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FILOSOFIA Capítulo 10 Filosofia Moderna: ética e filosofia política 124
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Fig. 4 John Stuart Mill, de George Frederic Watts, 1873. Óleo sobre tela. Uma das 
mentes mais brilhantes na história do liberalismo e na concepção de liberdade 
e dos direitos individuais.
As duas principais obras de John Stuart Mill são A 
liberdade (1859) e Utilitarismo (1861). Mill era defensor da 
liberdade individual: as pessoas devem ser livres para fazer 
o que quiserem, contanto que não façam mal aos outros. 
Os únicos atos pelos quais uma pessoa deve explicações 
à sociedade são aqueles que atingem os demais, cabendo 
ao governo interferir somente na liberdade dos indivíduos 
quanto a prevenção de danos a terceiros.
Stuart Mill argumenta que a liberdade e a espontaneidade 
humanas são fundamentais para o bem-estar do indivíduo, 
ideia central para defender o princípio da individualidade: 
um meio muito eficaz para reparar as inconsistências do 
princípio clássico da utilidade. Nesse sentido, ele não admite 
que a utilidade esteja reduzida à maximização do prazer 
e da dor. Para ele é importante o desenvolvimento de si, 
mostrando que a concepção de felicidade e bem-estar 
pode englobar outras questões e ainda assim ser fiel ao 
utilitarismo.
Para Mill, embora a virtude seja desejável por sua 
associação com prazer e ausência de dor, o que é relevante 
é que a virtude é promotora em si do prazer. Nesse sentido, 
não há contradição entre o princípio da utilidade e o princípio 
da liberdade. Para Mill, a individualidade conta mais pelo 
que ela significa do que pelo prazer que ela proporciona, 
o que provoca um afastamento em relação a Bentham.
Virtude: qualidade daquilo que é considerado correto e desejável, 
seja do ponto de vista moral, religioso ou do comportamento social. 
Considera-se que alguém com virtudes é digno, ou seja, está em 
conformidade com o bem, com a moral ou com a conduta esperada.
Em sua obra Utilitarismo, Mill mostra a distinção entre 
os prazeres mais elevados e os menos elevados.
Assim como Bentham, ele tinha uma perspectiva 
hedonista de felicidade, ou seja, ela consiste no prazer e 
na ausência de dor. O prazer, por sua vez, pode ser mais ou 
menos intenso e mais ou menos duradouro. A novidade do 
pensamento de Mill está em dizer que há prazeres superiores 
e inferiores, o que significa que alguns são melhores do que 
outros.
Hedonismo: refere-se àquele que considera o prazer um bem supremo. 
Há no utilitarismo um aspecto hedonista, pelo modo como define 
felicidade. O hedonismo tem raízes antigas na filosofia, desde Epicuro. 
Os hedonistas associam a felicidade ao prazer, que para eles é o único 
referencial de bem.
Não confunda hedonismo no sentido atribuído pelo senso comum 
com o sentido assumido pela Filosofia. No senso comum, o hedonis-
mo é um estilo de vida que busca o prazer a qualquer custo, o que 
leva a exageros e riscos. Na Filosofia, que é o sentido do texto, o 
hedonismo é uma linha ética que privilegia o prazer (ou a felicidade), 
da qual o utilitarismo e o epicurismo fazem parte.
Atenção
Para Bentham, a intensidade e a duração do prazer e 
da dor eram o único critério para avaliar a qualidade de uma 
experiência. Assim, todos os valores podem ser mensura-
dos e comparados em uma mesma escala, conforme vimos 
anteriormente. Para Mill, existem valores superiores (por 
exemplo, prazeres intelectuais) e valores inferiores (como 
fazer sexo e comer). Essa distinção deve ser levada em 
consideração, pois mostra que a felicidade não é a mera 
satisfação de necessidades.
Uma pessoa cujos prazeres são limitados aos apetites 
físicos pode estar mais satisfeita do que uma pessoa que 
valoriza prazeres elevados, mas jamais será uma pessoa 
feliz. Inversamente, uma pessoa capaz de apreciar praze-
res de qualidades superiores não estará necessariamente 
satisfeita, mas sem dúvida será mais feliz.
Ética deontológica
Vejamos, agora, a reflexão moral desenvolvida por 
Immanuel Kant, conhecida como ética deontológica. O 
principal objetivo desse filósofo é formular o princípio que 
sustenta todo e qualquer juízo moral. Para tanto, Kant toma 
como ponto de partida a suposição de que a moralidade é 
uma condição para a busca da felicidade, e não o contrário. 
A moralidade não está baseada na avaliação dos efeitos 
de uma ação moral, e sim em suas intenções. Por esses 
motivos, Kant foi um crítico do utilitarismo.
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Fig. 5 Immanuel Kant, de Gottlieb Doebler, 1791. Óleo sobre tela.
