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07 04 - (Segunda Geração Modernista)

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Profª. Cristiane 
 Literatura 
 
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Modernismo – Segunda Geração 
 
Segunda geração modernista no Brasil 
1. Prosa regionalista brasileira: a geração de 1930 
Reconhecer o novo sistema colonial posterior a 30 não resulta 
em cortar as linhas que articulam sua literatura com o 
Modernismo. Significa apenas ver novas configurações 
históricas a exigirem novas estruturas artísticas. 
Alfredo Bosi 
1.1 - Contexto histórico 
Com o fim da I Guerra Mundial (1914-1918), a crise econômica mundial e as mudanças na política, no 
pensamento, na arte e na literatura modificaram o estilo de vida do homem ocidental. Desde a sua virada, a século 
XX viu proliferarem vanguardas artísticas e passou por movimentos ideológicos1 e pragmáticos que mediam forças 
– como o anarquismo, o socialismo, o comunismo, o fascismo, o nazismo e o liberalismo –, pela expansão dos 
imperialismos, pela revolução do proletariado e pela instauração da bipolaridade entre capitalismo e socialismo. 
A crítica ao capitalismo passa a ser, para muitos intelectuais e artistas, inevitável, porque o sistema perpetuaria a 
desigualdade e as grandes injustiças do mundo. Assim, para entender o ideário que perpassa a literatura entre 
1930 e 1945, é preciso refletir sobre o próprio sistema capitalista. Tomemos como base ideias do professor 
Oswaldo Coggiola.2 
Muito sinteticamente, o capitalismo é um regime baseado na exploração do proletariado – o operário 
transforma a matéria-prima em valor de uso. Trabalhadores multiplicam sua força de trabalho (forças produtivas) 
e, com isso, criam mercadorias com valor de troca. O capitalista, dono dos meios de produção, compra a mão de 
obra operária, medindo sua produtividade pelo tempo de trabalho gasto para produzir. A mais-valia, que indica a 
exploração sofrida pelo trabalhador, é definida como a diferença entre o valor da mercadoria e o valor gasto pelo 
capitalista com máquinas, matérias-primas e salários, que daí obtém seu lucro. Assim, o processo de trabalho 
seria um suporte para a valorização da mercadoria, que tem valor de troca. Após a Revolução Industrial, o sistema 
capitalista passa a vigorar e, com o desenvolvimento dos meios de produção, a desigualdade social se acentua 
cada vez mais. 
No Brasil, o período que abrande toda a década de 1930 e os primeiros anos da década de 1940 se 
caracteriza pela ruína econômica da elite cafeeira paulista, pela ascensão da burguesia industrial, pelo 
crescimento do Partido Comunista e pelo populismo trabalhista de Getúlio Vargas. Tinha início o que os 
historiadores chamam de Era Vargas”, que perduraria de 1930 até 1945, com a deposição do presidente pelos 
militares. É uma época marcada pela Revolução Constitucionalista de 1932, pela Intentona Comunista de 1935, 
de caráter antifascista e antilatifundiário, e pela ditadura do Estado Novo, apoiada pela burguesia. Em 1942, o 
Brasil se alia aos Estados Unidos da América e declara guerra à Alemanha e à Itália. Em 1945, Vargas é deposto 
pelas Forças Armadas, e é extinto o Estado Novo. 
A consciência da luta de classes penetra em todos os lugares – inclusive na literatura –, com uma 
profundidade que ocasiona transformações importantes. 
Vejamos o que diz Antonio Candido sobre essa fase da história da literatura brasileira: 
A fase que vai de 1930 até o fim da II Guerra assistiu ao começo da grande mudança social econômica e 
cultural do Brasil, com o declínio das velhas oligarquias de base agrária e o ascenso da burguesia industrial, que 
passa lentamente aos controles do mando, ao mesmo tempo em que as classes médias crescem em volume e 
participação social, e o operariado entra na vida política em larga escala. Culturalmente, essa fase é rica e 
diversificada, inclusive com o estabelecimento das universidades, pois até então o Brasil só possuía escolas 
 
1 E o que é ideologia? Devemos ter cuidado ao usar essa palavra, pois ela tem diversas acepções. Em 1801, o autor Destutt 
de Tracy pretendia elaborar uma ciência da gênese das ideias e a utiliza pela primeira vez. Mais tarde, Auguste Comte voltou 
a empregá-la, quando elaborou uma concepção positivista de ideologia como “um conjunto de conhecimentos teóricos”. O 
termo ideológico reapareceria no capítulo II de Regras para o método sociológico, do filósofo Émile Durkheim, criador da 
Sociologia como ciência. Segundo ele, a regra fundamental da objetividade científica é a da separação entre sujeito do 
conhecimento e objeto do conhecimento – essa seria a única possibilidade de garantir o êxito do cientista social. Durkheim, 
portanto, considera “ideológico” todo conhecimento da sociedade que não esteja submetido aos critérios de objetividade 
científica que propõe. A filósofa brasileira Marilena Chauí, com participação importante no debate político atual, explica que 
a noção de ideologia, nos termos marxistas, pode ser entendida como um mascaramento da realidade social que permite a 
legitimação da exploração e da dominação. Seria ela a responsável por tomarmos o falso por verdadeiro, o injusto por justo. 
Para a autora, “ideologia não é sinônimo de subjetividade oposta à objetividade, não é pré-conceito nem pré-noção, mas 
sim um fato social justamente porque é produzida pelas relações sociais” (Marilena Chauí. O que é ideologia. 36 ed. São 
Paulo: Brasiliense, 1993) 
2 Oswaldo Coggiola. Introdução à teoria econômica marxista. São Paulo: Viramundo, 1998. 
 
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superiores isoladas de finalidade profissional imediata (Direito, Medicina, Engenharia, Farmácia, Agronomia etc.), 
algumas delas agrupadas sob a designação puramente nominal de universidade. Esta só aparece realmente em 
1934, com a de São Paulo, na qual pela primeira vez o ensino e a investigação foram concebidas como unidade 
orgânica, a partir de pesquisa desinteressada, tanto no domínio das ciências quanto no das humanidades. Foi só 
então que se estabeleceu no Brasil o ensino superior das Letras, da História, das Ciências Sociais; e isso 
repercutiu de modo positivo na história da crítica literária. 
Outro traço novo nessa fase foi a acentuada politização dos intelectuais, devido à presença das ideologias 
que atuavam na Europa e influíam em todo o mundo, sobretudo o comunismo e o fascismo. A isso se ligam a 
intensificação e a renovação dos estudos sobre o Brasil, cujo passado foi revisto à luz de novas posições teóricas, 
com desenvolvimento de investigações sobre o negro, as populações rurais, a imigração e o contato de culturas 
– graças à aplicação das correntes modernas de sociologia e antropologia, graças também ao marxismo e à 
filosofia da cultura, com o aparecimento de algumas obras de larga influência como Casa grande & senzala (1933), 
de Gilberto Freyre, Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda [...] e Formação do Brasil 
contemporâneo (1942), de Caio Pardo Júnior. 
Simultaneamente, desenvolveu-se a indústria do livro, inclusive com a formação de coleções especializadas 
de estudos brasileiros, num momento em que o país parecia analisar febrilmente seu espírito e seu corpo, em 
desenvolvimento rápido, para conhecer sua verdadeira natureza e traçar os rumos de seu destino. Alguns editores 
corajosos e clarividentes decidem-se, como Monteiro Lobato fizera antes, a editar novidades literárias brasileiras, 
sobretudo a narrativa, que tem nessa fase um momento de grande fecundidade e difusão. 
Antonio Candido. Iniciação à literatura brasileira. 3 ed. São Paulo: Humanitas/FFLCH-USP, 1999, p. 78-79. 
Na literatura, percebe-se uma crescente aceitação da nova estética proposta pelos modernistas da fase 
chamada “heroica” (1922-1930), período de luta pela implementação do espírito modernista na forma e no 
conteúdo das obras de arte. Vejamos, agora, o que ocorre com a literaturadesenvolvida entre os anos de 1930 e 
1945. 
1.2 - A segunda geração modernista brasileira segundo Lafetá 
Segundo o crítico literário João Luís Lafetá, devemos distinguir, na fase heroica do Modernismo brasileiro, o 
projeto estético do projeto ideológico. Para ele, a renovação dos meios e a ruptura com a linguagem tradicional – 
mudança da concepção da obra de arte como mimese, representação direta da natureza –, tão características da 
primeira geração, não traduzem necessariamente uma revolução ideológica, no âmbito da consciência do país e 
da busca de uma expressão artística nacional, caráter de classe de suas atitudes e produções. É bem verdade 
que há coincidências entre os projetos estético e ideológico: a experimentação de novas linguagens, a nova 
sintaxe, as imagens surpreendentes e os diversos temas tratados pelos poetas rompem com a ideologia oficial, 
ao valorizar ao folclórico, o popular e o cotidiano. Além disso, o surto industrial dos anos de guerra e o processo 
de urbanização por que passa o país, especialmente a cidade de São Paulo, revelam um novo Brasil. Comparando 
a fase heroica modernista com a que se segue à Revolução, percebemos uma diferença essencial: 
[...] enquanto na primeira a ênfase das discussões cai predominantemente no projeto estético (isto é, o que 
se discute principalmente é a linguagem), na segunda, a ênfase é sobre o projeto ideológico (isto é, discutem-se 
a função da literatura, o papel do escritor, as ligações da ideologia com a arte). [...] 
Na fase de conscientização política, de literatura participante e de combate, o projeto ideológico colore o 
projeto estético imprimindo-lhe novos matizes que, se por um lado possibilitam realizações felizes como as já 
citadas, por outro lado desviam o conjunto da produção literária da linha de intensa experimentação que vinha 
seguindo e acabam por destruí-la do sentido mais íntimo de modernidade. [...] 
Incorporando processos fundamentais do Modernismo tais como a linguagem despida, o tom coloquial e a 
presença do popular, esse tipo de narrativa mantém, entretanto, um arcabouço neonaturalista que, se é eficaz 
como registro e protesto contra as injustiças sociais, mostra-se esteticamente muito pouco inventivo e pouco 
revolucionário. Colocados ao lado de Serafim Ponte Grande (escrito em 1928, embora publicado em 1933) ou 
Macunaíma, deixam entrever a pequena audácia e a curta modernidade de seus esquemas. [...] 
A tensão que se estabelece entre o projeto estético da vanguarda (a ruptura da linguagem através do 
desnudamento dos procedimentos, a criação de novos códigos, a atitude de abertura e de autorreflexão contidas 
no interior da própria obra) e o projeto ideológico imposto pela luta política) vai ser o ponto em torno do qual se 
desenvolverá a nossa literatura por essa época. 
João Luís Lafetá. Estética e ideologia: o Modernismo em 30. A dimensão da noite. São Paulo: Duas 
Cidades/Editora 34, 2004, p. 64 - 70. 
 
