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Seção B Semiologia do Sistema Respiratório de Pequenos Animais Introdução A principal função do sistema respiratório é promover a troca gasosa entre o meio interno e o externo. A esse processo chamamos de hematose, que tem por finalidade fazer com que o oxigênio (O2) chegue até a região dos alvéolos, na qual estes, em íntimo contato com os capilares pulmonares, favorecem sua passagem à corrente sanguínea, com o dióxido de carbono (CO2) realizando um mecanismo inverso, para posterior eliminação para o meio externo (Figura 8.18). Outra importante função é a manutenção do equilíbrio acidobásico. Se ocorrer acúmulo de CO2 como consequência de hipoventilação, o resultado será o estabelecimento da acidose. A remoção excessiva de CO2, provocada por hiperventilação, resultará, por sua vez, em alcalose respiratória. Do mesmo modo, o sistema respiratório compensa parcialmente (de maneira muito rápida) os distúrbios acidobásicos metabólicos primários. Hiperventilação e diminuição na pressão de CO2 ocorrem em resposta à acidose metabólica. Nos casos de alcalose metabólica, ocorrem hipoventilação e aumento da pressão de CO2. Figura 8.18 Percurso do ar inspirado. O sistema respiratório também atua como um importante órgão na termorregulação. O processo de evaporação é um mecanismo importante na perda de calor. O ar expirado pelos pulmões, além de aquecido, é eliminado com alto teor de umidade, auxiliando na dissipação do calor produzido. 619 Revisão anatômica O sistema respiratório costuma ser dividido em trato respiratório superior (compartimento nasofaringolaríngeo) e inferior (compartimentos traqueobrônquicos e alveolares). O trato respiratório superior é formado por: (1) narinas; (2) fossa nasal; (3) nasofaringe; (4) orofaringe; e (5) laringe. Além de importantes condutores respiratórios, essas estruturas promovem umidificação e filtragem do ar inspirado. O trato respiratório inferior, por sua vez, compreende: (1) traqueia; (2) árvore brônquica; (3) ductos alveolares; e (4) alvéolos. A pleura é uma estrutura única formada pelos folhetos parietal e visceral. A pleura visceral recobre a superfície dos pulmões, ao passo que a parietal reveste o diafragma, a superfície costal e o mediastino. O espaço entre os dois folhetos é preenchido pelo líquido pleural, permitindo melhor deslizamento durante o movimento respiratório. O mediastino é o espaço anatômico que divide o tórax em duas cavidades pleurais: direita e esquerda. Contém uma série de estruturas vitais, tais como: (1) coração; (2) traqueia; (3) esôfago; (4) timo; (5) nervos; e (6) grandes vasos. Comunica-se cranialmente com os planos periesofágicos, peritraqueais e perivascular, e caudalmente com o espaço peritoneal, via hiato aórtico. Tais comunicações podem propiciar a disseminação de doenças entre o pescoço, o tórax e as áreas peritoneais. Os músculos respiratórios contraem-se de maneira coordenada, proporcionando o aumento (processo de inspiração) ou a redução (processo de expiração) de volume da cavidade torácica. O diafragma e os músculos intercostais externos, paraesternais, esternocleidomastóideo, trapézio, peitorais e abdominais exercem papel fundamental no processo de inspiração. A artéria pulmonar conduz sangue venoso do ventrículo direito aos capilares pulmonares. Seus ramos mais periféricos ramificam-se cada vez mais até formarem anastomose com os capilares venosos. Estes se dirigem até as vênulas pulmonares, que se reúnem e formam as veias pulmonares, as quais desembocam no átrio esquerdo. As artérias brônquicas, por sua vez, são ramos diretos da aorta torácica com importante papel na nutrição dos pulmões. Revisão fisiológica As finalidades da respiração são a transferência do oxigênio do exterior até o nível celular e a eliminação do dióxido de carbono, transportado no sentido inverso. O processo de movimentação dos gases respiratórios de uma região para outra (em razão da diferença de pressão) é chamado de difusão. O oxigênio é transportado até as vias respiratórias distais. Na membrana alveolocapilar, ocorre sua difusão para o sangue, e, nos capilares sistêmicos, difunde-se do sangue para as células, seguido pela saída de dióxido de 620 carbono produzido nos tecidos. A ventilação é o mecanismo pelo qual o ar chega até os alvéolos, sendo mantida por centros respiratórios no bulbo. A inspiração depende da contração dos músculos inspiratórios. A expiração é passiva e realizada pela força de retraçãoelástica dos pulmões e pelo relaxamento dos músculos inspiratórios. O volume de ar inspirado e que não participa da troca respiratória denomina-se espaço morto fisiológico. Resenha | Identificação do paciente Na avaliação do sistema respiratório, assim como em outros sistemas, informações quanto a espécie, raça, idade, sexo e procedência do animal apresentam grande importância no plano geral de exame clínico. A seguir, exemplificaremos um pouco mais essa importância. Estima-se que mais de 80% de todos os casos de doença do trato respiratório superior em gatos sejam atribuídos ao complexo respiratório felino (herpes-vírus felino tipo I e calicivírus). Alguns gatos com doença respiratória crônica muitas vezes são trazidos à clínica com início súbito de dificuldade respiratória (aparentando evolução aguda). Algumas particularidades anatômicas e funcionais das vias respiratórias dos felinos fazem com que a asma (obstrução reversível da árvore brônquica) ocorra mais frequentemente nessa espécie, acompanhando e agravando alguns quadros de doença brônquica crônica. Os gatos Siameses podem estar mais predispostos às manifestações clínicas da bronquite felina. Muitos quadros de piotórax (exsudato séptico na cavidade pleural) têm natureza idiopática na espécie felina. Em geral, as anormalidades congênitas são detectadas com mais frequência em animais jovens. A discinesia ciliar primária, que acarreta prejuízo no transporte mucociliar nas vias respiratórias e subsequente recidiva de infecções respiratórias, é tipicamente diagnosticada em animais jovens, com maior incidência em cães da raça Bichon Frisé. Por sua vez, a paralisia laríngeo idiopática afeta mais comumente raças caninas de grande porte em idade adulta. A fenda palatina pode ser causa de espirros e infecções respiratórias recorrentes, sendo mais frequente em raças braquicefálicas. Alguns animais da raça Cocker Spaniel parecem mais predispostos à bronquiectasia (dilatação anormal e permanente dos brônquios), tendendo a apresentar recidivas nas infecções respiratórias. Os animais jovens também podem estar mais predispostos às infecções de trato respiratório, ao passo que