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A_QUESTAO_RACIAL__AFRICANIDADE_E_DEMOCRACIA (1)

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1 
 
A QUESTÃO RACIAL: 
AFRICANIDADE E DEMOCRACIA 
 
0 
 
 
Caro(a) aluno(a), 
 
 
A Faculdade Anísio Teixeira (FAT), tem o interesse contínuo em 
proporcionar um ensino de qualidade, com estratégias de acesso aos saberes 
que conduzem ao conhecimento. 
 
Todos os projetos são fortemente comprometidos com o progresso educacional 
para o desempenho do aluno-profissional permissivo à busca do crescimento 
intelectual. Através do conhecimento, homens e mulheres se comunicam, têm 
acesso à informação, expressam opiniões, constroem visão de mundo, 
produzem cultura, é desejo desta Instituição, garantir a todos os alunos, o direito 
às informações necessárias para o exercício de suas variadas funções. 
 
Expressamos nossa satisfação em apresentar o seu novo material de estudo, 
totalmente reformulado e empenhado na facilitação de um construtor melhor 
para os respaldos teóricos e práticos exigidos ao longo do curso. 
 
Dispensem tempo específico para a leitura deste material, produzido com muita 
dedicação pelos Doutores, Mestres e Especialistas que compõem a equipe 
docente da Faculdade Anísio Teixeira (FAT). 
 
Leia com atenção os conteúdos aqui abordados, pois eles nortearão o princípio 
de suas ideias, que se iniciam com um intenso processo de reflexão, análise e 
síntese dos saberes. 
 
Desejamos sucesso nesta caminhada e esperamos, mais uma vez, alcançar o 
equilíbrio e contribuição profícua no processo de conhecimento de todos! 
 
 
Atenciosamente, 
 
Setor Pedagógico 
 
1 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO .............................................................................................................................2 
1. A HISTÓRIA DA ÁFRICA CONTADA DE OUTRO ÂNGULO ........................................5 
2. AFRICANIDADES: ALGUMAS DEFINIÇÕES .................................................................10 
2. 1 PAN-AFRICANISMO E TEORIA SOCIAL: UMA HERANÇA CRÍTICA....................13 
 
3. AFRICANIDADES BRASILEIRAS ......................................................................................30 
4. O SER NEGRO NO BRASIL .................................................................................................35 
5. A ATUALIDADE DO RACISMO E A VALIDADE OPERATÓRIA DO CONCEITO 
DE RAÇA .....................................................................................................................................39 
6. AS POLÍTICAS E AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL ................................................50 
7. PROPOSTA PARA UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA A PARTIR DO 
MULTICULTURALISMO .........................................................................................................58 
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS, OU EM FAVOR DE UMA NOVA DEMOCRACIA ........66 
REFERÊNCIAS ...........................................................................................................................69 
 
 
 
 
 
 
 
2 
 
INTRODUÇÃO 
 
Os avanços e os conhecimentos que têm sido produzidos sobre a África, não são ainda 
suficientes para apagar de uma vez por todas, as imprecisões e preconceitos que até hoje 
impedem que conheçamos efetivamente a história desse continente e, especialmente, a trajetória 
dos muitos afrodescendentes espalhados por todo o mundo. Para muitos, infelizmente, o 
continente africano é um gigante desconhecido. Ou, o que é pior, a percepção que se tem dele 
é de um todo homogêneo, lugar de onde saíram todos os negros, lugar exótico, de território 
desértico, onde imperam a pobreza, os conflitos, as piores doenças. Enfim, a lista é imensa e 
nada favorável a uma imagem positiva do continente. Tal imagem negativa, sabemos, remonta 
aos primeiros contatos dos europeus com os africanos e mais precisamente, refere-se à sua 
construção pelo discurso ocidental, que serviu por muito tempo como justificativa para as 
inúmeras atrocidades cometidas pelas potências europeias durante o período em que impôs seus 
domínios em todo o continente. 
Originária desse discurso, a ideia de raça, outrora sem nenhuma conotação 
depreciativa, vai servir, a partir do século XIX, como parâmetro para dividir e hierarquizar os 
indivíduos; doravante a raça vai estar diretamente ligada aos tipos biológicos e estes passarão 
a determinar os comportamentos morais e faculdades psíquicas dos indivíduos. Assim, tem-se, 
na mais alta escala de valores, a “raça ariana” – leia-se – branca, e seus traços distintivos: 
racionalidade, vigor, inteligência elevada; inversamente, na base, como a mais inferior, estaria 
a “raça negra”, considerada pouco ou nada racional, indolente, débil, frágil, etc. Nessa 
circunstância, o discurso ocidental prontamente identificou o negro ao africano e, partir das 
teorias racialistas, “comprovava” cientificamente (conforme seu ponto de vista) a superioridade 
europeia frente aos demais povos do planeta. 
Ao longo de muitos anos, pessoas foram dizimadas em razão desse discurso e dessas 
teorias. Em nome da “pureza racial”, milhões de vidas foram exterminadas em guerras e em 
campos de concentração. Foi preciso assim, que a genética, então mais sofisticada nas primeiras 
décadas do século XX, denunciasse como falaciosa um/a consenso/unanimidade, por muitos 
anos, inabalável, que é a “natureza” da raça.Provou-se, dentre outras coisas, que o conteúdo 
biológico das raças inexistia, bem como que as características físicas não determinavam o 
comportamento das pessoas, tampouco fossem inatas e imutáveis. Ironicamente, antes gozando 
status de “científico”, o discurso sobre as raças tornar-se-ia “pseudocientífico”, um 
 