 
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Foto: Sebastião Salgado 
Nesse período, se redescobrem as “regiões” como tema das manifestações artísticas. Assim como José de 
Alencar em O sertanejo e Euclides da Cunha em Os sertões, os autores dessa fase do Modernismo brasileiro, 
especialmente os romancistas, concentram seus esforços em denunciar as diferenças sociais e a opressão do 
ambiente, da sociedade e do governo sofridas pelo homem comum. Alfredo Bosi chamaria os decênios de 1930 
e de 1940 de “a era do romance brasileiro”. 
Alguns escritores e intelectuais de esquerda, que mostram a figura do proletário, do camponês e/ou do 
marginalizado em geral, se destacaram na literatura regionalista modernista brasileira, a que muitos chamaram 
de “neorrealista”, pelo caráter cientificista e engajado que assumiu. Nesta aula, estudaremos o que talvez tenha 
sido o maior deles: Graciliano Ramos. 
1.3 - Graciliano Ramos (1892-1853) 
Abro a torneira, molho os pés. Às vezes passo uma semana compondo esse livro 
que vai ter grande êxito e acaba traduzido em línguas distantes. Mas isto me 
enerva. Ando no mundo da lua. Quando saio de casa, não vejo os conhecidos. 
Chego atrasado à repartição. Escrevo omitindo palavras, e se alguém me fala, 
acontece-me responder verdadeiros contrassensos. Para limitar-me às práticas 
ordinárias, necessito esforço enorme, e isso é doloroso. Não consigo voltar a ser o 
Luís da Silva de todos os dias. Olham-me surpreendidos: naturalmente digo tolices, 
sinto que tenho um ar apalermado. Tento reprimir essas crises de megalomania, 
luto desesperadamente para afastá-las. Não me dão prazer: excitam-me e abatem-
me. Felizmente passam meses sem que isso me apareça. 
Graciliano Ramos. Angústia 
 
Autorretrato aos 56 anos 
Nasceu em 1892, em Quebrângulo, Alagoas. 
Casado duas vezes, tem sete filhos. 
Altura 1,75. 
Sapato n. 41. 
Colarinho n. 39. 
Prefere não andar. 
Não gosta de vizinhos. 
Detesta rádio, telefone e campainhas. 
Tem horror às pessoas que falam alto. 
Usa óculos. Meio calvo. 
Não tem preferência por nenhuma comida. 
Não gosta de frutas nem de doces. 
Indiferente à música. 
Sua leitura predileta: a Bíblia. 
Escreveu Caetés com 34 anos de idade. 
Não dá preferência a nenhum dos seus livros publicados. 
Gosta de beber aguardente. 
É ateu. Indiferente à Academia. 
Odeia a burguesia. Adora crianças. 
Romancistas brasileiros que mais lhe agradam: Manoel Antônio de Almeida, Machado de Assis, Jorge 
Amado, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz. 
http://www.graciliano.com.br/quebrangulo.html
http://www.graciliano.com.br/sete_filhos.html
http://www.graciliano.com.br/caetes40anos.html
 
 Profª. Cristiane 
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Gosta de palavrões escritos e falados. 
Deseja a morte do capitalismo. 
Escreveu seus livros pela manhã. 
Fuma cigarros “Selma” (três maços por dia). 
É inspetor de ensino, trabalha no Correio do Manhã. 
Apesar de o acharem pessimista, discorda de tudo. 
Só tem cinco ternos de roupa, estragados. 
Refaz seus romances várias vezes. 
Esteve preso duas vezes. 
É-Ihe indiferente estar preso ou solto. 
Escreve a mão. 
Seus maiores amigos: Capitão Lobo,3 Cubano,4 José Lins do Rego e José Olympio. 
Tem poucas dívidas. 
Quando prefeito de uma cidade do interior, soltava os presos para construírem estradas. 
Espera morrer com 57 anos.5 
Diferentemente de outros autores regionalistas da época (alguns dos quais estudaremos na próxima 
aula), Graciliano Ramos constrói personagens que representam, de modo geral, a face angulosa da dor e 
denunciam, a partir da ótica de uma cultura local (nordestina, no caso) uma situação cuja raiz é sempre a falta ou 
a dependência. A paisagem social se integra à paisagem íntima de tal forma que podemos considerá-lo, segundo 
Alfredo Bosi, o ponto mais alto da tensão entre o eu do escritor e a sociedade que o formou. É assim que o autor 
de Vidas secas se destaca dos demais – usando o romance como um campo de invenção, e não apenas como 
forma de denúncia social. Nunca se contentou em imitar os modelos dos romances do fim do século XIX; sua obra 
tem fortes acentos introspectivos. Segundo Bosi: 
O realismo de Graciliano Ramos não é orgânico nem espontâneo. É crítico. O “herói” é sempre um 
problema: não aceita o mundo, nem os outros, nem a si mesmo. Sofrendo pelas distâncias que o separam da 
placenta familiar ou grupal, introjeta o conflito numa conduta de extrema dureza, que é sua única máscara possível. 
E o romancista encontra no trato analítico dessa máscara a melhor forma de fixar as tensões sociais como 
“primeiro motor” de todos os comportamentos. Essa a grande conquista de Graciliano: superar na montagem do 
protagonista (verdadeiro “primeiro lutador”) o estágio no qual seguem caminhos opostos o “painel da sociedade” 
e a sondagem moral. Daí parecerprecária, se não falsa, a nota de regionalismo que se costuma dar a obras em 
tudo universais como São Bernardo e Vidas secas. Nelas, a paisagem capta-se menos por descrições miúdas 
que por uma série de “tomadas” cortantes; e a natureza interessa ao romancista só enquanto propõe o momento 
da realidade hostil a que a personagem responderá como lutador em São Bernardo, retirante em Vidas Secas e 
suicida em Angústia. 
Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira. 3 ed. São Paulo: Cultrix, 1995, p. 454. 
 Dono de um estilo impecável, perfeccionista, chegou a afirmar sobre a linguagem de suas obras: 
Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam 
com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no 
novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxaguam, dão mais 
uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida 
e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas 
dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. 
Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar 
como ouro falso; a palavra foi feita para dizer. 
http://www.paralerepensar.com.br/graciliano.htm 
Graciliano Ramos escreveu livros significativos para a história da literatura brasileira. Romances como 
Caetés (1933), São Bernardo (1934), Angústia (1936) e Vidas secas (1938), obras memorialísticas como Infância 
(1945) e Memórias do cárcere (1953) e o livro de contos Insônia fazem parte do imortal conjunto da obra do autor. 
 
 
3 Comandante do quartel em que esteve preso no Recife por ter sido considerado “subversivo” pelo Estado. O período de 
prisão serviu como inspiração a Memórias do cárcere. 
4 Ladrão que conheceu na cadeia, com quem travou amizade. 
5 Graciliano Ramos morreu aos 60 anos de idade. 
http://www.graciliano.com.br/pc.html
http://www.graciliano.com.br/pelamanha.html
http://www.graciliano.com.br/selma.html
http://www.graciliano.com.br/amao.html
http://www.graciliano.com.br/cubano.html
http://www.graciliano.com.br/prefeito.html
 