as doenças neoplásicas e degenerativas são mais frequentes em animais mais velhos. Em raças braquicefálicas (braqui = curto; céfalo= cabeça), ou seja, raças que apresentam focinho mais curto (p. ex., Boxer, Buldogue, Pequinês, Pug) observa-se mais frequentemente estenose congênita das narinas. Além disso, esses animais são predispostos à síndrome respiratória do cão braquicefálico, manifestando estenose de narina, prolongamento de palato e hipoplasia traqueal. A raça Buldogue Inglês é mais predisposta à ocorrência de 621 ■ ■ ■ hipoplasia de traqueia. A neoplasia nasal, por sua vez, é mais comum em cães dolicocefálicos (focinho comprido). Os cães da raça Pastor-alemão são aparentemente mais sensíveis às infecções causadas por Ehrlichia canis (erliquiose), acarretando, com frequência, episódios de sangramento pelas narinas (epistaxe). Em cães de pequeno porte, a tosse pode representar um grande desafio diagnóstico. Principalmente cães de raças toypodem ser predispostos ao colapso de traqueia. Do mesmo modo, raças caninas de pequeno porte, em idade mais avançada, podem apresentar endocardiose de mitral e sinais de insuficiência cardíaca congestiva, com compressão brônquica pelo átrio esquerdo, causando a sintomatologia respiratória. Esses mesmos animais podem ser mais predispostos à doença brônquica crônica, que proporciona tosse persistente. Os quadros de fibrose pulmonar também afetam mais comumenteas raças caninas de pequeno porte, acarretando cianose pós-exercício e dispneia. A combinação de diminuição de exercício associado à mesma ingestão calórica agrava um estado de obesidade com aumento da intolerância ao exercício. Atualmente, muitos animais obesos com dificuldade respiratória são erroneamente diagnosticados como cães cardiopatas, em especial quando a menor complacência pulmonar, associada à deposição de gordura pericárdica, demonstra aumento da área cardíaca na avaliação radiográfica. Além disso, condição de fibrose pulmonar pode ocasionar um quadro de cor pulmonale, com aumento de coração direito na avaliação radiográfica. Nas cadelas, a neoplasia mamária é importante fonte de metástase pulmonar, acarretando sintomatologia respiratória. Anamnese A anamnese constitui uma das etapas mais importantes do exame clínico e influencia as decisões diagnósticas e terapêuticas. Três perguntas são fundamentais para iniciar a anamnese: O que está acontecendo? Desde quando? Como está evoluindo? Obtém-se, dessa maneira, uma queixa principal, que se refere à manifestação da doença que fez com que o proprietário trouxesse o seu animal para avaliação. As doenças do sistema respiratório, em geral, produzem sinais clínicos facilmente aparentes para o proprietário. É importante tentar organizar uma cronologia dos acontecimentos, recompondo o que chamamos de histórico médico recente, analisando a evolução do(s) sintoma(s) ao longo de dias, semanas ou meses, até chegar à situação atual. A seguir, o proprietário deve ser questionado quanto a possíveis medicamentos 622 administrados (dose, intervalo, via de administração, tempo de tratamento e efeito observado com o uso). É importante a revisão dos sistemas orgânicos, registrando-se tanto os sintomas presentes quanto os negados pelo proprietário. Para isso, é fundamental seguir um esquema ordenado de perguntas, com a finalidade de avaliar possíveis alterações nos sistemas. Muitos proprietários podem negligenciar algumas informações importantes, e essa avaliação sistemática garante maior abrangência. O próximo passo da anamnese é obter o histórico médico pregresso. Com isso, avalia-se o estado geral de saúde do animal antes de ele adoecer, doenças prévias (inclusive cirurgias realizadas) e programa de imunização (data, dose, produto utilizado, conservação do produto) e desverminação (data, dose e princípio ativo utilizado). Um questionamento do ambiente em que o animal vive também é parte importante da anamnese. Avaliam-se o potencial para intoxicação, traumas, alergênios ambientais e transmissão de doenças infecciosas e parasitárias. Além disso, verifica-se a presença de contactantes (importante na avaliação de doenças contagiosas) e o manejo alimentar. A seguir, destacaremos os principais sinais e sintomas comumente relacionados com distúrbios no sistema respiratório. O clínico deverá sempre enfatizá-los na anamnese. Sinais e/ou sintomas de distúrbio respiratório em pequenos animais Secreção nasal Está mais associada a disfunções na cavidade nasal e nos seios paranasais, mas, ocasionalmente, pode ter relações com distúrbios no trato respiratório inferior. Hemorragia pura nas narinas externas (epistaxe) pode ser o resultado de lesão no trato respiratório ou manifestação de distúrbios hemorrágicos sistêmicos. Espirro Reflexo protetor manifestado pela liberação forçada e explosiva do ar dos pulmões pelo trato respiratório superior e que visa à remoção de irritantes na cavidade nasal. A ocorrência ocasional de espirros é considerada normal em alguns animais. Os proprietários devem ser questionados a respeito de possível exposição do animal a corpos estranhos (grama, terrenos com farpas), poeiras e demais poluentes ambientais. É possível que o animal com corpo estranho nasal esfregue constantemente a pata no focinho. Em felinos, histórico de exposição a outros gatos pode sugerir ocorrência de infecção viral no trato respiratório superior. 623 Espirro reverso Esforço inspiratório rápido observado ocasionalmente em cães (em especial de pequeno porte). Costuma causar preocupação aos proprietários pela natureza aguda, mas são crises passageiras. Normalmente, o espirro reverso apresenta curta duração e associa-se a processos envolvendo a nasofaringe, mas alguns episódios podem ter natureza idiopática. Esses episódios precisam ser diferenciados de crises associadas ao colapso de traqueia, em particular quando ocorrem após momentos de excitação. Deformidade facial A neoplasia e a criptococose (em gatos) são importantes causas de aumento de volume adjacente à cavidade nasal, proporcionando deformidade facial. Ronco É um som alto e grosseiro que resulta de quantidade excessiva de palato mole ou massas na região faríngea. É mais comumente observado em raças caninas braquicefálicas com prolongamento de palato mole e em animais mais obesos. Em gatos, é um achado mais raro, muitas vezes associado a pólipos na região retrofaríngea. Esses mesmos pólipos podem ser causas de sinais vestibulares em felinos (desequilíbrio, queda, nistagmo, cabeça pendente). Estridor Som inspiratório agudo (semelhante a um assovio fino), indicativo de distúrbios na laringe. Pouco comum em gatos. Associa-se mais comumente à paralisia