Buscar

06 25 - Modernismo no Brasil

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 23 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 23 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 23 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Profª. Cristiane 
 Literatura 
 
Página 1 de 23 
 
 
Modernismo no Brasil 
 
1. Semana de 22 e os manifestos posteriores 
Que importa que o homem amarelo ou a paisagem louca, 
ou o Gênio angustiado não sejam o que se chama 
convencionalmente reais? O que nos interessa é a emoção 
que nos vem daquelas cores intensas e surpreendentes, 
daquelas formas estranhas, inspiradoras de imagens e que 
nos traduzem o sentimento patético ou satírico do artista. 
Excerto da Conferência com que Graça Aranha inaugurou a Semana 
de Arte Moderna, no Teatro Municipal de São Paulo, em 13 de 
fevereiro de 1922. 
1.1 - Antecedentes da Semana 
 
O homem amarelo, óleo s/ tela (61x51). 1915-16. Coleção Mário de 
Andrade, Instituto de Estudos Brasileiros, USP, SP. 
O Modernismo no Brasil se polarizaria em torno de artistas 
que propunham uma nova expressão. Em 1917, Anita 
Malfatti protagonizou uma exposição de quadros já 
influenciados pelas novas tendências estéticas que se 
proliferavam na Europa e foi injustamente criticada por 
Monteiro Lobato, num artigo intitulado “Paranoia ou 
mistificação?”. O espírito conservador de Lobato não 
alcançou a novidade dos elementos estéticos pós-
impressionistas, especialmente cubistas e expressionistas, 
utilizados por Malfatti em suas obras. Oswald de Andrade e 
Menotti del Picchia defenderam-na prontamente. Entre 1917 
e 1922, os futuros organizadores da Semana de Arte 
Moderna se constituíram como um grupo jovem e atuante no 
meio literário paulista: Mário de Andrade, Oswald de 
Andrade, Menotti del Picchia e Cassiano Ricardo. Com o 
apoio de intelectuais cariocas como Manuel Bandeira, 
Ronald de Carvalho e Villa-Lobos. A partir da adesão do já 
prestigiado Graça Aranha, o grupo se lançou como 
movimento. 
1.2 - A Semana de Arte Moderna 
 
 
Teatro Municipal de São Paulo 
 
Entre 11 e 18 e fevereiro de 1922, realizou-se no Teatro 
Municipal de São Paulo a Semana de Arte Moderna. Nesse 
período, o Teatro permaneceu aberto para uma grande 
exposição, e, nos dias 13, 15 e 17, houve também 
espetáculos. 
13.02.1922 
Graça Aranha abriu a Semana com um discurso intitulado “A 
emoção estética na Arte Moderna”. Leia o excerto inicial. 
 
Para muitos de vós, a curiosa e sugestiva exposição 
que gloriosamente inauguramos hoje é uma “aglomeração 
de horrores”. Aquele Gênio supliciado, aquele homem 
amarelo, aquele carnaval alucinante, aquela paisagem 
invertida, se não são jogos da fantasia de artistas 
zombeteiros, são seguramente desvairadas interpretações 
da natureza e da vida. Não está terminado o vosso espanto. 
Outros “horrores” vos esperam. Daqui a pouco, juntando-se 
a esta coleção de disparates, uma poesia liberta, uma música 
extravagante, mas transcendente, virão revoltar aqueles que 
reagem movidos pelas forças do Passado. Para estes 
retardatários, a arte ainda é o Belo. 
 
 Nenhum preconceito é mais perturbador à 
concepção da arte que o da Beleza. Os que imaginam o belo 
abstrato são sugestionados por convenções forjadoras de 
entidades e conceitos estéticos sobre os quais não pode 
haver uma noção exata e definitiva. Cada um que se 
interrogue a si mesmo e responda que é a beleza? Onde 
repousa o critério infalível do belo? A arte é independente 
deste preconceito. É outra maravilha que não é a beleza. É 
a realização da nossa integração no Cosmos pelas emoções 
derivadas dos nossos sentidos, vagos e indefiníveis 
sentimentos que nos vêm das formas, dos sons, das cores, 
dos tatos, dos sabores e nos levam à unidade suprema com 
o Todo Universal. Por ela sentimos o universo, que a ciência 
decompõe e nos faz somente conhecer pelos seus 
fenômenos. Por que uma forma, uma linha, um som, uma cor 
nos comovem, nos exaltam e transportam ao universal? Eis 
o mistério da arte, insolúvel em todos os tempos, porque a 
arte é eterna e o homem é por excelência o animal artista. O 
sentimento religioso pode ser transmudado, mas o senso 
estético permanece inextinguível, como o Amor, seu irmão 
imortal. O Universo e os seus fragmentos são sempre 
designados por metáforas e analogias, que fazem imagens. 
Ora, esta função intrínseca do espírito humano mostra como 
 
 Profª. Cristiane 
 Literatura 
 
Página 2 de 23 
a função estética, que é a de idear ou imaginar, é essencial 
à nossa natureza. 
 
Graça Aranha. In: Gilberto Mendonça Teles, op. cit., p. 280. 
 
Seguiram-se ao discurso apresentações musicais e 
declamatórias e, num segundo momento, houve uma 
conferência de Ronald de Carvalho. 
 
15.02.1922 
 
Esta foi a grande noite da Semana. Como já era previsto, 
houve algazarra e a balbúrdia derrubou o sarau que ocorreria 
após discurso de Menotti del Picchia. Vinte anos depois, 
Mário de Andrade confessa que não sabe como teve 
coragem de declamar seus versos “diante de uma vaia tão 
bulhenta que não escutava, no palco, o que Paulo Prado lhe 
gritava da primeira fila das poltronas”1. Apesar de Manuel 
Bandeira não ter participado ativamente da Semana, seu 
poema “Os sapos” foi declamado por Ronald de Carvalho 
nas escadarias no Teatro, sob os assobios e a gritaria do 
público. Conheça o poema na íntegra, crítica ao 
perfeccionismo formal dos parnasianos: 
 
Os sapos 
Enfunando os papos, 
Saem da penumbra 
Aos pulos, os sapos. 
A luz os deslumbra. 
Em ronco que aterra, 
Berra o sapo-boi: 
– “Meu pai foi à guerra!” 
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”. 
O sapo-tanoeiro, 
Parnasiano aguado, 
Diz: – “Meu cancioneiro 
É bem martelado. 
Vede como primo 
Em comer os hiatos! 
Que arte! E nunca rimo 
Os termos cognatos. 
O meu verso é bom 
Frumento sem joio 
Faço rimas com 
Consoantes de apoio. 
Vai por cinquenta anos 
Que lhes dei a norma: 
Reduzi sem danos 
A formas a forma. 
Clame a saparia 
Em críticas céticas: 
Não há mais poesia 
Mas há artes poéticas..” 
Urra o sapo-boi: 
– “Meu pai foi rei” – “Foi!” 
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!” 
Brada em um assomo 
O sapo-tanoeiro: 
 
1 Mário de Andrade. O movimento modernista. Rio de Janeiro: Casa do 
Estudante, 1942, p. 15. 
– "A grande arte é como 
Lavor de joalheiro. 
Ou bem de estatuário. 
Tudo quanto é belo, 
Tudo quanto é vário, 
Canta no martelo.” 
Outros, sapos-pipas 
(Um mal em si cabe), 
Falam pelas tripas: 
– “Sei!” – “Não sabe!” – “Sabe!”. 
Longe dessa grita, 
Lá onde mais densa 
A noite infinita 
Verte a sombra imensa; 
Lá, fugindo ao mundo, 
Sem glória, sem fé, 
No perau profundo 
E solitário, é 
Que soluças tu, 
Transido de frio, 
Sapo cururu 
Da beira do rio... 
Manuel Bandeira, Estrela da vida inteira. 25 ed. Rio de Janeiro: Nova 
Fronteira, 1993, p. 80-81. 
17.02.1922 
No último dia, houve a apresentação musical de Villa-Lobos, 
com um público já bastante reduzido. O maestro estreou 
como “modernista” entre vaias e urros de uma plateia, como 
já se viu, atrelada aos modelos tradicionais. 
Sobre o evento, comenta Alfredo Bosi: 
A grande noite da Semana foi a segunda. A 
conferência de Graça Aranha, que abriu os festivais, confusa 
e declamatória, foi ouvida respeitosamente pelo público, que 
provavelmente não a entendeu, e o espetáculo de Villa-
Lobos, no dia 17, foi perturbado, principalmente porque se 
supôs fosse “futurismo” o artista se apresentar de casaca e 
chinelo, quando o compositor assim se calçava por estar com 
um calo arruinado... Mas não era contra a música que os 
passadistas se revoltavam. A exaltação dirigia-se 
especialmente à nova literatura e às novas manifestações da 
arte plástica. 
Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira. 3 ed. São Paulo: 
Cultrix, 1995, p. 382. 
Não surpreendentemente, os jornais da época, também 
atrelados ao passado, criticaram o evento: 
 Ao público chocado diante da nova música tocada 
na Semana, como diante dos quadros expostos e dos 
poemas sem rima [...] sons sucessivos sem nexo estão fora 
da artemusical: são ruídos, são estrondos, palavras sem 
nexo estão fora do discurso: são disparates e tão cabeludos 
que nesta semana conseguiram desopilar os nervos do 
público paulista, que raramente ri a bandeiras despregadas. 
 
A Gazeta, 22 fev. 1922. 
 
 
 Profª. Cristiane 
 Literatura 
 
Página 3 de 23 
De qualquer forma, apesar da reação geral, tinha acontecido 
a Semana de Arte Moderna, que renovava a mentalidade 
nacional e punha o Brasil na atualidade do mundo. Para 
Gilberto Mendonça Teles: 
Toda a grande contribuição da revolução literária de 
1922 pode-se [...] resumir nestes dois aspectos: abertura e 
dinamização dos elementos culturais, incentivando a 
pesquisa formal, vale dizer, a linguagem; ampliação do 
ângulo ótico para os macro e microtemas da realidade 
nacional, embora essa ampliação se tenha dado mais 
exatamente na linguagem, elevando-se o nível coloquial da 
fala brasileira à categoria de valor literário, fato que não havia 
sido possível na poética parnasiano-simbolista, quer pela 
sua concepção formal, quer pela concepção linguística da 
época, impregnada de exagerado vernaculismo. 
Gilberto Mendonça Teles, op. cit., p. 277. 
1.3 - Manifestos posteriores 
A Semana de Arte Moderna agitou de tal forma os 
intelectuais da época que, depois dela, surgiram manifestos 
importantes. O imenso grupo que formava os integrantes da 
Semana de 22 se dividiu, e muitos artistas e intelectuais 
seguiram diversas outras linhas de pensamento. Vamos 
conhecer um pouco mais sobre esses movimentos. 
Poesia Pau-Brasil 
Escrito por Oswald de Andrade e publicado no jornal O 
Correio da Manhã em março de 1924, esse manifesto, em 
versão reduzida e modificada, abriria o livro de poemas Pau-
Brasil, ilustrado por Tarsila do Amaral. O poeta propõe a 
redescoberta do Brasil a partir de uma releitura crítica (e 
satírica) da nossa história. Para Paulo Prado, o livro realiza 
o primeiro esforço organizado para a libertação do verso 
brasileiro. 
Leia um excerto do Manifesto. 
Contra o gabinetismo, a prática culta da vida. Engenheiros 
em vez de jurisconsultos, perdidos como chineses na 
genealogia das ideias. 
 
A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. 
A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. 
Como somos. 
 
Não há luta na terra de vocações acadêmicas. Há só fardas. 
Os futuristas e os outros. 
 
Uma única luta – a luta pelo caminho. Dividamos: Poesia de 
importação. E a Poesia Pau-Brasil, de exportação. 
 
Houve um fenômeno de democratização estética nas cinco 
partes sábias do mundo. Instituíra-se o naturalismo. Copiar. 
Quadros de carneiros que não fossem lã mesmo, não 
prestavam. A interpretação no dicionário oral das Escolas de 
Belas Artes queria dizer reproduzir igualzinho… Veio a 
pirogravura. As meninas de todos os lares ficaram artistas. 
Apareceu a máquina fotográfica. E, com todas as 
prerrogativas do cabelo grande, da caspa e da misteriosa 
genialidade de olho virado – o artista fotógrafo. 
 
Na música, o piano invadiu as saletas nuas, de folhinha na 
parede. Todas as meninas ficaram pianistas. Surgiu o piano 
de manivela, o piano de patas. A pleyela. E a ironia eslava 
compôs para a pleyela. Stravinski. 
 
A estatuária andou atrás. As procissões saíram novinhas das 
fábricas. 
 
Só não se inventou uma máquina de fazer versos – já havia 
o poeta parnasiano. 
 
Ora, a revolução indicou apenas que a arte voltava para as 
elites. E as elites começaram desmanchando. Duas fases: 1) 
a deformação através do impressionismo, a fragmentação, o 
caos voluntário. De Cézanne e Malarmé, Rodin e Debussy 
até agora. 2) o lirismo, a apresentação no templo, os 
materiais, a inocência construtiva. 
 
O Brasil profiteur. O Brasil doutor. E a coincidência da 
primeira construção brasileira no movimento de reconstrução 
geral. Poesia Pau-Brasil. 
 
Como a época é miraculosa, as leis nasceram do próprio 
rotamento dinâmico dos fatores destrutivos. 
A síntese 
O equilíbrio 
O acabamento de carrosserie 
A invenção 
A surpresa 
Uma nova perspectiva 
Uma nova escala. 
Qualquer esforço natural nesse sentido será bom. Poesia 
Pau-Brasil 
 
O trabalho contra o detalhe naturalista – pela síntese; 
contra a morbidez romântica – pelo equilíbrio geômetra e 
pelo acabamento técnico; contra a cópia, pela invenção e 
pela surpresa. 
Uma nova perspectiva. 
 
Verde-Amarelismo – Escola da Anta 
Como resposta ao Pau-Brasil, surgiu o grupo Verde-
Amarelismo, do qual eram membros os modernistas Plínio 
Salgado, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida e 
Cassiano Ricardo. Esses intelectuais criticavam o 
“nacionalismo afrancesado” de Oswald de Andrade e 
propunham um nacionalismo primitivista e ufanista – 
contraparte do movimento integralista do início da década de 
1930, liderado por Plínio Salgado. Elegeram a Anta como 
símbolo nacional e exaltavam o Tupi, o primitivismo e a 
ingenuidade da mãe-pátria. 
 
Em maio de 1929, o grupo publicou um manifesto no jornal 
Correio Paulistano intitulado “Nhengaçu Verde-Amarelo – 
Manifesto do Verde-Amarelismo ou da Escola da Anta”. 
Acompanhe um excerto desse texto. 
 
A Nação é uma resultante de agentes históricos. O índio, o 
negro, o espadachim, o jesuíta, o tropeiro, o poeta, o 
fazendeiro, o político, o holandês, o português, o índio, o 
francês, os rios, as montanhas, a mineração, a pecuária, a 
agricultura, o sol, as léguas imensas, o Cruzeiro do Sul, o 
café, a literatura francesa, as políticas inglesa e americana, 
os oito milhões de quilômetros quadrados... 
Temos de aceitar todos esses fatores, ou destruir a 
Nacionalidade, pelo estabelecimento de distinções, pelo 
desmembramento nuclear da ideia que dela formamos. 
 
x x x 
 
Como aceitar todos esses fatores? Não concedendo 
predominância a nenhum. 
 
x x x 
 
A filosofia tupi tem de ser forçosamente a “não filosofia”. O 
movimento da Anta baseava-se nesse princípio. Tomava-se 
o índio como símbolo nacional, justamente porque ele 
 
 Profª. Cristiane 
 Literatura 
 
Página 4 de 23 
significa a ausência de preconceito. Entre todas as raças que 
formaram o Brasil, a autóctone foi a única que desapareceu 
objetivamente. Em uma população de 34 milhões, não 
contamos meio milhão de selvagens. Entretanto, é a única 
das raças que exerce subjetivamente sobre todas as outras 
a ação destruidora de traços caracterizantes; é a única que 
evita o florescimento de nacionalismos exóticos; é a raça 
transformadora das raças, e isso porque não declara guerra, 
porque não oferece a nenhuma das outras o elemento 
vitalizante da resistência. 
 
[...] Convidamos a nossa geração a produzir sem discutir. 
Bem ou mal, mas produzir. Há sete anos que a literatura 
brasileira está em discussão. Procuremos escrever sem 
espírito preconcebido, não por mera experiência de estilos, 
ou para veicular teorias, sejam elas quais forem, mas com o 
único intuito de nos revelarmos, livres de todos os prejuízos. 
 
A vida, eis o que nos interessa, eis o que interessa à grande 
massa do povo brasileiro. Em sete anos, a geração nova tem 
sido o público de si mesma. O grosso da população ignora a 
sua existência e se ouve falar em movimento moderno é pelo 
prestígio de meia dúzia de nomes que se impuseram pela 
força pessoal de seus próprios talentos. 
 
x x x 
 
O grupo “verdamarelo”, cuja regra é a liberdade plena de 
cada um ser brasileiro como quiser e puder; cuja condição é 
cada um interpretar o seu país e o seu povo através de si 
mesmo, da própria determinação instintiva; – o grupo 
“verdamarelo”, à tirania das sistematizações ideológicas, 
responde com a sua alforria e a amplitude sem obstáculo de 
sua ação brasileira. Nosso nacionalismo é de afirmação, de 
colaboração coletiva, de igualdade dos povos e das raças, 
de liberdade do pensamento, de crença na predestinação do 
Brasilna humanidade, de fé em nosso valor de construção 
nacional. 
Aceitamos todas as instituições conservadoras, pois é dentro 
delas mesmo que faremos a inevitável renovação do Brasil, 
como o fez, através de quatro séculos, a alma da nossa 
gente, através de todas as expressões históricas. 
Nosso nacionalismo é “verdamarelo” e tupi. 
O objetivismo das instituições e o subjetivismo da gente sob 
a atuação dos fatores geográfico e histórico. 
 
Menotti Del Picchia, Plínio Salgado, Alfredo Élis, Cassiano Ricardo, 
Cândido Mota Filho. In: Gilberto Mendonça Teles, op. cit., p. 361-167. 
 
Antropofagia 
 
Tarsila do Amaral, Abaporu, óleo sobre tela, 85 X 73 cm. 1928. 
 
O “Manifesto Antropófago” foi publicado primeiramente em 
maio de 1928, na Revista de Antropofagia, como programa 
ou filosofia do grupo da qual essa revista seria veículo. O 
movimento surgiu como uma renovação do Pau-Brasil de 
1924 e como resposta à Escola da Anta. Inspirada numa 
pintura de Tarsila do Amaral, Abaporu (em Tupi, “aquele que 
come”), a ideia de comer carne humana foi tomada como 
símbolo da “devoração crítica” na assimilação das influências 
estrangeiras, desde a colonização até as vanguardas, e sua 
digestão, cujo produto seria algo genuinamente brasileiro. 
Assim, seria possível recriar a própria história da cultura 
nacional sem copiar modelos estrangeiros. Vejamos o 
comentário de José Aderaldo Castello sobre a Revista de 
Antropofagia: 
 Apresenta-se apoiada em Freud, para explicar o 
sentido progressivo do comportamento humano, desde o 
egoísmo ao egocentrismo, tabus e totens, amor cotidiano, 
instinto sexual, carnal, amizade, especulação científica e o 
aviltamento do homem. Reduz tudo ao instinto antropofágico. 
Voltando-se para o Brasil, proclamava a verdade das nossas 
origens caraíbas, donde a proposta de retorno ao estado 
selvagem, ingênuo e puro, como arma de defesa e 
reafirmação. Seria uma forma de superarmos pressões 
externas que, provenientes do processo da nossa formação, 
mas estranhas ao estado selvagem do índio americano, 
continuavam a nos desfigurar. A linguagem – estilo 
antropofágico, é exemplificado pela obra de Oswald de 
Andrade, Antônio de Alcântara Machado e Raul Bopp – era 
pautada pela frase curta, pelo ritmo sincopado, pela 
irreverência e pelo senso de humor. Com grande poder de 
síntese, sugere abstrações rápidas, aproximações e 
referências imprevistas no tempo e no espaço à história e às 
tradições populares, rebatendo na psicologia nacional. 
José Aderaldo Castello, op. cit., p. 87. 
 
Tarsila do Amaral, Antropofagia, óleo sobre tela, 126 X 142 cm. 1929. 
 
Manifesto antropófago 
Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. 
Filosoficamente. 
 
Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os 
individualismos, de todos os coletivismos. De todas as 
religiões. De todos os tratados de paz. 
 
 Profª. Cristiane 
 Literatura 
 
Página 5 de 23 
 
Tupi, or not tupi that is the question. 
 
Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos. 
Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do 
antropófago. 
 
Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos 
postos em drama. Freud acabou com o enigma mulher e com 
outros sustos da psicologia impressa. 
 
O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre 
o mundo interior e o mundo exterior. A reação contra o 
homem vestido. O cinema americano informará. 
Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados 
ferozmente, com toda a hipocrisia da saudade, pelos 
imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No país da 
cobra grande. 
 
Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de 
velhos vegetais. E nunca soubemos o que era urbano, 
suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no mapa-
múndi do Brasil. 
 
Uma consciência participante, uma rítmica religiosa. 
Contra todos os importadores de consciência enlatada. A 
existência palpável da vida. E a mentalidade pré-lógica para 
o Sr. Lévy-Bruhl estudar. 
 
Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a Revolução 
Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na 
direção do homem. Sem nós, a Europa não teria sequer a 
sua pobre declaração dos direitos do homem. 
 
A idade de ouro anunciada pela América. A idade de ouro. E 
todas as girls. 
 
Filiação. O contato com o Brasil Caraíba. Ori Villegaignon 
print terre. Montaigne. O homem natural. Rousseau. Da 
Revolução Francesa ao Romantismo, à Revolução 
Bolchevista, à Revolução Surrealista e ao bárbaro tecnizado 
de Keyserling. Caminhamos. 
 
Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito 
sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém 
do Pará. 
 
Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós. 
Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, 
para ganhar comissão. O rei-analfabeto dissera-lhe: ponha 
isso no papel mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo. 
Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em 
Portugal e nos trouxe a lábia. 
O espírito recusa-se a conceber o espírito sem o corpo. O 
antropomorfismo. Necessidade da vacina antropofágica. 
Para o equilíbrio contra as religiões de meridiano. E as 
inquisições exteriores. 
 
Só podemos atender ao mundo orecular. 
 
Tínhamos a justiça codificação da vingança. A ciência 
codificação da Magia. Antropofagia. A transformação 
permanente do Tabu em totem. 
 
Contra o mundo reversível e as ideias objetivadas. 
Cadaverizadas. O stop do pensamento que é dinâmico. O 
indivíduo vitima do sistema. Fonte das injustiças clássicas. 
Das injustiças românticas. E o esquecimento das conquistas 
interiores. 
 
Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. 
Roteiros. 
 
O instinto Caraíba. 
 
Morte e vida das hipóteses. Da equação eu parte do Cosmos 
ao axioma Cosmos parte do eu. Subsistência. 
Conhecimento. Antropofagia. 
 
Contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo. 
Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio 
vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando 
nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos 
portugueses. 
 
Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. 
A idade de ouro. 
 
Catiti Catiti 
 
Imara Notiá 
 
Notiá Imara 
 
Ipeju 
 
A magia e a vida. Tínhamos a relação e a distribuição dos 
bens físicos, dos bens morais, dos bens dignários. E 
sabíamos transpor o mistério e a morte com o auxílio de 
algumas formas gramaticais. 
 
Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me 
respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. 
Esse homem chamava-se Galli Mathias. Comia. 
 
Só não há determinismo onde há mistério. Mas que temos 
nós com isso? 
 
Contra as histórias do homem que começam no Cabo 
Finisterra. O mundo não datado. Não rubricado. Sem 
Napoleão. Sem César. 
 
A fixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos de 
televisão. Só a maquinaria. E os transfusores de sangue. 
 
Contra as sublimações antagônicas. Trazidas nas caravelas. 
 
Contra a verdade dos povos missionários, definida pela 
sagacidade de um antropófago, o Visconde de Cairu: – É 
mentira muitas vezes repetida. 
 
Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma 
civilização que estamos comendo, porque somos fortes e 
vingativos como o Jabuti. 
 
Se Deus é a consciência do Universo Incriado, Guaraci é a 
mãe dos viventes. Jaci é a mãe dos vegetais. 
 
Não tivemos especulação. Mas tínhamos adivinhação. 
Tínhamos Política que é a ciência da distribuição. E um 
sistema social-planetário. 
 
As migrações. A fuga dos estados tediosos. Contra as 
escleroses urbanas. Contra os Conservatórios e o tédio 
especulativo. 
 
De William James e Voronoff. A transfiguração do Tabu em 
totem. Antropofagia. 
 
O pater famílias e a criação da Moral da Cegonha: Ignorância 
real das coisas + fala de imaginação + sentimento de 
autoridade ante a prole curiosa. 
 
É preciso partir de um profundo ateísmopara se chegar à 
ideia de Deus. Mas a caraíba não precisava. Porque tinha 
Guaraci. 
 
O objetivo criado reage com os Anjos da Queda. Depois 
Moisés divaga. Que temos nós com isso? 
Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha 
descoberto a felicidade. 
 
 
 Profª. Cristiane 
 Literatura 
 
Página 6 de 23 
Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de 
Catarina de Médicis e genro de D. Antônio de Mariz. 
A alegria é a prova dos nove. 
 
No matriarcado de Pindorama. 
 
Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal 
renovada. 
 
Somos concretistas. As ideias tomam conta, reagem, 
queimam gente nas praças públicas. Suprimamos as ideias 
e as outras paralisias. Pelos roteiros. Acreditar nos sinais, 
acreditar nos instrumentos e nas estrelas. 
 
Contra Goethe, a mãe dos Gracos, e a Corte de D. João VI. 
 
A alegria é a prova dos nove. 
 
A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – 
ilustrada pela contradição permanente do homem e o seu 
Tabu. O amor cotidiano e o modusvivendi capitalista. 
Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo 
em totem. A humana aventura. A terrena finalidade. Porém, 
só as puras elites conseguiram realizar a antropofagia carnal, 
que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os 
males identificados por Freud, males catequistas. O que se 
dá não é uma sublimação do instinto sexual. É a escala 
termométrica do instinto antropofágico. De carnal, ele se 
torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, 
a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao 
aviltamento. A baixa antropofagia aglomerada nos pecados 
de catecismo – a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato. 
Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra 
ela que estamos agindo. Antropófagos. 
 
Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na 
terra de Iracema –, o patriarca João Ramalho fundador de 
São Paulo. 
 
A nossa independência ainda não foi proclamada. Frape 
típica de D. João VI: – Meu filho, põe essa coroa na tua 
cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a 
dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as 
ordenações e o rapé de Maria da Fonte. 
 
Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada 
por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem 
prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de 
Pindorama. 
 
Oswald de Andrade. In: Gilberto Mendonça Teles, 
 op. cit., p. 253-267. 
2. A primeira geração modernista brasileira 
2.1 - Modernismo no Brasil: fase heroica 
A primeira fase do Modernismo brasileiro (1922-1930) é um 
período de implementação de novas ideias que culminaram 
na Semana de 22. O centenário de independência do Brasil 
deu a impressão de que se fazia, na época, uma reavaliação 
das condições da nossa “pátria mãe gentil”. Algumas 
transformações mundiais decorrentes da I Grande Guerra 
(1914-1918), a aceleração do processo brasileiro de 
industrialização, especialmente em São Paulo, e o breve 
período de prosperidade que alcançaria o café como produto 
 
2 Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira. 3 ed. São Paulo: 
Cultrix, 1995, p. 389. 
3 Antonio Candido. Iniciação à literatura brasileira. 3 ed. São Paulo: 
Humanitas, 1999, p. 69. 
4 Grande obra modernista de Cassiano Ricardo publicada em 1928. 
de exportação também concorreram para essa revisão que o 
Brasil faria de si mesmo no início do século XX. 
 
Influenciados por ideários desenvolvidos na Europa – pela 
Rússia revolucionária e cubofuturista, por exemplo – e por 
movimentos de vanguarda como o Expressionismo alemão 
e, especialmente, o Futurismo italiano (que ofereceria 
modelos adequados para a percepção do ritmo e do 
mecanicismo das grandes cidades, além da valorização do 
primitivo, elemento aqui, no Brasil, que fazia parte da 
realidade), os modernistas encontraram na cidade de São 
Paulo um terreno fértil para a realização da Semana de Arte 
Moderna, que mais parecia ser a abolição da República 
Velha das Letras. Na introdução de Serafim Ponte Grande, 
afirma Oswald de Andrade: 
 
O movimento modernista, culminado no sarampão 
antropofágico, parecia indicar um fenômeno avançado. São 
Paulo possuía um poderoso parque industrial. Quem sabe se 
a alta do café não ia colocar a literatura nova-rica da 
semicolônia ao lado dos custosos surrealismos 
imperialistas? [...] 
A valorização do café foi uma operação imperialista. 
A poesia Pau-Brasil também. Isso tinha que ruir com as 
cornetas da crise. 
Oswald de Andrade apud Alfredo Bosi. Moderno e 
modernista na literatura brasileira. Céu, inferno. São Paulo: 
Duas Cidades/Editora 34, 2003, p. 210. 
Depois da ruptura estética, vieram a reflexão, a consciência 
crítica e a laboriosa metalinguagem com as revistas paulistas 
Klaxon, Terra Roxa e Outras Terras e os manifestos que 
estudamos na última aula, que formariam o legado teórico de 
1922. Ainda assim, para diversos críticos literários, os 
modernistas protagonizaram um movimento complexo e 
contraditório. Segundo Alfredo Bosi, os grandes escritores 
dessa primeira geração não tinham condições de analisar e 
compreender os processos de base que então agitavam o 
mundo ocidental e especialmente o Brasil2. “Éramos uns 
inconscientes”, afirmou Mário de Andrade a respeito da 
própria geração de artistas, num balanço autocrítico que fez 
em 1942, em conferência intitulada “O Movimento 
Modernista”. Não há dúvida, porém, de que é o marco de 
uma era de transformações essenciais e abriu a fase mais 
fecunda da literatura brasileira “porque [esta] já então havia 
adquirido maturidade suficiente para assimilar com 
originalidade as sugestões dos matizes culturais, produzindo 
em larga escala uma literatura própria”3. Nessa fase de 
afirmação da literatura nacional, os inovadores não viam um 
Brasil que não fosse a “São Paulo arlequinal”, espaço da 
modernidade, ou “o território mítico de Macunaíma e da 
Antropofagia, de Martim Cererê4 e de Cobra Norato5; um 
Brasil cujas contradições se resolviam magicamente no reino 
das palavras poéticas”6. 
 
O Modernismo não foi só uma escola literária, mas também 
um movimento social e cultural. Mas não é especialmente a 
partir do plano temático que devemos analisar as inovações 
que ele trouxe à literatura brasileira, já que algumas das 
mensagens de 22 já prefiguradas em pré-modernistas como 
5 Obra-prima de Raul Bopp, publicada em 1931, que, juntamente com 
Martim Cererê e Macunaíma, pode ser considerada um ícone do 
Modernismo brasileiro. 
6 Alfredo Bosi. Moderno e modernista na literatura brasileira. Céu, 
inferno. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2003, p. 215. 
 
