agora iluminados pela luz do Sol, e percebe que eles se apresentam de forma muito mais nítida. O último estágio é conseguir olhar diretamente para o Sol e compreender que a existência de todo o resto depende dele, assim como nossa capacidade de enxergar tudo. Fig. 8 Ilustração grega da Alegoria da Caverna. As sombras parecem ser a realidade. M at ia sD el C ar m in e/ Sh ut te rs to ck .c om Platão coloca, então, a pergunta: o que aconteceria se o prisioneiro regressasse à caverna e contasse aos seus colegas tudo o que viu? Será que eles acreditariam nele? Ou relutariam em aceitar que tudo o que conheceram até agora era uma parte muito pequena da realidade? A res- posta de Sócrates (o personagem que relata as alegorias) é que eles o tratariam como louco e o matariam. A interpretação mais comum sobre a Alegoria da Caverna é considerá-la uma imagem de nossa relação Objetos Estados da mente Mundo inteligível Mundo sensível Ideias Objetos matemáticos Coisas visíveis Imagens Raciocínio (dianoia) Crença (pistis) Imaginação (eikasia) A B C D Inteligência (nóesis) ou conhecimento (episteme) Fig. 7 Esquema que ilustra a Alegoria da Linha, de Platão. PV_2021_FIL_FU_CAP4.INDD / 07-09-2020 (16:26) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL PV_2021_FIL_FU_CAP4.INDD / 07-09-2020 (16:26) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL FILOSOFIA Capítulo 4 Platão 44 com o conhecimento. Devido à dificuldade de abandonar nossas certezas e empreender esse doloroso processo de aquisição do conhecimento, muitas pessoas rejeitarão qualquer incentivo para que elas também busquem mais conhecimento e preferirão desacreditar aqueles que o fazem. A Alegoria da Caverna seria, então, uma representação da busca pelo conhecimento e de suas dificuldades e, em algum sentido, da própria filosofia. A Alegoria da Caverna nada mais é do que uma expli- cação mais figurativa do que a Alegoria da Linha. O interior da caverna representa o mundo sensível, em que tudo é material e, portanto, sujeito à mudança, oferecendo-se ape- nas a uma forma limitada de conhecimento – iluminado apenas pela fogueira. O exterior representa o mundo in- teligível, em que os objetos podem ser vistos muito mais claramente, sendo o Sol o ápice de tudo que podemos conhecer e responsável pela luz que torna todo o resto acessível aos nossos olhos. A primeira alegoria, que não mencionamos, faz justamente um paralelo entre o Sol e a ideia do Bem, considerada por Platão superior em relação a todas as outras ideias e causa de tudo que existe. Ao final de A República, Platão inclui outra narrativa que se tornou também bastante conhecida: o Mito de Er. Este é um mito tradicional da cultura grega, mas é alterado e usado por Platão para explicar sua teoria da reminiscência. Conta Platão que, após a morte, quando as almas estão fazendo a travessia entre uma encarnação e outra, atra- vessam um rio chamado Léthes, que, em grego, significa esquecimento. Nesse ponto da travessia, as almas estão com sede e bebem a água do rio – mas beber dessa água faz com que elas esqueçam o que aprenderam em sua vida anterior. Quanto mais água bebem, mais elas esquecem. Desse modo, aqueles que na vida anterior tenham se de- dicado à filosofia, cultivado sua racionalidade e aprendido a resistir aos impulsos do corpo, beberão menos, e terão mais facilidade para recuperar o conhecimento das ideias em sua nova vida. Os sofistas ameaçavam as tradições gregas não so- mente por suas concepções éticas e políticas, mas também pela compreensão que traziam sobre a natureza e origem do universo. Para Platão, não só as implicações éticas deri- vadas dessa visão de mundo são inaceitáveis, mas a própria concepção sobre a natureza. Segundo sua teoria, a nature- za não está sujeita ao acaso cego, mas é produto de uma causa inteligente e moral. Em um diálogo de maturidade, o Timeu, Platão narra esse processo e dá nome ao criador deste mundo: o Demiurgo. O Demiurgo não cria o mundo do nada, mas o ordena a partir de um caos primordial e o faz contemplando as ideias. Fig. 9 O Demiurgo, criador e ordenador do mundo material. H ei de Pin ka ll/ Sh ut te rs to ck .c om 1 UTFPR 2011 “Luta de gregos contra gregos, motivada pelo conflito de interesses econômicos e políticos entre Atenas e Esparta. O confronto entre esses dois blocos de cidades gregas se arrastou por 27 anos. Provocou a morte de milhares de civis e terminou com a derrota de Atenas e suas aliadas. Empobrecidas e desunidas por tantas guer- ras prolongadas, as cidades gregas foram presa fácil para o poderoso exército de Filipe II, rei da Macedônia, que acabou por conquistar a Grécia, em 338 a.C.” Estamos falando da Guerra: A Greco-Pérsica. b do Peloponeso. C Púnica. d Sassânida. E Alexandrina. 2 UFU 2011 No pórtico da Academia de Platão, havia a se- guinte frase: “não entre quem não souber geometria”. Essa frase reflete sua concepção de conhecimento: quanto menos dependemos da realidade empírica, mais puro e verdadeiro é o conhecimento tal como vemos descrito em sua Alegoria da Caverna. “A ideia de círculo, por exemplo, preexiste a toda a realização imperfeita do círculo na areia ou na tábula re- coberta de cera. Se traço um círculo na areia, a ideia que guia a minha mão é a do círculo perfeito. Isso não impede que essa ideia também esteja presente no círculo imperfeito que eu tracei. É assim que aparece a ideia ou a forma.” JEANNIÈRE, Abel. Platão. Tradução de Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Zahar, 1995. 