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1.4 – Rachel de Queirós 
Conheça um pouco da obra de Rachel de Queiroz, um dos maiores nomes do Modernismo regionalista brasileiro. 
 Dois anos depois de A bagaceira, surgiu Rachel de Queiroz com O quinze, romance que por sua vez 
retomava a temática da seca. [...] O convívio literário direto de Rachel de Queiroz foi pelos anos 1930 com 
Graciliano Ramos e José Lins do Rego e um grupo formado em Alagoas, década em que ela lança seus quatro 
romances, que distribuímos em dois pares – O quinze e João Miguel e Caminhos de pedra e As três Marias. Anos 
mais tarde, lançou o quinto – Dora, Doralina –, seguido de Galo de ouro e finalmente Memorial de Maria Moura. 
 No primeiro par, o procedimento da narradora é essencialmente regionalista. [...] Em Rachel de Queiroz, 
a força recriadora se reveste de penetração psicológica, além do despojamento da linguagem. Dela, e de outros 
romancistas de 30, do Nordeste, não se pode mais dizer que realizou obra regionalista de simples observação 
direta ou indireta, seduzida apenas pela abordagem das exterioridades. Ressalta-se com essa narradora a 
condição do sertanejo marcado por intenso sentimento trágico da vida, como se ele vivesse em permanente 
purificação. Vive mais tragédia do que drama, contido pela aceitação fatalista, que se confunde com resignação. 
 O segundo par de narrativas escapa ao condicionamento regionalista. Reflete, igualmente, aquele 
sentimento fatalista de condição humana. E talvez esteja aí a razão pela qual em Caminhos de pedra a autora a 
rigor não se restringiu ao comprometimento político militante de então. Mesmo assim, é um autêntico romance 
engageé, entre tantos outros escritos quando se intensificaram o movimento comunista ou as posições socialistas 
entre nós. E Rachel de Queiroz reflete sobre uma realidade observada e sentida. Ao lado do engajamento político, 
reconhecemos na narrativa o drama sentimental amoroso, envolvendo profunda revolução de valores num meio 
provinciano, talvez mais forte do que aquele outro, objetivo, embora em função dele. Traduz o ideal da 
emancipação plena da mulher, preocupação que marcaria mais intensamente o romance seguinte – As três 
Marias, que também apresenta seu lado “comprometido”. E com maior autenticidade, fundamentada na 
experiência inicial de três adolescentes, num internato feminino, de onde se lançam com as armas da doce fantasia 
contra a vida que até então fora apenas entrevista. Mais do que no romance anterior, coloca-se o problema da 
emancipação da mulher, envolvendo a vida amorosa, a posição social e os inevitáveis conflitos de valores. Nele, 
a personagem se desprende de laços familiares, na província, buscando a metrópole distante para, independente, 
conquistar identidade e entregar-se a sua trajetória de vida. Realiza uma fuga libertadora, não importa se 
dramática ou sofrida, como mais tarde, em Dora, Doralina, a empreenderia a heroína deste outro romance. 
 Com Memorial de Maria Moura, Rachel de Queiroz mais uma vez se destaca como criadora de figuras 
femininas. A protagonista que dá nome à narrativa, ganha vulto à medida que se desenrolam suas andanças, 
desde a fuga aos opressores, a seguir progressivamente se fazendo bandoleira e guerreira, até fixar-se e proteger-
se em fortificação que constrói. Revela-se a vocação de matriarca rude e dominadora. Contudo, não consegue 
controlar o impulso da feminilidade, entregando-se ao vilão que a subjuga e consequentemente a seduz. Traída e 
desrespeitada, decide justiçá-lo. Mas essa vingança se reverte em sua autoimolação: embora sob aparato triunfal, 
mas sem perspectiva de sucesso, ela parte para o último assalto. Restar-lhe-ia, porém, in memoriam, a vitória da 
reconquista da dignidade e do autorrespeito, que tinham sido ameaçados. 
 Ambienta-se no sertão-deserto, com escassos e distantes pontos de presença humana, focos de 
concentração de poder arbitrário e defesa contra assaltos. Tempo e espaço restam indiscriminados, ao azar da 
aventura de quem se arrisca ou de quem domina. Evoca-se uma etapa um tanto indefinida de fixação pelo Brasil 
interior adentro. Podemos admitir, porém, aquela configuração de espaço e tempo correspondentes aos sertões 
do Nordeste dos primórdios de penetração, desbravadora, de aventuras e impunidades. Nesse panorama de ação, 
o processo narrativo é bem adequado. Sobretudo, pelos primeiros capítulos, autônomos, em cortes verticais de 
ação, mas sem isolá-la, quer dizer, seccioná-la, graças à presença da heroína, fixada em momentos sucessivos, 
que se justapõem, demarcando sua evolução. A ação se reduz a ela, quer dizer, ao que emana dela e converge 
para ela, até o clímax dos capítulos finais, armando o desfecho da trajetória. A palavra memorial, do título, é pois 
sugestiva. Evoca procedimentos das novelas de cavalaria: reconstituição do herói ou da heroína, seja 
retransmitido, mas sempre restrito ao ângulo de visão do protagonista, compondo e aglutinando sagas em 
determinado espaço e tempo históricos. 
 Com Memorial de Maria Moura, mais uma de nossas narrativas retroage ao universo interiorano de nossa 
formação, primeiramente entrevisto no Romantismo, com O sertanejo, de Alencar, ampliado por modernistas como 
Érico Veríssimo (O tempo e o vento), Jorge Amado (Terras do Sem Fim), Guimarães Rosa (Grande sertão: 
veredas) e outras colocações já voltadas para a contemporaneidade. 
José Aderaldo Castello. A literatura brasileira: origens e unidade. V. II. São Paulo: Edusp, 1999, p. 276-280.1.5 - José Lins do Rego: memória e ficção 
A obra de José Lins do Rego tende ao memorialismo. Neto de senhor de engenho, passou a infância na 
fazenda do avô, experiência que levou o autor a compor em seus primeiros cinco romances, sobre uma mesma 
temática e que se passam em uma mesma ambientação: Menino de engenho (1932), Doidinho (1933), Banguê 
 
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(1934), O Moleque Ricardo (1935) e Usina (1936), os quais compõem o “ciclo da cana-de-açúcar” – designação 
que partiu do autor – juntamente com a sua obra-síntese, Fogo Morto (1943). O universo desses romances, 
ambientados no Nordeste brasileiro, retratam uma fase aguda de mudança: a decadência dos engenhos de cana-
de-açúcar. Neles, investiga-se “o abalo de estruturas de uma sociedade rural aristocratizante, latifundiária e 
escravocrata”6. A crítica enxerga no autor uma proximidade com o neorromantismo nostálgico de Gilberto Freire 
em Casa-Grande e Senzala7. Alfredo Bosi acredita que a tensão entre autor e realidade estabelecida por Lins do 
Rego é menos consciente do que a testemunhada por Graciliano Ramos: 
O autor de O Doidinho está, em tese, a pouca distância do universo afetivo que o viu crescer.A sua vida 
espiritual é um assíduo retorno à paisagem do Engenho Santa Rosa, ao avô, o mítico senhor de engenho Coronel 
Zé Paulino, às histórias noturnas contadas pelas escravas, amas-de-leite, às angústias sexuais da puberdade, 
enfim ao mal-estar que o desfazer-se de todo um estilo de vida iria gerar na consciência do herdeiro inepto e 
sonhador. Não são memórias e observações de um menino qualquer, mas de um menino de engenho, feito á 
imagem e semelhança de um mundo que, prestes a desagregar-se, conjura todas as forças de resistência emotiva 
e fecha-se na autofruição de um tempo sem amanhã. 
Alfredo Bosi, História concisa da literatura brasileira. 3 ed, São Paulo: Cultrix, 1995, p. 450. 
 
Dotado de uma linguagem forte, da poética da oralidade, do “espontaneísmo”, Lins do Rego utilizou-se mais 
da função referencial da linguagem do que da poética, apesar do lirismo inerente às suas obras. Soube fundir o 
registro intenso da vida nordestina vista sob os olhos da aristocracia decadente aos homens e mulheres que 
representam a gama étnica e social da região nordestina. Tem um estilo transparente na medida em que faz com 
que o leitor se atente mais aos objetos de que trata (no geral, o engenho e a sua contribuição para a formação do 
povo nordestino) do que à construção da frase. A obra-prima de Lins do Rego é, sem dúvida, Fogo Morto, com a 
qual fecha o ciclo da cana-de-açúcar. 
Retrato de uma sociedade decadente, marcada pelo desajuste e pela revolta, Fogo Morto harmoniza memória 
e ficção. Uma personagem coletiva, o engenho Santa Fé, será o objeto da análise do romancista, retratado desde 
a sua fundação até o seu declínio. A expressão “fogo morto” é utilizada no Nordeste para designar os engenhos 
inativos. Com feição realista (o autor produz um detalhado levantamento da vida social e psicológica dos engenhos 
da Paraíba) a obra é dividida em três partes: “O mestre José Amaro”, seleiro morador do engenho de Santa-Fé 
que pressente a morte como próxima, “O Engenho de Seu Lula”, parte que decorre da primeira na medida em 
que, por meio de flash-backs, traça os antecedentes da situação de José Amaro e “O Capitão Vitorino”, parte 
conclusiva da obra que narra as aventuras de capitão Vitorino, lunático e sonhador, a personagem mais gloriosa 
do romance, cujo destino se confunde com o destino do próprio engenho. Em todas as partes, porém, fala-se de 
todos os integrantes, predominando aquele que leva o nome do título do capítulo. 
Apesar da paisagem externa ser muito importante, há, no livro, uma forte investigação psicológica, revelada 
por meio de um narrador em terceira pessoa onisciente que se utiliza do discurso indireto livre e do monólogo 
interior para compor a vida interior das personagens. 
Acompanhe, agora, um trecho do segundo capítulo da primeira parte de Fogo Morto e mergulhe no universo 
dos engenhos de cana-de-açúcar de José Lins do Rego. 
 Entrava um vento bom da noite para a casa do seleiro. Cheiravam as flores do bogari, cheiravam as 
cajazeiras, o jasmim-do-céu se abria para a lua que botava a cabeça de fora. 
- É lua cheia hoje? 
- É. Você não viu o compadre Vitorino como estava? 
Foram os dois para a porta da casa. E viram o céu estrelado, e a paz do mundo, do grande mundo calado. 
Um cachorro começava a latir, latia com desadoro, e por fim lançava uivos de uma dor profunda. 
- Aquilo é para a lua.. Está sofrendo muito. 
Uma nuvem cobriu o céu e tudo ficou escuro. De repente o mundo se clareou outra vez, em luz branca. 
- Zeca, olha o sereno. Isto vai dar tosse. 
 
6 José Aderaldo Castello, A literatura brasileira – origens e unidade. Vol. II, São Paulo: Edusp, 1999, p. 288. 
7 Gilberto Freire foi um dos organizadores do Congresso regionalista do Recife, que, em 1926, apresentou um grande 
projeto de estudo e compreensão da sociedade local. 
 