 Profª. Cristiane 
 Literatura 
 
Página 7 de 23 
Lima Barreto, Euclides da Cunha e Monteiro Lobato. O que 
realmente provocou grandes rupturas em relação à literatura 
produzida antes de 22 foram os códigos literários. 
 
2.2 - Características da literatura modernista 
Poética 
 
Estou farto do lirismo comedido 
do lirismo comportado 
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente 
protocolo e manifestações de 
apreço ao Sr. diretor 
 
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário 
o cunho vernáculo de um vocábulo 
 
Abaixo os puristas 
 
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais 
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção 
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis 
 
Estou farto do lirismo namorador 
Político 
Raquítico 
Sifilítico 
De todo o lirismo que capitula ao que quer que seja fora de 
si mesmo. 
 
De resto não é lirismo 
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante 
exemplar com cem modelos de 
cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc. 
 
Quero antes o lirismo dos loucos 
O lirismodos bêbedos 
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos 
O lirismo dos clowns de Shakespeare 
 
– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação. 
 
Manuel Bandeira. Libertinagem. Estrela da vida inteira. 25 ed. 
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p. 129. 
 
Ao ler um poema como esse, percebemos a grande 
transformação que propunham os modernistas em relação à 
poética tradicional. Reagindo contra os ideais da “arte pela 
arte” dos parnasianos, eram antiacademicistas, 
antitradicionalistas e antinaturalistas e buscavam a 
estabilização da consciência criadora nacional. 
 
Essa primeira fase modernista, que alguns críticos 
consideram que vai até 1928, com a publicação de 
Macunaíma, é destruidora, caracterizada pela irreverência 
iconoclasta7, pelos “poemas-piadas” de diversos escritores, 
especialmente Oswald de Andrade, pelo nacionalismo 
desenfreado, pelo primitivismo e por uma releitura crítica de 
nosso passado histórico. Mais preocupados com a ruptura da 
tradição do que com o engajamento político, os modernistas 
usavam uma linguagem libertária, que desarticula a sintaxe, 
transmuta o vocabulário da literatura pós-naturalista e 
descobre o folclore nacional e a cultura popular brasileira, o 
verso livre e instantâneo, a oralidade e a paródia. Na prosa, 
é notória a influência da linguagem cinematográfica e, 
especificamente em São Paulo, da cultura italiana, devido à 
imigração pós-guerra. 
 
7 Diz-se de pessoa que não respeita as tradições, a quem nada parece 
digno de culto ou reverência (Novo Aurélio). 
Sobre o Modernismo brasileiro, diz Antonio Candido: 
Sua contribuição fundamental foi a defesa da liberdade 
de criação e experimentação, começando por bater em 
brecha a estética acadêmica, encarnada sobretudo na 
poesia e na prosa oratória, mecanizadas nas formas 
endurecidas que serviam para petrificar a expressão a 
serviço das ideias mais convencionais. Para isso, os 
modernistas valorizaram na poesia os temas cotidianos 
tratados com prosaísmo e quebraram a hierarquia dos 
vocábulos, adotando as expressões coloquiais mais 
singelas, mesmo vulgares, para desqualificar a solenidade 
ou a elegância afetada. Nesse sentido, combateram a mania 
gramatical e pregaram o uso da língua segundo as 
características diferenciais do Brasil, incorporando o 
vocabulário e a sintaxe irregular de um país onde as raças e 
as culturas se misturaram. 
Além disso, passaram por cima das distinções entre os 
gêneros, injetando poesia e insólito na narrativa em prosa, 
abandonando as formas poéticas regulares, misturando 
documento e fantasia, lógica e absurdo, recorrendo ao 
primitivismo do folclore e ao português deformado dos 
imigrantes, chegando a usar como exemplo extremo contra 
a linguagem oficial certas ordenações sintáticas tomadas a 
línguas indígenas. Os românticos haviam “civilizado” a 
imagem do índio, injetando neles os padrões do 
cavalheirismo convencional. Os modernistas, ao contrário, 
procuraram nele e no negro o primitivismo, que injetaram nos 
padrões da civilização dominante como renovação e quebra 
das convenções acadêmicas. Mas nesse jogo muitos 
acabaram num artificialismo equivalente ao dos românticos, 
sobretudo os que foram buscar na tradição indígena alimento 
para um patriotismo ornamental. Assim foi que alguns 
modernistas secundários de São Paulo denunciaram as 
tendências cosmopolitas e demolidoras, criando o grupo 
Verde-Amarelo, patriótico e sentimental, que terminou 
politicamente em atitudes conservadoras. 
 
Antonio Candido. Iniciação à literatura brasileira. 3 ed. São Paulo: 
Humanitas, 1999, p. 70. 
O marco inicial do novo foi a publicação das obras Pauliceia 
desvairada, de Mário de Andrade, e Memórias sentimentais 
de João Miramar, de Oswald de Andrade, ambas em 1922. 
2.3 - Mário de Andrade: a figura central do Modernismo 
brasileiro 
Me sinto só branco agora, sem ar neste ar-livre da 
América! 
Me sinto só branco, só branco em minha alma 
crivada de raças! 
Mário de Andrade. Improviso do mal da América. Remate 
dos males, 1930. 
Mário de Andrade (1893-1945) foi quem concebeu a 
plataforma da nova poética modernista em obras como A 
escrava que não é Isaura (ensaio publicado em 1925), em 
que discursa sobre o que acredita ser a tendência da poesia 
modernista, e “Prefácio interessantíssimo”, que abre o livro 
de poemas Pauliceia desvairada (1922), em que declara ter 
fundado o “desvairismo”8, escola com a qual encerra no fim 
do mesmo prefácio. Aí, considera-se “passadista” por não 
8 Todos os excertos ente aspas ou em itálico nesta explicação do 
“Prefácio interessantíssimo” são da edição comemorativa: Mário de 
 
 Profª. Cristiane 
 Literatura 
 
Página 8 de 23 
conseguir se libertar das “teorias avós que bebeu” e reitera a 
importância do passado como “lição para meditar, não para 
reproduzir”: “destruir um edifício não significa abandonar o 
terreno – o que equivale a dizer que o essencial permanece”. 
Apesar de Oswald de Andrade tê-lo classificado como 
futurista, Mário não concordava com essa afirmação e 
chegou a fazer restrições ao Futurismo de Marinetti: 
 Marinetti foi grande quando redescobriu o poder 
sugestivo, associativo, simbólico, universal, musical da 
palavra em liberdade. Aliás: velha como Adão. Marinetti 
errou: fez dela sistema. É apenas auxiliar poderosíssimo. 
Uso palavras em liberdade. Sinto que o meu copo é grande 
demais para mim, e inda bebo no copo dos outros (p. 23). 
Escrever arte moderna não significa jamais para 
mim representar a vida atual no que tem de exterior: 
automóveis, cinema, asfalto. Si [sic] estas palavras 
frequentam-me o livro não é porque pense com elas escrever 
moderno, mas porque sendo meu livro moderno, elas têm 
nele sua razão de ser (p. 34). 
 
Ressaltou o subconsciente, em atitude claramente 
antinaturalista, em que considera o papel da escrita 
automática que os surrealistas pregavam como única forma 
de liberar as zonas profundas do psiquismo, fonte autêntica 
da poesia: 
 Quando sinto a impulsão lírica, escrevo sem pensar 
tudo o que meu inconsciente me grita. Penso depois: não só 
para corrigir, como para justificar o que escrevi. Daí a razão 
deste Prefácio interessantíssimo (p. 8). 
 
Ou: 
 Um pouco de teoria? Acredito que o lirismo, nascido 
no subconsciente, acrisolado num pensamento claro ou 
confuso, cria frases que são versos inteiros, sem prejuízo de 
medir tantas sílabas, com acentuação determinada. 
Entroncamento é sueto para os condenados da prisão 
alexandrina. Há porém raro exemplo dele neste livro9. Uso 
de cachimbo [...] (p. 15). 
 
E ainda: 
 A gramática apareceu depois de organizadas as 
línguas. Acontece que o meu inconsciente não sabe da 
existência de gramáticas, nem de línguas organizadas. E 
como Dom Lirismo é contrabandista [...] (p. 33). 
 
E refletiu sobre o belo artístico rompendo com os moldes 
pseudo-clássicos de arte acadêmica: 
 Belo da arte: arbitrário, convencional, transitório – 
questão de moda. Belo da natureza: imutável, objetivo, 
natural – tem a eternidade que a natureza tiver. Arte não 
consegue reproduzir natureza nem este é o seu fim. Todos 
os grandes artistas, ora consciente (Rafael das Madonas, 
Rodin do Balzac, Beethoven da Pastoral, Machado de Assis 
do Brás Cubas), ora inconscientemente (a grande maioria) 
foram deformadores da natureza. Donde infiro que o belo 
artístico será tanto mais artístico, tanto mais subjetivo quanto 
mais se afastar do belo natural. Outros infiram o que 
quiserem. Pouco me importa [...] (p. 18). 
 
Andrade. Pauliceia desvairada. Caixa modernista. São Paulo: 
Edusp/Editora da UFMG/Imprensa Oficial, 2003. 
9 Um pouco antes, no mesmo prefácio, o autor afirma que, perto dos 
10 anos, metrificou e rimou e, como exemplo, mostra um poema 
intitulado “Artista”, soneto alexandrino (com 12 sílabas poéticaspor 
verso). 
José Aderaldo Castello10 percebe na figura de Mário de 
Andrade aquele que apontou leis proclamadas pela estética 
da nova poesia. Tecnicamente, o verso livre, a rima livre e a 
vitória do dicionário (“a palavra solta, independente, mas 
motivando associações e resultando na superexposição de 
ideias e imagens, sem perspectiva nem lógica intelectual”). 
Esteticamente, a substituição da ordem intelectual pela 
ordem subconsciente, rapidez e síntese, simultaneidade11 e 
polifonismo12. 
Mário de Andrade foi poeta, romancista, crítico de arte, 
musicólogo e compositor. Esforçou-se para escrever numa 
língua inspirada pela fala corrente e pelos modismos 
populares e não hesitou em usar formas coloquiais, 
tradicionalmente consideradas “incorretas”, se legitimadas 
pelo uso brasileiro. Uniu num mesmo corpo expressivo a 
manifestação do eu e a manifestação do país, ao buscar a 
identidade de ambos num movimento de consciência, de um 
lado, e civilização, de outro. Entre suas obras mais 
importantes, destacam-se o já citado Pauliceia desvairada e 
a rapsódia Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, sua 
obra-prima. 
Pauliceia desvairada e outros poemas 
Paisagem N.° 3 
 
Chove? 
Sorri uma garoa de cinza, 
muito triste, como um tristemente longo... 
A Casa Kosmos não tem impermeáveis em liquidação... 
Mas neste Largo do Arouche 
posso abrir o meu guarda-chuva paradoxal, 
este lírico plátano de rendas mar... 
 
Ali em frente... – Mário, põe a máscara! 
– Tens razão, minha Loucura, tens razão. 
O rei de Tule jogou a taça ao mar... 
 
Os homens passam encharcados... 
Os reflexos dos vultos curtos 
mancham o petit-pavé... 
As rolas da Normal 
esvoaçam entre os dedos da garoa... 
(E si pusesse um verso de Crisfal 
No De Profundis?...) 
De repente 
um raio de Sol arisco 
risca o chuvisco ao meio. 
 
Mário de Andrade. Pauliceia desvairada. Caixa modernista. São Paulo: 
Edusp/Editora da UFMG/Imprensa Oficial, 2003, p. 105. 
 
Nossa primeira obra modernista nasceu de um ímpeto de 
raiva do autor. Em 1942, na conferência crítica em que fazia 
um balanço do que fora o Modernismo de 22, Mário de 
Andrade contou como criou sua Pauliceia desvairada: 
 A isso se ajuntavam dificuldades morais e vitais de 
vária espécie, foi ano de sofrimento muito. Já ganhava para 
viver folgado, mas, na fúria de saber as coisas que me 
10 José Aderaldo Castello. A literatura brasileira: origens e unidade. V. 
II. São Paulo: Edusp, 1999, p. 113. 
11 Coexistência de coisas e fatos num momento dado. 
12 União artística simultânea de duas ou mais melodias cujo efeito 
momentâneo de embate de sons concorre para um efeito total final. 
 
 Profª. Cristiane 
 Literatura 
 
Página 9 de 23 
tomara, o ganho fugia em livros e eu me estrepava em 
cambalachos financeiros terríveis. Em família, o clima era 
torvo. Si [sic] Mãe e irmãos não se amolavam com as minhas 
“loucuras”, o resto da família me retalhava sem piedade. E 
com certo prazer, até: esse doce prazer familiar de ter, num 
sobrinho ou num primo um “perdido” que nos valoriza 
virtuosamente. Eu tinha discussões brutais, em que os 
desaforos mútuos não raro chegavam àquele ponto de 
arrebentação que... por que será que a arte provoca! A briga 
era braba, e si não me abatia nada, me deixava em ódio, 
mesmo ódio. 
 
 Foi quando Brecheret13 me concedeu passar em 
bronze um gesso dele que eu gostava, uma “Cabeça de 
Cristo”, mas com que roupa! Eu devia os olhos da cara! 
Andava às vezes a pé por não ter duzentos réis pra bonde, 
no mesmo dia em que gastara seiscentos mil-réis em livros... 
E seiscentos mil-réis era dinheiro, então. Não hesitei: fiz mais 
conchavos financeiros com o mano, e afinal pude 
desembrulhar em casa a minha “Cabeça de Cristo”, 
sensualissimamente feliz. Isso a notícia correu num átimo, e 
a parentela, que morava pegado, invadiu a casa pra ver. E 
pra brigar. Berravam, berravam. Aquilo era até pecado 
mortal! Estrilava a senhora minha tia velha, matriarca da 
família. Onde se viu, Cristo de trancinha! era feio! medonho! 
Maria Luísa, vosso filho é um perdido, mesmo. 
 
Fiquei alucinado, palavra de honra. Minha vontade 
era bater. Jantei por dentro, num estado inimaginável de 
estralhaço. Depois subi para o meu quarto, era noitinha, na 
intenção de me arranjar, sair, espairecer um bocado, botar 
uma bomba no centro do mundo. Me lembro que cheguei à 
sacada, olhando sem ver o meu largo. Eu estava 
aparentemente calmo, como que indestinado. Não sei o que 
me deu. Fui até a escrivaninha, abri um caderno, escrevi o 
título em que jamais pensara, Pauliceia desvairada. O 
estouro chegara afinal, depois de quase um ano de angústias 
interrogativas. 
Mário de Andrade apud Alfredo Bosi. Mário de Andrade 
crítico do Modernismo. Céu, inferno: ensaios de crítica literária e 
ideológica. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2003, p. 230. 
 
Victor Brecheret, Cabeça de Cristo (Cristo de trancinhas), 1920, 
coleção IEB-USP. 
É um excerto extremamente esclarecedor. A ira dos 
familiares de Mário aqueceu-o e exasperou a tal ponto, que 
lhe deu o título de seu (e do nosso) primeiro livro de poesia 
modernista. Nele, o autor defende que “o defeito é uma 
circunstância de beleza”. Mesmo admitindo os defeitos do 
 
13 Victor Brecheret (1894-1955), escultor ítalo-brasileiro responsável 
pela introdução do Modernismo na escultura deste país. 
livro, consegue ver neles qualidades. Em 1924, dois anos 
depois de sua publicação, declarava: 
Foi nesse delírio de profunda raiva que Pauliceia 
desvairada se escreveu, no final de 1920. Pauliceia 
manifesta um estado de espírito eminentemente transitório: 
cólera cega que se vinga, revolta que não se esconde, 
confiança infantil no senso comum dos homens. Estes 
sentimentos duram pouco. A cólera esfria. A revolta perde 
sua razão de ser. A confiança desilude-se num segundo. 
Comigo, duraram pouco mais que um defluxo. Passaram. 
Deveria corrigir o livro e apagar-lhe estes aspectos? Não. Os 
poemas foram muito corrigidos. Muita coisa deles se tirou. 
Alguma se ajuntou, mas os exageros, tudo quanto era 
representativo do estado da alma, e não desfalecimentos 
naturais em toda criação artística, aí se conservou. Uma obra 
de arte não é expressiva só pelas belezas que contém. Ou o 
Sr. Alberto de Oliveira seria superior a Castro Alves. Muitas 
vezes os defeitos são mais interessantes e comoventes que 
as belezas. Direi mais: muitas vezes o defeito é uma 
circunstância da beleza. 
Mário de Andrade apud João Luiz Lafetá. A representação 
do sujeito lírico na Pauliceia desvairada. Alfredo Bosi (Org.). 
Leitura de poesia. São Paulo: Ática, 2007, p. 57-58. 
 
O trovador 
Sentimentos em mim do asperamente 
dos homens das primeiras eras... 
As primaveras de sarcasmo 
intermitentemente no meu coração arlequinal... 
Intermitentemente... 
Outras vezes é um doente, um frio 
na minha alma doente como um longo som redondo 
Cantabona! Cantabona! 
Dlorom... 
Sou um tupi tangendo um alaúde! 
 
Mário de Andrade, op. cit., p. 45. 
 
Muitos dos poemas de Pauliceia desvairada captam o 
paradoxo sentido por Mário de Andrade em relação à cidade 
de São Paulo. De “comoção da minha vida” e “minha Londres 
das neblinas finas” a “grande boca de mil dentes”, a cidade 
que cresce desorganizadamente e é capaz também de 
agrupar todas as etnias e classes sociais não é mero cenário 
para o eu lírico. A linguagem dos poemas tende a uma linha 
destrutiva, mas há também na obra um esforço de caráter 
construtivo, uma tendência “pronunciadamente 
intelectualista” a que o poeta se refere no Prefácio 
interessantíssimo. Perpassa o livro uma tensão significativa 
entre a representação do eu e a da cidade, e nota-se uma 
objetividade de um eu artificial e uno do século XIX que dá 
lugar a um eu múltiplo e desagregado, de um “subjetivismo 
exagerado”. Essa tensão, identificação entre o espaçoexterno e a interioridade, que muitos consideram o problema 
de Pauliceia desvairada (porque desequilibra a forma dos 
poemas se os pensarmos a partir de uma estética clássica), 
talvez seja sua principal marca estética: a tentativa de 
equilibrar as notações objetivas da cidade grande com o 
tumulto de sensações de um homem moderno, perdido em 
meio à multidão. “A vida moderna desvaira o poeta, e este 
 
 Profª. Cristiane 
 Literatura 
 
Página 10 de 23 
transfere o seu desvairismo para a vida moderna. [...] Assim 
como não se compreende a cidade sem as deformações do 
eu, também não se compreende o eu sem as deformações 
provocadas pela cidade”14. Observe, no poema anterior, 
como a cidade e o trovador se identificam. “São Paulo é, 
simultaneamente, ‘Galicismo a berrar nos desertos da 
América’, isto é, civilização e barbárie, enquanto o trovador é 
‘um tupi tangendo um alaúde’, isto é, primitivo e civilizado”15. 
Nos poemas a seguir, note como a paisagem nostálgica pode 
se integrar emocionalmente com o eu lírico, da mesma 
maneira que pode desencadear um sentimento de raiva 
impulsiva: 
Inspiração 
Onde até na força do verão havia tempestades de 
ventos e frios de crudelíssimo inverno. 
Frei Luís de Souza 
 
São Paulo! Comoção de minha vida... 
Os meus amores são flores feitas de 
original... 
Arlequinal!... Traje de losangos... Cinza 
e ouro... 
Luz e bruma... Forno e inverno morno... 
Elegâncias sutis sem escândalos, sem 
ciúmes... 
Perfumes de Paris... Anys! 
Bofetadas líricas no 
Trianon... Algodoal!... 
São Paulo! Comoção de minha vida... 
Galicismo a berrar nos desertos da 
América! 
Mário de Andrade, op. cit., p. 43. 
Ode ao burguês 
Eu insulto o burguês! O burguês-níquel, 
o burguês-burguês! 
A digestão bem-feita de São Paulo! 
O homem-curva! o homem-nádegas! 
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano, 
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco! 
Eu insulto as aristocracias cautelosas! 
Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros! 
que vivem dentro de muros sem pulos; 
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos 
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês 
e tocam os "Printemps" com as unhas! 
Eu insulto o burguês-funesto! 
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições! 
Fora os que algarismam os amanhãs! 
Olha a vida dos nossos setembros! 
Fará Sol? Choverá? Arlequinal! 
Mas à chuva dos rosais 
o êxtase fará sempre Sol! 
 
14 João Luiz Lafetá. A representação do sujeito lírico na Pauliceia 
desvairada. Alfredo Bosi (Org.). Leitura de poesia. São Paulo: Ática, 
2007, p. 66. 
15 Idem, ibidem, p. 67. 
Morte à gordura! 
Morte às adiposidades cerebrais! 
Morte ao burguês-mensal! 
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi! 
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano! 
"– Ai, filha, que te darei pelos teus anos? 
– Um colar... – Conto e quinhentos!!! 
Mas nós morremos de fome!" 
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma! 
Oh! purée de batatas morais! 
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas! 
Ódio aos temperamentos regulares! 
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia! 
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados! 
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos, 
sempiternamente as mesmices convencionais! 
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia! 
Dois a dois! Primeira posição! Marcha! 
Todos para a Central do meu rancor inebriante 
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio! 
Morte ao burguês de giolhos, 
cheirando religião e que não crê em Deus! 
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico! 
Ódio fundamento, sem perdão! 
Fora! Fu! Fora o bom burguês!... 
Mário de Andrade, op. cit., p. 67-69. 
 