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A moralidade não pode ser baseada em considerações empíricas: nos interesses, nas vontades, nos desejos e pre-
ferências, que são, por si mesmos circunstanciais e variáveis. O fato de uma maioria concordar com uma determinada 
lei, por exemplo, não faz dela uma lei justa. Para Kant, a base de um princípio moral deve ser a sua universalidade, assim 
como vemos no caso dos direitos humanos.
É verdade que, de acordo com Kant, Bentham tinha razão apenas quando afirmou que gostamos de prazer e evitamos 
a dor, mas considerava equivocado concluir que prazer e dor são nossos mestres soberanos. A razão pode ser soberana 
e quando comanda nossa vontade não nos orientamos apenas pelo desejo de prazer ou de recusa à dor. Nossa razão 
nos leva a ser livres e nos transforma em criaturas para além dos apetites.
A liberdade é um componente fundamental da moralidade kantiana. Para Kant, a liberdade em nada tem a ver com 
a busca da satisfação dos desejos, pois agindo assim somos escravos de nossos apetites. A liberdade de agir tem a 
ver com autonomia, quando imponho leis a mim mesmo. Dessa forma, o sujeito livre é aquele que é capaz de agir 
independentemente das causas exteriores, ou seja, quando sua razão é autônoma.
Agir livre e com autonomia não é escolher as melhores formas para atingir determinado fim, e sim escolher o fim em si mes-
mo. Para Kant, respeitar a dignidade humana exige tratar as pessoas como fins em si mesmas. Desse modo, a moral utilitarista 
é amoral, pois está baseada em um critério que toma as pessoas como instrumentos ou meios para atingir o bem-estar geral.
Na moral kantiana, o valor de uma ação moral não consiste em suas consequências, e sim em sua intenção. Essa in-
tenção deve ser revestida de boa vontade, pois ela demonstra a pureza da intenção. Desse modo, ainda que não consiga 
realizar suas intenções, a ação moral continuará sendo reconhecida por seu valor. O critério de moralidade está, portanto, 
na sua forma (intenção), e não em seu conteúdo (os fins alcançados ou as consequências atingidas).
A moralidade não se baseia na experiência, pois os atos morais dependem da intenção do agente, orientada pela boa 
vontade em função do dever. A razão ordena a agir de acordo com a lei moral, independente dos dados da experiência. 
O princípio supremo que orienta nossas obrigações é o seguinte:
Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal.
O objetivo da obra Os fundamentos da metafísica dos costumes foi o de encontrar esse princípio, mas para chegar a 
ele, Kant buscou relacionar os três conceitos que já vimos antes: moralidade, liberdade e razão, os quais ele foi explicando 
por meio de antagonismos ou dualismos. Eis os principais contrastes:
Antagonismo: refere-se à oposição de ideias ou pontos de vista, por vezes incompatíveis, e à manifestação de princípios que são contrários, 
levando ao dualismo. Diz-se que algo é dual quando é possível coexistirem duas coisas que se opõem (antagônicas).
Adaptado de SANDEL, Michael. O que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 149.
Premissas para formulação do princípio supremo de moralidade
Contraste 1: Moralidade Dever × inclinação Só o dever (intenção)tem valor moral
Contraste 2: Liberdade Autonomia × heteronomia Só a (autônoma) vontade tem valor moral
Contraste 3: Razão Imperativos categóricos × Imperativos hipotéticos Só os imperativos categóricos têm valor moral
Contraste 4: Pontos de vista Domínio inteligível × domínio sensível Só no domínio inteligível há moralidade
Os dois primeiros contrastes já foram verificados. Vejamos o terceiro. A razão, para Kant, pode agir para além da busca 
da satisfação de desejos por meio da razão prática pura. Para ele, é essa razão que tem a ver com a moralidade, pois 
cria suas leis a priori, a despeito dos objetivos empíricos. Como a razão pode fazer isso? Aqui está o terceiro contraste: a 
razão pode comandar a vontade com dois tipos diferentes de imperativos: o imperativo hipotético, sempre condicional, 
e o imperativo categórico, sempre incondicional.
De acordo com o imperativo categórico, os indivíduos devem agir em conformidade com aquilo que gostariam de 
ver como lei universal. O que tem de positivo na ação empreendida por meio de um imperativo categórico é a intenção, 
quaisquer que sejam as consequências. Fica agora evidente a relação entre aqueles três contrastes paralelos: moralidade, 
liberdade e razão. Para ser livre no sentido de ser autônomo, é preciso que eu aja a partir de um imperativo categórico, 
garantindo a moralidade da minha ação racional.
O imperativo categórico aparece na forma de uma lei prática (obrigação) que detém o comando absoluto, sem quais-
quer outros motivos, como nossas inclinações. Por isso, a necessidade de uma moral, sob a forma constrangedora de um 
dever. Para obedecer às leis morais sem sofrer influência do mundo sensível, o ser humano deve se reconhecer como 
membro do mundo inteligível, adotando o ponto de vista da razão (contraste 4). São duas as perspectivas de agir, tendo 
elas leis diferentes para comandar nossos atos.