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O mestre fechou a janela. 
- Está entrando muito mosquito. Vou andar um pouco. 
E saiu. 
- Toma cuidado com o sereno, Zeca. 
O seleiro estava possuído de paz, de terna tristeza; ia ver a lua, por cima das cajazeiras, banhando de leite 
as várzeas do Coronel Lula de Holanda. Foi andando de estrada afora, queria estar só, viver só, sentir tudo só. A 
noite convidava-o para andar. Era o que nunca fazia. Vivia pegado naquele tamborete, como negro no tranco. E 
foi andando. Mais para perto da casa de Lucindo Carreiro, parou um pouco. Vinha vindo um vulto de branco. 
Esperou que ele passasse. Era um portador do Santa Rosa, o negro José Guedes. 
- Boa noite, mestre Zé; procurando alguma coisa? 
-Andando, estirando as pernas. 
O negro se foi. Na lagoa, a saparia enchia o mundo de um gemer sem fim. E os vagalumes rastejavam no 
chão com medo da lua. Tudo era tão bonito, tão diferente da sua casa. Quis andar para mais longe. E se deixasse 
a estrada? Ganhou pelo atalho que ia para o rio. E deprou com a negra Margarida, que ia pescar. 
- Que faz por aqui, mestre José Amaro? 
Deu uma desculpa qualquer e voltou para o outro lado. Cheirava toda a terra. Era cheiro de flores abertas, 
era cheiro de fruta madura. O mestre José Amaro foi voltando para a casa como se tivesse descoberto um mundo 
novo. Quando chegou, a mulher já estava com medo: 
- Que foste fazer a esta hora, Zeca? Só quem está aluado! 
Calou-se, fechou a porta de casa e foi para a rede com o coração de outro homem. Não dormiu. Ouvia tudo 
que vinha lá de fora. Ouviu o ressonar da filha. O que é que havia com ela? Lembrou-se então do sangue do preá, 
sujando o verde do capim. O cheiro de sola nova enchia a casa. O mestre José Amaro via a lua muito branca 
entrando pelas telhas. E dormiu com as réstias que lhe pontilhavam o quarto. Sinhá roncava como os porcos no 
chiqueiro. 
No outro dia corria por toda a parte que o mestre José Amaro estava virando lobisomem. Fora encontrado 
pelo mato, na espreita da hora do diabo; tinham visto sangue de gente na porta dele. 
José Lins do Rego, Fogo Morto. 
1.6 - O regionalismo espontâneo de Jorge Amado 
 Jorge Amado é um dos autores mais lidos do Brasil, talvez por ser um cronista de tensões mínimas que 
soube criar histórias facilmente comunicáveis. Dotado de uma linguagem fácil, espontânea, aparentemente sem 
grandes elaborações estilísticas, é um contador de histórias regionais voltadas para os marginais, pescadores e 
marinheiros de sua terra natal, a Bahia. A oralidade é marca tão forte em suas obras que alguns críticos chegam 
a considerá-la descuido formal. Suas personagens, tipos folclóricos ouestereótipos, são românticas e sensuais; 
seus protagonistas, exemplos de atitudes vitais. A intencionalidade política ou ideológica foi pelo autor 
amplamente debatida, especialmente nas obras da primeira fase de sua carreira literária. Para Alfredo Bosi, 
 [...]Na sua obra podem-se distinguir: 
a) Um primeiro momento de águas fortes da vida baiana, rural e citadina (Cacau, Suor) que lhe deram a 
fórmula de “romance proletário”; 
b) Depoimentos líricos, isto é, sentimentais, espraiados em torno de rixas e amores marinheiros (Jubiabá, 
Mar Morto, Capitães da Areia); 
c) Um grupo de escritos e pregação partidária (O Cavaleiro da Esperança, O Mundo da Paz); 
d) Alguns grandes afrescos da região do cacau, certamente suas invenções mais felizes, que anima de tom 
épico as lutas entre coronéis e exportadores (Terras do Sem Fim, São Jorge dos Ilhéus) ; 
e) [...] crônicas amaneiradas de costumes provincianos (Gabriela, Cravo e Canela, Dona Flor e seus dois 
maridos). Nessa linha, formam uma obra à parte, menos pelo espírito que pela inflexão acadêmica do 
estilo, as novelas reunidas em Os Velhos Marinheiros. Na última fase abandonam-se os esquemas de 
 
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literatura ideológica que nortearam os romances de 30 e 40; e tudo se dissolve no pitoresco, no 
“saboroso”, no apimentado do regional. 
Alfredo Bosi, História concisa da literatura brasileira. 3 ed, São Paulo: Cultrix, 1995, p. 459. 
 O crítico literário José Aderaldo Castello enxerga duas fases na literatura de Jorge Amado. Uma 
primeira, marcada por um acentuado compromisso político de esquerda, caso em que se insere o 
comovente romance Capitães da Areia (1937), sobre o qual falaremos a seguir. Uma segunda, a partir 
de Gabriela, Cravo e Canela (1958), exprimiria um dos aspectos mais importantes da obra do autor, o 
picaresco: 
 [...] Jorge Amado se confirma então extraordinário narrador, capaz de disfarçar efeitos eróticos 
mais fortes, de múltiplas práticas, inclusive a violência, e até mesmo de atenuar a visão do problema da 
prostituição na região e em Salvador em ostensiva afronta às aparências de pudor e severidade de 
costumes da sociedade. São enfoques que se tornam constantes dominantes, repetitivas, em romances 
sobretudo da segunda fase. O sexo se apresenta de tal maneira absorvente que reduz o processo de 
narrar quase que essencialmente à sua predominância, se não fosse certa preocupação de crítica 
caricaturesca a matrizes ou do sertão ou do litoral baiano e da capital – Salvador, por onde se distribuem 
os espaços das narrativas. 
 Tudo isso, em suma, resulta na saturação da obra como um todo, que poderia ter sido menos 
prolixa, contornando a repetição e evitando as suas desigualdades. Mas digamos que tal procedimento, 
passo a passo com a espontaneidade do escritor, pode ser melhor avaliado em função do conjunto 
sempre voltado para o mesmo universo que, porém, se de grande riqueza humana, repleto de problemas 
sociais, de beleza lírica e de comunicação aberta, espontânea, não seria inesgotável. Devemos 
considerar, também, que “repetir”, em criação, não consiste em fazer igual ao que foi feito antes. Assim, 
o fato de retomar situações e contexto de uma obra já realizada não é propriamente repeti-la, uma vez 
que resulte em uma nova abordagem, renovadora e enriquecedora. 
José Aderaldo Castello, A literatura brasileira – origens e unidade. Vol. II, São Paulo: Edusp, 1999, p. 
288. 
1.7 – Érico Veríssimo 
 
Conheça um pouco mais sobre a obra de Érico Veríssimo (1905 – 1975), o maior nome da prosa regionalista 
sulista do nosso país. 
 Só há um romancista brasileiro que partilha com Jorge Amado o êxito maciço junto ao público: Érico 
Veríssimo. E, apesar disso, ou por isso mesmo, a sua obra tem conhecido amiúde reservas da crítica mais 
sofisticada. A propósito, disse com acerto Wilson Martins: 
 Se, em geral, na história do Modernismo, o espetáculo mais comum é o de escritores superestimados 
(mesmo pelo que teriam representado na eclosão ou na evolução do Movimento), Érico Veríssimo seria o exemplo 
único do escritor subestimado, à espera dos grandes ensaios críticos, das análises exaustivas e do 
“reconhecimento” do que efetivamente representa. 
 Para compor a saga da pequena burguesia gaúcha depois de 1930, o romancista buscou realizar um 
meio-termo entre a crônica de costumes e a notação intimista. A linguagem com que resolveu esse compromisso 
é discretamente impressionista, caminhando por períodos breves, justaposições de sintaxe, palavras comuns e, 
forçosamente, lugares-comuns de psicologia do cotidiano. A aparente frouxidão que adveio da fórmula encontrada 
pareceu a certos leitores sinal de superficialidade. Mas era, na verdade, o meio ideal de não perder nenhum dos 
pólos de interesse que atraíam a personalidade de Érico Veríssimo: o tempo histórico do ambiente e o fluxo de 
consciência das personagens. Caso o escritor se tivesse definido, de chofre, pelo mural da vida provinciana, teria 
feito, desde o decênio de 30, o ciclo épico que construiria nos anos de 50; caso se fixasse apenas na 
espiritualidade da criaturas, teria esvaziado a sua ficção da carga de conflitos objetivos que dela fizeram um dos 
mais límpidos espelhos da vida sulina. 
 Não se trata, aqui, de fechar os olhos aos evidentes defeitos de fatura que mancham a prosa do 
romancista: repetições abusivas, incerteza na concepção de protagonistas, uso convencional da linguagem... ; 
trata-se de compreender o nexo de intenção e a forma que os seus romances lograram estabelecer quando 
atingiram o social médio pelo psicológico médio. E era necessário que a nossa literatura conhecesse também a 
planície ou, valha a metáfora, as modestas elevações da coxilha. 
 A mediedade (não confundir com “mediocridade”) dessa ficção nos deu figuras humanas representativas, 
mas não rígidas.O frescor de Clarissa toda entregue a seus sonhos de adolescente e incapaz de entender as 
 
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razões objetivas da infelicidade familiar; a rebeldia e o topete de Vasco, enxerto de imigrante rejeitado no velho 
tronco em declínio; o mundo alienado do jovem intelectual e pequeno-burguês que é Noel: tudo isso poderia virar 
estereótipo a qualquer momento, não fosse o dom que tem o escritor de colher com extrema naturalidade os 
estados de alma díspares de cada personagem. E a técnica do contraponto, aprendida em Huxley, veio ajudá-lo 
a passar rapidamente de uma situação a outra, salvando-se de um escolho que lhe seria fatal: o ter que submeter 
a análises mais profundas as tensões internas dos protagonistas. Assim, o cronista feliz impediu que aparecesse 
um mau intimista. 
 Fruto da mesma intuição das suas reais possibilidades criadoras, foi a passagem que Veríssimo realizou 
do corte sincrônico dos primeiros romances para o vasto painel diacrônico de O Tempo e o Vento. Neste ciclo o 
contraponto serve para apresentar o jogo das gerações: portugueses e castelhanos nos tempos coloniais; farrapos 
e imperiais durante as lutas separatistas; margatos e florianistas sob a Revolta da Armada, em 1893. A história 
de duas famílias, os Terra Cambará e os Amaral, atravessando dois séculos de vida perigosa, é o fio romanesco 
que une os episódios do ciclo e embasa as manifestações de orgulho, de ódio, de amor e de fidelidade; paixões 
que assumem uma dimensão transindividual e fundem-se na história maior da comunidade. 
 Em [...] O Prisioneiro e O Senhor Embaixador, Veríssimo afasta-se da temática sulina e volta-se para um 
tipo novo de romance, político-internacional, mantendo, porém, intacto aquele seu cálido liberalismo socializante, 
que é a suma ideológica da relação que sempre estabeleceu com o próximo. 
Alfredo Bosi, História concisa da literatura brasileira.3 ed, São Paulo: Cultrix, 1995, p. 459 – 462. 
2. Poesia da segunda geração modernista 
 É difícil identificar um tema comum que perpasse a obra dos poetas dessa segunda fase modernista. 
Mas, de alguma maneira, todos buscam o “aprofundamento da lírica moderna no seu ritmo oscilante entre o 
fechamento e a abertura do eu à sociedade e à natureza.”8 Tematizaram a crise da sociedade contemporânea: o 
problema da miséria e da exploração do homem, a dor da existência, a solidão. De modo geral, marxismo, 
psicanálise, surrealismo, existencialismo e cristianismo embasam os poetas da geração de 1930 que, com 
exceção de Carlos Drummond de Andrade, reatualizam alguns princípios românticos como a sensibilidade 
religiosa, o sonho e o escapismo. 
 