A ruptura com a poesia parnasiana é notória em Pauliceia 
desvairada. Para o crítico literário João Luís Lafetá: 
 O verso livre, sem métrica nem rima, a 
simultaneidade de sentimentos e o uso constante da 
ambiguidade poética, todos esses recursos contrastavam de 
maneira radical com a poesia parnasiana, que era medida, 
repetitiva, linear, nítida. Tal subversão das regras tradicionais 
entusiasmou o bando inicial do Modernismo. E, num instante, 
a Pauliceia desvairada transformou-se na bandeira do 
movimento. 
João Luís Lafetá. Mário de Andrade, o arlequim estudioso. Antonio 
Arnoni Prado (Org.). A dimensão da noite. São Paulo: Duas 
Cidades/Editora 34, 2004, p. 220. 
Mário de Andrade publicou ainda livros de poesia como 
Losango cáqui (1922), Clã do Jabuti e Remate dos males 
(poemas escritos entre 1923 e 1930 que já incorporam a 
dimensão da pesquisa folclórica), e, nos últimos anos de sua 
vida, Lira paulistana, em que a cidade é “apreendida e 
ressentida nas andanças do poeta maduro que se despojou 
do pitoresco e sabe dizer com a mesma contenção os 
cansaços do homem afetuoso e solitário e a miséria do pobre 
esquecido do bairro fabril”16. Leia um excerto de “Meditação 
sobre o Tietê” e note o lirismo e o ritmo espraiado, expressão 
da entrega do poeta ao destino comum que o rio simboliza. 
Nesse poema, de caráter premonitório, segundo João Luiz 
Lafetá17 (o poema foi concluído treze dias antes da morte de 
Mário), o eu lírico fala do limiar da morte, contemplando nas 
águas noturnas do rio Tietê o reflexo do que foi sua própria 
vida, levada pela corrente que contradiz o curso normal dos 
rios, afasta-se do mar e adentra a “terra dos homens”. O 
crítico afirma que “a visão exaltada da cidade da garoa, 
16 Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira. 3 ed. São 
Paulo: Cultrix, 1995, p. 401. 
17 João Luiz Lafetá. Meditação sobre o Tietê. A dimensão da noite e 
outros ensaios. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2004, p. 539. 
 
 Profª. Cristiane 
 Literatura 
 
Página 11 de 23 
‘Londres das neblinas finas’, que o arlequim vanguardista 
cantava em berros dissonantes, dá lugar a uma ótica 
desconfiada, que expõe em versos medidos (frequentemente 
inspirados no cancioneiro popular) a suspeita de que a 
neblina sirva, antes de mais nada, para encobrir a injustiça 
das diferenças sociais. O canto entusiástico da juventude é 
contrastado pelo travo hesitante da madureza que vê a 
chegada da noite”18. 
A meditação sobre o Tietê [excerto] 
Água do meu Tietê, 
Onde me queres levar? 
– Rio que entras pela terra 
E que me afastas do mar... 
 
É noite. E tudo é noite. Debaixo do arco admirável 
Da Ponte das Bandeiras o rio 
Murmura num banzeiro de água pesada e oliosa. 
É noite e tudo é noite. Uma ronda de sombras, 
Soturnas sombras, enchem de noite de tão vasta 
O peito do rio, que é como si a noite fosse água, 
Água noturna, noite líquida, afogando de apreensões 
As altas torres do meu coração exausto. De repente 
O ólio das águas recolhe em cheio luzes trêmulas, 
É um susto. E num momento o rio 
Esplende em luzes inumeráveis, lares, palácios e ruas, 
Ruas, ruas, por onde os dinossauros caxingam 
Agora, arranha-céus valentes donde saltam 
Os bichos blau e os punidores gatos verdes, 
Em cânticos, em prazeres, em trabalhos e fábricas, 
Luzes e glória. É a cidade... É a emaranhada forma 
Humana corrupta da vida que muge e se aplaude. 
E se aclama e se falsifica e se esconde. E deslumbra. 
Mas é um momento só. Logo o rio escurece de novo, 
Está negro. As águas oliosas e pesadas se aplacam 
Num gemido. Flor. Tristeza que timbra um caminho de 
morte. 
É noite. E tudo é noite. E o meu coração devastado 
É um rumor de germes insalubres pela noite insone e 
humana. 
Meu rio, meu Tietê, onde me levas? 
Sarcástico rio que contradizes o curso das águas 
E te afastas do mar e te adentras na terra dos homens, 
Onde me queres levar?... 
Por que me proíbes assim praias e mar, por que 
Me impedes a fama das tempestades do Atlântico 
E os lindos versos que falam em partir e nunca mais voltar? 
Rio que fazes terra, húmus da terra, bicho da terra, 
Me induzindocom a tua insistência turrona paulista 
Para as tempestades humanas da vida, rio, meu rio!... 
[...] 
Rio, meu rio... mas porém há-de haver com certeza 
Outra vida melhor do outro lado de lá 
Da serra! E hei-de guardar silêncio 
Deste amor mais perfeito do que os homens?... 
Estou pequeno, inútil, bicho da terra, derrotado. 
No entanto eu sou maior... Eu sinto uma grandeza 
infatigável! 
Eu sou maior que os vermes e todos os animais. 
 
18 Idem, ibidem, p. 541. 
19 Tribo lendária de índios brasileiros. 
20 Espantar. 
E todos os vegetais. E os vulcões vivos e os oceanos, 
Maior... Maior que a multidão do rio acorrentado, 
Maior que a estrela, maior que os adjetivos, 
Sou homem! vencedor das mortes, bem nascido além dos 
dias, 
Transfigurado além das profecias! 
Eu recuso a paciência, o boi morreu, eu recuso a 
esperança. 
Eu me acho tão cansado em meu furor. 
As águas apenas murmuram hostis, água vil mas turrona 
paulista 
Que sobe e se espraia, levando as auroras represadas 
Para o peito dos sofrimentos dos homens. 
... e tudo é noite. Sob o arco admirável 
Da Ponte das Bandeiras, morta, dissoluta, fraca, 
Uma lágrima apenas, uma lágrima, 
Eu sigo alga escusa nas águas do meu Tietê. 
 
Mário de Andrade. Melhores poemas. Seleção de Gilda de Mello e 
Souza. 4 ed. São Paulo: Global, 1997, p. 69-80. 
Macunaíma, o herói sem nenhum caráter 
 No fundo do mato virgem nasceu Macunaíma, herói 
de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. 
Houve um momento em que o silêncio foi tão grande 
escutando o murmurejo da Uraricoera, que a índia 
tapanhumas19 pariu uma criança feia. Essa criança é que 
chamaram de Macunaíma. 
Já na meninice fez coisas de sarapantar20. De primeiro 
passou mais de seis anos não falando. Si o incitavam a falar 
exclamava: 
— Ai! que preguiça!... 
e não dizia mais nada. Ficava no canto da maloca, 
trepado no jirau de paxiúba21, espiando o trabalho dos outros 
e principalmente os dois manos que tinha, Manaape já 
velhinho e Jiguê na força do homem. O divertimento dele era 
decepar cabeça de saúva. Vivia deitado mas si punha os 
olhos em dinheiro, Macunaíma dandava pra ganhar vintém. 
E também espertava quando a família ia tomar banho no rio, 
todos juntos e nus. Passava o tempo do banho dando 
mergulho e as mulheres soltavam gritos gozados por causa 
dos guaimuns diz-que habitando a água-doce por lá. No 
mucambo si alguma cunhatã22 se aproxima dele pra fazer 
festinha, Macunaíma punha as mãos nas graças dela, 
cunhatã se afastava. Nos machos guspia na cara. Porém 
respeitava os velhos e frequentava com aplicação a murua a 
poracê o torê o bacorocô a cucuicoque, todas essas danças 
religiosas da tribo. 
Quando era pra dormir trepava no macuru23 pequeninho 
sempre se esquecendo de mijar. Como a rede da mãe estava 
por baixo do berço, o herói mijava quente na velha, 
espantando os mosquitos bem. Então adormecia sonhando 
palavras feias, imoralidades estrambólicas e dava patadas 
no ar. 
Nas conversas das mulheres no pino do dia o assunto 
eram sempre as peraltagens do herói. As mulheres se riam 
muito simpatizadas, falando que “espinho que pinica, de 
pequeno já traz ponta”, e numa pajelança24 Rei Nagô fez um 
discurso e avisou que o herói era inteligente. 
21 Esteira de tecido com fibras de palmeira. 
22 Moça. 
23 Balanço feito de pano e cipó, usado como berço. 
24 Feitiçaria promovida pelos pajés. 
 
 Profª. Cristiane 
 Literatura 
 
Página 12 de 23 
Nem bem teve seis anos deram água num chocalho pra 
ele e Macunaíma principiou falando como todos. E pediu pra 
mãe que largasse da mandioca ralando na cevadeira e 
levasse ele passear no mato. A mãe não quis porque não 
podia largar da mandioca não. Macunaíma choramingou dia 
inteiro. De noite continuou chorando. No outro dia esperou 
com o olho esquerdo dormindo que a mãe principiasse o 
trabalho. Então pediu pra ela que largasse de tecer o paneiro 
de guaruma-membeca e levasse ele no mato passear. A mãe 
não quis porque não podia largar o paneiro não. E pediu pra 
nora, companheira de Jiguê, que levasse o menino. A 
companheira de Jigue era bem moca e chamava Sofará. Foi 
se aproximando ressabiada porem desta vez Macunaíma 
ficou muito quieto sem botar a mão na graça de ninguém. A 
moça carregou o piá nas costas e foi ate o pé de aninga na 
beira do rio. A água parara pra inventar um ponteio de gozo 
nas folhas do javari. O longe estava bonito com muitos 
biguás e biguatingas avoando na entrada do furo. A moca 
botou Macunaíma na praia porém ele principiou 
choramingando, que tinha muita formiga!... e pediu pra 
Sofará que o levasse até o derrame do morro lá dentro do 
mato. A moca fez. Mas assim que deitou o curumim nas 
tiriricas, tajas e trapoerabas da serrapilheira, ele botou corpo 
num átimo e ficou um príncipe lindo. Andaram por lá muito. 
Quando voltaram pra maloca a moca parecia muito 
fatigada de tanto carregar piá nas costas. Era que o herói 
tinha brincado muito com ela... Nem bem ela deitou 
Macunaíma na rede, Jiguê já chegava de pescar de puçá e 
a companheira não trabalhara nada. Jiguê enquizilou e 
depois de catar os carrapatos deu nela muito. Sofará 
aguentou a sova sem falar um isto. 
 
