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FILOSOFIA Capítulo 11 Filosofia Contemporânea: século XIX 142 Idealismo imaterialista: de uma perspectiva empirista, Berkeley afirma que a realidade é aquilo que dela se percebe e conclui que os objetos materiais reduzem-se a ideias na mente de Deus e dos seres humanos. Idealismo transcendental (formal ou crítico): desenvolvido por Kant, a partir da reflexão de que os fenômenos da realidade objetiva, por serem incapazes de se mostrar aos homens como são, não aparecem como coisas em si, mas como representações subjetivas construídas pelas faculdades humanas de cognição. Idealismo absoluto: desenvolvido por Hegel e caracterizado pela suposição de que a única realidade plena e concreta é de natureza espiritual (quer dizer, oriunda da consciência), sendo a compreensão materialista dos objetos um estágio pouco evoluído e superável no desenvolvimento cognitivo da subjetividade humana. Atenção Marx e o materialismo Hegel influenciou muitos pensadores dos séculos XIX e XX. Karl Marx (1818-1883) foi um deles. Contudo, a influência hegeliana sobre Marx não ocorreu sem críticas. Quando Marx escreve sua Crítica à filosofia hegeliana do direito, afirma que Hegel haveria compreendido bem a realidade econômica e social das sociedades, mas se equivocado em afirmar que para superá-la deveria adotar a via de um Estado absoluto. Segundo Marx, os indivíduos devem fazer o Estado e não o inverso. Fig. 5 Estátuas de Karl Marx e Friedrich Engels, em Bishkek, no Quirguistão. Marx usa como referência a dialética de Hegel, mas a inverte, concebendo o trabalho material como constituinte fundamental da história. Assim, propõe que o exercício da reflexão deveria partir do concreto, mais especificamente do trabalho, para chegar ao abstrato e, novamente, retornar para o concreto. Marx analisou as contradições da realida- de com base nas condições materiais, dando um caráter prático à dialética. A ruptura de Marx com o idealismo alemão é radical e profunda. Entretanto, o pensador não instaura uma nova corrente filosófica a partir da oposição idealismo versus materialismo, mas rompe com a própria Filosofia ao de- nunciar que todos os representantes do idealismo alemão clássico ainda se colocavam do ponto de vista das classes dominantes e exploradoras. Já Marx propõe colocar-se do ponto de vista das classes subalternas. Com a colaboração de Friedrich Engels (1820-1895), fundam uma ciência ma- terialista da história. A dialética é apresentada da seguinte forma: as ideias (pensamento) e a realidade (matéria) são simultâneas, po- rém, a realidade se contradiz com as ideias, de modo que o mundo só pode ser compreendido como um todo quando reflete suas contradições. A partir da dialética materialista, Marx e Engels concluíram que as condições materiais criam contradições que, por sua vez, formam as classes sociais. No capitalismo, as classes se antagonizam, evidenciando a dinâmica (movimento) da história que ficou conhecida como materialismo histórico. Um conceito importante no marxismo é o de aliena- ção. A alienação relaciona-se diretamente com a categoria trabalho. Nessa visão, a transferência de valor para a mer- cadoria e o empobrecimento do operário como trabalhador são os pilares da crítica: o capitalismo produz mercadorias e trabalhadores que também são mercadorias, tendo como resultado o mecanismo da alienação. Uma vez que o traba- lho é um objeto alheio ao produtor, o homem transforma-se em objeto de seu objeto, apagando a possibilidade de que se reconheça como sujeito da produção. No desenvolvimento das formas de produção material surgem formas específicas de estruturação social, valores e modos de compreender a realidade, sendo o trabalho o motor das condições de vida e da consciência humana. Para os autores, é a compreensão do processo de trabalho que permite entender a origem da separação entre teoria e prá- tica, bem como das formas que permitem sua reconexão. Nesse sentido, a ideologia surge como uma falsa consciência, que impede que os trabalhadores possam reconhecer as proposições da sociedade burguesa. Essas proposições têm como finalidade fazer com que os interes- ses da classe dominante sejam confundidos com o interesse coletivo, construindo assim uma hegemonia burguesa. Fig. 6 Para Marx, o capitalismo produz mercadorias e trabalhadores que também são mercadorias. O materialismo histórico é, portanto, uma abordagem metodológica para o estudo da sociedade, da economia e da História que procura as causas de desenvolvimentos e mudanças na sociedade humana a partir dos meios pelos M ay ko va G al in a/ Sh ut te rs to ck .c om C ci /S hu tte rs to ck .c om PV_2021_FIL_FU_CAP11.INDD / 14-09-2020 (20:28) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL FR EN TE Ú N IC A 143 quais os seres humanos produzem coletivamente soluções para enfrentar as necessidades da vida. Desse modo, a luta de classes sociais, as estruturas políticas e as formas de pensar de uma dada sociedade seriam fundamentadas na atividade econômica. As condições materiais em que os homens vivem, em diferentes épocas, estão relacionadas aos modos de pro- dução que, por sua vez, são historicamente determinados e refletem as relações dos homens entre si. Marx observou que nas diferentes fases de desenvolvimento da humani- dade, houve o emprego de diferentes formas de produção, portanto, de modos de vida: nos modos de produção (es- cravista, feudal e capitalista), o que salta aos olhos é a produção de uma relação de exploração que tem como consequência a desigualdade entre os homens. Essas for- mas de exploração, produzindo desigualdades, provocam a revolta dos oprimidos e originam, no capitalismo, o que Marx denomina de luta de classes. Conforme se observa, os modos de produção não se detêm estacionados, mas se desenvolvem e se transfor- mam, provocando também mudanças sociais, políticas e no campo das ideias. A história do desenvolvimento social é também a história do desenvolvimento da produção, a história do desenvolvimento dos modos de produção, a história do desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção entre os homens. Segundo Marx, por meio do estudo do processo histórico, seria possível pre- ver a ruína do capitalismo, que, nascido das contradições do sistema feudal, resultou no aparecimento da burguesia como nova classe dirigente, e esta por sua vez, criou sua oposição: o operariado. Diferentemente do idealismo, Marx concebeu a realida- de como algo passível de alteração e, portanto, as reflexões filosóficas que empreendeu deveriam servir para alterar a realidade e não somente compreendê-la. Para Marx, a chamada “luta de classes” sempre existiu ao longo da his- tória, sendo que o único modo de encerrar essa luta seria provocando uma transformação radical, isto é, produzir uma nova sociedade sem propriedade privada e, consequente- mente, sem relações díspares nas relações produtivas. Essa visão considerada teleológica admitia que ao se chegar ao comunismo, chegava-se também ao fim de um processo dialético (de contradições) quando então, na realidade, o homem teria alcançado seu grau máximo de liberdade. Teleológico: pensamento preocupado em verificar a finalidade ou os objetivos para os quais a realidade se dirige. Por exemplo, para Marx, o final da história era algo previamente conhecido e ocorreria com a chegada do comunismo. Schopenhauer e o pessimismo Arthur Schopenhauer (1788-1860) pertence, até cer- to ponto, à tradição do idealismo alemão, sendo herdeiro da metafísica crítica de Kant. No entanto, em suas ideias nota-se a influência do Romantismo e do pensamento filo- sófico-religioso indiano. Se, por um lado, ele aceita a crítica racional das superstições, por outro, denuncia a fé irrestri- ta na razão. Para ele, a razão (intelecto) é mero acidente, sendo a essência do mundo e do ser humano algo que resulta da vontade (escolha) irracional. Fig. 7 Arthur Schopenhauer, fotografiade Jacob Seib, 1852. Ja co b Se ib /W ik im ed ia C om m on s Em O mundo como vontade e representação, Schopenhauer afirmava que aquilo que podemos de fato conhecer advém de nossa percepção. O mundo, a realidade, a coisa em si mesma nos são inacessíveis, restando apenas a mediação realizada pela mente que nos fornece uma representação do que existe. A subjetividade torna-se, portanto, a chave para o entendimento, transformando dados externos em representações. O entendimento, contudo, não é razão. A razão permite representações que não são intuitivas, mas as que fazem o homem ter noção de tempo e memória e, assim, poder recordar. Sua principal função é a formação de conceitos, os quais filtram as representações intuídas e exterminam o colorido original da experiência. Os conceitos são represen- tações de outras representações, ou seja, não equivalem à tradução direta de um objeto captado pela sensação. Quando submergimos em nosso mundo interior, no entanto, encontramo-nos envoltos em afetos e sentimentos e portanto, fica difícil separar sujeito e objeto. Nesse caso, chega-se a algo mais profundo que a razão e que não pode ser tomado como mera representação: esta é a vontade. A vontade é essa essência vital e independente da razão. A imagem que Schopenhauer utiliza para explicar a vontade é “a do cego robusto que carrega um aleijado que enxerga”, sendo o cego a vontade e o aleijado a nossa consciência. Mas o que isso significa? A representação é racional, mas a vontade, não. Esta última é causa em si mesma, é puro desejo de satisfa- ção. Nos animais, a vontade representa o instinto, mas no homem é o que rege o querer viver, possuir, afirmar- -se, dominar. O homem vive, assim, o paradoxo de poder compreender o mundo racionalmente, mas de não poder valer-se dessa mesma razão quando o que está em jogo são os seus desejos. PV_2021_FIL_FU_CAP11.INDD / 15-09-2020 (12:42) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL FILOSOFIA Capítulo 11 Filosofia Contemporânea: século XIX 144 Fig. 8 O aleijado (razão) e o cego robusto (vontade): metáfora de Schopenhauer. Schopenhauer via nesse paradoxo vantagens e des- vantagens: por um lado, a razão possibilita a linguagem e com ela a comunicação, a ciência, a poesia. Por outro lado, a razão leva ao sofrimento, pois dá ao homem a consciên- cia de sua finitude, propagando dogmas e superstições. A vontade, como coisa em si, permanece estrangeira ao domínio da razão. É, portanto, absolutamente sem funda- mento. Sentimento não conceituável, é um mistério que desvenda outros mistérios. Na obra O mundo como vontade e representação, Schopenhauer valeu-se de elementos presentes no taoís- mo e no budismo. Um deles é a noção de carma, presente no budismo, definindo a vida como uma jornada de dor pela renúncia dos desejos incessantes, bem como a noção de nirvana, que corresponde ao estado supremo de repouso alcançado pelo desapego de viver. Schopenhauer, acredita- va, contudo, que o sofrimento poderia ser superado através da arte. Por meio da experiência estética, o homem poderia anular-se como vontade, esquecendo-se de si mesmo e do seu sofrimento. Por outro lado, Schopenhauer afirmava que o amor era a meta da vida enquanto fonte autêntica de bondade humana. Falar sobre o amor representou uma possibilidade de preencher uma lacuna que, segundo o autor, havia sido deixada pela Filosofia. Para isso, ele teceu muitas páginas que trataram sobre a natureza do sentimento amoroso, ana- lisando sua presença nas obras da humanidade a partir dos conceitos de representação e vontade. Analisou a paixão que recorrentemente aparece nas mais variadas obras a partir daquilo em que se baseia o sentimento: o impulso sexual. Esse seria o impulso mais vigoroso da natureza humana e é o que faz com que tanto na literatura quanto na vida real as pessoas sacrifiquem a saúde, a riqueza, a dignidade e a felicidade em nome da paixão. Para ele, esse sofrimento só poderia ser conse- quência de uma causa maior: a vontade de se reproduzir. Na arte, o prazer é negação do desejo, levando o indi- víduo a uma espécie de ilusão. Se o amor é uma estratégia da vontade para iludir o indivíduo, paradoxalmente é uma ilusão verdadeira, pois nada é mais autêntico e concreto que o impulso sexual. Schopenhauer evidencia como a vontade, sendo irracional, nos empurra para as pessoas com as quais, às vezes, nos sentimos contrariados, mas irresistivelmente movidos e atraídos. Segundo ele, é o ins- tinto que se orienta para o que é melhor para a espécie, não para o indivíduo. Contudo, há outra forma de amor, que acontece de um modo completamente diferente. É um sentimento que, como na arte, nega a vontade em vez de afirmá-la. Esse amor de caráter elevado foi praticado pelos santos e por Cristo: é a compaixão. A compaixão para Schopenhauer é o amor autêntico, pois é superior e evita o sofrimento. Significa exercer a empatia, colocar-se no lugar do outro. Somente na compaixão podemos doar aquilo que nos é o mais importante: nosso eu. Aqui surge o filósofo do amor universal. Sua ética é, portanto, uma ética da compaixão, do abandono do egoísmo e da negação da vontade. Fig. 9 A estátua do Tian Tan Buda, China. O budismo exerceu profunda influência na filosofia de Schopenhauer. Kierkegaard e o existencialismo Considerado o primeiro representante da filosofia exis- tencialista, Søren Kierkegaard (1813-1855) desenvolveu uma filosofia preocupada em investigar a existência, a realidade, o singular, o indivíduo e, sobretudo, a própria vida, sendo o seu principal foco mostrar que a liberdade de escolha e o propósito de cada um não se efetuam sem angústia ou desespero. O que faz o indivíduo não depende do que ele compreende, mas do que ele quer e do que escolhe. Nesse sentido, também Kierkegaard é um crítico da razão, dado que ela não é o que orienta o agir do indivíduo. A escrita adotada por Kierkegaard também chama aten- ção por não assumir tom acadêmico. Observa-se, ao longo de suas obras – que versam sobre política, moral, amor, religião – estilos variados: textos mais literários, artigos e discursos, muitas vezes assinados sob pseudônimos. O fato de ter escrito em dinamarquês limitou por um tempo a N om ad 19 88 / S hu tte rs to ck Jo ha nn T he od or d e Br y/ W ik im ed ia C om m on s PV_2021_FIL_FU_CAP11.INDD / 14-09-2020 (20:28) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL PV_2021_FIL_FU_CAP11.INDD / 14-09-2020 (20:28) / LEONEL.MANESKUL / PROVA FINAL