2.1 - Vinicius de Moraes (1913-1980) 
Olhe somente a vida dos meus versos 
Que a vida dos meus versos – é a minha vida. 
Vinicius de Moraes 
O mais popular entre todos os poetas dessa geração, autor de famosas composições de música popular 
brasileira, Vinicius não aparenta ter preocupações teóricas com as poéticas de vanguarda. Usufrui de liberdades 
já conquistadas pela primeira geração modernista – o que se faz notar pelo uso frequente de versos longos e 
discursivos –, mas também constrói versos curtos de estrofação regular e, talvez sua maior realização, sonetos. 
Seus primeiros livros apresentam uma religiosidade neossimbolista, mas, por ser a individualidade marca de sua 
obra, o sentimento religioso é perpassado pela presença lírico-erótica da mulher. Assim, as angústias do pecador 
contrastam-se com os despejos do libertino, e a mulher é encarada como marca do pecado. Uma segunda fase 
de sua carreira se caracteriza pela valorização do trabalho humano e pela “consciência capaz de ver e denunciar”.9 
Leia o poema abaixo e note a aproximação do mundo material e dos problemas sociais que sofreu o poeta nessa 
fase de sua carreira literária. 
Operário em construção 
Era ele que erguia casas 
Onde antes só havia chão. 
Como um pássaro sem asas 
Ele subia com as casas 
Que lhe brotavam da mão. 
Mas tudo desconhecia 
De sua grande missão: 
Não sabia, por exemplo 
 
8 Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira. 3 ed. São Paulo: Cultrix, 1995, p. 434. 
9 Alfredo Bosi, op. cit., p. 514. 
 
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Que a casa de um homem é um templo 
Um templo sem religião 
Como tampouco sabia 
Que a casa que ele fazia 
Sendo a sua liberdade 
Era a sua escravidão. 
 
De fato, como podia 
Um operário em construção 
Compreender por que um tijolo 
Valia mais do que um pão? 
Tijolos ele empilhava 
Com pá, cimento e esquadria 
Quanto ao pão, ele o comia... 
Mas fosse comer tijolo! 
E assim o operário ia 
Com suor e com cimento 
Erguendo uma casa aqui 
Adiante um apartamento 
Além uma igreja, à frente 
Um quartel e uma prisão: 
Prisão de que sofreria 
Não fosse, eventualmente 
Um operário em construção. 
 
Mas ele desconhecia 
Esse fato extraordinário: 
Que o operário faz a coisa 
E a coisa faz o operário. 
De forma que, certo dia 
À mesa, ao cortar o pão 
O operário foi tomado 
De uma súbita emoção 
Ao constatar assombrado 
Que tudo naquela mesa 
– Garrafa, prato, facão – 
Era ele quem os fazia 
Ele, um humilde operário, 
Um operário em construção. 
Olhou em torno: gamela 
Banco, enxerga, caldeirão 
Vidro, parede, janela 
Casa, cidade, nação! 
Tudo, tudo o que existia 
Era ele quem o fazia 
Ele, um humilde operário 
Um operário que sabia 
Exercer a profissão. 
Ah, homens de pensamento 
Não sabereis nunca o quanto 
Aquele humilde operário 
Soube naquele momento! 
Naquela casa vazia 
Que ele mesmo levantara 
Um mundo novo nascia 
De que sequer suspeitava. 
O operário emocionado 
Olhou sua própria mão 
Sua rude mão de operário 
De operário em construção 
E olhando bem para ela 
Teve um segundo a impressão 
De que não havia no mundo 
Coisa que fosse mais bela. 
 
 
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Foi dentro da compreensão 
Desse instante solitário 
Que, tal sua construção 
Cresceu também o operário. 
Cresceu em alto e profundo 
Em largo e no coração 
E como tudo que cresce 
Ele não cresceu em vão 
Pois além do que sabia 
– Exercer a profissão – 
O operário adquiriu 
Uma nova dimensão: 
A dimensão da poesia. 
 
E um fato novo se viu 
Que a todos admirava: 
O que o operário dizia 
Outro operário escutava. 
E foi assim que o operário 
Do edifício em construção 
Que sempre dizia sim 
Começou a dizer não. 
E aprendeu a notar coisas 
A que não dava atenção: 
 
Notou que sua marmita 
Era o prato do patrão 
Que sua cerveja preta 
Era o uísque do patrão 
Que seu macacão de zuarte 
Era o terno do patrão 
Que o casebre onde morava 
Era a mansão do patrão 
Que seus dois pés andarilhos 
Eram as rodas do patrão 
Que a dureza do seu dia 
Era a noite do patrão 
Que sua imensa fadiga 
Era amiga do patrão. 
 
E o operário disse: Não! 
E o operário fez-se forte 
Na sua resolução. 
 
Como era de se esperar 
As bocas da delação 
Começaram a dizer coisas 
Aos ouvidos do patrão. 
Mas o patrão não queria 
Nenhuma preocupação 
– "Convençam-no" do contrário – 
Disse ele sobre o operário 
E ao dizer isso sorria. 
Dia seguinte, o operário 
Ao sair da construção 
Viu-se súbito cercado 
Dos homens da delação 
E sofreu, por destinado 
Sua primeira agressão. 
Teve seu rosto cuspido 
Teve seu braço quebrado 
Mas quando foi perguntado 
O operário disse: Não! 
 
Em vão sofrera o operário 
Sua primeira agressão 
 
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Muitas outras se seguiram 
Muitas outras seguirão. 
Porém, por imprescindível 
Ao edifício em construção 
Seu trabalho prosseguia 
E todo o seu sofrimento 
Misturava-se ao cimento 
Da construção que crescia. 
 
Sentindo que a violência 
Não dobraria o operário 
Um dia tentou o patrão 
Dobrá-lo de modo vário. 
De sorte que o foi levando 
Ao alto da construção 
E num momento de tempo 
Mostrou-lhe toda a região 
E apontando-a ao operário 
Fez-lhe esta declaração: 
– Dar-te-ei todo esse poder 
E a sua satisfação 
Porque a mim me foi entregue 
E dou-o a quem bem quiser. 
Dou-te tempo de lazer 
Dou-te tempo de mulher. 
Portanto, tudo o que vês 
Será teu se me adorares 
E, ainda mais, se abandonares 
O que te faz dizer não. 
 
Disse, e fitou o operário 
Que olhava e que refletia 
Mas o que via o operário 
O patrão nunca veria. 
O operário via as casas 
E dentro das estruturas 
Via coisas, objetos 
Produtos, manufaturas. 
Via tudo o que fazia 
O lucro do seu patrão 
E em cada coisa que via 
Misteriosamente havia 
A marca de sua mão. 
E o operário disse: Não! 
 
– Loucura! – gritou o patrão 
Não vês o que te dou eu? 
– Mentira! – disse o operário 
Não podes dar-me o que é meu. 
 
E um grande silêncio fez-se 
Dentro do seu coração 
Um silêncio de martírios 
Um silêncio de prisão. 
Um silêncio povoado 
De pedidos de perdão 
Um silêncio apavorado 
Com o medo em solidão. 
Um silêncio de torturas 
E gritos de maldição 
Um silêncio de fraturas 
A se arrastarem no chão. 
E o operário ouviu a voz 
De todos os seus irmãos 
Os seus irmãos que morreram 
Por outros que viverão. 
 
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Uma esperança sincera 
Cresceu no seu coração 
E dentro da tarde mansa 
Agigantou-se a razão 
De um homem pobre e esquecido 
Razão porém que fizera 
Em operário construído 
O operário em construção. 
Vinicius de Moraes. Antologia poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 311-317.Segundo Antônio Cícero e Eucanaã Ferraz, organizadores de uma das antologias poéticas de Vinicius: 
 Vinicius de Moraes foi um grande poeta: um dos maiores que já tivemos. Ele não está entre os grandes 
escritores que publicaram apenas algumas poucas páginas extraordinárias; ao contrário, encontra-se entre os 
raros que publicaram muitas páginas extraordinárias. [...] Basta que o leitor leia com os olhos da mente abertos, 
para comprovar que, como dizia Manuel Bandeira, Vinicius “tem o fôlego dos românticos, a espiritualidade dos 
simbolistas, a perícia dos parnasianos (sem refugar, como estes, as sutilezas barrocas) e, finalmente, homem 
bem do seu tempo, a liberdade, a licença, o esplêndido cinismo dos modernos”. 
Antônio Cícero e Eucanaã Ferraz. Introdução. In: Vinicius de Moraes. Nova antologia poética. São Paulo: 
Companhia das Letras, 2003, p. 18-19. 
Além da denúncia de problemas sociais, outros temas são recorrentes na obra de Vinicius de Moraes: a 
tristeza como fonte de inspiração, a “exaltação da mulher como figura plástico-sensual”10, a morte, autorretrato, o 
sentimento de auto-identificação pela pátria (“livre da exaltação ufanista deformadora”11, a Segunda Guerra 
Mundial e o amor, um dos temas mais caros aos fãs do nosso poetinha, especialmente quando cantado em 
sonetos, ponto mais alto da poesia de Vinicius. 
 
Soneto de fidelidade 
De tudo, ao meu amor serei atento 
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto 
Que mesmo em face do maior encanto 
Dele se encante mais meu pensamento. 
 
Quero vivê-lo em cada vão momento 
E em seu louvor hei de espalhar meu canto 
E rir meu riso e derramar meu pranto 
Ao seu pesar ou seu contentamento. 
 