3 
 
“preconceito” etnocêntrico ocidental em relação ao “outro” (estrangeiro). Por extensão das 
descobertas da ciência genética, um dado que certamente deve ter causado espanto (e arrepios!) 
em muitos: entre um africano da região subsaariana e um escocês, apesar das variações, a 
distância genética é muito pequena. 
Então surgiram outros estudos que endossaram mais, o que a genética já sentenciara. 
As décadas de 1950 e 1960 foram pródigas nesse aspecto. Emergem mais ou menos nesse 
período, as noções quase sinônimas do termo etnia – enquanto grupo de pessoas com origem, 
história em comum, que compartilham modos de vida e hábitos, traços culturais e o mesmo 
território geográfico – e do termo população – definida em grosso modo, como um conjunto de 
pessoas ou organismos de uma mesma espécie que habitam um determinado espaço, num certo 
tempo – que se colocavam quase como substitutivas do termo raça. Se não a substituíram, 
entretanto, o porquê desse malogro, a história mostrou. Para muitos especialistas no assunto ou 
diletantes, mudando-se o conceito de raça por qualquer outro, não acabará com o racismo, nem 
com as mazelas socioculturais que ele gera, uma vez que no senso comum, ambos estão 
fortemente enraizados. Se o problema da raça e do racismo já foi resolvido no mundo científico, 
no “mundo das experiências cotidianas” ele é uma chaga que se alastra a cada dia, causando 
estragos irrecuperáveis na vida de uma miríade de pessoas, sobretudo, das pessoas negras, que 
mais sofrem na pele os seus efeitos, literalmente. De todo modo, ninguém duvidou que 
ocorressem avanços nessas questões desde aquelas décadas. 
Mas e por que até hoje, século XXI, a África ainda é sinônimo de terra de gente “preta”, 
“pobre” e de clima predominantemente árido? Por que o racismo ainda é tão marcante em nossa 
sociedade? Por que reivindicar as africanidades é um gesto/movimento político dos mais 
importantes na agenda mundial contemporânea? Em se tratando do Brasil, por que as 
africanidades brasileiras apontam, sobretudo, para a trajetória de luta da população africana e 
afro-brasileira ao longo dos mais de 500 anos de história do Brasil contados a partir da 
colonização portuguesa? O que é ser negro? Ser negro é uma condição ou algo congênito? Ou 
as duas coisas? É possível tornar-se negro? Por que o discurso das raças,ainda que impertinente 
do ponto de vista da taxonomia biológico-genética, ainda é tão necessário? Por que, 
consequentemente, o conceito de raça ainda é uma ideia política que não podemos negligenciar? 
Por que ela é uma construção social tão fortemente arraigada na vida sociopolítica? No contexto 
brasileiro, é mesmo viável reivindicar, renunciando à raça, uma identidade étnica como forma 
se alcançar uma coletividade negra (ou garantir uma identidade negra) cuja unidade seria 
 