170 p. O último livro de A República traz também um tema considerado bastante controverso na obra de Platão. Trata-se da expulsão dos poetas da cidade. O raciocínio de Platão é o seguinte: a arte é sempre imitação da realidade, ou melhor, da realidade aparente, que por sua vez é imitação das ideias. Assim, a arte nos deixaria ainda mais distantes da perfeição das ideias e do conhecimento delas. Além disso, a arte enfraqueceria nossa capacidade racional e nos tornaria mais sujeitos aos nossos impulsos, já que o controle da razão sobre eles diminuiria. Saiba mais Revisando PV_2021_FIL_FU_CAP4.INDD / 07-09-2020 (16:26) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL PV_2021_FIL_FU_CAP4.INDD / 07-09-2020 (16:26) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL FR EN TE Ú N IC A 45 Com base nas informações apresentadas, assinale a alternativa que interpreta corretamente o pensamento de Platão. A A Alegoria da Caverna demonstra, claramente, que o verdadeiro conhecimento não deriva do “mundo inteligível”, mas do “mundo sensível”. b Todo conhecimento verdadeiro começa pela per- cepção, pois somente pelos sentidos podemos conhecer as coisas tais quais são. C Quando traçamos um círculo imperfeito, isto de- monstra que as ideias do “mundo inteligível” não são perfeitas, tal qual o “mundo sensível”. d As ideias são as verdadeiras causas e princípio de identificação dos seres; o “mundo inteligível” é onde se obtêm os conhecimentos verdadeiros. 3 UFSJ Na obra “O que é Filosofia”, de Caio Prado Júnior, “O Mundo das ideias”, para Platão, pode ser assim descrito: A os dados da experiência são reflexos ou cópias ir- retocáveis e perfeitas das ideias. b todas as ideias que podemos registrar em nossa mente, em estado de vigília. C um processo de construção do mundo sensível. d o pensamento, a função pensante e a atividade ra- cional do Homem. 4 Enem 2012 Para Platão, o que havia de verdadeiro em Parmênides era que o objeto de conhecimento é um objeto de razão e não de sensação, e era preciso estabelecer uma relação entre objeto racional e objeto sensível ou material que privilegiasse o primeiro em detrimento do segundo. Lenta, mas irresistivelmente, a Doutrina das Ideias formava- se em sua mente. ZINGANO, M. Platão e Aristóteles: o fascínio da filosofia. São Paulo: Odysseus, 2012 (adaptado). O texto faz referência à relação entre razão e sensa- ção, um aspecto essencial da Doutrina das Ideias de Platão (427–346 a.C.). De acordo com o texto, como Platão se situa diante dessa relação? A Estabelecendo um abismo intransponível entre as duas. b Privilegiando os sentidos e subordinando o conhe- cimento a eles. C Atendo-se à posição de Parmênides de que razão e sensação são inseparáveis. d Afirmando que a razão é capaz de gerar conhecimento, mas a sensação não. E Rejeitando a posição de Parmênides de que a sen- sação é superior à razão. 5 Uncisal 2011 Um dos textos mais consagrados da his- tória da filosofia é a alegoria da caverna, escrito por Platão. Sobre esse texto, pode-se afirmar que A se trata de uma obra religiosa que narra o encontro do filósofo com Deus. b se trata de um texto que apresenta dimensões pe- dagógicas, filosóficas e políticas. C seu percurso narra o aprisionamento do filósofo, que perde a liberdade de que desfrutava e passa a viver solitário em uma caverna. d o texto exalta a importância dos sofistas para o co- nhecimento filosófico. E o texto pressupõe a identificação do conhecimento filosófico com o senso comum. 6 UFSC 2019 Em relação ao mito da caverna de Platão, é correto afirmar que: 01 as sombras projetadas na parede da caverna representam meras opiniões, consideradas erro- neamente pelos prisioneiros como conhecimento. 02 apesar de estarem acorrentados, os prisioneiros conseguem ter plena clareza quanto à realidade existente fora da caverna. 04 simboliza o sofrimento e o anseio da libertação dos escravos na Atenas do século IV a.C. 08 o interior da caverna representa o mundo da igno- rância e o exterior da caverna representa o mundo do conhecimento. 16 o prisioneiro que consegue se libertar volta à ca- verna para compartilhar o conhecimento adquirido fora dela, embora seja ridicularizado pelos demais prisioneiros. 32 os prisioneiros que permanecem na caverna pos- suem mais conhecimento do que o prisioneiro libertado. 64 quando retorna à caverna, aquele que conseguiu se libertar dos grilhões é bem recebido por seus antigos companheiros, que o veem como um sábio que irá libertá-los. Soma: 7 UEG 2019 Considerando a história contada por Platão no livro VII da República, mais conhecida como Mito da Caverna, podemos deduzir que: A o homem, apesar de nascer bom, puro e de posse da verdade, pode desviar-se e passar a acreditar em outro mundo mais perfeito de puras ideias. b não podemos confiar apenas na razão, pois so- mente guiados pelos sentimentos e testemunhos dos sentidos poderemos alcançar a verdade. C a caverna, na alegoria platônica, representa tudo aquilo que impede o surgimento da consciência filosófica, que possibilitaria uma ascensão para o mundo inteligível. d a razão deve submeter-se aos testemunhos dos sentidos, pois a verdade que está no mundo inteligível só será atingida mediante a sensibilidade. E os homens devem se libertar da crença na existência em outro mundo e buscar resolver seus conflitos aprofundando-se em sua interioridade. PV_2021_FIL_FU_CAP4.INDD / 07-09-2020 (16:26) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL PV_2021_FIL_FU_CAP4.INDD / 07-09-2020 (16:26) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL