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Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 1 de 20 Filosofia – Caderno 5 SEMANA 1: Teoria Crítica – pensadores da Escola de Frankfurt Escola de Frankfurt Instituto de Pesquisa Social, fundado em Frankfurt no ano de 1923. Tinha como principal intuito estudar a obra do Marx em uma perspectiva interdisciplinar, agregada às contribuições da sociologia weberiana e da psicanálise de Freud, e relacionada aos problemas da sociedade vigente. Em 1933, Horkheimer, então reitor da instituição, é exonerado e as instalações são depredadas pelo Nazismo. Em 1939, muitos pensadores frankfurteanos emigram para os Estados Unidos, onde é fundada uma nova sede na Universidade de Columbia, em Nova York. A revista “Estudos de Filosofia e Ciência Social” volta a ser publicada nos EUA. Em 1950, a Escola é reinaugurada em Frankfurt. No pós-guerra, os pensadores passam a discutir as causas e efeitos do nazismo, assim como os problemas do capitalismo e a formação do bloco soviético. Também dedicam-se ao estudo das novas formas de produção cultural vinculadas ao capitalismo industrial. A produção teórica vinculada à Escola de Frankfurt é conhecida como teoria crítica: um corpo de estudos voltado para a produção de um diagnóstico sobre o tempo presente e um prognóstico sobre o rumo do desenvolvimento histórico. Volta-se para a prática transformadora das relações sociais vigentes. Principais pensadores: Max Horkheimer (1895 – 1973); Theodor Adorno (1903 – 1969); Walter Benjamin (1892 – 1940); Herbert Marcuse (1898 – 1978); Jürgen Habermas (1929 - ); Questão central que perpassa a obra dos pensadores frankfurteanos: Por que as revoluções sociais propostas pelo Iluminismo e posteriormente pelo marxismo não haviam se consolidado? Por que, ao invés de melhorarmos como civilização, estamos entrando em uma nova barbárie? Por meio de tais questionamentos, a discussão apresentada pelos pensadores vinculados à Escola de Frankfurt relaciona- se à possibilidade de compreendermos a barbárie (guerras mundiais, Holocausto, alienação das massas) no âmago da própria civilização. Barbárie e civilização sempre foram consideradas forças opostas, mas ao longo do século XX encontram-se profundamente conectadas. Como entender esse fenômeno e superá-lo? Adorno e Horkheimer: Dialética do Esclarecimento Considerada uma das obras basilares do pensamento da Escola de Frankfurt, a Dialética do Esclarecimento foi publicada no ano de 1944 com o objetivo de analisar um mundo dominado pelo capital e caracterizado pela alienação. Adorno e Horkheimer partem da tese de que a razão, outrora entendida, nos moldes iluministas, como autonomia e esclarecimento, estaria agora asfixiada pelo desenvolvimento do capitalismo. Os movimentos científicos do século XIX, tais como as teorias sobre eugenia e darwinismo social, colocam a ciência a serviço dos interesses soberanos das potências. A razão científica perde seu conteúdo questionador e torna-se a “verdade” que justifica conquistas, guerras e atrocidades. Uma racionalidade fria, justificada pelo cientificismo do século XIX, emerge e transforma as relações sociais. Seus desdobramentos seriam desde o nazifascismo à alienação consumista. CRÍTICA À RAZÃO INSTRUMENTAL O projeto de progresso e desenvolvimento social evocado pelos iluministas não se concretizou. A razão que seria emancipatória torna-se totalitária, pois tem como base o controle da natureza comprometido com uma noção de progresso material. Utilidade e lucro tornam-se critérios, assumidos como racionais, que justificam medidas desumanas. Com isso, a razão vai se tornando operacional e utilitária, engendrando amplos processos de alienação pragmática. Nas mãos da classe dominante, um discurso racional tecnicista passa a ser instrumento de controle do ser humano. Com isso, Adorno e Horkheirmer apontam que a razão instrumental legitima a autoridade do mundo burguês, tendo como respaldo o discurso cientificista. Há uma percepção de que a ciência se encontra desprovida de ética, uma vez que as invenções e descobertas são legitimadas pelos critérios de utilidade, ou seja, pelo seu caráter técnico. O discurso racional científico permite a criação da bomba atômica e fornece respaldo ao nazifascismo. Acompanhando esse processo, Adorno e Horkheimer constatam que há um agravamento dos níveis de alienação das massas e uma total ausência de consciência revolucionária do proletariado, que se submete à ideologia dominante e que se massifica nas relações de consumo. CRÍTICA À INDÚSTRIA CULTURAL “Hoje, a obra de arte não transcende o mundo dado, é arte sem sonho, e por isso é o mesmo que sono, pois adormece a criatividade, a consciência, a sensibilidade, a imaginação, o pensamento.” O Renascimento marca o início de um processo de autonomização da esfera artística que gradativamente liberta a arte de sua função religiosa e sagrada, atrelada à tradição. Ser artista aos poucos torna-se uma profissão. Com o advento do mundo burguês, o artista passa a produzir para o mercado. No século XV, o surgimento da imprensa marca o início de um processo de disseminação do conhecimento e replicação do produto cultural. Com a urbanização e os novos meios de comunicação de massa, há uma ampliação significativa desse processo. Refletindo esse amplo processo histórico de transformações, no século XX desenvolve-se um ramo da indústria voltado ao entretenimento, informação e propagação das artes e da cultura. Indústria Cultural: tal expressão, presente na Dialética do Esclarecimento, designa a apropriação das manifestações artísticas e culturais pelo mercado. Adorno e Horkheimer afirmavam que a máquina capitalista de reprodução e distribuição da cultura estaria apagando, aos poucos, a autonomia das artes erudita e popular. Isso aconteceria porque o valor crítico dessas formas artísticas seria neutralizado no momento em que elas se vinculam estritamente ao mercado e Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 2 de 20 já não possibilitam a participação intelectual dos seus espectadores na criação e no fruir consciente das obras. A indústria cultural seria responsável, assim, por um amplo processo de massificação das experiências culturais e pelo agravamento dos níveis de alienação. Comprometida com o consumo rápido e com o entretenimento fácil, abre caminho ao surgimento de novos produtos culturais voltados muito mais para a distração do que para o fazer consciente. Por isso, Adorno e Horkheimer identificam que as artes se encontram submetidas às regras do mercado capitalista e à lógica dessa indústria cultural, que alimenta uma prática de consumo de ideias e produtos fabricados em série. As obras de arte convertem-se em mercadorias, pois deixam de ser instigadoras de conhecimento para reduzirem-se à divulgação rápida e simples de ideias cuja complexidade e importância ficaram perdidas. Segundo os pensadores frankefurteanos, há uma série de problemas relacionados ao surgimento da indústria cultural: - ela faz e desfaz “modas” para alimentar a expectativa do mercado; - ela padroniza os gostos e comportamentos; - ela reduz o poder contestador das artes, ao converter a produção cultural em entretenimento; - ela cria a ilusão de que temos acesso aos bens culturais e de que a escolha é livre, mas na verdade somos induzidos a um consumo constante que favorece a alienação das consciências; - ela trabalha, na forma de uma mídia jornalística, com informações fragmentadas, muitas vezes sem embasamento, conteúdo ou história; - a TV muda a capacidade de concentração humana; - a publicidade gera uma INFANTILIZAÇÃO: o intervalo de tempo entre o desejo e a satisfação é intolerável; Massa: aglomerado sem forma, sem identidade e sem pleno direito à cultura. Cultura de massa: cultura padronizada para consumo rápido no mercado da moda e nos meios de comunicação, tornando- se entretenimento.Walter Benjamin: a obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica Modernidade A modernidade percebida por Benjamin é o tempo marcado pelo desenvolvimento do capitalismo, pelo progresso da técnica, pela industrialização e pela vida nas grandes cidades, em que o transitar em meio à multidão e o ritmo acelerado da vida tornam-se marcos de uma nova forma de percepção que se desenvolve no indivíduo moderno por meio do choque com um número cada vez maior de estímulos sensórios. O incessantemente novo é alegoria dessa modernidade descrita por Benjamin: o novo se cria, mas no instante seguinte já se torna obsoleto. Nada, portanto, pode ser fixado, não há tempo para experiências efetivas, somente vivências fluidas no ritmo alucinante da novidade. Através da observação do pensamento de Benjamin, percebemos que o autor constrói um posicionamento crítico diante da modernidade ao mesmo tempo em que busca alternativas, no âmbito da própria modernidade, para novas formas de embate com o presente, de modo que os indivíduos possam construir experiências mais efetivas e orientarem-se na luta contra a opressão política. Metamorfose da percepção O desenvolvimento da técnica impõe ao sistema sensorial humano um treinamento complexo. Um treinamento para que ele possa se adaptar às percepções oriundas do choque, que se fazem cada vez mais constantes na grande cidade moderna, através das experiências táteis do confronto na multidão, do mover-se no tráfego. Benjamin identifica uma tendência histórica de mudança nas formas de percepção: “no interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção das coletividades humanas se transforma ao mesmo tempo que seu modo de existência. O modo pelo qual se organiza a percepção humana, o meio em que ela se dá, não é apenas condicionado naturalmente mas historicamente”. Na modernidade, segundo Benjamin, há um desses processos de metamorfose da percepção, que ele associa historicamente aos progressos da técnica e do capitalismo. As formas contemporâneas de arte correspondem a essas profundas mudanças no aparelho perceptivo. As mudanças perceptivas que ocorrem na modernidade estão relacionadas à vivência de choque, que se torna norma nas grandes cidades, dado o ritmo vertiginoso do tempo do progresso. Esse tema, que o preocupa desde seus primeiros escritos, torna-se, no decorrer dos anos 30, uma parte inerente de sua reflexão sobre as transformações estéticas que chegam à maturação no início do século XX e subvertem a produção cultural, artística e política. Declínio da aura Na modernidade, as obras de arte tornam-se por essência reprodutíveis. Com a reprodução, a obra se priva de sua existência única, de sua autenticidade, algo que a mantém vinculada à tradição. O que se atrofia na era da reprodutibilidade técnica da obra de arte é, portanto, a sua aura; pois ela destaca a obra do domínio da tradição em que ela é produzida, privando-a de sua essência. Segundo Benjamin, na modernidade se configura um declínio da aura, o que ele associa à crescente intensidade dos movimentos de massa. As massas querem possuir os objetos, querem tê-los mesmo que sejam cópias, reproduções; querem poder, através da imagem dos objetos, fixar sua própria imagem. Essa tendência das massas de retirar o objeto de seu invólucro acaba por destituir-lhes da aura. Eis uma tendência que se propaga no universo cultural do capitalismo, através dos movimentos de massificação, através do fetiche que se cria em torno da mercadoria. Com a reprodução, ao mesmo tempo, a obra de arte se emancipa. Ela cada vez mais é criada para ser reproduzida, desvinculando-se, assim, da tradição e de seu valor de culto. Assim é o caso da fotografia, ou o do cinema, em que a reprodução é um processo inerente à própria produção da obra. Na medida em que é irrecuperável, tal como a narrativa, a discussão sobre autenticidade perde um pouco do sentido. Resta saber quais funções podem se criar para essas novas linguagens artísticas. No cinema, onde a difusão em massa da obra reproduzida é obrigatória, Benjamin enxerga grandes possibilidades. Diz ele: “O filme serve para exercitar o homem nas novas percepções e reações exigidas por um aparelho técnico cujo papel cresce cada vez mais em sua vida cotidiana. Fazer do gigantesco aparelho técnico do nosso tempo o objeto Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 3 de 20 das inervações humanas - é essa a tarefa histórica cuja realização dá ao cinema o seu verdadeiro sentido”. Esta afirmação vincula o cinema à possibilidade da ação política. A montagem, procedimento de construção da realidade fílmica, que caracteriza o cinema em sua essência, faz do cinema um instrumento importante para o posicionamento revolucionário do proletariado no combate à ordem social vigente capitalista; e para a luta contra o fascismo. Pois a montagem permite a construção e porque o cinema fala necessariamente às massas. Para a utilização política do cinema, contudo, é preciso que ele se liberte da exploração pelo capitalismo, que o faz instrumento de culto ao estrelato, de culto à mercadoria, “que estimula a consciência corrupta das massa que o fascismo tenta pôr no lugar de sua consciência de classe”.1 Os procedimentos técnicos de filmagem permitem ao cinema penetrar no âmago da realidade (os grandes planos, a ênfase nos pormenores ocultos dos objetos, a investigação minuciosa dos ambientes, o universo que se cria nos décimos de segundo; a possibilidade de ampliar o espaço perceptível, de tornar o tempo mais vagaroso com a câmera lenta). “É evidente, pois, que a natureza que se dirige à câmera não é a mesma que se dirige ao olhar. A diferença está principalmente no fato de que o espaço que o homem age conscientemente é substituído por outro em que sua ação é inconsciente. (...) O gesto de pegar um isqueiro ou uma colher nos é aproximadamente familiar, mas nada sabemos sobre o que se passa verdadeiramente entre a mão e o metal (...) Aqui intervém a câmera com seus inúmeros recursos auxiliares, sua imersões e emersões, sua interrupções e isolamentos, sua extensões e suas acelerações, suas ampliações e suas miniaturizações. Ela nos abre, pela primeira vez, a experiência do inconsciente ótico”. Benjamin, através dessa afirmação, atribui ao cinema uma característica construtiva fundamental. Através de seus procedimentos técnicos, que penetram no âmago da realidade, a realização de uma experiência faz-se possível. Uma experiência adequada às profundas modificações da estrutura perceptiva do homem contemporâneo, pois as imagens cinematográficas são percebidas através de choques, tal como se dá a vivência na modernidade. A experiência que o cinema é capaz de fixar deve orientar-se para um despertar histórico: é preciso utilizar o cinema, enquanto linguagem artística relacionada a um tipo de percepção que se desenvolve na modernidade, como veículo de luta contra o fascismo. Assim, na visão de Benjamin, experiência do cinema requer um posicionamento revolucionário orientado pela necessidade de transformação da ordem social vigente. Herbert Marcuse: necessidade x possibilidade Sua obra é marcada significativamente pelas teorias de Marx e Freud. Na obra “Eros e Civilização”, Marcuse afirma que há uma necessidade de repressão de instintos para que se configure a vida civilizada. Inspirado por Freud, destaca que a história do ser humano é a história de sua repressão, do combate ao livre prazer em prol do trabalho, do adiamento do princípio do prazer para atender o princípio da realidade. Para Marcuse, contudo, essa repressão é parte da constituição da vida social, não sendo característica de um momento histórico específico, mas ela se potencializa com a racionalidade moderna, uma vez que no capitalismo há uma falsa sensação de liberdade vinculada ao prazer proporcionado pelas relações de consumo. Essa sensação é ilusória,pois trocamos nosso tempo de vida, mediante relações alienadas de trabalho, para atender tais demandas de consumo. O consumismo, assim, se alimenta de nossos instintos e desejos mais primitivos ao mesmo tempo em que nos prende numa espécie de ciclo vicioso. A alienação e a massificação têm como consequência a formação de um “homem unidimensional”, incapaz de criticar a opressão e construir alternativas futuras. Preso ao eterno ciclo consumo-trabalho, o homem unidimensional tem a impressão de desfrutar de algum grau de liberdade, mas reduz sua existência às instâncias materiais, tornando-se mais e mais alienado e infantilizado. O problema da sociedade moderna seria, então, a invasão da mentalidade mercantilista e quantificadora a todos os domínios do pensamento. Essa mentalidade se representa economicamente pelo valor de troca, ligado de modo íntimo aos processos de alienação do homem. As necessidades são forjadas e não há possibilidade para que o sujeito as alcance, dado o ritmo acelerado das transformações tecnológicas, vinculadas a novos produtos que são oferecidos ao consumo. Cada produto vincula-se a uma nova necessidade, que se torna mobilizadora de outros desejos e frustrações. A ausência de dinheiro é um inibidor das possibilidades, mas o dinheiro não deixa de ser parte de todo um jogo fictício. O que separa, de fato, o indivíduo daquilo que deseja? Do que realmente ele necessita? Na modernidade capitalista, o próprio indivíduo desconhece de fato quais são suas necessidades e reais possibilidades, porém vende sua força de trabalho e tempo de vida para obter dinheiro e consumir mais e mais. A construção de uma sociedade menos repressiva estaria vinculada ao aumento do tempo livre, capaz de potencializar outras esferas da vida além do trabalho e consumo imediato. Marcuse entende que o tempo livre seria consequência do próprio desenvolvimento tecnológico (uma vez que com a informatização seriam necessárias menos horas de trabalho) e que poderia levar o indivíduo a uma condição de emancipação, quando superadas as amarras do trabalho alienado e da reificação. No entanto, para isso acontecer o indivíduo precisaria desfrutar de suas experiências sociais e culturais de modo mais autônomo e crítico, tornando- se apto a fazer um uso criativo e, portanto, mais significativo de seu tempo. Habermas: teoria da ação comunicativa Jurgen Habermas é um dos principais expoentes da segunda geração da Escola de Frankfurt. Ele dá continuidade às discussões sobre a racionalidade instrumental, agora inserida no contexto da segunda metade do século XX, caracterizada (após queda do Muro de Berlim) pela hegemonia do capitalismo tardio, pelo desenvolvimento tecnológico avançado e pela formação das democracias contemporâneas. Para Habermas, a linguagem funciona como interpretação e significação do mundo. Numa sociedade emancipatória, predominam as ações comunicativas, nas quais os grupos sociais adquirem autonomia e passam a intervir nos rumos políticos e sociais, tendo como base as discussões racionais em espaços que antes eram dominados pelo agir instrumental. O filósofo valoriza as ações dos movimentos sociais que fortalecem os grupos minoritários e Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 4 de 20 ampliam o debate político, favorecendo a consolidação dos governos democráticos. Sua preocupação não é romper a lógica instrumental do capitalismo, que considera eficiente em termos produtivos, mas fortalecer a ação comunicativa e o debate democrático de grupos que possam impedir que a razão instrumental tome conta da política, da educação, da cultura e de esferas da vida que, em uma sociedade livre, deveriam ser moldadas por uma racionalidade mais comunicativa, ética e humanitária. Dessa forma, Habermas defende medidas que incrementem a interação social e o debate racional em um mundo tomado pela racionalidade instrumental. Tais medidas, em sua ideia, poderiam fortalecer as democracias contemporâneas. Texto complementar: Kant, Descartes e Locke (como Francis Bacon, antes deles) foram todos movidos pelo sonho de uma humanidade magistral (quer dizer, coletivamente livre de restrições) – única condição na qual, acreditavam, a dignidade humana pode ser respeitada e preservada. A soberania da pessoa humana era a preocupação declarada e subjetivamente autêntica desses filósofos; foi em nome dessa soberania que eles quiseram elevar a razão ao cargo de suprema legisladora. E, no entanto, havia certa afinidade eletiva entre a estratégia da razão legisladora e a prática do poder estatal empenhado em impor a ordem desejada sobre a realidade rebelde. Independe dos propósitos conscientes dos pensadores, a razão legislativa da filosofia moderna e da moderna mentalidade científica em geral repercutia as tarefas práticas postuladas pelo Estado moderno. (...) Muitos cientistas (de meados século XIX ao princípio do século XX) eram guiados unicamente por uma compreensão adequada e incontestada do papel e da missão da ciência – e por um sentimento de dever face à visão da boa sociedade, uma sociedade sadia, ordeira. Em especial, eram guiados pela convicção nada idiossincrática e tipicamente moderna de que o caminho para essa sociedade passa pela domesticação final das forças naturais inerentemente caóticas e pela execução sistemática, se necessário impiedosa, de um plano racional cientificamente concebido. (...) Seguiam as regras imparciais da descoberta científica dos fatos e dos meios mais racionais para atingir determinados fins (e a racionalidade instrumental é, como todos cremos, política e moralmente neutra); eles com efeito trabalharam para melhorar a condição da raça humana, não inteiramente segura quando entregue à espontaneidade da natureza; eles com efeito queriam construir um mundo melhor, mais limpo e ordenado, mais apropriado ao que quer que se considere vida humana adequada. Os casos mais extremos e bem documentados de “engenharia social” foram produto legítimo do espírito moderno, daquela ânsia de auxiliar e expressar o progresso da humanidade rumo à perfeição que foi por toda parte a mais eminente marca da era moderna – daquela “visão otimista de que o progresso científico e industrial removia em princípio todas as restrições sobre a passível aplicação do planejamento, da educação e da reforma social na vida cotidiana”. (...) Uma vez assentadas as questões de que a ordem era desejável e de que era dever dos governantes administrar sua instauração, o resto era questão de frio cálculo de custos e efeitos – arte em que o espírito moderno também se destacava. Os nazistas não podem reivindicar nenhum crédito pela invenção e codificação dessa arte. Se existiu uma organização que realmente expressava o temperamento moderno, foi a Liga Monista Alemã, de Häckel, com seu espírito e programa radicalmente científicos e positivistas. Coube ao próprio Häckel enunciar as conclusões lógicas: “pela destruição indiscriminada de todos os criminosos incorrigíveis, não apenas se tornaria mais fácil a luta pela vida entre as melhores parcelas da humanidade, como também um vantajoso processo artificial de seleção seria colocado em prática, uma vez que a possibilidade de transmitir as qualidade prejudiciais seria subtraída àqueles párias”. À medida que a cadeia de “genes ruins” diminui raças à combinação de “medidas científicas” de destruição física e manipulação reprodutiva, a nação conta os benefícios – “redução de custos judiciais e de prisão, de gastos e despesas, em favor dos pobres”. A ciência moderna nasceu dessa esmagadora ambição de conquistar a Natureza e subordiná-la às necessidades humanas. A insensibilidade da natureza e a loquacidade da ciência são atadas num laço de legitimação recíproca que não pode se desfazer. Como outro do humano, o natural é o oposto do sujeito dotado de vontade e capacidade moral. É a poderosa vontade da humanidade como“maestra do universo”. Os objetos podem ser rios correndo sem sentido na direção errada, “onde não são necessários”. Ou plantas que nascem em lugares “onde comprometem a harmonia”. Ou animais que não põem o número de ovos ou não desenvolvem úberes grandes o bastante para “torná-los úteis”. Ou criminosos e bêbados ou débeis mentais que não funcionam para nenhuma utilidade significativa e são portanto “renaturalizados” em degenerados “ex-humanos”. Ou criaturas com cor de pele, forma corporal ou comportamento “estranhos”, envolvidas em atividades “sem sentido”, cuja presença “não pode servir a nenhum propósito útil”. Qualquer coisa que compromete a ordem, a harmonia, o plano, rejeitando assim um propósito e um significado, é Natureza. E, sendo Natureza, deve ser tratado como tal. Zygmunt Bauman. Modernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. Pp. 34 – 52. EXERCÍCIOS 1. (UEM 2012) “Jürgen Habermas (1929) é um dos principais representantes da chamada segunda geração da Escola de Frankfurt”. Este filósofo elaborou “uma teoria social baseada no conceito de racionalidade comunicativa, que se contrapõe à razão instrumental” (ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 4ª. ed. revista. São Paulo: Ed. Moderna, 2009. p.200). Segundo o pensamento de Jürgen Habermas, assinale o que for correto. 01) Jürgen Habermas critica a filosofia de René Descartes, por considerá-la uma filosofia metafísica fundada em uma reflexão solitária, centrada no sujeito. 02) O positivismo é, para Jürgen Habermas, a teoria e o método mais seguro para alcançar um conhecimento preciso da realidade social. 04) O uso da razão instrumental é, para Jürgen Habermas, válido, quando se trata de agir sobre objetos ou sobre natureza, a fim de suprir as necessidades do homem. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 5 de 20 08) A razão discursiva, que fundamenta a teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas, tem como princípio que a verdade só pode ser alcançada na relação intersubjetiva entre indivíduos que se dispõem a chegar a um consenso. 16) Para Jürgen Habermas, o princípio da situação ideal de fala, mesmo sendo contrafactual, é necessário para evitar que relações de poder possam desviar a linguagem de seu objetivo, isto é, alcançar o entendimento. 2. (UEL 2012) Leia o texto a seguir. Mesmo na reprodução mais perfeita, um elemento está ausente: o aqui e agora da obra de arte, sua existência única, no lugar em que ela se encontra. É nessa existência única, e somente nela, que se desdobra a história da obra. Essa história compreende não apenas as transformações que ela sofreu, com a passagem do tempo, em sua estrutura física, como as relações de propriedade em que ela ingressou. Os vestígios das primeiras só podem ser investigados por análises químicas ou físicas, irrealizáveis na reprodução; os vestígios das segundas são o objeto de uma tradição, cuja reconstituição precisa partir do lugar em que se achava o original. (BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Obras escolhidas, Vol. 1: magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994. p.167.) Com base no texto e nos conhecimentos acerca de Walter Benjamin, explique por que as técnicas de reprodução provocam a destruição das condições de autenticidade da obra de arte. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: 3. (UEL 2012) Leia o texto a seguir. Os homens sempre tiveram de escolher entre submeter-se à natureza ou submeter a natureza ao eu. (ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. p.43.) Com base no texto, é correto afirmar que a análise de Adorno e Horkheimer estabeleceu a ideia de que o homem I. interage com a natureza de maneira pacífica, assimilando a de forma idílica. II. age com astúcia diante dos fenômenos naturais, ao forjar uma relação de instrumentalidade com a natureza. III. esclarecido e com pleno domínio da natureza promove a sua autoconsciência. IV. apreende a natureza visando controlá-la, o que resulta na submissão dela. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e II são corretas. b) Somente as afirmativas II e IV são corretas. c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. e) Somente as afirmativas I, III e IV são corretas. TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: 4. (UEL 2012) Leia o texto a seguir. O ser humano, no decorrer da sua existência na face da terra e graças à sua capacidade racional, tem desenvolvido formas de explicação do que há no intuito de estabelecer um nexo de sentido entre os fenômenos e as experiências por ele vivenciados. Essas vivências, à medida que são passíveis de expressão através das construções simbólicas contidas na linguagem, apresentam um caráter eminentemente social. (HANSEN, Gilvan. Modernidade, Utopia e Trabalho. Londrina: Edições Cefil, 1999. p.13.) Com base na obra Molhe Espiral, no texto e nos conhecimentos sobre o pensamento de Habermas, assinale a alternativa correta. a) A linguagem, em razão de sua dimensão material, inviabiliza a (re)produção simbólica da sociedade. b) As construções simbólicas se valem do apreço instrumental e do valor mercantil. c) A importância do simbólico na sociedade decorre de sua adequação aos parâmetros funcionais e técnicos. d) A dimensão simbólica da sociedade é inerente à forma como o homem assegura sentido à realidade. e) A forma de expressão dos elementos simbólicos na arena social deve atender a uma utilidade prática. 5. (UFPA 2011) “Adorno e Horkheimer (os primeiros, na década de 1940, a utilizar a expressão “indústria cultural” tal como hoje a entendemos) acreditam que esta indústria desempenha as mesmas funções de um estado fascista (...) na medida em que o individuo é levado a não meditar sobre si mesmo e sobre a totalidade do meio social circundante, transformando-se em mero joguete e em simples produto alimentador do sistema que o envolve.” Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 6 de 20 (COELHO, Teixeira. O que é indústria cultural, São Paulo, Editora Brasiliense, 1987, p. 33. Texto adaptado) Adorno e Horkeimer consideram que a indústria cultural e o Estado fascista têm funções similares, pois em ambos ocorre a) um processo de democratização da cultura ao colocá-la ao alcance das massas o que possibilita sua conscientização. b) o desenvolvimento da capacidade do sujeito de julgar o valor das obras artísticas e bens culturais, assim como de conviver em harmonia com seus semelhantes. c) o aprimoramento do gosto estético por meio da indústria do entretenimento, em detrimento da capacidade de reflexão. d) um processo de alienação do homem, que leva o indivíduo a perder ou a não formar uma imagem de si e da sociedade em que vive. e) o aprimoramento da formação cultural do individuo e a melhoria do seu convívio social pela inculcação de valores, de atitudes conformistas e pela eliminação do debate, na medida em que este produz divergências no âmbito da sociedade. 6. (UNESP 2011) “Em troca dos artigos que enriquecem sua vida, os indivíduos vendem não só seu trabalho, mas também seu tempo livre. As pessoas residem em concentrações habitacionais e possuem automóveis particulares com os quais já não podem escapar para um mundo diferente. Têm gigantescas geladeiras repletas de alimentos congelados. Têm dúzias de jornais e revistas que esposam os mesmos ideais. Dispõem de inúmeras opções e inúmeros inventos que são todos da mesma espécie, que as mantêm ocupadas e distraem sua atenção do verdadeiroproblema, que é a consciência de que poderiam trabalhar menos e determinar suas próprias necessidades e satisfações”. (Herbert Marcuse, filósofo alemão, 1955.) Caracterize a noção de liberdade presente no texto de Marcuse, considerando a relação estabelecida pelo autor entre liberdade, progresso técnico e sociedade de consumo. 7. (UEL 2011) Leia o texto a seguir. Em Técnica e Ciência como “ideologia”, Habermas apresenta uma reformulação do conceito weberiano de racionalização pela qual lança as bases conceptuais de sua teoria da sociedade. Neste sentido, postula a distinção irredutível entre trabalho ou agir instrumental e interação ou agir comunicativo, bem como a pertinência da conexão dialética entre essas categorias, das quais deriva a diferenciação entre o quadro institucional de uma sociedade e os subsistemas do agir racional com respeito a fins. Segundo Habermas, uma análise mais pormenorizada da primeira parte da Ideologia Alemã revela que “Marx não explicita efetivamente a conexão entre interação e trabalho, mas sob o título nada específico da práxis social reduz um ao outro, a saber, a ação comunicativa à instrumental”. (Adaptado: HABERMAS, J. Técnica e ciência como “ideologia”. Lisboa: Edições 70, 1994. p.41-42.) Com base no texto e nos conhecimentos sobre o pensamento de Habermas, é correto afirmar: a) O crescimento das forças produtivas e a eficiência administrativa conduzem à organização das relações sociais baseadas na comunicação livre de quaisquer formas de dominação. b) A liberação do potencial emancipatório do desenvolvimento da técnica e da ciência depende da prevenção das disfuncionalidades sistêmicas que entravam a reprodução material da vida e suas respectivas formas interativas. c) O desenvolvimento da ciência e da técnica, enquanto forças produtivas, permite estabelecer uma nova forma de legitimação que, por sua vez, nega as estruturas da ação instrumental, assimilando-as à ação comunicativa. d) Com base na irredutibilidade entre trabalho e interação, a luta pela emancipação diz respeito tanto ao agir comunicativo, contra as restrições impostas pela dominação, quanto ao agir instrumental, contra as restrições materiais pela escassez econômica. e) A racionalização na dimensão da interação social submetida à racionalização na dimensão do trabalho na práxis social determina o caráter emancipatório do desenvolvimento das forças produtivas e do bem-estar da vida humana. 8. (UEL 2011) Leia o texto a seguir. Francis Bacon, em sua obra Nova Atlântida, imagina uma utopia tecnocrática na qual o sofrimento humano poderia ser removido pelo desenvolvimento e pelo aperfeiçoamento do conhecimento científico, o qual permitiria uma crescente dominação da natureza e um suposto afastamento do mito. Na obra Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer defendem que o projeto iluminista de afastamento do mito foi convertido, ele próprio, em mito, caindo no dogmatismo e em numa forma de mitologia. O progresso técnico-científico consiste, para Adorno e Horkeheimer, no avanço crescente da racionalidade instrumental, a qual é incapaz de frear iniciativas que afrontam a moral, como foram, por exemplo, os campos de concentração nazistas. Com base no texto e nos conhecimentos sobre o desenvolvimento técnico-científico, é correto afirmar: a) Bacon pensava que o incremento da racionalidade instrumental aliviaria as causas do sofrimento humano, apesar de a razão, a longo prazo, sucumbir novamente ao mito. b) Adorno e Horkheimer concordavam que o progresso científico não consegue superar o mito, mas se torna um tipo de concepção mítica incapaz de discriminar o que é certo do que é errado moralmente. c) Adorno e Horkheimer sustentavam que o crescente avanço da racionalidade instrumental consistia num incremento da capacidade humana de avaliar moralmente. d) Bacon apontava que o aumento da capacidade de domínio do homem sobre a natureza conduziria os seres humanos a uma forma de dogmatismo. e) Tanto Adorno e Horkheimer quanto Bacon viam o progresso técnico e científico como a solução para os sofrimentos humanos e para as incertezas morais humanas. 9. (UEL 2010) Leia o texto a seguir: “A ideia de progresso manifesta-se inicialmente, à época do Renascimento, como consciência de ruptura. [...] No século XVIII tal ideia associa-se à consciência do caráter progressivo da civilização, e é assim que a encontramos em Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 7 de 20 Voltaire. Tal como para Bacon, no início do século XVII, o progresso também é uma espécie de objeto de fé para os iluministas. [...] A certeza do progresso permite encarar o futuro com otimismo”. (Adaptado de: FALCON, F. J. C. Iluminismo. 2. ed. São Paulo: Ática, 1989, p. 61-62.) Na primeira metade do século XX, a ideia de progresso também se transformou em objeto de análise do grupo de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Social vinculado à Universidade de Frankfurt. Tendo como referência a obra de Adorno e Horkheimer, é correto afirmar: a) Por serem herdeiros do pensamento hegeliano, os autores entendem que a superação do modelo de racionalidade inerente aos conflitos do século XX depende do justo equilíbrio entre uso público e uso privado da razão. b) A despeito da Segunda Guerra, a finalidade do iluminismo de libertar os homens do medo, da magia e do mito e torná- los senhores autônomos e livres mediante o uso da ciência e da técnica, foi atingido. c) Os autores propõem como alternativa às catástrofes da primeira metade do século XX um novo entendimento da noção de progresso tendo como referência o conceito de racionalidade comunicativa. d) Como demonstra a análise feita pelos autores no texto “O autor como produtor”, o ideal de progresso consolidado ao longo da modernidade foi rompido com as guerras do século XX. e) Em obras como a Dialética do esclarecimento, os autores questionam a compreensão da noção de progresso consolidada ao longo da trajetória da razão por ela estar vinculada a um modelo de racionalidade de cunho instrumental. 10. (UEL 2010) Leia o seguinte texto de Adorno e Horkheimer: O esclarecimento, porém, reconheceu as antigas potências no legado platônico e aristotélico da metafísica e instaurou um processo contra a pretensão de verdade dos universais, acusando-a de superstição. Na autoridade dos conceitos universais ele crê enxergar ainda o medo pelos demônios, cujas imagens eram o meio, de que se serviam os homens, no ritual mágico, para tentar influenciar a natureza. Doravante, a matéria deve ser dominada sem o recurso ilusório a forças soberanas ou imanentes, sem a ilusão de qualidades ocultas. O que não se submete ao critério da calculabilidade e da utilidade torna-se suspeito para o esclarecimento. (ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento. Fragmentos filosóficos. Tradução de Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985, p. 21.) Com base no texto e no conceito de esclarecimento de Adorno e Horkheimer, é correto afirmar: a) O esclarecimento representa, em oposição ao modelo matemático, a base do conhecimento técnico-científico que sustenta o modo de produção capitalista na viabilização da emancipação social. b) O esclarecimento demonstra o domínio substancial da razão sobre a natureza interna e externa e a realização da emancipação social levada adiante pelo capitalismo. c) O esclarecimento compreende a realização romântica da racionalidade que acentuou, de forma intensa, a interação harmônica entre homem e natureza. d) O esclarecimento abrange a racionalização das diversas formas e condições da vida humana com o objetivo de tornar o ser humano mais feliz, quando da realização de práticas rituais e religiosas. e) O esclarecimento concebe o abandono gradual dos pressupostos metafísicose a operacionalização do conhecimento por meio da calculabilidade e da utilidade, redundando num modelo próprio de razão instrumental. 11. (UEM 2010) “Etimologicamente a palavra alienação vem do latim alienare, alienus, ‘que pertence a um outro’. Alius é o outro. Portanto, sob determinado aspecto, alienar é tornar alheio, transferir para outrem o que é seu”. (ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2003, p. 45). Em relação à citação, assinale o que for correto. 01) Karl Marx considera que a alienação acontece numa forma de divisão social do trabalho em que o produto do trabalho deixa de pertencer a quem o produziu. 02) Para Ludwig Feuerbach, o homem aliena-se na religião, pois o homem religioso confere ao ente sobrenatural sua própria essência e qualidades, como se fossem atributos do ser sobrenatural. 04) Autores expoentes da teoria crítica, tais como Theodor W. Adorno e Herbert Marcuse, afirmam que, na sociedade capitalista, as necessidades são artificialmente estimuladas, sobretudo pelos meios de comunicação de massa, os quais levam os indivíduos a consumirem de maneira alienada. 08) A arte abstrata é alienada, pois perpetua os paradigmas da concepção estética clássica, fundamentada nos princípios aristotélicos da mímesis. 16) O taylorismo e o fordismo são formas de organizar o processo de trabalho que permitem acabar com a alienação do trabalhador. 12. (UEL 2009) Texto “Se você é o que você come, e consome comida industrializada, você é milho”, escreveu Michael Pollan no livro O Dilema do Onívoro, lançado este ano no Brasil. Ele estima que 25% da comida industrializada nos EUA contenha milho de alguma forma: do refrigerante, passando pelo Ketchup, até as batatas fritas de uma importante cadeia de fast food – isso se não contarmos vacas e galinhas que são alimentadas quase exclusivamente com o grão. O milho foi escolhido como bola da vez ao seu baixo preço no mercado e também porque os EUA produzem mais da metade do milho distribuído no mundo. (Adaptado: BURGOS, P. Show do milhão: milho na comida agora vira combustível. Super Interessante. Edição 247, 15 dez. 2007, p.33.) Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 8 de 20 Com base no texto e nos conhecimentos sobre o desenvolvimento do capitalismo e a indústria cultural, considere as afirmativas. I. O capitalismo contemporâneo tornou a globalização um fenômeno que intensificou a padronização e a homogeneização como formas de reprodução técnica criadas a partir da revolução industrial. II. A abertura comercial dos portos das colônias americanas resultou no cercamento dos campos, facilitando o comércio pelo acúmulo de capitais e, em consequência, a revolução industrial. III. A crítica filosófica à instrumentalização cultural constata que o predomínio da racionalidade técnica permitiu o resgate do potencial emancipatório da razão sonhado pelo projeto iluminista. IV. Com o avanço tecnológico, a racionalidade técnica penetra todos os aspectos da vida cotidiana, subjugando o homem a um processo de instrumentalização cultural e homogenização de comportamentos. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e II são corretas. b) Somente as afirmativas I e IV são corretas. c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. 13. (UEL 2009) O debate nascido nos anos 80 sobre a crise da modernidade tem como pano de fundo a consciência do esgotamento da razão, no que se refere a sua incapacidade de encontrar perspectivas para o prometido progresso humano. O pensamento de Habermas situa-se no contexto dessa crítica. A racionalidade ocidental, desde Descartes, pretendeu a autonomia da razão, baseada no sujeito que solitariamente representa o mundo. [...] A racionalidade prevalente na modernidade é a instrumental[...]. (HERMANN, N. O pensamento de Habermas. In: Filosofia. Sociedade e Educação. Ano I, n.I. Marília: UNESP, 1997. p. 122-1 23.) Com base no texto e nos conhecimentos sobre a Teoria Crítica de Adorno e Horkheimer e sobre o pensamento de Jürgen Habermas, é correto afirmar que a racionalidade Instrumental constitui I. um conhecimento que se processa a partir das condições especificas da objetividade empírica do fato em si. II. o processo de entendimento entre os sujeitos acerca do uso racional dos instrumentos técnicos para o controle da natureza. III. uma forma de uso amplo da razão, que torna o homem livre para compreender a si mesmo a partir do domínio do conhecimento científico. IV. um saber orientado para a dominação e o controle técnico sobre a natureza e sobre o próprio ser humano. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e II são corretas. b) Somente as afirmativas I e IV são corretas. c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. 14. (UEL 2009) Com base no pensamento estético de Adorno e Benjamin, considere as afirmativas a seguir. I. Apesar de terem o mesmo ponto de partida, a saber, a análise crítica das técnicas de reprodução, Adorno e Benjamin chegam a conclusões distintas. Adorno entende que a reprodutibilidade das obras de arte é algo negativo, pois transforma esta última em mercadoria; para Benjamin, apesar de a reprodutibilidade ter aspectos negativos, uma forma de arte como o cinema pode ser usada potencialmente em favor da classe operária. II. Para Adorno, o discurso revolucionário na arte torna esta forma de expressão humana instrumentalista, e isto significa abolir a própria arte. Por seu turno, Benjamin considerava que os novos meios de comunicação não deveriam ser substituídos, mas sim transformados ou subvertidos segundo os interesses da comunicação burguesa. III. Para Adorno, a noção de aura na obra de arte preservava a consciência de que a realidade poderia ser melhor, mas o processo de massificação da arte dissolveu tal noção e, com ela, a dimensão critica da arte. Para Benjamin, a perda da aura destruiu a unicidade e a singularidade da obra de arte, que perde o seu valor de culto e se torna acessível. IV. Adorno vê positivamente a reprodutibilidade da arte, já que a obra de arte se transforma em mercadoria padronizada que possibilita a todos o acesso e o desenvolvimento do gosto estético autônomo; para Benjamin, a reprodução tem como dimensão negativa essencial o fato de impossibilitar às massas o acesso às obras. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e II são corretas. b) Somente as afirmativas I e III são corretas. c) Somente as afirmativas II e IV são corretas. d) Somente as afirmativas I, III e IV são corretas. e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. 15. (UEL 2009) Sobre a crítica frankfurtiana à concepção positivista de ciência e técnica, é correto afirmar que a racionalidade técnica I. dissocia meios e fins e redunda na adoração fetichista de seus próprios meios. II. constitui um saber instrumental cujo critério de verdade é o seu valor operativo na dominação do homem e da natureza. III. aprimora a ação do ser humano sobre a natureza e resgata o sentido da destinação humana. IV. incorpora a reflexão sobre o significado e sobre os fins da ciência no contexto social. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e II são corretas. b) Somente as afirmativas I e IV são corretas. c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. 16. (UEL 2008) Sobre a “indústria cultural”, segundo Adorno e Horkheimer, é corretoafirmar: a) Desenvolve o senso crítico e a autonomia de seus consumidores. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 9 de 20 b) Reproduz bens culturais que brotam espontaneamente das massas. c) O valor de troca é substituído pelo valor de uso na recepção da arte. d) Padroniza e nivela a subjetividade e o gosto de seus consumidores. e) Promove a imaginação e a espontaneidade de seus consumidores. 17. (UEM 2008) A expressão indústria cultural foi empregada pela primeira vez no livro Dialética do Esclarecimento, escrito por Horkheimer e Adorno, filósofos de tendência marxista pertencentes à Escola de Frankfurt. Designa-se com essa expressão uma cultura produzida em série, para o mercado de consumo em massa, na qual a realização cultural deixa de ser um instrumento de crítica do conhecimento para transformar- se em uma mercadoria qualquer cujo valor é, antes de tudo, monetário. Assinale o que for correto. 01) A origem da indústria cultural pode ser encontrada na prática dos mecenas, particularmente italianos, que financiavam, durante o Renascimento, a produção das grandes obras de arte. 02) Na indústria cultural, o consumidor não é rei, como ela gostaria de o fazer crer, o consumidor não é o sujeito da produção cultural, mas seu objeto. 04) A indústria cultural eleva o nível cultural da maioria da população e aprimora a apreciação da qualidade estética do universo das artes. 08) A indústria cultural é expressão da ideologia capitalista; sob seu poderio, as obras de arte foram esvaziadas de seu caráter criador e crítico, alienaram-se para tornarem-se puro entretenimento, isto é, objetos de consumo para um espectador cuja ausência de reflexão o torna passivo. 16) A partir da segunda revolução industrial no século XIX, as artes usufruem uma fase de produção autônoma; com o advento da indústria cultural, tornam-se dependentes das necessidades mercadológicas do capital. 18. (UEL 2007) “Em suma, o que é a aura? É uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja. Observar, em repouso, numa tarde de verão, uma cadeia de montanhas no horizonte, ou um galho, que projeta sua sombra sobre nós, significa respirar a aura dessas montanhas, desse galho. Graças a essa definição, é fácil identificar os fatores sociais específicos que condicionam o declínio atual da aura. Ele deriva de duas circunstâncias, estreitamente ligadas à crescente difusão e intensidade dos movimentos de massas. Fazer as coisas ‘ficarem mais próximas’ é uma preocupação tão apaixonada das massas modernas como sua tendência a superar o caráter único de todos os fatos através da sua reprodutibilidade”. Fonte: BENJAMIN, W. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”. In: Magia e Técnica, Arte e Política. Obras Escolhidas. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 170. Com base no texto e nos conhecimentos sobre Benjamin, assinale a alternativa correta: a) Ao passar do campo religioso ao estético, a obra de arte perdeu sua aura. b) Ao se tornarem autônomas, as obras de arte perderam sua qualidade aurática. c) O declínio da aura decorre do desejo de diminuir a distância e a transcendência dos objetos artísticos. d) O valor de culto de uma obra de arte suscita a reprodutibilidade técnica. e) O declínio da aura não tem relação com as transformações contemporâneas. 19. (UEL 2005) Analise a figura a seguir. “Parece que enquanto o conhecimento técnico expande o horizonte da atividade e do pensamento humanos, a autonomia do homem enquanto indivíduo, a sua capacidade de opor resistência ao crescente mecanismo de manipulação das massas, o seu poder de imaginação e o seu juízo independente sofreram aparentemente uma redução. O avanço dos recursos técnicos de informação se acompanha de um processo de desumanização. Assim, o progresso ameaça anular o que se supõe ser o seu próprio objetivo: a ideia de homem”. (HORKHEIMER, Max. Eclipse da razão. Trad. de Sebastião Uchôa Leite. Rio de Janeiro: Editorial Labor do Brasil, 1976. p. 6.) Com base no texto, na imagem e nos conhecimentos sobre racionalidade instrumental, é correto afirmar: a) A imagem de Chaplin está de acordo com a crítica de Horkheimer: ao invés de o progresso e da técnica servirem ao homem, este se torna cada vez mais escravo dos mecanismos criados para tornar a sua vida melhor e mais livre. b) A imagem e o texto remetem à ideia de que o desenvolvimento tecnológico e o extraordinário progresso permitiram ao homem atingir a autonomia plena. c) Imagem e texto apresentam o conceito de racionalidade que está na estrutura da sociedade industrial como viabilizador da emancipação do homem em relação a todas as formas de opressão. d) Enquanto a imagem de Chaplin apresenta a autonomia dos trabalhadores nas sociedades contemporâneas, o texto de Horkheimer mostra que, quanto maior o desenvolvimento tecnológico, maior o grau de humanização. e) Tanto a imagem quanto o texto enaltecem a inevitável instrumentalização das relações humanas nas sociedades contemporâneas. GABARITO: 1. 29 3. [B] 4. [D] 5. [D] 6. [D] 7. [B] 8. [E] 9. [E] 10. 07 11. [B] 12. [B] 13. [B] 14. [A] 15. [D] 16. 26 17. [C] 18. [A] Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 10 de 20 SEMANA 2: Schopenhauer e Nietzsche 1. Schopenhauer (1788 – 1860) Arthur Schopenhauer descende de uma família rica e cosmopolita em Danzing (atualmente Polônia), que posteriormente transfere-se para Hamburgo. Esperava-se que Arthur se tornasse um notório comerciante, como seu pai. Após o falecimento de seu pai, possivelmente em decorrência de um suicídio, Schopenhauer resolve abandonar o comércio e inicia seus estudos de Filosofia. Mantém uma relação problemática com a mãe ao longo de toda a vida, frequentemente culpando-a pela morte do pai. Torna-se professor na Universidade de Berlim e vive seus últimos anos em isolamento, apenas com a companhia de seus cachorros, na cidade de Frankfurt. Schopenhauer foi influenciado pelas ideias de Kant, particularmente em relação à sua concepção fenomenológica. Isso significa que, para ele, o mundo não passa de uma REPRESENTAÇÃO, em que temos de um lado o objeto definido pelo tempo e espaço e de outro a consciência subjetiva, essencial para que o mundo exista. O que percebemos do mundo não transcende os limites do próprio campo de visão subjetivo. Nossa subjetividade é muito mais ampla e contundente do que nossa racionalidade, uma vez que somos movidos por uma força maior, que rege toda a natureza, a qual o filósofo chama de VONTADE. A vontade – querer irracional e inconsciente – é a força que movimenta as ações humanas. O homem, egoísta, vive a ilusão de que é o centro de tudo. A vontade manifesta-se na forma de nossos desejos mais básicos, induzindo-nos a viver em constante desapontamento e frustação na tentativa de aliviar tais anseios. O indivíduo busca sua própria conservação e satisfação das necessidades físicas e psicológicas e concebe o mundo sempre a partir de si mesmo. Alteram-se momentos de dor e frustação a momentos de tédio, numa dinâmica que tem como substrato maior a insatisfação e o sofrimento. O ser é o próprio desejo. Por isso, o sofrimento é o substrato de toda a vida. Desejo é sofrimento, pois nasce de uma falta. O prazer é apenas uma supressão momentânea da dor. O “pessimismo” de Schopenhauer nasce dessa visão do sofrimento como parte da natureza humana. Crítica a Hegel: não há um princípio de racionalidade organizando, regendo o mundo físico. A realidade não é um plano racional dotado de sentido, mas fruto de uma Vontade irracional e sem propósito. As coisas apenas buscam se preservar e, por isso, muitas vezes se põem em conflito. A moral da sociedadeé apenas uma repressão do desejo e, diferente de Kant, não resulta de uma concepção racional acerca do bem. Somente por meio da experiência de compaixão o indivíduo pode superar o seu egocentrismo, uma vez que passaria a reconhecer o outro como alguém igual a si. A consciência ética resultaria, portanto, de uma negação da vontade (influência do Budismo). A contemplação estética – especialmente da música – e a expressão artística (que leva o sujeito ao autoconhecimento) também podem levar ao alívio dessa condição miserável em que se encontra. “A partir dessa impossibilidade de satisfação, dessa perpétua condenação ao desejo, Schopenhauer estabelece a célebre fórmula: 'A vida oscila, portanto, como um pêndulo, da direita para a esquerda, da dor ao tédio. O movimento da vida está submetido ao movimento do desejo, e o desejo tem por princípio uma necessidade, uma falta, logo uma dor'. A alegria do homem é apenas uma felicidade negativa, a alegria de se recusar à vontade e, assim, evitar os aborrecimentos. Enquanto dominado pela vontade, ele conhece apenas a oscilação entre tédio e dor. Portanto, para Schopenhauer, o sofrimento é o substrato de toda a vida. (…) Da experiência de compaixão – reconhecimento de que todos os seres são, na verdade, um mesmo ser – surgem na consciência moral os valores de justiça e da caridade e, portanto, a superação do egoísmo. Por estar baseada num sentimento, a moral não recebe uma forma imperativa: Schopenhauer condena toda a moral prescritiva, que se baseia numa noção de dever”. (Flamarion Caldeira Ramos. Schopenhauer: uma visão desencantada da existência. IN: Revista Mente, Cérebro e Filosofia, volume 4: O Outro Lado da Racionalidade, 2005) 2. Nietzsche (1844 – 1900) Friedrich Nietzsche nasceu na Prússia, numa família luterana. Desde cedo pensou em seguir a carreira de pastor, entretanto, rejeitou a crença religiosa durante sua adolescência e o seu contato com a filosofia afastou-o da carreira teológica. Iniciou seus estudos em filologia clássica e teologia evangélica na Universidade de Bonn. Aos 24 anos tornou-se professor na Universidade de Basel, onde conheceu Richard Wagner, que o influenciou fortemente – até o antissemitismo do músico levar Nietzsche a romper a amizade. Sofreu muitos problemas de saúde ao longo da vida e, por conta disso, foi forçado a deixar o cargo de professor em 1879. Após muitas viagens pela Europa, sofreu uma espécie de colapso mental em 1889, do qual nunca se recuperou. Passou seus últimos anos sob os cuidados de sua mãe e de sua irmã mais nova. A obra filosófica de Nietzsche, sempre muito enigmática e complexa, centra-se em torno de uma contundente crítica aos parâmetros morais (religiosos) e de racionalidade que fundamentam a cultura ocidental. Tais parâmetros teriam aniquilado qualquer possibilidade de afirmação da vida, tornando-se sua própria negação. O filósofo atrela tais parâmetros ao que chama de “espírito apolíneo”, que compreende a postura filosófico-científica. Essa postura nos afasta da natureza e das forças vitais, sendo antagônica ao que chama de “espírito dionisíaco”, que simboliza o aspecto não racional da vida humana. O Cristianismo surge nesse contexto apolíneo como uma espécie de popularização de ideais já presentes na filosofia de Sócrates e de Platão: negar tudo o que se relaciona ao corpo em prol de uma racionalidade maior capaz de conduzir o homem ao Bem, à verdade. A moral do cristianismo seria a própria negação da vida, uma vez que submete tudo o que corpóreo à noção de pecado e orienta o sujeito a uma salvação após a morte. Seria, portanto, uma moral de rebanho, centrada em valores como resignação, autopiedade, controle dos instintos e submissão. Nietzsche opõe essa “moralidade dos fracos” a uma moral de senhor. Resgata a noção de vontade schopenhauriana, mas não a valora negativamente. Acredita que o sujeito deva derrubar os parâmetros morais que o aprisionam e realizar sua vontade de potência. Assim, afirmar a vida, para Nietzsche, significa superar a moral vigente. Por isso, deve-se “matar Deus”: superar a fase de reverência a um ser superior (criação discursiva do próprio homem) e passar a cultuar a vida, por meio de uma nova ética – equilíbrio entre a razão e os desejos. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 11 de 20 “Dado que se tenha compreendido o caráter hediondo dessa revolta contra a vida, que se tornou quase sacrossanta na moral cristã, compreendeu-se também, felizmente, uma outra coisa: uma condenação da vida por parte do vivente é apenas um sintoma de uma determinada espécie de vida. Disto se segue que também que essa antinatureza de moral, que concebe deus como antítese e condenação da vida, é apenas um juízo de valor da vida - de qual vida? de qual espécie de vida? - Já dei a resposta: da vida declinante, enfraquecida, cansada, condenada. A moral – tal como até hoje foi entendida – tal como formulada também por Schopenhauer enfim, como “negação da vontade de vida” - é o instinto mesmo de decadência que se converte em imperativo: ela diz “pereça” - ela é o juízo dos condenados... (Nietzsche, Friedrich. Crepúsculo dos ídolos ou como se filosofa com o martelo. São Paulo: Cia das Letras, 2006; pp. 33-38) O homem é uma corda estendida entre o animal e o além homem: uma corda sobre um abismo. Esta afirmação marca um de seus mais famosos livros, chamado Assim Falou Zaratustra, em que Nietzsche debate a condição humana e afirma a necessidade da superação de uma fase de reverência a um ser superior. Para o filósofo, não há verdades em nossas crenças, em nossas filosofias, tampouco em nossos parâmetros morais. Tudo o que usamos para nos embasar são unidades discursivas que carregam ideias, mas não verdades. Assim, não podemos reverenciar nossa vida em muletas metafísicas, noções parcas que usamos para atribuir algum sentido ao caos, se essas próprias muletas nos impedem de viver. Nietzsche evoca, assim, o além homem, capaz de superar tal fase de reverência a deus (matar deus) e afirmar a vida, mesmo que não consiga atribuir um sentido metafísico a suas experiências. “Nietzsche acreditava que certos conceitos tornam-se indissociavelmente emaranhados: humanidade, moralidade, Deus. Quando seus personagem Zaratustra diz que Deus está morto, não apenas lançou um ataque contra a religião, mas fez algo muito mais audacioso. Deus, aqui, não significa aqui o deus sobre o qual os filósofos falam ou para o qual os religiosos rezam: ele significa a soma total dos valores mais elevados que podemos ter. A morte de Deus não é apenas a morte de uma deidade. É também a morte detodos os valores ditos elevados que herdamos. Um dos objetivos centrais da filosofia de Nietzsche é o que ele chamou de revaloração de todos os valores, uma tentativa de questionar todas as maneiras habituais de pensar sobre ética e sobre os sentidos e objetivos da vida. Nietzsche insistiu que, ao fazer isso, estava inaugurando uma filosofia da alegria – que, embora subverta tudo o que imaginamos até agora sobre bem e mal, procura afirmar a vida.” (O Livro da Filosofia – Ed. Globo, 2011) “Pensamento 283 – Principal defeito dos homens de ação Aos homens de ação falta geralmente a atividade superior: refiro-me à individual. Eles agem como funcionários, comerciantes, eruditos, dito de outro modo, como representantes de uma espécie, mas não como homens determinados, individualizados e únicos; nesse aspecto, são preguiçosos. A infelicidade dos homens de ação é que sua atividade é quase sempre um pouco irracional. Não se pode, por exemplo, perguntar ao banqueiro que acumula dinheiro qual o objetivo de sua incansável atividade: ela é irracional. Os homens de ação rolam como rola a pedra, seguindo a lei bruta da mecânica. Todos os homens se dividem, como em todos os tempos até nossos dias, em escravos e livres; pois quem não tiver para si dois terçosdo seu dia é um escravo, seja ele, de resto, o que quiser: político, comerciante, funcionário, erudito.” (Friederich Nietzsche, Humano, demasiado humano - 1878) EXERCÍCIOS 1. (UEG 2011) No século XIX, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche vislumbrou o advento do “super-homem” em reação ao que para ele era a crise cultural da época. Na década de 1930, foi criado nos Estados Unidos o Super-Homem, um dos mais conhecidos personagens das histórias em quadrinhos. A diferença entre os dois “super-homens” está no fato de Nietzsche defender que o super-homem a) agiria de modo coerente com os valores pacifistas, repudiando o uso da força física e da violência na consecução de seus objetivos. b) expressaria os princípios morais do protestantismo, em contraposição ao materialismo presente no herói dos quadrinhos. c) abdicar-se-ia das regras morais vigentes, desprezando as noções de “bem”, “mal”, “certo” e “errado”, típicas do cristianismo. d) representaria os valores políticos e morais alemães, e não o individualismo pequeno burguês norte-americano. 2. (UEM 2010) A Filosofia de Friedrich Nietzsche (1844-1900) é marcada por uma nova relação entre o racional e o irracional, na medida em que o irracional adquire validade por corresponder à necessidade de um movimento de afirmação da vida. Com base nessa afirmação, assinale o que for correto. 01) Para Nietzsche, o Iluminismo não libertou os homens de seus prejuízos, mas reforçou ainda mais seus mitos, como a crença na razão e no conhecimento científico. 02) O recurso metodológico proposto por Nietzsche é a genealogia, isto é, movimento teórico que recorre à gênese de um discurso, conceito ou prática, apontando suas arbitrariedades e interesses. 04) Para Nietzsche, o conhecimento é fruto de um lento processo de acumulação e comprovação empírica, cuja finalidade é salvar os fenômenos. 08) Contra a moral dos aristocratas e nobres, Nietzsche defende os fracos, isto é, a moral dos escravos. 16) A “vontade de potência” é a afirmação do nacionalsocialismo alemão, expresso na doutrina do super- homem e no antissemitismo nietzscheano. 3. (UNICENTRO 2010) O fragmento de texto, logo abaixo, é de Friedrich Nietzsche (1844-1900). Analise-o, tendo como referência seus conhecimentos sobre o tema, e julgue as assertivas que o seguem, apontando a(s) correta(s). “Todo filosofar moderno está política e policialmente limitado à aparência erudita, por governos, igrejas, academias, costumes, modas, covardias dos homens: ele permanece no suspiro: ‘mas se...’ ou no reconhecimento: ‘era uma vez...’ A filosofia não tem direitos; por isso, o homem moderno, se pelo menos fosse corajoso e consciencioso, teria de repudiá-la e bani-la. Mas a ela poderia restar uma réplica e dizer: ‘Povo miserável! É culpa minha se em vosso meio vagueio como uma Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 12 de 20 cigana pelos campos e tenho de me esconder e disfarçar, como se eu fosse a pecadora e vós, meus juízes? Vede minha irmã, a arte! Ela está como eu: caímos entre bárbaros e não sabemos mais nos salvar.” (NIETZSCHE, F. A Filosofia na época trágica dos gregos. – aforismo 3. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 32 (Col. Os Pensadores). I. Nietzsche critica a filosofia de sua época, afirmando que ela afastou-se da vida, refugiando-se num universo de abstração e deduções lógicas, criando falsos dualismos, como o de corpo e alma, mundo e Deus, mundo aparente e mundo verdadeiro. II. Em Sócrates, Nietzsche encontra o ideal de humanismo que irá definir sua filosofia como “estética de si”. O par conceitual, dionisíaco (Dionísio é o Deus da embriaguez da música e do caos) e apolíneo (Apolo é o Deus da luz, da forma, da harmonia e da ordem), mostra a herança socrática. Da luta e do equilíbrio final desses dois elementos opostos, surge o pensamente nietzschiano como saber da vida e da morte, como expressão do enigma da existência. III. Kant e sua moral são alvos do “filosofar com o martelo” nietzschiano: o “imperativo categórico”, isto é, a lei universal que deve guiar as ações humanas, é para Nietzsche uma ficção que provém do domínio da razão sobre os instintos humanos, sendo a lei de um homem descarnado e cristianizado. IV. A vontade de potência é um conceito-chave na obra de Nietzsche. Indica-nos as relações de força que se desenrolam em todo acontecer, assinalando seu método histórico. Assim, Nietzsche pensa o tempo de acordo com uma concepção própria, um tempo não linear, que se desenvolve em ciclos que se repetem – é o pensamento do eterno retorno, outro conceito-chave de sua obra. a) Apenas IV. b) Apenas II e III. c) Apenas II, III e IV. d) Apenas I, II e IV. e) Apenas I, III e IV. 4. (UFU 2010) Friedrich Nietzsche (1844 – 1900) opõe à moral tradicional, herdeira do pensamento socrático-platônico e da religião judaica-cristã, a transvaloração de todos os valores. Conforme Aranha e Arruda (2000): “Ao fazer a crítica da moral tradicional, Nietzsche preconiza a ‘transvaloração de todos os valores’. Denuncia a falsa moral, ‘decadente’, ‘de rebanho’, ‘de escravos’, cujos valores seriam a bondade, a humildade, a piedade e o amor ao próximo”. Desta forma, opõe a moral do escravo à moral do senhor, a nova moral. (ARANHA, M. L. de A. e MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2000, p. 286.) Assinale a alternativa que contenha a descrição da “moral do senhor” para Nietzsche. a) É caracterizada pelo ódio aos instintos; negação da alegria. b) É negativa, baseada na negação dos instintos vitais. c) É transcendental; seus valores estão no além-mundo. d) É positiva, baseada no sim à vida. 5. (UENP 2010) Nietzsche foi um dos mais importantes críticos da modernidade. Na obra A vontade de poder, o filósofo afirma textualmente que: “Não é verdade que o homem procure o prazer e fuja da dor. São de tomar em conta os preconceitos contra os quais invisto. O prazer e a dor são consequências, fenômenos concomitantes. O que o homem quer, o que a menor partícula de um organismo vivo quer, é o aumento de poder: é em consequência do esforço em consegui-lo que o prazer e a dor se efetivam; é por causa dessa mesma vontade que a resistência a ela é procurada, o que indica a busca de alguma coisa que manifeste oposição. A dor, sendo entrave à vontade de poder do homem, é, portanto, um acontecimento normal - a componente normal de qualquer fenômeno orgânico. E o homem não procura evitá-la, pois tem necessidade dela, já que qualquer vitória implica uma resistência vencida.” Sobre o pensamento do autor julgue as assertivas abaixo: I. A tragédia grega, diz Nietzsche, depois de ter atingido sua perfeição pela reconciliação da “embriaguez e da forma”, de Dionísio e Apolo, começou a declinar quando, aos poucos, foi invadida pelo racionalismo, sob a influência “decadente” de Sócrates. Assim, Nietzsche estabeleceu uma distinção entre o apolíneo e o dionisíaco: Apolo é o deus da clareza, da harmonia e da ordem; Dionísio, o deus da exuberância, da desordem e da música. Segundo Nietzsche, o apolíneo e o dionisíaco, complementares entre si, foram separados pela civilização. II. Nietzsche enriqueceu a filosofia moderna com meios de expressão: o aforismo e o poema. Isso trouxe como consequência uma nova concepção da filosofia e do filósofo: não se trata mais de procurar o ideal de um conhecimento verdadeiro, mas sim de interpretar e avaliar. III. Segundo Nietzsche, o cristianismo concebe o mundo terrestre como um vale de lágrimas, em oposição ao mundo da felicidade eterna do além. Essa concepção constitui uma metafísica que, a luz das ideias do outro mundo, autêntico e verdadeiro, entende o terrestre, o sensível, o corpo, como o provisório, o inautêntico e o aparente. Trata-se, portanto, diz Nietzsche, de “um platonismo para o povo”, de uma vulgarizaçãoda metafísica, que é preciso desmistificar. Assinale a alternativa correta: a) são verdadeiras as afirmações I e II. b) apenas a afirmação III é verdadeira. c) todas as afirmações são falsas. d) apenas a afirmação I é falsa. e) todas as afirmações são verdadeiras. 6. (UEM 2009) Friedrich Nietzsche critica o pensamento socrático-platônico e a tradição da religião judaico-cristã por terem desenvolvido uma razão e uma moral que subjugaram as forças instintivas e vitais do ser humano, a ponto de domesticar a vontade de potência do homem e de transformá- lo em um ser fraco e doentio. Assinale o que for correto. 01) Ao criticar a moral tradicional racionalista, considerada hipócrita e decadente, Nietzsche propõe uma moral não- repressiva, que permite o livre curso dos instintos, de modo que o homem forte possa, ao mesmo tempo, acompanhar e superar o movimento contraditório e antagônico da vida. 02) Para Nietzsche, o super-homem deveria ter a missão de criar uma raça capaz de dominar a humanidade, sendo, por isso, necessário aniquilar os mais fracos. 04) Nietzsche concorda com o marxismo, quando esse afirma que a história da humanidade é a história das lutas de classes, Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 13 de 20 e considera que o socialismo é a única forma de organização social aceitável. 08) Nietzsche identifica dois grandes tipos de moral, isto é, a moral aristocrática de senhores e a moral plebeia de escravos. A moral de escravos é caracterizada pelo ressentimento, pela inveja e pelo sentimento de vingança; é uma moral que nega os valores vitais e nutre a impotência. 16) Os valores que constituem a moral aristocrática de senhores são, para Nietzsche, eternos e invioláveis. Devem orientar a humanidade com uma força dogmática, de modo que o homem não se perca. 7. (ENEM 2016) Sentimos que toda satisfação de nossos desejos advinda do mundo assemelha-se à esmola que mantém hoje o mendigo vivo, porém prolonga amanhã a sua fome. A resignação, ao contrário, assemelha-se à fortuna herdada: livra o herdeiro para sempre de todas as preocupações. SCHOPENHAUER, A. Aforismo para a sabedoria da vida. São Paulo: Martins Fontes, 2005. O trecho destaca uma ideia remanescente de uma tradição filosófica ocidental, segundo a qual a felicidade se mostra indissociavelmente ligada à a) consagração de relacionamentos afetivos. b) administração da independência interior. c) fugacidade do conhecimento empírico. d) liberdade de expressão religiosa. e) busca de prazeres efêmeros. 8. (ENEM 2016) Vi os homens sumirem-se numa grande tristeza. Os melhores cansaram-se das suas obras. Proclamou-se uma doutrina e com ela circulou uma crença: Tudo é oco, tudo é igual, tudo passou! O nosso trabalho foi inútil; o nosso vinho tornou-se veneno; o mau olhado amareleceu-nos os campos e os corações. Secamos de todo, e se caísse fogo em cima de nós, as nossas cinzas voariam em pó. Sim; cansamos o próprio fogo. Todas as fontes secaram para nós, e o mar retirou-se. Todos os solos se querem abrir, mas os abismos não nos querem tragar! NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra, Rio de Janeiro. Ediouro, 1977. O texto exprime uma construção alegórica, que traduz um entendimento da doutrina niilista, uma vez que a) reforça a liberdade do cidadão. b) desvela os valores do cotidiano. c) exorta as relações de produção. d) destaca a decadência da cultura. e) amplifica o sentimento de ansiedade GABARITO: 1: [C] 2: 03 3: [E] 4: [D] 5: [E] 6: 09 7: [B] 8: [D] SEMANA 3: Filosofia no século XX: Existencialismo e Michel Foucault Existencialismo O filósofo Sartre é certamente o mais famoso expoente de uma corrente filosófica que ganhou o mundo na segunda metade do século XX, e que ficou conhecida como Existencialismo. Seus antecedentes filosóficos encontram-se nos pensamentos de Kant, Kierkegaard e Husserl. Os principais expoentes do Existencialismo, por usa vez, são: Heidegger, Sartre, Simone de Beuavoir e Albert Camus. Como vemos no trecho seguir, o Existencialismo não fica restrito ao círculo intelectual, mas adentra a sociedade civil e incorpora-se aos movimentos de contracultura de seu tempo, tornando-se uma vertente de pensamento bastante peculiar. “Logo após o término da Segunda Guerra Mundial, numa Europa mergulhada nas seqüelas do conflito, sufocada numa crise geral (política,social, econômica, moral, financeira, etc.), irradia-se do continente europeu, espraiando-se por todo o mundo, o movimento filosófico existencialista. A experiência traumática da guerra gerou um ambiente de desânimo e desespero, sentimentos que atingiram particularmente a juventude, descrente dos valores burgueses tradicionais e da capacidade do homem solucionar racionalmente as contradições da sociedade. O existencialismo surge e se desenvolve justamente em meio a essa crise, repercutindo à medida que suas teses correspondiam e esclareciam o momento histórico sobrevindo à guerra. Daí, certamente, o motivo por que o existencialismo se propagou tão rapidamente. Sua repercussão não se limitou às discussões acadêmicas nem aos debates nas páginas das publicações especializadas. Tanto quanto uma doutrina filosófica, o existencialismo passou também a ser identificado como um estilo de vida, uma forma de comportamento, a designar toda a atitude excêntrica, que os meios de comunicação divulgavam com estardalhaço, criando uma autêntica mitologia em torno do movimento e seus adeptos.” (João da Penha – O que é o existencialismo, Ed Brasiliense) Jean-Paul Sartre (1905 – 1980) Nascido em Paris, criado pela mãe e pelo avô, devido à morte do pai, graduou-se e Filosofia na École Normale Supérieure, onde também conheceu sua companheira Simone de Beauvoir. Tornou-se professor universitário e ao longo de sua vida destacou-se também por uma importante produção literária. Após 1945, sua obra assumiu uma vertente bastante politizada. A experiência filosófica de Sartre nunca se restringiu ao ambiente exclusivamente acadêmico, tendo sido uns intelectuais mais ativos em causas sociais e também um dos mais conhecidos de sua geração. Ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1964, o qual acabou recusando. Publicou importantes obras como A Náusea (1938); O Ser e o Nada (1943); O Existencialismo é um Humanismo (1945) e Crítica da Razão Dialética (1960). Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 14 de 20 “(...) não encontramos, já prontos, valores ou ordens que possam legitimar a nossa conduta. Assim, não teremos nem atrás de nós, nem na nossa frente, no reino luminoso dos valores, nenhuma justificativa e nenhuma desculpa. Estamos sós, sem desculpas. É o que posso expressar dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado, porque não se criou a si mesmo, e como, no entanto, é livre, uma vez que foi lançado no mundo, é responsável por tudo o que faz”. (SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 9.) Existencialismo: “a existência precede a essência”, o que significa que a consciência não possui nenhuma essência em si; é sempre a consciência de algo (para si). Ou seja, antes de existir, o ser humano é nada. Tudo o que ele virá a ser depende de como viverá a sua existência. O atributo fundamental do indivíduo é a liberdade. É por meio de suas ações que ele se constrói como sujeito. “O ser humano está condenado a ser livre”. A consciência da liberdade, por sua vez, gera angústia, já que leva o sujeito a perceber que está abandonado a si mesmo (não há Deus, nem destino e a moralidade é uma convenção humana). As situações (natureza, condições físicas e sociais) limitam a liberdade, mas, mesmo em situações restritas, há sempre escolhas que podem ser feitas. Ou seja, não podemos escolher o mundo em que vivemos, mas podemos escolher o modo como vivemos, em meioàs condições impostas. Relação da liberdade com responsabilidade (ética da responsabilidade) “Não importa o que fizeram conosco. Importa o que fazemos com o que fizeram conosco” Escolher, mesmo que passivamente, já é uma ação. Ao nascermos, nos tornamos parte do mundo e, de certa maneira, responsáveis por ele. O que faremos com nossa liberdade? Texto complementar: O EXISTENCIALISMO É UM HUMANISMO Eu gostaria aqui de defender o existencialismo de um certo número de objeções que lhe foram dirigidas. De início, reprovaram-no por convidar as pessoas a permanecer em um quietismo do desespero, uma vez que, se todas as soluções estão fechadas, seria preciso considerar que a ação nesse mundo é totalmente impossível, e chegar assim a uma filosofia contemplativa, o que aliás nos reconduz a uma filosofia burguesa, pois a contemplação é um luxo. Essas são sobretudo as objeções dos comunistas. De outro lado, reprovaram-nos por sublinhar a ignomínia humana, por mostrar em toda parte o sórdido, o suspeito, o viscoso, por negligenciar um certo número de belezas cintilantes, o lado luminoso da natureza humana; por exemplo, de acordo com a senhorita Mercier, crítica católica, por ter esquecido o sorriso da criança. Uns e outros nos reprovam por ter negligenciado a natureza humana, por considerar que o homem está isolado, em grande parte, aliás, porque nós partimos, dizem os comunistas, da pura subjetividade, ou seja, do eu penso cartesiano, ou ainda, do momento em que o homem alcança a si mesmo em sua solidão, o que nos tornaria incapazes, consequentemente, de voltar à solidariedade com os homens que estão fora de mim e que eu não posso alcançar no cogito. E, do lado cristão, reprovam-nos por negar a realidade e a seriedade dos empreendimentos humanos, pois, se nós suprimirmos os mandamentos de Deus e os valores inscritos na eternidade, resta apenas a estrita gratuidade, cada um podendo fazer o que quiser, e sendo incapaz, de seu ponto de vista, de condenar os pontos de vista e os atos dos outros. Procuro responder hoje a essas diferentes objeções; eis porque intitulei essa pequena conferência: O existencialismo é um humanismo. Muitos poderão se espantar de que falemos aqui em humanismo. Tentaremos mostrar em que sentido entendemos assim. Em todo caso, o que nós podemos dizer desde o início é que entendemos por existencialismo uma doutrina que torna a vida humana possível e que, por outro lado, declara que toda verdade e toda ação implicam um meio e uma subjetividade humana. Sabemos que a objeção essencial que nos fazem é por colocar a ênfase no lado mau da vida humana. Falaram-me recentemente de uma senhora que, num momento de nervosismo, deixou escapar uma palavra vulgar, e declarou, desculpando-se: “Creio que estou me tornando existencialista”. Consequentemente, assimilam feiúra ao existencialismo; eis porque declaram que somos naturalistas; e se somos naturalistas, espanta que assustemos e escandalizemos muito mais do que o naturalismo propriamente dito assusta ou escandaliza hoje em dia. Fulano que compra perfeitamente um romance de Zola, como A terra, fica enojado quando lê um romance existencialista; Cicrano, que se serve da sabedoria dos povos – o que é muito triste – nos acha mais tristes ainda. Entretanto, que pode haver de mais lamentável que dizer “a caridade bem organizada começa por si mesmo” ou ainda “agrade teu serviçal, ele te apunhala, castigue teu serviçal, ele te ama”. Conhecemos os lugares comuns que podemos utilizar a esse respeito e que mostram sempre a mesma coisa: não se deve lutar contra os poderes estabelecidos, não se deve lutar contra a força, não se deve dar um passo maior que a perna, toda ação que não se insere em uma tradição é um romantismo, toda tentativa que não se apóia em uma experiência já feita é condenada ao fracasso; e a experiência mostra que os homens sempre decaem, que é preciso firmeza para detê-los, senão é a anarquia. Todavia, são as mesmas pessoas que repetem esses tristes provérbios que dizem: “como é humano”, cada vez que se mostra a elas um ato mais ou menos repugnante, são elas que se deleitam com canções realistas, são essas pessoas que acusam o existencialismo de ser muito sombrio, a tal ponto que me pergunto se elas não o censuram não por seu pessimismo, mas, muito ao contrário, pelo seu otimismo. No fundo, o que assusta, na doutrina que vou lhes expor, não seria o fato de que ela deixa para o homem uma possibilidade de escolha? Para sabê-lo, é preciso colocar novamente a questão em um plano estritamente filosófico. Que é que denominam existencialismo? A maioria das pessoas que utiliza essa palavra ficaria bem embaraçada em justificá-la, pois se declara facilmente, hoje que ela se tornou uma moda, que um músico ou um pintor é existencialista. Um cronista de Clartés assina O existencialista; no fundo, a palavra tomou hoje uma tal amplitude e uma tal extensão que ela não significa mais nada. Parece que, na falta de uma doutrina de vanguarda análoga ao surrealismo, as pessoas ávidas por escândalo e agitação se voltam para esta filosofia, que, aliás, nisso em nada pode ajudá-las; na realidade, é a doutrina menos escandalosa, mais austera; ela Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 15 de 20 é estritamente destinada aos especialistas e aos filósofos. Entretanto, ela pode ser facilmente definida. O que torna as coisas complicadas é que há dois tipos de existencialistas: os primeiros são cristãos, e entre eles eu colocaria Jaspers e Gabriel Marcel, de confissão católica; e, de outro lado, os existencialistas ateus, entre os quais é preciso colocar Heidegger e também os existencialistas franceses, e eu próprio. O que eles têm em comum é simplesmente o fato de que consideram que a existência precede a essência, ou, se se quiser, que é preciso partir da subjetividade. Que se deve entender por isso? Consideremos um objeto fabricado, como, por exemplo, um livro ou um corta-papel. Esse objeto foi fabricado por um artesão, que se inspirou em um conceito; ele se referiu ao conceito de corta-papel, e igualmente a uma técnica prévia de produção, que faz parte do conceito, e que é no fundo uma receita. Assim, o corta-papel é ao mesmo tempo um objeto que se produz de uma certa maneira e que, de outro lado, tem uma utilidade definida, e não se pode supor um homem que produzisse um corta-papel sem saber para que tal objeto serviria. Diremos, portanto, que, no caso do corta-papel, a essência – isto é, o conjunto das receitas e das qualidades que permitem produzi-lo e defini-lo – precede a existência. Assim, a presença diante de mim de tal corta-papel ou de tal livro é determinada. Temos aqui uma visão técnica do mundo, na qual se pode dizer que a produção precede a existência. Ao concebermos um Deus criador, esse Deus é identificado, na maioria das vezes, a um artesão superior; e qualquer que seja a doutrina que consideremos, quer se trate de uma doutrina como a de Descartes, quer se trate de uma doutrina como a de Leibniz, nós admitimos sempre que a vontade segue mais ou menos o entendimento ou, pelo menos, o acompanha, e que Deus, quando cria, sabe precisamente o que cria. Assim, o conceito de homem, no espírito de Deus, é assimilável ao conceito de corta-papel, no espírito do artesão; e Deus produz o homem segundo técnicas e uma concepção, exatamente como o artesão fabrica um corta-papel segundo uma definição e uma técnica. Assim, o homem individual realiza um certo conceito que está no entendimento divino. No século XVIII, o ateísmo dos filósofos suprime a noção de Deus; no entanto, não suprime a ideia de que a essência preceda a existência. Nós encontramos essa ideia um pouco em toda parte: nós a encontramos em Diderot, em Voltaire, e mesmo em Kant. O homem possui uma natureza humana; essa natureza humana, que é o conceito humano, é encontrada em todos os homens, o que significa dizer que cadahomem é um exemplo particular de um conceito universal, o homem. Em Kant, resulta dessa universalidade que o homem das florestas, o homem da natureza, tal como os burgueses, estão limitados à mesma definição e possuem as mesmas qualidades de base. Assim, mesmo aí, a essência do homem precede essa existência histórica que reencontramos na natureza. O existencialismo ateu que eu represento é mais coerente. Ele