4 
 
reforçada em raízes histórico-culturais comuns? Por que a história oficial brasileira negou ao 
negro o papel de sujeito que ele desempenhou? Por que só em 2003, o Estado brasileiro 
reconheceu a urgência e a legitimidade do ensino obrigatório da História e Cultura Afro-
Brasileira? Quais os desafios e dificuldades que se colocam diante da execução das 
determinações da Lei 10.639/2003, e seus regulamentos? Como a proposta do 
multiculturalismo crítico poderia contribuir para a melhoria do campo educacional com vistas 
a uma educação antirracista e antidiscriminatória? É possível vislumbrar outra sociedade, que 
seja justa para todos (as), menos desigual e que conviva com as/os diferenças/diferentes? Como, 
finalmente, pensar a questão racial na perspectiva da africanidade e de uma nova democracia? 
É a partir dessas perguntas que se constitui a proposta do módulo A questão racial: 
africanidades e democracia. Para tanto, tal proposta não ambiciona resolver todas as questões 
enumeradas acima (o que seria, além de uma tarefa inglória, assaz enganosa), tampouco tem a 
pretensão de esgotar o assunto. Ao contrário, este Módulo tem o intento último de chamar a 
atenção dos leitores e leitoras para a atualidade dos problemas que ele suscita, despertando a 
todos, consequentemente, para a necessidade e urgência de torná-los visíveis, para que 
possamos enfrentá-los de frente, sem termos que nos esconder por trás deles. É nessa mesma 
direção que apontarão as páginas seguintes. Tenho o mais sincero desejo de que este módulo, 
da forma como se seguirá, funcione ativamente, que ele contribua para a construção de 
conhecimento e, finalmente, suscite em cada um que o leia/estude, sensações as mais diversas 
possíveis, todavia unidas num mesmo sentimento: a esperança de que um mundo melhor é 
possível. 
 
Bom estudo! 
 
 
 
 
 
5 
 
1. A HISTÓRIA DA ÁFRICA CONTADA DE OUTRO ÂNGULO 
 
No livro pioneiro A África na sala de aula: visita à história contemporânea, Leila 
Gonçalves Maria Leite Hernandez defende que os estudos sobre o continente africano, 
sobretudo, nas últimas décadas do século XIX e primeiras décadas do século XX, contêm 
muitos equívocos e preconceitos que não apenas foram utilizados para justificar o projeto de 
dominação colonial, assim como as inúmeras atrocidades cometidas em razão deste projeto, 
mas contribuíram enormemente para criar, em geral, uma imagem da África como um todo 
homogêneo e, em particular, para identificar os africanos a partir de características físicas 
baseadas em determinada noção sobre a raça negra. Desse modo, o termo africano ganhou uma 
carga semântica negativa, tornando-se significado de frouxo, indolente, incapaz, inferior, 
primitivo, entre outros (HERNANDEZ, 2005). 
Para a autora, o discurso ocidental incorporou uma série de proposições e usou vários 
expedientes para provar a suposta inferioridade e primitivismo do povo africano. Um dos nomes 
mais influentes do pensamento hegemônico dos séculos XVIII e XIX, o filósofo Friedrich 
Hegel (1770-1831) teria de destacado na construção da imagem negativa da África 
(HERNANDEZ, 2005). Com base na obra hegeliana intitulada Filosofia da história universal 
(1928), Hernandez mostra que Hegel defende o postulado de que haveria duas Áfricas: uma 
branca e mediterrânea, com características parecidas com as ocidentais, sobretudo, a partir do 
contato com os povos islâmicos; e uma África negra ou subsaariana, povoada por um povo sem 
história, sem cultura e sem razão. Ambas seriam separadas pelo deserto do Saara, e, por isso, 
não se comunicariam. Além do mais, haveria uma distinção não apenas entre os africanos e os 
europeus, mas daqueles entre si. 
Embora hoje essas distinções entre uma África ao norte do Saara (branca, arabizada e 
islamizada, tocada pelas civilizações mediterrâneas, ou seja, desafricanizadas) e uma África ao 
sul do Saara (negra, plenamente africana, dotada de uma irredutível especificidade étnico-
histórica), bem como a que separa uma África mediterrânea (desértica) e outra África 
“animista” (tropical e equatorial) sejam vistas como problemáticas, na medida em que opõem 
duas Áfricas, privilegiando a primeira em detrimento da segunda (DJAIT, 1982), elas 
orientaram muitos estudos acerca do continente africano, alimentando preconceitos e 
legitimando as colonizações. 
 