de laringe em cães, podendo ser acompanhado de angústia respiratória. Disfonia (mudança no latido do cão) pode estar presente em alguns animais. Tosse Importante reflexo protetor deflagrado pelo centro da tosse (bulbo), que resulta da estimulação de receptores sensoriais do trato respiratório, caracterizado pela expiração explosiva de ar dos pulmões através da boca. Pode apresentar natureza produtiva ou não. A tosse produtiva resulta na liberação de muco, exsudato, líquido de edema ou sangue das vias respiratórias para a cavidade oral, sendo esse material geralmente deglutido pelo animal. Em cães, a tosse alta (sonora) que piora após momentos de excitação, exercício físico ou quando a coleira exerce pressão no pescoço pode se relacionar com o colapso de traqueia ou traqueobronquite infecciosa. Em geral, esses animais não têm outros sinais de doença sistêmica e apresentam-se em bom estado geral. Nos casos de colapso de traqueia, os sinais clínicos persistem por meses a anos, e a obesidade pode ser um fator de agravamento do quadro. Na 624 traqueobronquite infecciosa, é comum o histórico de contato com outros animais, hospitalização ou hospedagem em hotel para animais. Em quase todos os casos, a doença é autolimitante, com melhora dos sinais em aproximadamente 2 semanas. Outra importante causa respiratória que pode manifestar piora da tosse principalmente durante o dia, mas com progressão lenta por meses a anos, é a doença brônquica crônica. A tosse com piora à noite pode estar mais associada a uma origem cardíaca. Em casos de regurgitação (em que muitas vezes a queixa primária do proprietário é confundida com vômito), histórico de apatia, tosse e secreção nasal mucopurulenta bilateral podem significar a ocorrência de pneumonia aspirativa. Raramente os quadros de pneumonia bacteriana são primários. Todo o esforço deve ser direcionado na tentativa de identificar um fator predisponente. Em felinos, a manifestação da tosse é menos comum. Quando esse sintoma está presente, devem ser descartadas doença brônquica, parasitose pulmonar e dirofilariose. Hemoptise É uma séria manifestação clínica de afecção respiratória caracterizada pela eliminação de sangue pela boca e pelas narinas, proveniente do trato respiratório inferior. Os mecanismos patológicos responsáveis incluem hipertensão pulmonar (insuficiência cardíaca congestiva, tromboembolismo pulmonar e dirofilariose), perda da integridade vascular (neoplasias, inflamação e traumatismos) e lesão pulmonar cavitária. A hemoptise deve ser diferenciada da hematêmese. Dispneia Refere-se à dificuldade respiratória. Pode apresentar natureza inspiratória, expiratória ou mista, sendo muito importante essa determinação. Ortopneia É um quadro extremo de dispneia que impede o paciente deficar deitado e o obriga a assumir posições que confiram algum alívio. No cão, geralmente é manifestado por abdução dos membros torácicos com pescoço esticado e respiração pela boca. O animal permanece andando ou sentado com um grau de inclinação que favoreça a expansão torácica e diafragmática. Os gatos geralmente não se sentam, mas se mantêm quase deitados (a poucos centímetros do chão) e respiram com a boca aberta. Esses animais devem ser prontamente identificados, pois até mesmo manobras de contenção para exame físico, coleta de material ou posicionamento para realização de exames complementares podem proporcionar agravamento do quadro com risco de óbito. 625 Cianose Refere-se à coloração azulada da pele e das membranas mucosas causada por níveis excessivos de hemoglobina reduzida (desoxigenada) no sangue. Sua ocorrência denota redução na pressão parcial de oxigênio no sangue arterial, resultando em hipoxia tecidual. Contrariamente, a ausência de cianose visível não significa que não haja um grau de hipoxia celular. Além do mais, a cianose pode ficar mascarada em pacientes gravemente anêmicos. Exame físico O exame físico do paciente com suspeita de distúrbio respiratório deve ser geral e completo, avaliando todos os sistemas corporais e permitindo uma visão de conjunto. Vale ressaltar que, em algumas circunstâncias, o clínico deve, inicialmente, afastar as condições que possam colocar em risco a vida do animal. Exemplos disso são os pacientes com grave dispneia. Após uma avaliação geral, realiza-se o exame físico específico do sistema respiratório, incluindo inspeção, palpação, percussão e auscultação. Exame físico geral A avaliação da temperatura corporal é de fundamental importância no exame físico do paciente. A maior prevalência de febre em cães e gatos provavelmente decorre de agentes infecciosos. A segunda causa mais comum são as doenças imunomediadas, cuja maioria ocorre em cães adultos. As neoplasias e os traumatismos teciduais também devem ser considerados como causas de processos febris. Muitos pacientes com megaesôfago apresentam histórico de tosse e vômito, embora o caso seja, de fato, de regurgitação. A pneumonia aspirativa costuma ser uma complicação associada, e os animais frequentemente evidenciam quadro de subnutrição e febre ao exame físico. Quadros de taquipneia e dispneia podem manifestar-se em animais com anemia, aparentando um quadro primário de disfunção respiratória. A anormalidade mais facilmente identificável durante o exame físico de um animal anêmico é a palidez das mucosas aparentes. Icterícia pode estar presente em casos de hemólise aguda, e esplenomegalia (na palpação abdominal) pode sugerir hemólise extravascular. Em pacientes com epistaxe (principalmente bilateral), a inspeção direta da pele e das mucosas aparentes pode evidenciar a ocorrência de petéquias, caracterizando tendências hemorrágicas sistêmicas. Em gatos com sinal de doença em trato respiratório superior, os achados de conjuntivite, quemose e ulceração na cavidade oral podem ser atribuídos ao complexo respiratório felino (herpes-vírus felino tipo I e calicivírus). Úlcera de córnea e poliartrite são outros achados possíveis. 