Mário de Andrade. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. 
20 ed. Belo Horizonte: Itatiaia; Brasília: INL, 1984, p. 9-10. 
 
Depois de muitos anos dedicados à pesquisa sobre cultura 
popular brasileira, Mário de Andrade escreve sua obra-prima 
em seis dias. Segundo o próprio autor, Macunaíma é não um 
romance, mas uma rapsódia25 e tem a aparência de uma 
colcha de retalhos. Construída a partir de textos 
preexistentes, elaborados pela tradição oral ou escrita, 
popular ou erudita, europeia ou brasileira, o autor não se 
valeu de processos literários correntes, mas, segundo Gilda 
de Mello e Souza, transpôs formas básicas da música 
ocidental – comuns à erudita e à popular: a suíte26, cujo 
exemplo brasileiro mais relevante seria o bailado nordestino 
do Bumba-meu-boi27 e a variação28, presente no improviso 
do cantador nordestino. A esse material, em si híbrido, se 
juntariam: 
 [...] anedotas tradicionais da história do Brasil; 
incidentes pitorescos presenciados pelo autor; episódios de 
sua biografia pessoal; transcrições textuais de etnógrafos, 
dos cronistas coloniais; frases célebres de personalidades 
históricas ou eminentes; fatos da língua, como modismos, 
 
25 Maneira de cantar dos velhos rapsodos gregos, que usavam letras e 
solfas populares fundindo-as e reunindo a obra de vários autores que 
versam sobre temas afins, pertencentes ao mesmo ciclo. 
26 Um dos processos mais antigos de composição que, sem ser 
patrimônio de povo nenhum, reúne várias peças de estrutura e caráter 
distintos, todas de tipo coreográfico, para formar obras complexas e 
maiores. 
27 “Num país sem unidade e de grande extensão territorial, de povo 
desleixado onde conceito de pátria é quase uma quimera, o boi – ou a 
dança que o consagra – funcionava como um poderoso elemento 
‘unamizador’ dos indivíduos, como uma metáfora de nacionalidade” 
(Gilda de Mello e Souza, op. cit., p. 17). 
locuções, fórmulas sintáticas; processos mnemônicos 
populares, como associação de ideias e de imagens; ou 
processos retóricos, como as enumerações exaustivas. 
Gilda de Mello e Souza. O tupi e o alaúde. São Paulo: Duas 
Cidades/Editora 34, 2003, p. 15. 
 
Em carta a Sousa da Silveira, Mário de Andrade define 
Macunaíma como: 
 
 [...] um poema herói-cômico, caçoando do ser 
psicológico brasileiro, fixado numa página de lenda, à 
maneira mística dos poemas tradicionais. O real e o 
fantástico fundidos num plano. O símbolo, a sátira e a 
fantasia livre fundidos. Ausência de regionalismo pela fusão 
de características regionais. Um Brasil só e um herói só. 
 
Mário de Andrade apud Alfredo Bosi. Situação de Macunaíma.Céu, 
inferno. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2003, p. 188. 
 
O protagonista, mais um anti-herói nos moldes de Leonardo, 
das Memórias de um sargento de milícias, é ambiguamente 
qualificado como “um herói sem nenhum caráter”. Não que 
seja um mau-caráter – ele não tem nenhuma característica 
determinante: encarna uma variedade de personagens, ora 
boas, ora más, ora ingênuas, ora maliciosas. Macunaíma é 
ambíguo, do ponto de vista físico (é adulto e criança, homem 
e mulher, ser humano e animal, branco, negro e índio), 
psicológico (moral e amoral)29 e cultural (indeciso entre duas 
ordens de valores, não consegue harmonizar a cultura do 
Uraricoera, de onde proveio, à do progresso, onde 
ocasionalmente foi parar). No excerto a seguir, note a 
ambiguidade física: 
 
Então pegou na gamela cheia de caldo envenenado 
de aipim e jogou a lavagem no piá. Macunaíma fastou 
sarapantado mas só conseguiu livrar a cabeça, todo o resto 
do corpo se molhou. O herói deu um espirro e botou corpo. 
Foi desempenando crescendo fortificando e ficou do 
tamanho dum homem taludo. Porém a cabeça não molhada 
ficou pra sempre rombuda e com carinha enjoativa de piá. 
 
Mário de Andrade, op. cit., p. 16. 
 
É também “o herói de nossa gente”, figura lendária com os 
atributos do herói – um ser entre o humano e o mítico –, que 
enfrenta perigos e sofre mudanças extraordinárias. A partir 
do desejo de pensar o povo brasileiro, Mário de Andrade 
procura uma identidade “que, de tão plural [...], beira a 
surpresa e a indeterminação, daí ser o ‘herói sem nenhum 
caráter’”30. 
 
A fonte principal em que bebeu Mário de Andrade para 
escrever Macunaíma é Vom Roraima zum Orinoco, do 
etnógrafo alemão Theodor Koch-Grünberg, publicada em 
28 Consiste em repetir uma melodia dada, mudando a cada repetição 
um ou mais elementos constitutivos dela de forma que, apresentando 
uma fisionomia nova, ela permanece sempre reconhecível na sua 
variedade. 
29 Segundo Cavalcanti Proença, o que há em Macunaíma é uma sátira 
à imoralidade: “Macunaíma não é imoral nem amoral. Pertence, 
antes, à categoria de ‘seres nem culpados, nem inocentes, nem 
alegres, nem tristes, mas dotados daquela soberba indiferença que 
Platão ligava à sabedoria” (Roteiro de Macunaíma, 3 ed. Rio de 
Janeiro: Civilização Brasileira, 1974, p. 15). 
30 Alfredo Bosi. Situação de Macunaíma. Céu, inferno. São Paulo: Duas 
Cidades/Editora 34, 2003, p. 188. 
 
 Profª. Cristiane 
 Literatura 
 
Página 13 de 23 
cinco volumes, entre 1916 e 1924, de onde possivelmente 
extraiu o nome do herói: 
 
O próprio Koch-Grünberg, em sua “Introdução” ao 
volume, ressalta a ambiguidade do herói, dotado de poderes 
de criação e transformação, nutridor por excelência, ao 
mesmo tempo, todavia, malicioso e pérfido. Segundo o 
etnógrafo alemão, o nome do supremo herói tribal parece 
conter como parte essencial a palavra “maku”, que significa 
“mau” e o sufixo “ima”, “grande”. Assim, Macunaíma 
significaria “O Grande Mau”, nome – observa Grünberg – 
“que calha perfeitamente com o caráter do herói”. Por outro 
lado, os poderes criativos de Macunaíma levaram os 
missionários ingleses, em suas traduções da Bíblia para a 
língua indígena, a denominar o Deus cristão pelo nome do 
contraditório herói tribal, decisão que Koch-Grünberg 
comenta criticamente. 
 
Haroldo de Campos. Morfologia do Macunaíma. São Paulo: 
Perspectiva, 1972. 
 
Na primeira parte do livro, o herói vive nas margens do 
Uraricoera, na floresta amazônica, passando seu tempo na 
rede, entregue à sua preguiça, junto com seus irmãos ou 
“brincando”. Na segunda parte, sua procura pelo inimigo 
Venceslau Pietro Pietra, o gigante Piaimã comedor de gente, 
ladrão da Muiraquitã (talismã que Ci, a mãe do Mato, amante 
do herói, lhe dera antes de morrer), o leva à selva-de-pedra 
da megalópole industrial brasileira, São Paulo. Lá, consegue 
recuperar a muiraquitã e matar o Gigante Piaimã. Ao retornar 
à selva, quase é comido por piranhas, e seu talismã é 
engolido para sempre por um caimão. Inconsolável de seu 
destino, Macunaíma decide subir ao céu e virar ursa-maior. 
 
A narrativa se desenrola em tempo e espaço mágicos, numa 
atmosfera fantástica e maravilhosa. Numa dicção complexa 
– em que se pode notar pesquisa de palavras, termos e 
expressões características dos mais diversos recantos 
brasileiros –, Mário retoma processos de composição e de 
linguagem da narrativa oral-indígena ou arcaico-popular e 
alcança uma fusão entre a linguagem erudita e a popular 
jamais vista na literatura brasileira. 
 
Para Gilda de Mello e Souza, Macunaíma é a carnavalização 
do herói do romance de cavalaria: soberano e preguiçoso, 
vitorioso e escorraçado, esperto e ludibriado, retalhado e 
recomposto. É ainda medroso, mentiroso e curioso, uma 
verdadeira paródia do herói nobre medieval, guiado pelos 
sentimentos de coragem, lealdade, verdade, justiça e 
desprendimento. É uma leitura imprescindível para conhecer 
melhor a própria cultura brasileira. 
 
 
 
31 Originalmente, é o nome que se dá à pintura de origem 
popular que ignora valores acadêmicos e qualquer forma de 
erudição. Na França, o primitivismo ressurge em 1886, 
ressuscitado por artistas e intelectuais que deram ao movimento 
um caráter moderno. Influenciou especialmente os fauvistas, 
pintores renomados como Henri Matisse e a literatura 
modernista brasileira. 
32 “Sobre o poema-piada, frequente na fase heroica do Modernismo, 
cultivado por vários poetas, principalmente por Oswald de Andrade, 
Manuel Bandeira observa o seguinte: ‘Piadas... piadas como mais 
tarde as faria Murilo Mendes a propósito do rio Paraibuna e da Batalha 
de Itararé. Por essas e outras brincadeiras, estamos agora pagando 
2.4 - Oswald de Andrade: o grande agitador do 
Modernismo 
Canto de regresso à pátria 
Minha terra tem palmares 
Onde gorjeia o mar 
Os passarinhos daqui 
Não cantam como os de lá 
 
Minha terra tem mais rosas 
E quase que mais amores 
Minha terra tem mais ouro 
Minha terra tem mais terra 
 
Ouro terra amor e rosas 
Eu quero tudo de lá 
Não permita Deus que eu morra 
Sem que volte para lá 
 
Não permita Deus que eu morra 
Sem que volte pra São Paulo 
Sem que veja a Rua 15 
E o progresso de São Paulo 
 
Oswald de Andrade citado por Massaud Moisés. A literatura brasileira 
através dos textos. 21 ed. São Paulo: Cultrix, 1998, p. 403. 
É a partir da figura de Oswald de Andrade (1890-1954) que 
podemos analisar criticamente o legado do Modernismo 
paulista, já que foi ele que fez, do ponto de vista formal, a 
experiência vanguardista com ênfase no primitivismo31. 
Juntamente com Mário de Andrade, representou a ala 
inovadora e combativa do Modernismo. 
 