E assim quando mais tarde me procure 
Quem sabe a morte, angústia de quem vive 
Quem sabe a solidão, fim de quem ama 
 
Eu possa me dizer do amor (que tive): 
Que não seja imortal, posto que é chama 
Mas que seja infinito enquanto dure. 
Idem, ibidem, p. 49. 
2.2 - Cecília Meireles 
 De influência simbolista e vertente intimista, “que toca os extremos da música abstrata”,12 Cecília Meireles 
sempre foi atenta à riqueza do léxico e dos ritmos portugueses, alcançando belíssima modulação com versos de 
métrica breve, mas soube trabalhar também os decassílabos e os versos livres. Acompanha sua obra lírica um 
tom de fuga e de sonho, um certo toque erótico (de pureza preservada), a aspiração da integração como parte de 
uma unidade transcendente, som e silêncio, luz e sombras (o título de seu último livro de poemas é Solombra), 
um toque de melancolia e solidão. No fundo, porém, o que busca é a individualidade ao investigar a própria 
 
10 José Aderaldo Castello. A literatura brasileira – origens e unidade. V. II. São Paulo: Edusp, 1999, p. 266. 
11 Idem, ibidem, p. 268. 
12 Alfredo Bosi, op. cit., p. 515. 
 
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identidade. Uma atração pelo oceano perpassa sua obra poética, assim como lugares que conheceu em viagens, 
momentos circunstanciais, pessoas, a natureza e seus elementos e a morte. 
 Em 1953, publica o Romanceiro da Inconfidência. Sobre esse cancioneiro-poema, de reminiscências 
medievalistas e simbolistas que evoca os tempos do ouro e da conjuração mineira, comenta José Aderaldo 
Castello: 
 A visão histórica da sequência dos fatos não constitui preocupação principal de sua elaboração. Mas ela 
abrange um tempo-espaço que se situa em Ouro Preto – salvo uma ou outra exceção – da descoberta das Minas 
ao desfecho final da Inconfidência [...] 
Compõe-se um poema misto de épico e lírico sob a inspiração evocativa da atmosfera histórica que ainda 
impregnava o cenário urbano de Ouro Preto. Teria sido um poema de unidade regular, se não fossem alguns 
anacronismos na distribuição interna da matéria e às vezes o excessivo desdobramento de situações. Mas, no 
fundo, a autora busca a apreensão da atmosfera moral, social e política daquele tempo-espaço histórico, 
manchado por ambições, luxo, vinganças, traições, excesso de severidade patriarcal e amores sacrificados, 
autoritarismo, arbitrariedades. Nomes e fatos são referências que se diluem sob o véu impressionista que empana 
as intenções. Talvez daí a provável dificuldade de fácil e amplo entendimento do poema por parte do leitor que 
não tenha conhecimento daquele momento da nossa história. 
José Aderaldo Castello. A literatura brasileira – origens e unidade. V. II. São Paulo: Edusp, 1999, p. 180. 
 
Retrato 
 
Eu não tinha este rosto de hoje, 
assim calmo, assim triste, assim magro, 
nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo. 
Eu não tinha estas mãos sem força, 
tão paradas e frias e mortas; 
eu não tinha este coração que nem se mostra. 
Eu não dei por esta mudança, 
tão simples, tão certa, tão fácil: 
Em que espelho ficou perdida a minha face? 
Cecília Meireles. Poesia. 2 ed. Rio de Janeiro: Agir, 1982, p. 19-20. (Coleção Nossos Clássicos.) 
Canção 
 
Pus o meu sonho num navio 
e o navio em cima do mar; 
– depois, abri o mar com as mãos, 
para o meu sonho naufragar 
 
Minhas mãos ainda estão molhadas 
do azul das ondas entreabertas, 
e a cor que escorre de meus dedos 
colore as areias desertas. 
 
O vento vem vindo de longe, 
a noite se curva de frio; 
debaixo da água vai morrendo 
meu sonho, dentro de um navio... 
 
Chorarei quanto for preciso, 
para fazer com que o mar cresça, 
e o meu navio chegue ao fundo 
e o meu sonho desapareça. 
 
Depois, tudo estará perfeito; 
praia lisa, águas ordenadas, 
meus olhos secos como pedras 
e as minhas duas mãos quebradas. 
Idem, ibidem, p. 20-21. 
 
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Motivo 
 
Eu canto porque o instante existe 
e a minha vida está completa. 
Não sou alegre nem sou triste: 
sou poeta. 
 
Irmão das coisas fugidias, 
não sinto gozo nem tormento. 
Atravesso noites e dias 
no vento. 
 
Se desmorono ou se edifico, 
se permaneço ou me desfaço, 
— não sei, não sei. Não sei se fico 
ou passo. 
 
Sei que canto. E a canção é tudo. 
Tem sangue eterno a asa ritmada. 
E um dia sei que estarei mudo: 
— mais nada. 
2.3 - Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) 
À medida que envelheço, vou me desfazendo dos adjetivos. Chego a ver que tudo se pode dizer sem eles, 
melhor que com eles. Por que “noite gélida”, “noite solitária”, “profunda noite”? Basta “a noite”. O frio, a 
solidão, a profundidade da noite estão latentes no leitor, prestes a envolvê-lo, à simples provocação dessa 
palavra “noite”. 
Carlos Drummond de Andrade 
Poema de sete faces13 
Quando nasci, um anjo torto 
desses que vivem na sombra 
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. 
As casas espiam os homens 
que correm atrás de mulheres. 
A tarde talvez fosse azul, 
não houvesse tantos desejos. 
O bonde passa cheio de pernas: 
pernas brancas pretas amarelas. 
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. 
Porém meus olhos 
não perguntam nada. 
O homem atrás do bigode 
é sério, simples e forte. 
Quase não conversa. 
Tem poucos, raros amigos 
o homem atrás dos óculos e do bigode, 
Meu Deus, por que me abandonaste 
se sabias que eu não era Deus 
se sabias que eu era fraco. 
Mundo mundo vasto mundo, 
se eu me chamasse Raimundo 
 
13 Todos os poemas de Carlos Drummond de Andrade foram extraídos da mesma edição: Poesia completa. Rio 
de Janeiro: Nova Aguilar, 2006. 
 
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seria uma rima, não seria uma solução. 
Mundo mundo vasto mundo, 
mais vasto é meu coração. 
Eu não devia te dizer 
mas essa lua 
mas esse conhaque 
botam a gente comovido como o diabo. 
Drummondé considerado o maior poeta brasileiro do século XX. Mesmo que questionemos a afirmação, 
podemos afirmar com propriedade que, sem dúvida, foi o primeiro grande poeta que se firmou depois da fase 
heroica do Modernismo. É um homem de seu tempo, marcado pela dificuldade de transcender a crise de sentido 
e de valor que abalou o mundo com a Guerra Fria. Mas, antes de 194514, já se evidencia o tema que perpassaria 
toda a sua obra poética: o sentimento de mal-estar no mundo e em si mesmo (a sensibilidade do eu é aprisionada 
pela dura realidade do mundo em que vive). Seu estilo consciente se caracteriza pelo rigor de uma fala madura 
pautada pela contenção – marca de grandes escritores como Graciliano Ramos, por exemplo –, pelo prosaico, 
pelo irônico, pelo humor e pelo antirretórico. É bem verdade que as possibilidades expressivas da poesia de 
Drummond estão submetidas a um progressivo aperfeiçoamento até alcançar a síntese em linguagem 
disciplinada, mas seu primeiro livro de poemas, Alguma poesia, publicado pela primeira vez em 1930, já traz 
poemas bem acabados que se tornaram conhecidos do grande público: 
Poesia 
 
Gastei uma hora pensando um verso 
que a pena não quer escrever. 
No entanto ele está cá dentro 
inquieto, vivo. 
Ele está cá dentro 
e não quer sair. 
Mas a poesia deste momento 
inunda minha vida inteira. 
 
 
Cidadezinha qualquer 
Casas entre bananeiras 
mulheres entre laranjeiras 
pomar amor cantar. 
Um homem vai devagar. 
Um cachorro vai devagar. 
Um burro vai devagar. 
Devagar... as janelas olham. 
Eta vida besta, meu Deus. 
 
 
 
 
No meio do caminho 
 
No meio do caminho tinha uma pedra 
Tinha uma pedra no meio do caminho 
Tinha uma pedra 
No meio do caminho tinha uma pedra. 
Nunca me esquecerei desse acontecimento 
Na vida de minhas retinas tão fatigadas. 
 
14 Ano em que termina a Segunda Grande Guerra e da publicação de A rosa do povo, livro da fase de maior 
engajamento político do poeta e de esperança num futuro melhor, pela revolução do proletariado. Depois disso, 
já no contexto histórico da Guerra Fria, Drummond se torna mais cético, notadamente a partir de Claro enigma, 
de 1951. 
 
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Nunca me esquecerei que no meio do caminho 
Tinha uma pedra 
Tinha uma pedra no meio do caminho 
No meio do caminho tinha uma pedra. 
 
Este último é um dos poemas mais polêmicos de Drummond. Veja o comentário de Arnaldo Saraiva sobre 
ele: 
No meio do caminho não é decerto o melhor poema de Drummond, nem será mesmo um dos seus 
poemas mais dramáticos e significativos. Com evidente exagero, o autor considera-o “insignificante em si”. Mas 
serviu – são também palavras de Drummond – “até hoje para dividir no Brasil as pessoas em duas categorias 
mentais”. E não só, é claro: serviu também de cartilha, a “cartilha” de que fala João Cabral de Melo Neto num 
poema (A educação pela pedra), que é talvez a melhor defesa ou a melhor crítica que se poderia escrever sobre 
o poema de Drummond, embora escrito sem essa intenção. Cartilha com as quatro lições: de moral (“resistência 
fria ao que flui e a fluir, e a ser maleada”); de poética (“sua carnadura concreta”); de economia (“o adensar-se 
compacta”); e a antididática (de “entranhar a alma”). E serviu ainda para chamar a atenção de muitos que, de 
outro modo, não teriam prestado atenção à obra do poeta; e para vulgarizar, como nenhum outro poema, a poesia 
modernista. Porque, à semelhança da pedra de Demóstenes, a pedra de Drummond curou a gaguez (e através 
dela, a surdez) poética de muitos leitores. 
Sob esse aspecto, penso que No meio do caminho deve ser um exemplo raríssimo na literatura universal; 
e que dificilmente deixará algum dia de construir um dos mais sugestivos testemunhos da luta que um poeta e 
todo um tipo de poesia (a de vanguarda) terão (sempre?) de travar contra o conservadorismo ignorante, contra a 
inércia burguesa, contra a estupidez instituída. 
Arnaldo Saraiva. Apresentação. In: Carlos Drummond de Andrade. Poesia completa. Rio de Janeiro: 
Nova Aguilar, 2001, p. I-II. 
Sua literatura se opõe à condição lírica e aparentemente corta os vínculos com a expressão dos afetos 
não para negá-los, mas para mostrar a condição absurda a que está submetido seu “vasto mundo”. E não 
queremos com isso dizer que o poeta rompe com a tradição – muitas possibilidades lhe trouxeram, por exemplo, 
as vanguardas, a generalização de um sentimento de brasilidade e o poema-piada, tão característico da primeira 
geração modernista –, mas sim que busca independência em suas criações. No poema a seguir, observe como 
se equilibram as preocupações formais e um enorme “sentimento do mundo”, articulados por um toque 
confessional: 
Sentimental 
Ponho-me a escrever teu nome 
com letras de macarrão. 
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas 
e debruçados na mesa todos contemplam 
esse romântico trabalho. 
Desgraçadamente falta uma letra 
Uma letra somente 
para acabar teu nome! 
– Está sonhando? Olhe que a sopa esfria. 
Eu estava sonhando... 
E há em todas as consciências este cartaz amarelo: 
“Neste país é proibido sonhar.” 
Sobre a poesia de Drummond, o crítico Silviano Santiago afirma: 
Nos poemas de Carlos Drummond, os grandes acontecimentos públicos do século são expressos através 
duma atormentada, galhofeira ou benévola autoanálise. A esta se acopla uma reflexão poética de ordem pessoal 
e transferível sobre a vivência do cidadão brasileiro e do intelectual cosmopolita em tempos que podem ser 
trágicos, dramáticos, nostálgicos, pessimistas ou alegres. Experiência privada e fatos públicos nacionais e 
estrangeiros, em correlação e sistema de troca entranháveis, compõem a textura das sucessivas coletâneas de 
poemas publicados entre 1930 e 1996. 
Silviano Santiago. Introdução à leitura dos poemas de CDA. In: Poesia Completa, op. cit., p. IV. 
 
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É na conjugação entre a contemplação das coisas e a intimidade do poeta que encontramos o drama da 
poesia drummondiana. Diferentemente de outros autores, as experiências amorosas não o fazem transcender, o 
amor não o leva à glória íntima, e sim ao vazio inerente à percepção da inocência perdida. 
Em alguns momentos, essa desesperança configura um quadro desesperador (apesar de uma certa dose de 
humor) e pessimista, da visão de um Nada: o presente é efêmero e, por isso mesmo, menos belo do que o 
passado, que já teve a oportunidade de ser fixado pela memória, daí o apego à memória, que perpassa sua obra, 
e o cuidadoso tratamento que dá ao tema. 
Se às vezes usa algumas formas fixas, em geral evita o aprisionamento das rimas tradicionais. No entanto, 
podemos chamá-lo clássico, na medida em que consegue equilibrar a forma e o tratamento temático da expressão. 
Em 1962, ao completar 60 anos, Drummond publicou uma Antologia poética, que distribuiu em nove seções, 
segundo a “matéria de poesia” predominante. Veja quais são os núcleos temáticos de sua poesia, segundo ele 
próprio: 
1. O indivíduo: “um eu todo retorcido” 
2. A terra natal: “uma província: esta” 
3. A família: “a família que me dei” 
4. Amigos: “cantar de amigos” 
5. O choque social: “na praça de convites” 
6. O conhecimento amoroso: “amar-amaro” 
7. A própria poesia: “poesia contemplada” 
8. Exercícios lúdicos: “uma, duas argolinhas” 
9. Uma visão da existência: “tentativa de exploração e de interpretação do estar-no-mundo” 
2.4 - Os poetas surrealistas cristãos 
Apesar de serem poetas de estilos distintos, há algumas semelhanças notáveis entre a poesia de Jorge de 
Lima e Murilo Mendes. Cristãos, buscam conciliar a redescoberta do sentido da vida em Cristo com as influências 
surrealistas, em que a consciência e o estadode razão devem aparecer muito menos do que o onírico. Assim, 
são poetas que exploram o inconsciente a partir de imagens fortes e, por vezes, enigmáticas. 
Primeiramente, estudaremos a poesia de Jorge de Lima. 
Essa negra Fulô 
Ora, se deu que chegou 
(isso já faz muito tempo) 
no banguê dum meu avô 
uma negra bonitinha, 
chamada negra Fulô. 
 
Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô! 
 
Ó Fulô! Ó Fulô! 
(Era a fala da Sinhá) 
— Vai forrar a minha cama 
pentear os meus cabelos, 
vem ajudar a tirar 
a minha roupa, Fulô! 
 
Essa negra Fulô! 
 
Essa negrinha Fulô! 
ficou logo pra mucama 
pra vigiar a Sinhá, 
 
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pra engomar pro Sinhô! 
 
Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô! 
 
Ó Fulô! Ó Fulô! 
(Era a fala da Sinhá) 
vem me ajudar, ó Fulô, 
vem abanar o meu corpo 
que eu estou suada, Fulô! 
vem coçar minha coceira, 
vem me catar cafuné, 
vem balançar minha rede, 
vem me contar uma história, 
que eu estou com sono, Fulô! 
 
Essa negra Fulô! 
 
“Era um dia uma princesa 
que vivia num castelo 
que possuía um vestido 
com os peixinhos do mar. 
Entrou na perna dum pato 
saiu na perna dum pinto 
o Rei-Sinhô me mandou 
que vos contasse mais cinco.” 
 
Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô! 
 
Ó Fulô! Ó Fulô! 
Vai botar para dormir 
esses meninos, Fulô! 
“minha mãe me penteou 
minha madrasta me enterrou 
pelos figos da figueira 
que o Sabiá beliscou.” 
 
Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô! 
 
Ó Fulô! Ó Fulô! 
(Era a fala da Sinhá 
Chamando a negra Fulô!) 
Cadê meu frasco de cheiro 
Que teu Sinhô me mandou? 
— Ah! Foi você que roubou! 
Ah! Foi você que roubou! 
 
Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô! 
 
O Sinhô foi ver a negra 
levar couro do feitor. 
A negra tirou a roupa, 
O Sinhô disse: Fulô! 
(A vista se escureceu 
que nem a negra Fulô). 
 
Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô! 
 
Ó Fulô! Ó Fulô! 
Cadê meu lenço de rendas, 
Cadê meu cinto, meu broche, 
Cadê o meu terço de ouro 
 
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que teu Sinhô me mandou? 
Ah! foi você que roubou! 
Ah! foi você que roubou! 
 
Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô! 
 
O Sinhô foi açoitar 
sozinho a negra Fulô. 
A negra tirou a saia 
e tirou o cabeção, 
de dentro dele pulou 
nuinha a negra Fulô. 
 
Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô! 
 
Ó Fulô! Ó Fulô! 
Cadê, cadê teu Sinhô 
que Nosso Senhor me mandou? 
Ah! Foi você que roubou, 
foi você, negra Fulô? 
 
Essa negra Fulô! 
 
Jorge de Lima 
Jorge de Lima dividiu sua produção poética em duas fases. A primeira, designada “poemas do Nordeste”, é 
composta por “poemas negros e telúricos”, “testemunho à terra e a uma das realidades de nossa alma imensa”, 
na qual podemos incluir “Essa negra Fulô”. É um período que traduz uma experiência mais observada que vivida, 
tematizando o Nordeste açucareiro dos engenhos de cana tradicionais e envolve a presença africana. A segunda 
fase se caracteriza pelo sobrenatural e pela experiência religiosa de inspiração bíblica. É uma poesia atemporal e 
distante da objetividade predominante na primeira fase. Podemos reconhecer ainda uma terceira fase, síntese 
final, iniciada com a publicação de Invenção de Orfeu. 
 Vejamos um dos poemas de sua fase místico-católica. 
Nave ou igreja 
Laje ou que for 
Suba perfeita 
Para o Senhor. 
 
Que não se veja 
Ouro e esplendor 
Mas tudo seja 
Amor, amor. 
 
Só um altar 
Corpo votivo 
Rasgando o espaço. 
 
Para inflamar 
Coração vivo 
Enche-o de graça. 
 
Jorge de Lima apud Massaud Moisés. A literatura brasileira através dos textos. 21 ed. São Paulo: Cultrix, 1998, 
p. 461. 
Canção do exílio 
Minha terra tem macieiras da Califórnia 
onde cantam gaturamos de Veneza. 
Os poetas da minha terra 
são pretos que vivem em torres de ametista, 
 