626 Em cães com envolvimento respiratório, um quadro de ceratoconjuntivite seca (avaliado pelo teste da lágrima de Schirmer) pode ser observado em casos de cinomose. Além disso, alguns animais podem exibir irregularidade na superfície dentária, secundária à hipoplasia do esmalte. Pústulas abdominais podem estar presentes no abdome, sugerindo comprometimento do sistema imune. Mioclonias, ataxia, tremor intencional, vocalização (como se o animal estivesse com dor), cegueira e convulsões podem ser sinais neurológicos associados ao quadro viral. Sinais neurológicos em paciente com evidência de lesão em seio nasal sugerem extensão da doença através da placa cribriforme para o cérebro. Anormalidades neurológicas multifocais, febre persistente, perda de peso e distensão abdominal podem ser observadas em gatos com a forma efusiva da peritonite infecciosa felina. Quadro de dispneia, como resultado de efusão pleural, pode ser a anormalidade respiratória observada. Na avaliação da cavidade oral, a presença de gengivite, cálculos dentários, dentes moles ou pus no saco gengival pode levantar a suspeita de abscesso de raiz dentária com fístula oronasal, em especial, em casos de secreção nasal unilateral. Do mesmo modo, a visualização de fusão incompleta do palato mole pode estar associada à ocorrência da fenda palatina em filhotes e ser causa de espirros e infecções respiratórias recorrentes. O lábio leporino (defeito unilateral no lábio) é observado ocasionalmente em conjunto com a fenda palatina (Figura 8.19). Em gatos com linfoma mediastinal, a síndrome de Horner é descrita associada à neoplasia. Embora ainda não haja relação bem definida, grande porcentagem de cães com colapso de traqueia apresenta hepatomegalia à palpação abdominal. Figura 8.19 Lábio leporino em animal neonato da espécie canina. Nos casos de ascite, prenhez ou outra causa de aumento de volume abdominal, o tórax pode ser comprimido causando padrão de restrição à expansão torácica, proporcionando padrão respiratório semelhante ao de algumas patologias pulmonares ou pleurais. Tumores mamários malignos, por sua vez, frequentemente resultam em metástases pulmonares. Podem ser constatados em qualquer uma das mamas, ao longo da cadeia mamária. 627 Deve ser avaliada a condição corporal do animal. Obesidade pode interferir na expansão da cavidade torácica e dos pulmões durante a inspiração. Em pequenos animais, a contribuição específica da obesidade para a doença pulmonar clínica não foi suficientemente caracterizada, mas efeitos benéficos podem ser obtidos na redução de peso em animais com doença brônquica ou pulmonar crônica. A avaliação do estado de hidratação é aspecto importante na terapêutica das afecções respiratórias, pois a desidratação pode tornar as secreções respiratórias mais viscosas, comprometendo sua eliminação e agravando progressivamente o quadro clínico. Exame físico específico Inspeção A observação do animal é etapa importante na avaliação do sistema respiratório e, em muitas ocasiões, é complementada pela palpação. As narinas devem ser simétricas, e as pregas alares dispostas de modo que não cause estenose. A deformidade dos ossos da face pode ser visível em alguns animais com neoplasia nasal (Figura 8.20). Determinados crescimentos neoplásicos podem desenvolver-se em direção à órbita, causando exoftalmia. Outro ponto fundamental é a avaliação quanto à presença de corrimentos nasais. É importante avaliar se a secreção nasal é uni ou bilateral. Os quadros unilaterais geralmente indicam um processo intranasal, ao passo que os processos sistêmicos e em trato respiratório inferior podem manifestar quadro bilateral. Neoplasias podem provocar inicialmente secreção nasal unilateral e progredir para quadro bilateral após a destruição do septo nasal. A secreção nasal pode ser caracterizada como: (1) serosa; (2) mucoide; (3) purulenta (com ou sem hemorragia); e (4) puramente hemorrágica (epistaxe) (Figura 8.21). A secreção serosa é tipicamente clara e de consistência aquosa, podendo ser achado normal em alguns animais (dependendo da duração e da quantidade) ou indicativa de infecção viral. Secreção nasal mucopurulenta apresenta consistência mais viscosa, com coloração mais amarelada ou esverdeada. Muitas das causas de secreção mucopurulenta podem inicialmente provocar secreção serosa. O aspecto mucopurulento implica quadro inflamatório mais acentuado. É importante lembrar que a maioria das enfermidades intranasais pode ocasionar inflamação e infecção bacteriana secundária. O quadro mucopurulento hemorrágico pode estar relacionado com várias etiologias, mas, em geral, associa-se a neoplasias ou infecções fúngicas capazes de proporcionar um quadro de evolução mais crônica. Os processos traumáticos e a presença de corpos estranhos nasais normalmente apresentam natureza aguda. 628Figura 8.20 Deformidade facial em cão com neoplasia nasal. Figura 8.21 Epistaxe unilateral em cão. Hemorragia pura nas narinas externas (epistaxe) pode ser resultante de traumatismo, processos agressivos focais na cavidade nasal, hipertensão sistêmica e distúrbios hemorrágicos sistêmicos. O proprietário deve ser questionado se, antes da ocorrência da epistaxe, o animal apresentava alguma secreção nasal (o que poderia sugerir neoplasia ou infecção micótica). Ocasionalmente, pode ocorrer melena decorrente da deglutição de sangue proveniente da cavidade nasal. Para se fazer inspeção detalhada de palato mole, faringe e laringe, na maioria das vezes, é necessária contenção química do paciente. Na inspeção da respiração, devemos analisar a frequência, o ritmo e o tipo respiratório, conforme descrito a seguir. Frequência respiratória 629 ■ ■ ■ ■■■ ■ Devemos contar o número de respirações por minuto. A frequência respiratória (FR) normal em cães e gatos é de 20 a 30 movimentos por minuto (mpm). Usamos a seguinte terminologia para designar algumas alterações: Taquipneia: aumento da FR Bradipneia: diminuição da FR Apneia: ausência total de respiração. Pode ser observada respiração mais ofegante em cães e gatos normais como parte do mecanismo termorregulador. Ritmo respiratório O ritmo respiratório normal é constituído por inspiração, pequena pausa, expiração, pausa maior e, em seguida, nova inspiração. As durações da expiração e da inspiração são muito semelhantes. Dispneia representa dificuldade respiratória, que pode ser caracterizada por respiração mais difícil (Quadro 8.3). Ao inspecionarmos um animal com dispneia, devemos caracterizar se a dificuldade respiratória é inspiratória ou expiratória. Dispneia inspiratória está associada a alterações extratorácicas. A presença de ronco ou som estridor em conjunto com a dispneia provavelmente sinaliza disfunção em região de retrofaringe ou laringe, respectivamente. O animal precisa movimentar a região de palato mole ou de faringe para produzir o ronco, podendo ser achado comum nas raças caninas braquicefálicas. O gato que ronca pode apresentar pólipo na região faríngea. O estridor é um som inspiratório agudo, semelhante a um assovio, que indica alteração em laringe. Correta inspeção da região retrofaringeana e da laringe geralmente se faz sob anestesia e com o auxílio de laringoscópio, broncoscópio ou espelho de dentista. Dependendo do plano anestésico, pode ocorrer interferência na movimentação das cartilagens da laringe, prejudicando a avaliação. Outra causa de dispneia inspiratória é a estenose de narina. Vale enfatizar que, na suspeita de problemas na cavidade nasal, pode-se fazer com que o animal respire de boca aberta para verificar se a dispneia desaparece. A dispneia associada a alterações traqueais pode vir acompanhada de queixa de tosse em razão do grande número de receptores presentes nessa região. As alterações traqueais cervicais podem ser avaliadas radiograficamente, em especial durante a inspiração. Quadro 8.3 Características apresentadas por pacientes com dispneia grave (ortopneia). Expressão facial de ansiedade Abdução dos membros torácicos Pescoço mantido em posição mais esticada (horizontal ao solo) Preferência por se manter em estação ou decúbito esternal A dispneia expiratória comumente se associa à alteração intratorácica. Cães e gatos 630 gravemente acometidos com doença brônquica podem exibir fase expiratória mais prolongada, com aumento do esforço respiratório. Doença pulmonar infiltrativa, incluindo edema pulmonar, pode proporcionar dispneia inspiratória. Respiração rápida e superficial pode caracterizar padrão respiratório restritivo. Normalmente, representa alterações no parênquima pulmonar (comprimindo o pulmão) ou na pleura. A auscultação pulmonar auxilia na diferenciação. Dispneia expiratória restritiva, com aumento dos sons pulmonares, indica lesão de parênquima pulmonar. Devemos considerar os casos de edema pulmonar, pneumonia e fibrose pulmonar. Por outro lado, a dispneia associada à efusão pleural em geral é marcada por uma inspiração vigorosa com expiração demorada (às vezes, parecendo que o animal está prendendo a respiração), apresentando diminuição de sons à auscultação (o som sofre atenuação quando muda de meio). Trepopneia é a dispneia que aparece em determinado decúbito lateral, em especial em pacientes com efusão pleural unilateral, ao se deitarem sobre o lado são. Outras alterações no ritmo respiratório também podem ser observadas. A respiração de Cheyne-Stokes (Figura 8.22) caracteriza-se por FR crescente até atingir um pico, decrescendo, em seguida, até uma fase de apneia (hiperpneia alternada com apneia). Tal ritmo associa-se a lesões bilaterais dos hemisférios cerebrais ou em regiões diencefálicas. Na respiração de Kussmaul (Figura 8.23), observa-se padrão respiratório lento e profundo (inspiração e expiração prolongadas), comumente associado a quadros de acidose metabólica grave (sobretudo em animais com cetoacidose diabética). Tipo respiratório Para o reconhecimento do tipo respiratório, observa-se a movimentação do tórax e do abdome, procurando-se reconhecer em que regiões os movimentos são mais amplos. O tipo respiratório em cães e gatos é o costoabdominal. Animais com fraturas de costela ou outros processos dolorosos em região de tórax podem apresentar respiração predominantemente abdominal. Por outro lado, pacientes com dor abdominal apresentam respiração mais costal. Os felinos normalmente apresentam os movimentos respiratórios pouco visíveis. Gatos com movimentos torácicos mais evidentes e respiração com a boca aberta estão gravemente acometidos. Denomina-se hiperpneia o aumento na amplitude respiratória. Normalmente, a expansibilidade é simétrica e igual nos dois hemitórax. Qualquer doença que afete a caixa torácica, sua musculatura, o diafragma, a pleura ou o pulmão de um lado pode ser precocemente percebida pela assimetria dos movimentos ventilatórios. Tal assimetria é mais facilmente reconhecida quando o paciente realiza inspiração mais profunda. 631 Figura 8.22 Esquema representativo da respiração de Cheyne-Stokes. Figura 8.23 Esquema representativo da respiração de Kussmaul. Palpação Os seios nasais devem ser palpados para verificação de comprometimento ósseo e evidência de dor. Alguns animais com neoplasia nasal ou aspergilose podem ficar ressentidos dessa palpação. O pescoço deve ser palpado em busca de evidência de massas ou doença adjacente que possa envolver a traqueia. Na maioria dos animais, a traqueia pode ser palpada desde a laringe até a entrada do tórax. Em alguns animais mais obesos ou com musculatura mais desenvolvida, pode ser mais difícil esse reconhecimento. Normalmente, a traqueia é uma estrutura que não colaba e nenhuma borda evidente deve ser palpada. O reflexo de tosse é estimulado por meio da fricção dos anéis traqueais na entrada do tórax durante a palpação (Figura 8.24). Os animais que apresentam receptores de tosse ativados podem tossir em resposta à palpação traqueal, sem que isso caracterize uma afecção específica. A indução da tosse pode ser útil para que o proprietário reafirme sua queixa clínica, diferenciando-a de outro sinal clínico (p. ex., engasgo, ânsia de vômito, espirro reverso). Alguns animais, em particular cães, apresentam edemas acentuados na cabeça e em região cervical em decorrência da compressão feita pelo aumento do linfonodo mediastinal anterior (síndrome da veia cava anterior), em casos de linfoma mediastinal. Esses animais podem apresentar sinais de dispneia e tosse provocados pela compressão em estruturas torácicas, embora derrame pleural possa contribuir com o desenvolvimento da dispneia. 632 Figura 8.24 Palpação da traqueia na entrada do tórax para avaliar o reflexo de tosse. O tórax deve ser palpado para detectar ferimentos, fraturas de costelas e dor torácica. Algumas feridas penetrantes podem ser mascaradas pela pelagem. As lesões devem ser criteriosamente examinadas e avaliadas quanto à extensãodo envolvimento. Enfisema de subcutâneo pode ser caracterizado pela palpação de uma tumefação móvel e crepitante no tecido subcutâneo (semelhante a bolhas). Normalmente, é um processo indolor, que pode estar associado a traumatismos no trato respiratório. Auscultação A auscultação é um método simples e pouco dispendioso, mas que fornece preciosa informação quanto às diferentes enfermidades broncopulmonares. Parte importante do exame físico do tórax, não deve ser negligenciada na avaliação do paciente. Durante a auscultação, o animal deve ser mantido em local silencioso, a fim de mantê-lo o mais tranquilo possível. Aconselha-se a auscultação comparativa, em que os ruídos de um lado são comparados àqueles da mesma região do lado oposto (Quadro 8.4). O ronronar em gatos pode atrapalhar a auscultação por obscurecer os sons respiratórios. Tal processo é resultante da ativação dos músculos laríngeos intrínsecos. Algumas vezes, um estímulo desagradável leve (como o odor de álcool) pode fazer com que o gato pare de ronronar. Os ruídos são gerados pelo fluxo turbulento de ar nas grandes vias respiratórias (> 2 mm) e transmitidos ao longo do lúmen traqueobrônquico e perifericamente, através do tecido pulmonar, e para a parede torácica. As vias respiratórias menores (< 2 mm) transmitem mal as ondas sonoras e, possivelmente, não contribuem para a produção dos ruídos respiratórios. Uma 633 ■■■ ■■ ■ ■ vez sobre o tórax, é possível ouvir ruídos nasais, laríngeos, traqueais e pulmonares. As características dos ruídos respiratórios normais variam de acordo com a idade do animal, a espessura da parede torácica, o padrão respiratório e o local de auscultação. Atualmente, os termos ruídos bronquiais e vesiculares foram substituídos simplesmente por ruídos respiratórios normais. Os ruídos respiratórios podem ser mais audíveis em animais magros. Além disso, maior audibilidade de ruídos respiratórios normais sobre o campo pulmonar é decorrente, com mais frequência, da hiperventilação (por aumentar a velocidade de fluxo respiratório). Exercício físico, febre, temperatura ambiental elevada e ansiedade são algumas causas de hiperventilação. Da mesma maneira, a velocidade de fluxo do ar pode estar aumentada em algumas doenças pulmonares, causando aumento de intensidade dos sons normais. Quadro 8.4 Recomendações quanto à auscultação pulmonar em cães e gatos. Fazer a auscultação em sala silenciosa Manter o animal preferencialmente em estação sobre a mesa Delimitar o campo pulmonar a ser auscultado Auscultar o tórax da frente para trás e de cima para baixo (de maneira sistemática) Procurar auscultar, no mínimo, dois movimentos respiratórios em cada ponto de auscultação Fazer auscultação comparativa entre cada lado do tórax Toda área de anormalidade deverá ser auscultada novamente (para ter certeza da alteração) e comparada com áreas normais Por outro lado, a diminuição na audibilidade dos ruídos respiratórios sobre o tórax (sons abafados) é comum em animais obesos. Alguns processos pulmonares exsudativos, efusão pleural e hérnia diafragmática proporcionam quadro semelhante. É importante considerar que, ocasionalmente, alguns animais normais em repouso podem apresentar ruídos respiratórios quase inaudíveis (Quadro 8.5). Os ruídos adventícios devem ser determinados quanto à fase do ciclo em que ocorrem e a localização de sua intensidade máxima. Sibilos são ruídos contínuos mais agudos (> 250 ms) com característica musical (lembram um assovio), ocorrendo quando o ar flui através de vias respiratórias estreitadas e provoca a vibração de suas paredes. Ocorrem mais comumente durante a expiração, porque, durante a inspiração, a pressão pleural torna-se mais negativa, resultando em maior calibre das vias respiratórias. Sibilos expiratórios indicam obstrução parcial de vias respiratórias intratorácicas, como ocorre nas doenças bronqueais crônicas. Sibilos generalizados, em geral, ocorrem quando há estreitamento das vias respiratórias por broncospasmo, edema de mucosa ou grande quantidade de secreção. Quando localizados, costumam resultar de tumor endobrônquico, corpo estranho ou compressão extrínseca das vias respiratórias. Sibilos ocasionados em razão da presença de secreções nas vias respiratórias normalmente alteram sua intensidade após episódios de tosse ou expectoração. Obstrução grave das vias respiratórias extratorácicas costuma produzir um tipo particularmente alto de sibilo 634 ■◦ ◦◦ ◦ ◦◦ ◦◦■◦◦◦ ◦ inspiratório, denominado estridor. Os ruídos respiratórios descontínuos são de curta duração e não apresentam qualidade musical. São conhecidos como crepitações, que podem ser grossas ou finas. Os ruídos descontínuos são produzidos, provavelmente, por vários mecanismos. Um dos mais aceitos é a reabertura súbita e sucessiva das pequenas vias respiratórias. Por exemplo: um bronquíolo obstruído com secreção apresenta, na expiração, pressão caudal à secreção (dentro do alvéolo) cada vez mais negativa, que faz com que se rompa a barreira criada pela secreção, produzindo uma rápida equalização de pressão e uma série de ondas sonoras explosivas (sons descontínuos). As crepitações grossas decorrem da reabertura de vias respiratórias menos distais. Por outro lado, as crepitações finas estão associadas ao envolvimento de vias respiratórias periféricas (pequenas vias respiratórias). Quadro 8.5 Causas de alterações na audibilidade dos ruídos respiratórios. Aumento de audibilidade: Animal magro Exercício físico Ansiedade Febre Temperatura ambiente elevada Anemia grave Acidose metabólica Afecção respiratória Diminuição de audibilidade: Animais obesos Efusão pleural Hérnia diafragmática Estado de repouso A crepitação em final de inspiração pode estar associada à enfermidade nas pequenas vias respiratórias ou no parênquima pulmonar. As afecções em vias respiratórias maiores normalmente proporcionam crepitações no início ou em toda a inspiração. Descreveu-se anteriormente que alguns sinais de insuficiência cardíaca congestiva esquerda confundem-se com outras doenças respiratórias. Na avaliação cardíaca, a presença de arritmia respiratória sugere ainda compensação cardíaca. No cardiopata, a frequência cardíaca aumenta à medida que os barorreceptores são estimulados pela queda do débito cardíaco. A estimulação simpática progressiva faz desaparecer a arritmia respiratória. A endocardiose de mitral é uma importante causa de sopro sistólico em foco mitral, mas é importante considerar que as afecções cardíacas e respiratórias podem coexistir em alguns pacientes. Em um cão com quadro de tosse, a auscultação de sopro mitral não necessariamente diagnostica a origem da tosse como cardíaca. O animal pode ser um cardiopata assintomático (mas já ter o sopro detectado no exame físico) e estar apresentado uma disfunção respiratória primária causadora da tosse. Percussão do tórax A percussão consiste em produzir vibrações na parede torácica que se transmitem aos 635 tecidos subjacentes. O tórax é composto das seguintes estruturas: (1) arcabouço ósseo; (2) partes moles (incluindo tecido pulmonar, musculatura, tecido subcutâneo e pele); e (3) ar contido nos pulmões. À percussão do tórax, todas essas estruturas, em conjunto, produzem um som chamado de som claro pulmonar ou, simplesmente, som normal. Esse som altera-se de acordo com a relação entre a quantidade de ar e de tecido. Assim, os sons produzidos podem variar de uma região para outra, no mesmo indivíduo e entre pessoas diferentes, dependendo de vários fatores. Quando existe desequilíbrio na relação normal ar:tecidos, a percussão resulta em sons diferentes. Havendo excesso da quantidade de ar em relação à quantidade de tecido, a percussão produz som mais ressonante e com duração maior do que o normal. O som produzido nessas condições é chamado de hipersonoro; quando o som é exageradamente ressonante, é chamado de timpânico. Se a relação ar:tecidos está reduzida, o som produzido à percussão do tórax é curto e seco, como se a percussão estivesse sendo realizada sobre um órgãosólido, como o fígado. O som assim produzido é chamado de submaciço ou maciço, dependendo do grau de ressonância. Na delimitação do tórax (Figura 8.25), o limite superior é formado pela musculatura vertebral dorsal (som maciço), e o anterior, pela musculatura da escápula (som maciço). Na delimitação posterior, devemos traçar uma linha imaginária sobre a tuberosidade ilíaca até um ponto de cruzamento no 12o espaço intercostal (EIC). Outra linha imaginária é traçada sobre a articulação escapuloumeral até o ponto de cruzamento no 9o EIC. Do mesmo modo, um limite ventral é obtido pelo ponto de cruzamento entre uma linha imaginária um pouco acima do olécrano até o 5o EIC. Em pequenos animais, a técnica mais utilizada é a indireta, em que a falange distal (em estreito contato com a parede do tórax) serve como um plessímetro (Figura 8.26). Ao proceder-se à percussão, apoia-se o segundo ou terceiro dedo da mão esquerda na parede torácica, preferencialmente sobre os espaços intercostais. A percussão é realizada com o terceiro dedo da mão direita, que golpeia a falange distal do dedo esquerdo, apoiado na parede (Figura 8.27). Aplicam-se dois golpes seguidos, rápidos e firmes, retirando-se instantaneamente o dedo, para não abafar o som. A percussão deve ser feita de maneira sistemática, começando na face craniodorsal do tórax e movendo-se no sentido dorsal para ventral dentro de cada espaço intercostal. A percussão também é um procedimento comparativo entre os dois hemitórax. 636 Figura 8.25 Esquema representativo da delimitação do campo pulmonar em cães. EIC = espaço intercostal. Figura 8.26 A e B. Representação do correto posicionamento para realização da percussão torácica. Notar o ângulo reto formado entre o dedo plexor e a falange que serve de plessímetro, mantendo-a pressionada na parede torácica. Figura 8.27 Percussão digitodigital da cavidade torácica na espécie canina. Vale considerar que as ondas provenientes da percussão penetram apenas alguns centímetros, sendo possível detectar apenas lesões pleurais ou parenquimatosas mais superficiais. Além disso, é necessária certa prática em sua interpretação diagnóstica, pois um som ressonante normal só é aprendido após várias experiências obtidas em cães normais. 637 Exames complementares Hemogasometria A mensuração das pressões parciais de oxigênio e de dióxido de carbono no sangue arterial pode fornecer informações sobre a função pulmonar. Entretanto, é importante considerar que, por causa de potentes mecanismos que visam compensar alguns estados patológicos, o comprometimento respiratório deve estar acentuadamente afetado para que determinadas anormalidades sejam mensuradas. O estado acidobásico é influenciado pelo sistema respiratório e também pode ser avaliado pela hemogasometria. Tal avaliação permite, na maioria dos casos, identificar um distúrbio acidobásico como sendo de natureza primariamente respiratória ou metabólica. Oximetria de pulso É um método não invasivo de monitoramento da saturação de oxigênio sanguíneo, particularmente útil para animais com doença respiratória e submetidos a procedimentos anestésicos. O valor mensurado indica a saturação da hemoglobina na circulação local, portanto, esse valor pode ser afetado por outros fatores além da função pulmonar, como vasoconstrição, baixo débito cardíaco ou estase sanguínea local. Broncoscopia É uma técnica de diagnóstico por imagem utilizada na avaliação das vias respiratórias. Permite avaliar algumas anormalidades, como: colapso de traqueia, estenoses, massas, lacerações, torções de lobos pulmonares, hemorragias, inflamações, colapso brônquico, corpos estranhos e parasitas. Para sua realização, é necessário que o paciente seja anestesiado. A broncoscopia também permite a coleta de material para avaliação citológica, histopatológica e microbiológica. Além disso, a lavagem broncoalveolar pode ser realizada após a avaliação visual da broncoscopia, utilizando-se o canal de biopsia do broncoscópio. Técnicas não broncoscópicas também permitem a obtenção do lavado. Tais técnicas (de baixo custo) são utilizadas principalmente na suspeita de doenças difusas, uma vez que a orientação visual não é possível. O lavado broncoalveolar fornece importante material destinado à citologia, cultura ou outras técnicas especiais, contribuindo para a avaliação diagnóstica de pacientes com doença em vias respiratórias menores, alvéolos ou interstício pulmonar. Biopsia por punção aspirativa transtorácica Está indicada principalmente no diagnóstico citológico de massas intratorácicas em contato com a parede torácica. O custo-benefício deve ser analisado, pois, em casos de massas localizadas, a toracotomia deve ser considerada, uma vez que possibilita tanto o benefício da 638 biopsia (avaliação histológica) quanto da completa excisão. A punção de massas mais afastadas pode significar risco aumentado de lesão em vasos, nervos ou laceração de órgãos. Esse procedimento deve ser evitado em casos de suspeita de abscessos, coagulopatias e hipertensão pulmonar. Toracocentese A toracocentese é realizada mantendo-se o animal em uma postura menos estressante (normalmente em decúbito lateral ou esternal). É realizada no 7o ou 8o espaço intercostal, sendo o local submetido à tricotomia prévia e preparado assepticamente (Figura 8.28). Normalmente, a aspiração de qualquer lado do tórax drena adequadamente o lado contralateral. Contudo, em alguns casos de piotórax ou quilotórax podem ocorrer efusões unilaterais. Utiliza-se cateter intravenoso (calibres 14, 16 ou 18) acoplado a válvulas de três vias e seringa. Algumas vezes, efetuar orifícios adicionais no cateter com o auxílio de uma lâmina cirúrgica (de maneira asséptica) amplia a drenagem pleural. Um cateter tipo borboleta (calibre 21) pode ser utilizado. Raramente é necessária a sedação. A toracocentese tem finalidade diagnóstica e terapêutica. Após a obtenção de amostras para análise laboratorial, efetua-se a remoção da maior quantidade possível de líquido ou ar para possibilitar uma melhora na respiração. Exceção é feita em casos de hemotórax. A avaliação da densidade, a mensuração da concentração proteica, a contagem de células nucleadas e a avaliação qualitativa das células são essenciais na classificação do líquido pleural. Além disso, análise citológica é indicada para avaliação diagnóstica dos animais com efusão pleural. Lavado traqueal Permite obter fluidos e celularidade, que podem ser usados na avaliação