Apregoado na Poesia Pau-Brasil e no Manifesto 
Antropófago, o primitivismo de Oswald levou-o a uma 
interpretação fecunda da cultura brasileira a partir da 
destruição e recriação da cultura europeia. As influências que 
recebeu das vanguardas europeias (foi ele o responsável por 
trazer para o Brasil os movimentos de vanguarda, 
especialmente o Futurismo, de Marinetti) foram transpostas 
para a nossa literatura com inventividade original. De forma 
simples e sarcástica, capta o “primitivo” das primeiras fontes 
escritas da literatura nacional através de uma espontânea 
ingenuidade ou de um reverso malicioso, que mais tarde 
comporiam o perfil do brasileiro. 
 
Tem uma faceta polemizante e sarcástica que parece 
identificá-lo, expressa principalmente nos poemas, quase 
sempre prosaicos. De influência cubo-futurista, os poemas-
piada32 são característicos de um primeiro momento do autor 
e refletem a combatividade polêmica, a paródia e o 
vanguardismo de seu temperamento. O primeiro 
agrupamento destacado aqui da obra poética Pau-Brasil, 
caro, porque o ‘espírito da piada’, o ‘poema piada’ são tidos hoje por 
característico precípuo do Modernismo, como se toda a obra de 
MuriloMendes, de Mário de Andrade, de Carlos Drummond de 
Andrade e outros, inclusive eu, não passasse de um chocarrilho de 
piadas. Houve um poeta na geração de 22 que se exprimiu quase 
exclusivamente pela piada: Oswald de Andrade. Mas isso nele não era 
‘modernismo’: era, e continua sendo, o seu modo peculiar de 
expressão [...]. Mas quem negará a carga de poesia que há nas piadas 
de ‘Pau-Brasil’? E por que essa condenação da piada, como se a vida 
só fosse feita de momentos grandes ou se só neste houvesse teor 
poético?” (Manuel Bandeira apud José Aderaldo Castello, op. cit., p. 
147). 
 
 Profª. Cristiane 
 Literatura 
 
Página 14 de 23 
“História do Brasil”, contém, inicialmente, um releitura bem-
humorada da carta de Pero Vaz de Caminha. Depois, 
seguem alguns dos “Poemas da colonização”. 
 
Pero Vaz de Caminha 
 
A descoberta 
Seguimos nosso caminho por este mar de longo 
Até a oitava da Páscoa 
Topamos aves 
E houvemos vista de terra 
 
Os selvagens 
Mostraram-lhes uma galinha 
Quase haviam medo dela 
E não queriam pôr a mão 
E depois a tomaram como espantados 
 
As meninas da gare 
Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis 
Com cabelos mui pretos pelas espáduas 
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas 
Que de nós as muito bem olharmos 
Não tínhamos nenhuma vergonha 
 
Poemas da colonização 
O recruta 
O noivo da moça 
Foi para a guerra 
E prometeu se morresse 
Vir escutar ela tocar piano 
Mas ficou para sempre no Paraguai 
 
O gramático 
Os negros discutiam 
Que o cavalo sipantou 
Mas o que mais sabia 
Disse que era 
Sipantarrou. 
 
O capoeira 
– Qué apanhá sordado? 
– O quê? 
– Qué apanhá? 
Pernas e cabeças na calçada. 
 
Medo da senhora 
A escrava pegou a filhinha nascida 
Nas costas 
E se atirou no Paraíba 
Para que a criança não fosse judiada 
 
Senhor feudal 
Se Pedro Segundo 
Vier aqui 
Com história 
Eu boto ele na cadeia 
 
Seguem-se a esses conjuntos diversos outros que passam a 
ser o produto pessoal de observações diretas de um Brasil 
contemporâneo ao autor. Reproduzimos aqui alguns dos 
mais significativos. 
Vício na fala 
Para dizerem milho dizem mio 
Para melhor dizem mió 
Para pior pió 
Para telha dizem teia 
Para telhado dizem teiado 
E vão fazendo telhados 
 
Pronominais 
Dê-me um cigarro 
Diz a gramática 
Do professor e do aluno 
E do mulato sabido 
Mas o bom negro e o bom branco 
Da Nação Brasileira 
Dizem todos os dias 
Deixa disso camarada 
Me dá um cigarro 
 
Erro de português 
 
Quando o português chegou 
Debaixo de uma bruta chuva 
Vestiu o índio 
Que pena! 
Fosse uma manhã de sol 
O índio tinha despido 
O português. 
 
Leia agora a “falação” com que abre seu notável livro de 
poemas, uma espécie de “introdução à obra”: 
O Cabralismo. A civilização dos donatários. A Querência e a 
Exportação. O Carnaval. O Sertão e a Favela. Pau Brasil. 
Bárbaro e nosso. 
 
A formação étnica rica. A riqueza vegetal. O minério. A 
cozinha. O vatapá, o ouro e a dança. 
 
Toda a história da Penetração e a história comercial da 
América. Pau Brasil. 
 
Contra a fatalidade do primeiro branco aportado e 
dominando diplomaticamente as selvas selvagens. Citando 
Virgílio para os tupiniquins. O bacharel. 
 
País de dores anônimas. De doutores anônimos. Sociedade 
de náufragos eruditos. Donde a nunca exportação de 
poesia. A poesia emaranhada na cultura. Nos cipós das 
metrificações. 
 
Século vinte. Um estouro nos aprendimentos. Os homens 
que sabiam tudo se deformaram como babéis de borracha. 
Rebentaram de enciclopedismo. 
 
A poesia para os poetas. Alegria da ignorância que 
descobre. Pedr’Álvares. 
 
Uma sugestão de Blaise Cendrars: – Tendes as 
locomotivas cheias, ides partir. Um negro gira a manivela do 
desvio rotativo em que estais. O menor descuido vos fará 
partir na direção oposta ao vosso destino. 
 
Contra o gabinetismo, a palmilhação dos climas. 
 
A língua sem arcaísmos. Sem erudição. Natural e 
neológica. A contribuição milionária de todos os erros. 
 
Passara-se do naturalismo à pirogravura doméstica e à 
Kodak excursionista. Todas as meninas prendadas. 
Virtuoses de piano de manivela. 
As procissões saíram do bojo das fábricas. Foi preciso 
 
 Profª. Cristiane 
 Literatura 
 
Página 15 de 23 
desmanchar. A deformação através do impressionismo e do 
símbolo. O lirismo em folha. A apresentação dos materiais. 
 
A coincidência da primeira construção brasileira no 
movimento de reconstrução geral. Poesia Pau Brasil. 
 
Contra a argúcia naturalista, a síntese. Contra a cópia, a 
invenção e a surpresa. 
 
Uma perspectiva de outra ordem que a visual. O 
correspondente ao milagre físico em arte. Estrelas fechadas 
nos negativos fotográficos. 
 
E a sábia preguiça solar. A reza. A energia silenciosa. A 
hospitalidade. 
 
Bárbaros, pitorescos e crédulos. Pau Brasil. A floresta e a 
escola. A cozinha, o minério e a dança. A vegetação. Pau 
Brasil.33 
 
José Aderaldo Castello comenta esse excerto: 
A “falação” com que se abre o livro propõe 
enunciados sintéticos, telegráficos, como se fosse um 
despacho-aviso de urgência, revelador do Brasil, numa 
perspectiva abrangente das surpresas desde o 
descobrimento ao contemporâneo. O “primitivismo” não é 
simples postura vanguardista, e sim fundamento da 
compreensão e contribuição pessoal, em correspondência 
com o denominador comum – a brasilidade – do que então 
se discutia e se propunha literalmente. Em Oswald de 
Andrade, a proposta “Pau-Brasil” – brasilidade – 
individualiza-se à medida que ele subordina a inspiração 
criadora e a crítica ao reconhecimento implícito da ambição-
atração aventureira como um dos objetivos dos primórdios 
da nossa colonização, e em que reage pela ironia, 
irreverência, senso de humor, contra o sentimentalismo 
bovarista do século XIX. 
José Aderaldo Castello, op. cit., p. 142-143. 
Oswald chega a afirmar que “o primitivismo que na França 
aparecia como exotismo era para nós, no Brasil, primitivismo 
mesmo”34. 
Na opinião de Alfredo Bosi, sua obra em prosa carrega “o 
melhor e o pior do Modernismo”35. A experiência do romance 
informal seria o ponto alto de sua obra. Memórias 
sentimentais de João Miramar (1924) e Serafim Ponte-
Grande (1933) que, segundo Haroldo de Campos, é um 
grande “não livro”, são romances que correm paralelos às 
poéticas do “Pau-Brasil” e do “Manifesto Antropófago” no 
sentido de “satirizar [de forma corrosiva] o Brasil da 
‘aristocracia’ cafeeira aburguesada nas grandes capitais [...] 
mas nem uma nem outra deixa de ser o reflexo literário da 
mesma ‘modernidade’ mundana a que o escritor pertencia 
como filho (pródigo) da classe que ironiza”36. 
O estilo das Memórias sentimentais tem sido aclamado pela 
crítica estruturalista como uma revolução formal que pode 
ser comparada à da Pauliceia desvairada, de Mário de 
Andrade. Formado por “capítulos-instantes”, “capítulos-
relâmpagos”, em que se nota claramente a influência do 
 
33 Todos os poemas de Oswald de Andrade e a “Falação” foram 
extraídos do livro Pau-Brasil, edição comemorativa in: Caixa 
Modernista. São Paulo: Edusp / Editora UFMG / Imprensa Oficial, 
2003. 
cinema (devido à colagem rápida dos signos), é uma prosa 
caracterizada pelo uso das “palavras em liberdade” da 
Poesia Pau-Brasil, ou seja, na qual se confina a 
condensação poética. Vale-se do verso livre e do 
cubofuturismo para alcançar a total desarticulação da frase e 
uma nova maneira de dispor o texto ao se utilizar do espaço 
proporcionado pelo papel de forma inovadora. Nesse 
sentido, Oswald de Andrade pode ser considerado o 
precursor da poesia concreta, tema que estudaremos no 
último caderno. 
Leia dois capítulos das Memórias sentimentais e note o estilo 
telegráfico e o uso de neologismos, a influência das 
vanguardas europeias, a ruptura com a sintaxe tradicional

Continue navegando