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os sargentos do exército são monistas, cubistas, 
os filósofos são polacos vendendo a prestações. 
A gente não pode dormir 
com os oradores e os pernilongos. 
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda. 
Eu morro sufocado 
em terra estrangeira. 
Nossas flores são mais bonitas 
nossas frutas mais gostosas 
mas custam cem mil réis a dúzia. 
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade 
e ouvir um sabiá com certidão de idade! 
 Esse poema abre o livro de estreia de Murilo Mendes, Poemas (1930), e é claramente uma paródia da 
poesia de emoção patriótica romântica, em que o eu lírico se sente estrangeiro na própria pátria. A intenção crítica, 
voltada contra as persistências ufanistas de nacionalismo, permanecem nessa primeira fase do poeta. Utilizando-
se do “poema-piada” e de versos curtos sem a preocupação com rimas, visa à comunicação imediata e à 
expressão popular. Num segundo momento, já sem o procedimento crítico caricaturesco, tende a acentuar traços 
autobiográficos e reflexões sobre o momento histórico e literário vinculadas à religião. O poeta representaria a 
síntese do homem através do tempo e Deus é, para ele, sinônimo de Cristo, a Eternidade. A Bíblia é a grande 
fonte de inspiração desse poeta cristão: 
 [...] o autorreconhecimento de ser “o poeta futuro”, portador da missão de sua poesia, transcendental 
desde os princípios e para a qual convergem os reflexos da condição humana; a condenação das guerras e das 
ambições ilimitadas; a expectativa do julgamento final; e, em consequência de tudo, seu estado de angústia. 
Portanto, como pontos de destaque, certas constantes temáticas fundamentais: Deus/Eternidade/Cristo; a mulher; 
a passagem, em sucessão temporal, do homem, ou o trânsito do seu destino; tudo em interpenetração que 
caracteriza um neobarroquismo, não de oposição conflitual explícita, mas de acentuação do contingencial do 
homem, esperançoso da Eternidade, enquanto vive em angustiada convivência terrena consigo mesmo. 
José Aderaldo Castello. A literatura brasileira – origens e unidade. V. II. São Paulo: Edusp. 1999, p. 240. 
 Para conhecer um pouco mais sobre a obra desse grande poeta, deixe-se tocar por alguns de seus 
poemas. 
Ideia fortíssima 
Uma ideia fortíssima entre todas menos uma 
Habita meu cérebro noite e dia, 
A ideia de uma mulher, mais densa que uma forma. 
Ideia que me acompanha 
De uma a outra lua, 
De uma a outra caminhada, de uma a outra angústia, 
Que me arranca do tempo e sobrevoa a história, 
Que me separa de mim mesmo, 
Que me corta em dois como o gládio divino. 
Uma ideia que anula as paisagens exteriores, 
Que me provoca terror e febre, 
Que se antepõe à pirâmide de órfãos e miseráveis, 
Uma ideia que verruma todos os poros do meu corpo 
E só não se torna o grande cáustico 
Porque é um alívio diante da ideia muito mais forte e violenta de Deus. 
Murilo Mendes apud Massaud Moisés, op. cit., p. 469. 
Pré-história 
Mamãe vestida de rendas 
Tocava piano no caos. 
Uma noite abriu as asas 
Cansada de tanto som, 
Equilibrou-se no azul, 
 
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De tonta não mais olhou 
Para mim, para ninguém! 
Cai no álbum de retratos. 
 
3. A geração de 1945: Neomodernismo 
Durante a Segunda Guerra Mundial, o homem se percebe num “triste mundo fascista”, cantado por 
Drummond, que chegou a acreditar em uma “nova aurora”. O fim da Guerra, em 1945, traz a Guerra Fria e a 
divisão do mundo em dois blocos: o socialista e o capitalista. No Brasil, com o fim da ditadura do Estado Novo e 
o posterior suicídio de Getúlio Vargas, o governo de Juscelino Kubitschek propõe o desenvolvimento industrial 
(“cinquenta anos em cinco”) e, consequentemente,o intenso crescimento urbano. O processo de urbanização, de 
um lado, acelera o desenvolvimento do país, mas, de outro, faz aumentar a desigualdade social: engendra a 
subvida das favelas, a imigração de nordestinos para o sul, em busca de melhores condições de vida, e instaura 
péssimas condições de alimentação, habitação e educação. 
A vida cultural brasileira passa por um período frutífero. O rádio, meio de comunicação de massa dos mais 
importantes, atinge seu auge na década de 1940; surge o teatro moderno brasileiro, com o grupo carioca Os 
Comediantes, que encena a peça Vestido de noiva, de Nélson Rodrigues. Na literatura, aparece o Concretismo, 
movimento de vanguarda que busca adequar a poesia às características imediatistas da comunicação do mundo 
moderno, que estudaremos no próximo caderno, com outros autores de que logo falaremos. Surgem o Cinema 
Novo, de Gláuber Rocha, o Teatro de Arena (Oduvaldo Vianna Filho e Gianfrancesco Guarnieri) e o Teatro Oficina 
(José Celso Martinez Correia). Publica-se muito no país, e alguns escritores, como Jorge Amado e Érico 
Verissimo, podem até viver da literatura... Expande-se a rede de ensino de nível médio e, no meio universitário, o 
Centro Popular de Cultura da UNE (União Nacional dos Estudantes) é bastante ativo. 
O Neomodernismo começa em 1945 e alcança as tendências contemporâneas, período marcado pela 
invenção linguística e por grandes nomes da literatura brasileira como João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector 
e Guimarães Rosa. A poesia geométrica de João Cabral capta de modo singular a paisagem humana e geográfica 
nordestina; o regionalismo típico da segunda geração, com Guimarães, ganha proporções mágicas, e a prosa 
clariceana busca o “mergulho nas profundezas do ser”15. 
 
3.1 - Clarice Lispector e a escrita do indizível 
 
Contam de Clarice Lispector 
Um dia, Clarice Lispector 
intercambiava com amigos 
dez mil anedotas de morte, 
e do que tem de sério e circo. 
 
Nisso, chegam outros amigos, 
vindos do último futebol, 
comentando o jogo, recontando-o, 
refazendo-o, de gol a gol. 
 
Quando o futebol esmorece, 
Abre a boca um silêncio enorme 
e ouve-se a voz de Clarice: 
Vamos voltar a falar na morte? 
 
João Cabral de Melo Neto. Agrestes, 1985. 
 
Clarice Lispector é uma figura inovadora na história da literatura brasileira. Para ela, não interessam os fatos 
em si, mas sua repercussão no indivíduo. Seguindo coordenadas estilísticas observáveis em Marcel Proust, 
James Joyce e Virgínia Woolf16, afasta-se das técnicas tradicionais do romance e redimensiona as fronteiras entre 
 
15 Nelly Novaes Coelho. A escritura existencialista de Clarice Lispector. In: A literatura feminina no Brasil 
contemporâneo. São Paulo: Siciliano, 1993, p. 174. 
16 Marcel Proust (1871-1922) é um escritor francês mais conhecido pela extensa obra em sete volumes Em busca 
do tempo perdido, em que busca alcançar a substância do tempo para tentar apreender, pela escrita, a essência 
de uma realidade escondida no inconsciente e recriada pelo nosso pensamento. James Joyce (1882-1941) é 
 
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a voz do narrador e a das personagens. Suas narrativas são interiorizadas, centradas em atitudes filosófico-
existenciais. Affonso Romano de Sant’Ana interpretou a literatura clariceana como momentos de epifania17, como 
se suas personagens vivessem sempre em busca de instantes de revelação. Sérgio Milliet vê em Clarice a mais 
séria tentativa de um “romance introspectivo” do nosso mundo literário. Para Nelly Novaes Coelho, porém, a 
narrativa clariceana vai além da mera introspecção psicológica: 
 Os sucessivos livros da autora “iluminaram” melhor aquilo que, nessa estreia18, já era uma nova intuição: 
a de que, para além do sentir pessoal ou do psiquismo individual, existiria um obscuro espaço interior – 
espécie de “ponta de iceberg” – a denunciar a presença de um espaço invisível que se estenderia entre o Eu 
e o ego social, e em cuja profundeza larvar estaria oculta a justificativa última da condição humana. Como diz 
Joana19: 
 “Tento isolar-me, para encontrar a vida em si mesma”. 
Nelly Novaes Coelho. A escritura existencialista de Clarice Lispector. In: A literatura feminina no Brasil 
contemporâneo. São Paulo: Siciliano, 1993, p. 179. 
Leia os parágrafos iniciais do romance A hora da estrela e comece sua viagem para adentrar o universo de 
Clarice Lispector. 
Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes 
da pré-história havia a pré-história da pré história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o que, 
mas sei que o universo jamais começou. 
Que ninguém se engane, só consigo a simplicidade através de muito trabalho. 
Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as 
coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré-pré-história já havia os monstros apocalípticos? Se esta 
história não existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos – sou eu que escrevo o 
que estou escrevendo. Deus é o mundo. A verdade é sempre um contato interior e inexplicável. A minha vida a 
mais verdadeira é irreconhecível, extremamente interior e não tem uma só palavra que a signifique. Meu coração 
se esvaziou de todo desejo e reduz-se ao próprio último ou primeiro pulsar. A dor de dentes que perpassa esta 
história deu uma fisgada funda em plena boca nossa. Então eu canto alto agudo uma melodia sincopada e 
estridente – é a minha própria dor, eu que carrego o mundo e há falta de felicidade. Felicidade? Nunca vi palavra 
mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes. 
Clarice Lispector. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p. 11. 
Fenomenologia e existencialismo em Clarice Lispector 
A obra clariceana é claramente marcada pelas correntes fenomenológicas e existencialistas, expressões de 
uma “experiência singular, individual, um pensamento motivado por uma situação muito particular”20. Para Nelly 
Novaes Coelho: 
Esse mergulho nas profundezas do ser (que Joyce tenta, a partir de Retrato do artista quando jovem, 1916) 
foi a grande fascinação da escritura clariceana, toda ela desenvolvendo-se ou perdendo-se nos labirintos de uma 
obsessiva tentativa de ultrapassar a evidência concreta da realidade imediata dos seres, coisas e relações, para 
atingir-lhes o âmago onde se ocultaria a verdade última de cada um e de todos, ou o segredo da vida-em-si-
mesma. 
Nelly Novaes Coelho, op. cit., p. 174. 
 
romancista, contista e poeta irlandês, autor de obras como Retrato do artista quando jovem e Ulisses, livro que 
se utiliza, basicamente, do fluxo de consciência como técnica narrativa. Virginia Woolf (1882-1941), escritora 
britânica de grande importância para a literatura moderna por suas técnicas narrativas inovadoras pra retartar 
a experiência individual, é autora de conhecidas obras como Mrs. Dalloway e Rumo ao farol. Suicida-se vítima 
de grave depressão. 
17 No sentido religioso, o termo indica a presença de alguma entidade sagrada que transmite uma mensagem 
ou aponta um caminho. No sentido literário, é um momento privilegiado de revelação, quando um fato ou um 
acidente “ilumina” a vida da personagem. 
18 A autora se refere ao primeiro livro de Clarice, Perto do coração selvagem, publicado em 1944. 
19 Protagonista de Perto do coração selvagem. 
20 João da Penha. O que é existencialismo. São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 13. 
 
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Num mundo onde não se crê mais na palavra de Deus como a base da verdade para as relações humanas, 
num momento em que a ciência destrói antigas

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