de doenças do trato respiratório ou de parênquima pulmonar, evitando-se a flora normal das cavidades oral e faringeana. O lavado pode ser obtido pela via transtraqueal ou endotraqueal. Na técnica transtraqueal, o cateter é inserido no ligamento cricotireóideo, identificado como depressão acima da cartilagem cricoide (observada na palpação da traqueia como uma faixa elevada, lisa e estreita próxima à laringe). A técnica endotraqueal consiste em passar um cateter urinário através de uma sonda endotraqueal (animal anestesiado). Em ambas as técnicas, o cateter ou a sonda devem atingir a região da carina (aproximadamente o 4º espaço intercostal); uma solução de NaCl 0,9% (média de 3 a 5 mℓ por aplicação) é injetada na forma de bolus dentro do cateter (ou da sonda), e são realizadas tentativas de aspiração. Segundo alguns autores, podem ser necessárias de quatro a seis tentativas de infusão e aspiração. O material deve ser processado rapidamente, realizando-se avaliação citológica e microbiológica e pesquisa para larvas ou ovos de parasitas. É menos 639 provável que o lavado traqueal ajude a identificar processos focais ou doenças envolvendo o interstício pulmonar. Figura 8.28 Toracocentese em um animal da espécie canina utilizando um cateter intravenoso acoplado à válvula de três vias e seringa. Hemograma Na progressão das doenças respiratórias, quadro persistente de hipoxemia, decorrente de prejuízo na hematose, pode acarretar estímulo para liberação de eritropoetina pelas células justaglomerulares, proporcionando aumento na eritropoesee quadro de policitemia (contagens eritrocitárias elevadas). Leucocitose neutrofílica com desvio à esquerda pode acompanhar casos de pneumonia bacteriana. Vale considerar que neutrofilia pode significar parte de hemograma de estresse. Linfopenia é achado comum em quadros de infecção viral recente, estresse ou administração de corticoides. Alguns estímulos antigênicos crônicos, entre eles erliquiose, leishmaniose e infecções fúngicas, podem acarretar linfocitose. Em gatos, esse achado pode sugerir medo ou ansiedade. Vacinação recente também pode ser causa de linfocitose. Eosinofilia é, algumas vezes, observada em animais apresentando afecção pulmonar caracterizada por infiltrado eosinofílico. Esses animais geralmente manifestam tosse e dificuldade respiratória, com possível descarga nasal serosa ou mucopurulenta. Devem ser realizados exames de fezes, a fim de descartar parasitismo intestinal, e teste para dirofilariose (em regiões endêmicas). Radiografia É exame complementar muito importante na avaliação de cães e gatos com sinais de disfunção do trato respiratório. Pode ser útil na localização da doença e na respectiva determinação quanto a extensão, progressão e resposta ao tratamento. A avaliação radiográfica pode ser útil em animais com distúrbios da cavidade nasal associados a neoplasias ou infecções fúngicas. 640 Em gatos com secreção nasal serosa ou mucopurulenta e sinais de respiração estertorosa (roncos), evidência radiográfica de tecido mole acima da região do palato mole pode ser sugestiva de pólipo nasofaringeano. A avaliação radiográfica cervical e torácica é útil na suspeita de colapso de traqueia. Em casos de colapso traqueal extratorácico, as radiografias devem ser obtidas preferencialmente durante a inspiração. Por outro lado, a avaliação da traqueia intratorácica deve ser realizada durante a expiração (quando o aumento da pressão intratorácica torna o colapso mais evidente). O colapso deve ser diferenciado da hipoplasia traqueal, em que o diâmetro da traqueia é estreitado em toda a sua extensão. A tosse provocada por traqueobronquite infecciosa não costuma estar associada a alterações radiográficas. Padrão brônquico na radiografia torácica é geralmente observado em cães e gatos com doença brônquica. Entretanto, sinais clínicos podem preceder as alterações radiográficas, e as radiografias torácicas podem estar normais em alguns animais. Certos animais mais velhos podem apresentar calcificação de brônquios sem qualquer significado clínico. Nas pneumonias, o padrão radiográfico pode variar. Padrão alveolar pode ser anormalidade típica. Em animais com doença brônquica primária, padrão brônquico pode estar mais evidente, conferindo padrão misto. Um padrão intersticial pode estar presente na fase precoce da doença ou em processos mais discretos. Além disso, esse padrão é mais evidente quando a origem da pneumonia é hematógena e, nesses casos, pode também ocorrer padrão alveolar com distribuição caudodorsal. A presença de cateter intravenoso é uma fonte em potencial para infecções de origem hematógena. As pneumonias aspirativas tendem a afetar principalmente lobos pulmonares mais craniais (distribuição cranioventral). A presença de megaesôfago deve ser sempre avaliada em casos de suspeita de pneumonia bacteriana. Os quadros pneumônicos e as neoplasias podem promover substituição do ar alveolar por material líquido e celular, acarretando uma consolidação do lobo afetado. Opacidade nodular isolada pode representar neoplasia pulmonar primária. As metástases dos adenocarcinomas mamários normalmente exibem múltiplos nódulos pequenos e bem distribuídos. Por sua vez, as metástases de osteossarcomas exibem, com mais frequência, grandes opacidades circulares. As doenças pulmonares eosinofílicas podem mostrar padrão intersticial leve ou densidades alveolares dispersas, formando áreas semelhantes a neoplasias ou granulomas fúngicos. No edema pulmonar cardiogênico (principal causa de edema pulmonar), surgem densidades intersticiais acompanhadas de padrão alveolar. Nos cães, a lesão é mais evidente na região peri-hilar, ao passo que os gatos costumam apresentar padrão mais disseminado. No diagnóstico diferencial da tosse, em especial em raças caninas de pequeno porte, os achados radiográficos de verticalização do coração esquerdo na projeção lateral – com perda 641 da cintura cardíaca caudal e abaulamento no sentido de 2 a 3 h, estendendo-se além da margem cardíaca na projeção ventrodorsal – podem ser sugestivos de compressão do brônquio principal esquerdo nos casos de endocardiose de mitral. Coração pulmonar (cor pulmonale) é o termo utilizado para descrever o aumento de tamanho do coração direito decorrente de anormalidades nos vasos ou no parênquima pulmonar. Em pacientes com histórico de trauma, as contusões pulmonares são predominantemente caracterizadas como áreas localizadas de padrão intersticial, alveolar ou consolidação lobar. Em alguns animais, os sinais radiográficos podem não ser evidentes nas primeiras horas após o traumatismo. 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