declara que, se Deus não existe, há pelo menos um ser em quem a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por algum conceito, e que este ser é o homem, ou, como diz Heidegger, a realidade humana. Que significa dizer que a existência precede a essência? Significa que o homem primeiro existe, se encontra, surge no mundo, e que se define depois. O homem, tal como o existencialista o concebe, se não é definível, é porque de início ele não é nada. Ele só será em seguida, e será como se tiver feito. Assim, não há natureza humana, pois não há Deus para concebê-la. O homem é não apenas tal como ele se concebe, mas como ele se quer, e como ele se concebe depois da existência, como ele se quer depois desse impulso para a existência, o homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo. Tal é o primeiro princípio do existencialismo. É também o que se chama a subjetividade, e que nos reprovam sob esse mesmo nome. Mas, que queremos dizer com isso, senão que o homem tem mais dignidade que a pedra ou que a mesa? Pois nós queremos dizer que o homem primeiro existe, isto é, que ele é de início aquele que se lança para um porvir, e que é consciente de se lançar no porvir. O homem é de início um projeto que se vive subjetivamente, ao invés de ser um musgo, uma podridão, um couve-flor; nada existe antes desse projeto; nada está no céu inteligível, e o homem será aquilo que ele tiver projetado ser. Não o que ele quiser ser. Pois o que entendemos vulgarmente por querer é uma decisão consciente e que é para a maior parte de nós posterior àquilo que fizemos de nós mesmos. Posso querer aderir a um partido, escrever um livro, casar-me, tudo isso é uma manifestação de uma escolha mais original, mais espontânea do que aquilo que chamamos vontade. Mas se verdadeiramente a existência precede a essência, o homem é responsável por aquilo que ele é. Assim, o primeiro passo do existencialismo é colocar todo homem de posse daquilo que ele é e fazer cair sobre ele a responsabilidade total por sua existência. E, quando nós dizemos que o homem é responsável por si mesmo, não queremos dizer que o homem é responsável por sua estrita individualidade, mas que ele é responsável por todos os homens. Há dois sentidos para a palavra subjetivismo e nossos adversários jogam com esses dois sentidos. Subjetivismo quer dizer, por um lado, escolha do sujeito individual por si mesmo, e, por outro, impossibilidade para o homem de ultrapassar a subjetividade humana. É esse segundo o sentido profundo do existencialismo. Quando afirmamos que o homem se escolhe a si mesmo, entendemos que cada um de nós se escolhe, mas queremos dizer também que, escolhendo-se, ele escolhe todos os homens. De fato, não há um só de nossos atos que, criando o homem que queremos ser, não crie ao mesmo tempo uma imagem do homem tal como estimamos que ele deva ser. Escolher ser isto ou 621 621 aquilo é afirmar ao mesmo tempo o valor daquilo que nós escolhemos, pois não podemos nunca escolher o mal; aquilo que escolhemos é sempre o bem, e nada pode ser bom para nós sem sê-lo para todos. Se, por outro lado, a existência precede a essência e se nós queremos existir, ao mesmo tempo que moldamos nossa imagem, essa imagem é válida para todos e para toda nossa época. Assim, nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, pois ela engaja a humanidade inteira. Se eu sou um operário e se escolho aderir a um sindicato cristão ao invés de ser comunista, se, por esta adesão, eu quero indicar que a resignação é no fundo a solução que convém ao homem, que o reino do homem não é sobre a terra, eu não estou engajando apenas a mim mesmo: eu quero ser resignado por todos, por consequência minha decisão engaja toda a humanidade. E se eu quiser, fato mais individual ainda, casar-me, ter filhos, ainda que esse casamento dependa unicamente de minha situação, ou de minha paixão, ou de meu desejo, com ele eu engajo não apenas a mim mesmo, mas toda a humanidade no caminho da monogamia. Assim, eu sou responsável por mim mesmo e por todos, e eu crio uma certa imagem do homem que eu escolhi; escolhendo-me, eu escolho o homem. Isto nos permite compreender o que recobrem palavras um pouco grandiloquentes como angústia, desamparo, desespero. Como vocês poderão ver, é extremamente simples. De início, que se entende por angústia? O Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 16 de 20 existencialista declara frequentemente que o homem é angústia. Isto significa o seguinte: o homem que se engaja e que se dá conta de que ele é não apenas aquele que ele escolheu ser, mas ainda um legislador que escolhe, ao mesmo tempo que ele mesmo, toda a humanidade, não poderia escapar ao sentimento de sua total e profunda responsabilidade. Evidentemente, muitas pessoas não são ansiosas; mas nós acreditamos que elas mascaram sua angústia, que elas fogem dela; certamente, muitas pessoas creem que, agindo, engajam apenas a si mesmas, e quando perguntamos a elas: “Mas, e se todos fizessem da mesma maneira?”, elas dão de ombros e respondem: “Nem todos fazem o mesmo”. No entanto, na verdade, devemos sempre nos perguntar: o que aconteceria se todos fizessem do mesmo modo? Não escapamos a esse pensamento inquietante a não ser por uma espécie de má-fé. Aquele que mente e se desculpa, declarando: “todo mundo faz assim”, é alguém que não está em paz com sua consciência, pois o fato de mentir implica um valor universal atribuído à mentira. Trechos iniciais da obra O Existencialismo é um Humanismo, de Jean Paul Sartre. Disponíveis em: https://projetoaletheia.files.wordpress.com/2014/08/existencial ismo-c3a9-humanismo-sartre.pdf Simone de Beauvoir - o que é ser mulher? Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir, mais conhecida como Simone de Beauvoir (Paris, 9 de janeiro de 1908 — Paris, 14 de abril de 1986), foi uma escritora, intelectual, filósofa existencialista, ativista política, feminista e teórica social francesa. Embora não se considerasse uma filósofa, De Beauvoir teve uma influência significativa tanto no existencialismo feminista quanto na teoria feminista.[1] Nascida em Paris, era a primogênita de duas irmãs, filha de um casal descendente de famílias tradicionais, porém decadente. Seu pai era o advogado Georges Bertrand de Beauvoir, ex-membro da aristocracia francesa, enquanto a mãe era Françoise Brasseur, membro da alta burguesia francesa. Ela estudou em uma escola católica privada até os 17 anos. Depois de passar no vestibular de matemática e filosofia, acabou por estudar matemática no Instituto Católico de Paris e literatura e línguas no colégio Sainte-Marie de Neuilly, e em seguida, filosofia na Universidade de Paris (Sorbonne), onde conheceu outros jovens intelectuais, como Maurice Merleau-Ponty, René Maheu e Jean-Paul Sartre, com quem manteve um relacionamento aberto por toda a vida. De Beauvoir escreveu romances, ensaios, biografias, autobiografia e monografias sobre filosofia, política e questões sociais. Ela é conhecida por seu tratado O Segundo Sexo, de 1949, uma análise detalhada da opressão das mulheres e um tratado fundamental do feminismo contemporâneo, além de seus romances A Convidada e Os Mandarins. Ela lecionou em várias instituições escolares no período entre 1931 a 1943. Nos anos 1940 ela integrava um círculo de filósofos literatos que conferiam ao existencialismo um aspecto literário, sendo que seus livros enfocavam os elementos mais importantes da filosofia existencialista.A autora revela certa inquietação diante do envelhecimento e da morte em livros como Uma Morte suave (título no Brasil) ou Uma morte serena (título em Portugal), de 1964. Em A Cerimônia do Adeus, de 1981, ela narra o fim da existência de seu companheiro Sartre, que havia morrido em 15 de abril do ano anterior. Ela faleceu em 14 de abril de 1986, aos 78 anos de idade, por conta do agravamento de uma pneumonia. Seu corpo foi enterrado no Cemitério de Montparnasse, no mesmo túmulo de Sartre. (Fonte da biografia: Wikipédia, em Setembro de 2016) “Numa sociedade, nada é natural, e a mulher, como várias outras coisas, é um produto elaborado pela civilização” – Simone de Beauvoir As ideias presentes no livro O segundo sexo, publicado por Simone de Beauvoir em 1949, influenciam a segunda onda do Feminismo na Europa, que tinha objetivos políticos e ganhou força no mundo ao longo dos anos de 1960. Beauvoir, por sua vez, não se considerava uma escritora feminista ao publicar tal obra, uma vez que se nutria de uma base filosófica existencialista para refletir sobre o papel da mulher na sociedade e uma possível construção de sentido além das opressões cotidianas e marcantes. Ou seja, não havia se engajado diretamente na luta política. No entanto, ela chegou a ser unir à segunda onda do feminismo e permaneceu ativa na defesa de seus argumentos nos anos de 1970, examinando a ampla condição das mulheres na sociedade numa série de romances. Para Beauvoir, era importante que fossem estabelecidas as contundentes diferenças entre ser fêmea e ser mulher. Ela rejeitou a teoria do “eterno feminino”, que poderia ser usada para justificar a desigualdade, Em O segundo sexo, ela apontou para a importância de se perguntar: o que é uma mulher? E foi uma das primeiras escritoras a definir o conceito de sexismo na sociedade: os preconceitos e pressuposições formuladas a respeito das mulheres. Também se questionou se as mulheres nasciam ou eram criadas pelos preconceitos da sociedade, incluindo expectativas educacionais, religiosas e familiares. A abordagem existencialista a impelia a considerar que o “eu” se descobre por meio do exercício da liberdade, por isso Beauvoir afirmava-se que era preciso tornar-se mulher. Contudo, a liberdade das mulheres nesse sentido era particularmente restrita, por conta dos papéis sociais femininos pré-construídos que se impunham sobre a vida das mulheres sem que houvesse qualquer estrutura que permitisse seu questionamento. “A posição de Beauvoir também foi moldada por suas convicções de esquerda; Ela descreveu a luta das mulheres como parte da luta de classes e reconheceu que sua própria origem burguesa justificava que havia tido oportunidades que não estavam disponíveis para as mulheres das classes mais baixas. Por fim, ela queria liberdade de oportunidades para todas as mulheres, independente de sua classe. Traçou paralelos entre o confinamento físico – numa cozinha ou na Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 17 de 20 alcova – e os limites intelectuais impostos a elas. Sugeriu que essas limitações levavam as mulheres a aceitar a mediocridade e as desencorajavam em buscar algo mais. Beauvoir chamou esse estado de imanência. Com isso, ela quis dizer que as mulheres estavam limitas por e à sua experiência direta no mundo. Ela contrastou essa posição à transcendência dos homens, a qual lhes permitia ter acesso a qualquer posição na vida que quisessem. Dessa forma, os homens seriam os SUJEITOS que se definem, enquanto as mulheres seriam os OUTOROS definidos pelos homens. Beauvoir perguntou porque as mulheres geralmente aceitavam essa posição de outro, buscando prestar contas de sua submissão às pressuposições masculinas. Ela claramente disse que a imanência não era uma falha moral por parte das mulheres. Ela também reconheceu o que via como a contradição inerente enfrentada pelas mulheres: a impossibilidade de escolher a si mesma – como uma mulher – fundamentalmente diferente de um homem e a si mesma como um membro igual da espécie humana.” (O que é uma mulher? – Simone de Beauvoir, em O Livro da Política). Para Simone de Beauvoir, “se a mulher se enxerga como inessencial e nunca retorna ao essencial é porque não opera, ela própria, esse retorno”. Ou seja, a mulher não pode ser liberta pelo homem, há que assumir a responsabilidade sobre suas mais difíceis escolhas. Mas a luta deve ter aspectos colaborativos, o que implica na participação, mesmo que indireta, dos homens. Sobre tornar-se mulher: “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro. Enquanto existe para si, a criança não pode apreender- se como sexualmente diferenciada. Entre meninas e meninos, o corpo é, primeiramente, a irradiação de uma subjetividade, o instrumento que efetua a compreensão do mundo: é através dos olhos, das mãos e não das partes sexuais que apreendem o universo. O drama do nascimento, o da desmama desenvolvem-se da mesma maneira para as crianças dos dois sexos; têm elas os mesmos interesses, os mesmos prazeres; a sucção é, inicialmente, a fonte de suas sensações mais agradáveis; passam depois por uma fase anal em que tiram, das funções excretórias que lhe são comuns, as maiores satisfações; seu desenvolvimento genital é análogo; exploram o corpo com a mesma curiosidade e a mesma indiferença; do clitóris e do pênis tiram o mesmo prazer incerto; na medida em que já se objetiva sua sensibilidade, voltam–se para a mãe: é a carne feminina, suave, lisa, elástica que suscita desejos sexuais e esses desejos são preensivos; é de uma maneira agressiva que a menina, como o menino, beija a mãe, acaricia- a, apalpa-a; têm o mesmo ciúme se nasce outra criança; manifestam-no da mesma maneira: cólera, emburramento, distúrbios urinários; recorrem aos mesmos ardis para captar o amor dos adultos. Até os doze anos a menina é tão robusta quanto os irmãos e manifesta as mesmas capacidades intelectuais; não há terreno em que lhe seja proibido rivalizar com eles. Se, bem antes da puberdade e, às vezes, mesmo desde a primeira infância, ela já se apresenta como sexualmente especificada, não é porque misteriosos instintos a destinem imediatamente à passividade, ao coquetismo, à maternidade: é porque a intervenção de outrem na vida da criança é quase original e desde seus primeiros anos sua vocação lhe é imperiosamente insuflada;” O Segundo Sexo, volume 2. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967, 2ª edição, pp. 9-10. Sobre as críticas que a obra O segundo sexo recebera: Sei que lendo esta biografia certos críticos vão triunfar: dirão que desmente brutalmente O Segundo Sexo, já o disseram a propósito de minhas memórias. É que não compreenderam meu velho ensaio e talvez mesmo dele falem sem o ter lido. Escrevi porventura algum dia que as mulheres eram homens? Pretendi não ser uma mulher? Meu esforço foi, ao contrário, o de definir em sua particularidade a condição feminina que é minha. Recebi uma educação de moça; terminados meus estudos, minha condição continuou a ser a de uma mulher no seio de uma sociedade em que os sexos constituem duas castas nitidamente separadas. Em numerosas circunstâncias, reagi como a mulher que era. Por razões que expus precisamente em O Segundo Sexo, as mulheres, mais do que os homens, experimentam a necessidade de um céu por cima da cabeça; não lhes deram essa têmpera que faz os aventureiros, no sentido que Freud dá à palavra; elas hesitam em discutir a fundo o mundo, como hesitam também em aceitá-lo. (…) Viu-se entretanto que eu atribuía pouca importância às condições reais de minha vida: nada travava a minha vontade, pensava.Não negava a minha feminilidade; não a assumia tampouco. Não pensava nela. Tinha as mesmas liberdades e as mesmas responsabilidades que os homens. A maldição que pesa sobre a maior parte das mulheres – a dependência – foi-me poupada. Ganhar a vida não é em si um fim, mas somente assim se alcança uma sólida autonomia interior. (…) Sei hoje que, para me descrever, devo dizer primeiramente: “Sou uma mulher”; mas minha feminilidade não constituiu para mim nem um incômodo nem um álibi. Simone de Beauvoir em A Força da Idade, páginas 363-364. Nova Fronteira, 2010. Michel Foucault (1926 – 1984) "Meu papel é o de mostrar às pessoas que elas são muito mais livres do que pensam ser; que elas têm por verdadeiros, por evidentes, alguns temas que foram fabricados num momento particular da história, e que essa suposta evidência pode ser criticada e destruída." Foucault desenvolve uma percepção da realidade compatível à pós- modernidade, aceitando como paradigmas a fragmentação dos discursos e a descontinuidade da história. Possui uma visão de conhecimento avessa à organização positivista, pois acredita que as áreas acadêmicas possuem trocas contínuas. Por isso, é um intelectual atuante em diversas áreas: Filosofia, História, Antropologia e Psicologia. Propõe-se a desenvolver uma arqueologia do saber: análise dos discursos de saber construídos ao longo da história (loucura, sexualidade, educação, crime) e de como estes vão se convertendo em norma (genealogia do poder). Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 18 de 20 Descontinuidade da história: os sistemas de poder simplesmente alternam-se (afirmam-se e entram em declínio). Ou seja, não caminhamos para a transcendência (Hegel) nem para o progresso (Comte). Normatização: “nós nos convertemos em uma sociedade essencialmente articulada sobre a norma. O que implica em outro sistema de vigilância, de controle. Uma visibilidade incessante, uma classificação permanente dos indivíduos, uma hierarquização, uma qualificação, o estabelecimento de limites, uma exigência de diagnóstico. A norma converte-se no critério de divisão dos indivíduos. Desde o momento em que é uma sociedade de norma que está se construindo, a medicina, posto que ela é a ciência por excelência do normal e do patológico, será a ciência régia”. Para Foucault, o poder se manifesta como NORMA e é assimilado pelos indivíduos por meio dos processos de sujeição. As instituições são responsáveis por adequar os indivíduos às normas sociais e ajustar o comando das populações. Por isso, Foucault entende o poder como algo que molda o indivíduo a partir do próprio corpo, que por meio das estratégias de disciplina é docilizado e passa a servir ao sistema. O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais útil, e inversamente. Forma-se então uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. (...) A disciplina fabrica assim corpos submisso, dóceis. A disciplina aumenta a força produtiva do corpo ao mesmo tempo em que diminui essa mesma força em termos políticos. (...) Se a exploração econômica separa a força e o produto do trabalho, digamos que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada. Michel Foucault – Vigiar e Punir EXERCÍCIOS: 1. (UFU) O nada, impensado para Parmênides, encontrou em Sartre valor ontológico, pois o nada é o ponto de partida da existência humana, uma vez que não há nenhuma anterioridade à existência, nem mesmo uma essência. Esta tese apareceu no livro O Ser e o Nada. Tal afirmação encontra- se também em outro livro, O existencialismo é um humanismo, no qual está escrito: “Porém, se realmente a existência precede a essência, o homem é responsável pelo que é. Desse modo, o primeiro passo do existencialismo é o de pôr todo homem na posse do que ele é, de submetê-lo à responsabilidade total de sua existência.” SARTRE, J.P. O existencialismo é um humanismo. Trad. de Rita Correia Guedes. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 6. Coleção “Os Pensadores”. A responsabilidade para Sartre diz respeito a) ao indivíduo para consigo mesmo, já que o existencialismo é dominado pelo conceito de subjetividade que restringe o sujeito da ação à sua esfera interior, circunscrita pelas suas representações arbitrárias, que exclui o outro; toda escolha humana é a escolha por si próprio. b) ao vínculo entre o indivíduo e a humanidade, já que para o existencialista, cada um é responsável por todos os homens, pois, criando o homem que cada um quer ser, estaremos sempre escolhendo o bem e nada pode ser bom para um, que não possa ser para todos. c) à imagem de homem que pré-existe e é anterior ao sujeito da ação. É uma imagem tal qual se julga que todos devam ser, de modo que o existencialismo, em virtude da sua origem protestante com Kierkegaard, renova a moral asceta do cristianismo, que exige a anulação do eu. d) ao partido político que tem a primazia na condução do processo de edificação da nova imagem de homem comprometido com a revolução e que faz de cada um aquilo que deverá ser, tal como ficou célebre no mote existencialista: o que importa é o resultado daquilo que nos fizeram. 2. (UFU) Considere o texto a seguir. Dostoiévski escreveu: “Se Deus não existisse, tudo seria permitido”. Eis o ponto de partida do existencialismo. De fato, tudo é permitido se Deus não existe, e, por conseguinte, o homem está desamparado porque não encontra nele próprio nem fora dele nada a que se agarrar. Para começar, não encontra desculpas. SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um humanismo. Trad. De Rita Correia Guedes. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 9. Tomando o texto acima como referência, marque a alternativa correta. a) Nesse texto, Sartre quer mostrar que sua teoria da liberdade pressupõe que o homem é sempre responsável pelas escolhas que faz e que nenhuma desculpa deve ser usada para justificar qualquer ato. b) O existencialismo é uma doutrina que propõe a adoção de certos valores como liberdade e angústia. Para o existencialismo, a liberdade significa a total recusa da responsabilidade. c) Defender que “tudo é permitido” significa que o homem não deve assumir o que faz, pois todos os homens são essencialmente determinados por forças sociais. d) Para Sartre, a expressão “tudo é permitido” significa que o homem livre nunca deve considerar os outros e pode fazer tudo o que quiser, sem assumir qualquer responsabilidade. 3. (UFU) Liberdade, para Jean-Paul Sartre (1905-1980), seria assim definida: a) o estar sob o jugo do todo para agir em conformidade consigo mesmo, instaurando leis e normas necessárias para os indivíduos. b) circunstâncias que nos determinam e nos impedem de fazer escolhas de outro modo. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 19 de 20 c) conformação às situações que encontramos no mundo e que nos determinam. d) escolha incondicional que o próprio homem faz de seu ser e de seu mundo. Estamos condenados à liberdade, segundo o autor. 4. (UFU) Segundo Jean Paul Sartre, filósofo existencialista contemporâneo, liberdade é I- escolha incondicional que o próprio homem faz de seu ser e de seu mundo. II- aceitar o que a existência determina como caminho para a vida do homem. III- sempre uma decisão livre, por mais que se julgue estar sob o poder de forças externas. IV- estarmos condenados a ela, pois é a liberdade que define a humanidade dos humanos. Assinalea) se apenas I e IV estiverem corretas. b) se apenas II e III estiverem corretas. c) se apenas I, II e IV estiverem corretas. d) se apenas III e IV estiverem corretas. e) se apenas I, III e IV estiverem corretas. 5. (ENEM 2015) Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino. Simone de Beauvoir. O segundo sexo. Na década de 1960, a proposição de Simone de Beauvoir contribuiu para estruturar um movimento social que teve como marca a) ação do Poder Judiciário para criminalizar a violência sexual. b) pressão do Poder Legislativo para impedir a dupla jornada de trabalho. c) organização de protestos púbicos para garantir a igualdade de gênero. d) oposição de grupos religiosos para impedir os casamentos homoafetivos. e) estabelecimento de políticas governamentais para promover ações afirmativas. 6. (ENEM 2017) O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento das suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais útil, e inversamente. Forma-se então uma política das coerções, que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. FOUCAULT, M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1987. Na perspectiva de Michel Foucault, o processo mencionado resulta em a) declínio cultural. b) segregação racial. c) redução da hierarquia. d) totalitarismo dos governos. e) modelagem dos indivíduos. 7. (UEMA 2015) Gilberto Cotrim (2006. p. 212), ao tratar da pós-modernidade, comenta as ideias de Michel Foucault, nas quais “[...] as sociedades modernas apresentam uma nova organização do poder que se desenvolveu a partir do século XVIII. Nessa nova organização, o poder não se concentra apenas no setor político e nas suas formas de repressão, pois está disseminado pelos vários âmbitos da vida social [...] [e] o poder fragmentou-se em micropoderes e tornou-se muito mais eficaz. Assim, em vez de se deter apenas no macropoder concentrado no Estado, [os] micropoderes se espalham pelas mais diversas instituições da vida social. Isto é, os poderes exercidos por uma rede imensa de pessoas, por exemplo: os pais, os porteiros, os enfermeiros, os professores, as secretarias, os guardas, os fiscais etc.” Fonte: COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e grandes temas. São Paulo: Saraiva, 2006. (adaptado) Pelo exposto por Gilberto Cotrim sobre as ideias de Foucault, a principal função dos micropoderes no corpo social é interiorizar e fazer cumprir a) o ideal de igualdade entre os homens. b) o total direito político de acordo com as etnias. c) as normas estabelecidas pela disciplina social. d) a repressão exercida pelos menos instruídos. e) o ideal de liberdade individual. 8. (UNESP 2014) Governos que se metem na vida dos outros são governos autoritários. Na história temos dois grandes exemplos: o fascismo e o comunismo. Em nossa época existe uma outra tentação totalitária, aparentemente mais invisível e, por isso mesmo, talvez, mais perigosa: o "totalitarismo do bem". A saúde sempre foi um dos substantivos preferidos das almas e dos governos autoritários. Quem estudar os governos autoritários verá que a "vida cientificamente saudável" sempre foi uma das suas maiores paixões. E, aqui, o advérbio "cientificamente é quase vago porque o que vem primeiro é mesmo o desejo de higienização de toda forma de vício, sujeira, enfim, de humanidade não correta. Nosso maior pecado contemporâneo é não reconhecer que a humanidade do humano está além do modo "correto" de viver. E vamos pagar caro por isso porque um mundo só de gente "saudável" é um mundo sem Eros. (Luiz Felipe Pondé. “Gosto que cada um sente na boca não é da conta do governo”. Folha de S.Paulo, 14.03.2012. Adaptado.) Na concepção do autor, o totalitarismo a) é um sistema político exclusivamente relacionado com o fascismo e o comunismo. b) inexiste sob a égide de regimes políticos institucionalmente democráticos e liberais. c) depende necessariamente de controles de natureza policial e repressiva dos comportamentos. d) mobiliza a ciência para estabelecer critérios de natureza biopolítica sobre a vida. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 20 de 20 e) estabelece regras de comportamento subordinadas à autonomia dos indivíduos. 9. (UEM 2012) “O pensamento de Foucault gira em torno dos temas do sujeito, verdade, saber e poder. É um pensamento que leva à crítica de nossa sociedade, à reflexão sobre a condição humana. [...] Não há verdades evidentes, todo saber foi produzido em algum lugar, com algum propósito. Por isso mesmo pode ser criticado, transformado, e, até mesmo destruído. Foucault considera que a filosofia pode mudar alguma coisa no espírito das pessoas. [...] Seu pensamento vem sempre engajado em uma tarefa política ao evidenciar novos objetos de análise, com os quais os filósofos nunca haviam se preocupado. Entre eles se destacam: o nascimento do hospital; as mudanças no espaço arquitetural que servem para punir, vigiar, separar; o uso da estatística para que governos controlem a população; a constituição de uma nova subjetividade pela psicologia e pela psicanálise; como e por que a sexualidade passa a ser alvo de preocupação médica e sanitária; como governar significa gerenciar a vida (biopoder) desde o nascimento até a morte, e tornar todos os indivíduos mais produtivos, sadios, governáveis.” (ARAÚJO, I. L. Foucault: um pensador da nossa época, para a nossa época. In: Antologia de textos filosóficos. Curitiba: SEED-PR, 2009. p. 225.) Segundo o texto, é correto afirmar: 01) A renovação filosófica ocorre no contexto de afirmação positivista das ciências e fundação da subjetividade a partir da fenomenologia. 02) A relação entre saber e poder diz respeito a uma prática política, não só epistemológica. 04) A sexualidade aparece como tema de análise filosófica em razão da repressão dos desejos individuais e coletivos. 08) A expressão “biopoder” significa a associação entre as potencialidades humanas e o divino. 16) O papel da filosofia é revelar verdades metafísicas, independentemente de serem contestadas ao longo da História. Gabarito: 1. [B] 2. [A] 3. [D] 4. [E] 5. [C] 6. [E] 7. [C] 8. [D] 9. 6