Enquanto ser natural, pertenço ao mundo sensível e as leis que determinam minhas ações são as leis da natureza e 
as regularidades de causa e efeito. No mundo inteligível ou moral, independo das leis da natureza e, sendo autônomo, 
sou capaz de agir de acordo com leis que decreto para mim mesmo.
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FILOSOFIA Capítulo 10 Filosofia Moderna: ética e filosofia política 126
Se todos agem do mesmo modo, os demais princípios 
derivados não entram em contradição. Mas se uma máxima 
contiver uma mentira, ela é moralmente errada por suas 
intenções, uma vez que supõe a satisfação de desejos 
pessoais. O teste da universalização serve para realizar-
mos um questionamento moral, ou seja, para verificar se 
o que estamos a ponto de fazer coloca nossos interesses 
e nossas circunstâncias especiais acima das de qualquer 
outra pessoa.
Outra versão da máxima seria: “Age de tal modo que 
uses a humanidade tanto na tua pessoa quanto na pessoa 
de qualquer outro sempre como fim e nunca como meio”. 
Essa segunda formulação dá mais clareza à força moral 
do imperativo: a humanidade tem valor absoluto com um 
fim em si mesmo, diferença fundamental entre pessoas e 
coisas. Pessoas são seres racionais. Não têm apenas valor 
relativo, mas muito mais: valor absoluto, valor intrínseco, ou 
seja, dignidade.
Finalmente, a versão da máxima “Age de tal modo que 
tua vontade possa encarar-se a si mesmo como um legis-
lador universal” mostra que esse imperativo categórico diz 
respeito à relação entre moralidade e liberdade. Dever e 
autonomia caminham juntos quando o homem é ao mesmo 
tempo autor e ator obediente à lei. A lei moral não depen-
de dos indivíduos, mas depende da capacidade de nos 
enxergar como humanidade.
A moralidade kantiana é independente da perspectiva 
subjetiva em que se dá todo o conhecimento humano, ou 
seja, a moralidade, embora possa ser pensada, não é um 
fenômeno, mas um númeno, isto é um objeto em si mesmo 
e, portanto, incognoscível. Por esse motivo, apesar de todo 
o seu poder de conhecimento e discernimento, a ciência 
não pode se ocupar de questões morais, pois investiga o 
campo do sensível, do fenômeno, e a moralidade não é 
elaborada com base em dados empíricos.
Númeno: na filosofia de Kant, corresponde à “coisa em si” ou ao real 
tal como existe em si mesmo.
Em relação à justiça, Kant não escreveu um trabalho 
importante sobre teoria política, mas a concepção de mo-
ralidade e liberdade que emerge de seus escritos sobre 
ética apresenta importantes implicações a respeito do tema. 
Ao repudiar o utilitarismo, pode-se dizer que uma teoria de 
justiça derivada de seu pensamento fundamenta-se em um 
contrato social.
Os filósofos contratualistas argumentam que o governo 
legítimo se fundamenta em um contrato social entre homens 
e mulheres que, em uma determinada ocasião, decidem 
entre si quais princípios deverão governar a vida coletiva. 
Estudaremos três contratualistas: Thomas Hobbes, John 
Locke e Jean-Jacques Rousseau.
Contratualismo
Thomas Hobbes (1588-1679) foi filósofo, matemático e 
fez incursões na física. Apesar da origem humilde, teve rica 
formação acadêmica, com sólidos conhecimentos em latim 
e grego. Na construção da sua ideia de natureza humana, 
Hobbes inspirou-se nas noções de corpo e movimento, 
presentes na física de Galileu e Descartes. A partir daí, cons-
truiu uma teoria da percepção, das paixões e dos costumes 
que foi a base para sua teoria política, em que distingue 
a passagem dos homens de um estado de natureza para 
um estado político. Sua principal obra é Leviatã ou matéria, 
forma e poder de uma república eclesiástica e civil, de 1651.
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Fig. 6 Thomas Hobbes, de John Michael Wright, 1866. Óleo sobre tela.
Fig. 7 A destruição de Leviatã, de Gustave Doré, 1865. Gravura.
A primeira definição de Leviatã aparece no Antigo Testamento e cor-
responde a um monstro sob a forma de crocodilo. Já sua primeira 
imagem aparece no Livro de Jó, capítulo 41, como o maior e mais 
poderoso dos monstros aquáticos. Sua descrição é breve e foi con-
siderada pela Igreja Católica, na Idade Média, como o demônio do 
quinto pecado capital, a Inveja.
Para Hobbes, a guerra de todos contra todos somente poderia acabar 
com um governo central na forma de monstro que concentraria todo 
o poder em torno de si, ordenando todas as decisões da sociedade.
Saiba mais
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PV_2021_FIL_FU_CAP10.INDD / 14-09-2020 (20:23) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL

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