6 
 
Outra forma de narrar a história da África por meio do pensamento ocidental daquele 
período (mas não apenas) é tomar como referência o tráfico de escravos. Por isso alguns autores, 
a exemplo de Wlamyra Albuquerque e Walter Fraga Filho, defendem que o comércio de 
pessoas redefiniu os rumos da África negra, tornando o continente africano, sobretudo a partir 
do tráfico atlântico, o maior centro de dispersão populacional do mundo moderno 
(ALBUQUERQUE & FILHO, 2006). 
Com o passar dos anos, esse pensamento, mostrando-se livre de questionamentos, 
perpetuou – e ainda hoje perpetua – ideias como a da separação entre as Áfricas, da não 
historicidade da África negra e dos estereótipos raciais (HERNANDEZ, 2005). Felizmente, tais 
ideias têm sido duramente combatidas e superadas graças a sistemáticos estudos promovidos 
por estudiosos africanos (KI-ZERBO, 1982) e de outras partes do mundo, que com base numa 
vasta documentação, tem evidenciado as dinâmicas sociais e os intercâmbios entre as diversas 
regiões do continente, além de ressaltar a historicidade das sociedades subsaarianas, e de 
destacar a complexidade de suas organizações sociais e políticas (HERNANDEZ, 2005). 
Nesse sentido, vale destacar a descoberta e os estudos de certos manuscritos europeus 
(crônicas, diários, relatórios, etc.), a partir do século XV, escritos por viajantes, traficantes de 
escravos, comerciantes, exploradores, missionários, administradores coloniais, dentre outros. 
Tais sujeitos relatam suas experiências e impressões sobre as instituições africanas, bem como 
as relações destas com os territórios nos quais passavam. Por outro lado, os estudos 
arqueológicos contribuíram para suprir a dificuldade encontrada pelos estudiosos devido à falta 
de registros e/ou arquivos escritos nas comunidades ágrafas, permitindo a construção de 
narrativas que tomam como referência os artefatos arqueológicos. Por seu turno, os registros 
orais também passaram a ser utilizados como fonte riquíssima não apenas para a preservação 
da história e da tradição de comunidades predominantemente orais, mas, especialmente, para a 
construção de outras histórias que oportunizam a participação de outros atores sociais, os 
griots1, por exemplo, cuja função é reconhecidamente importante para a preservação e 
transmissão da história para as gerações mais novas. 
 
1 Termo de origem francesa. Entre nós popularizado por “griôs”, são contadores de histórias, geralmente anciãos, 
que foram e ainda são responsáveis pela transmissão de saberes e pela preservação da tradição oral e da memória 
dos ancestrais. Os griots estão atualmente espalhados por muitos lugares da África. No Brasil, o termo também 
passou a designar os(as) velhos(as) que exercem uma função social parecida com os griots africanos. 
 
7 
 
A partir, sobretudo, da segunda metade do século XX, muitos estudiosos do mundo 
inteiro passaram a se preocupar em ultrapassar os vestígios da história colonial em favor da 
experiência histórica dos povos africanos. Nesse sentido, Ki-Zerbo (1982) diz que muitos 
historiadores passarama estimular os africanos a estudarem a sua história, em prejuízo das 
narrativas “fundantes” e “autorizadas” dos europeus, corrigindo o que foi escrito sem e contra 
os próprios africanos, possibilitando, com o conhecimento do passado de suas próprias 
sociedades, o estabelecimento de sua identidade. 
Com efeito, no século XIX e início do século XX, a marca do regime colonial sobre 
os conhecimentos históricos falseou as perspectivas em favor de uma concepção eurocêntrica 
da história do mundo, elaborada na época da hegemonia europeia, difundida no mundo, graças 
aos sistemas educacionais instituídos pelos europeus no mundo colonial (CURTIN, 1982). 
Após a Segunda Guerra Mundial, os estudos de história passaram por uma dupla revolução: 
transformação da própria história, partindo da crônica para chegar a uma ciência social que trate 
da evolução das sociedades humanas; e substituição dos preconceitos nacionais por uma visão 
mais ampla. 
Nesse sentido, o papel dos historiadores da África (fora e dentro dela) era específico, 
considerando, por um lado, o fato de a história africana ter sido mais negligenciada que a das 
regiões não europeias equivalentes, e por outro, porque os mitos racistas a desfiguraram mais 
que as outras. Por certo, o racismo pseudocientífico ocidental do século XIX estabeleceu uma 
escala de valores na qual os africanos se situavam na base. Segundo essa percepção, a história 
da África não tinha valor, de modo que os africanos se tornaram objetos e não sujeitos da 
história. Esse racismo pseudocientífico exerceu influência máxima no início do século XX. 
Por serem, em sua maior parte, iletradas na época pré-colonial, as sociedades africanas 
eram consideradas “primitivas”. Todavia, a maior parte da África era letrada, no sentido de que 
uma classe de escribas sabia ler e escrever, mas não no sentido de uma alfabetização maciça 
(fenômeno pós-industrial). Assim, a principal preocupação dos historiadores da África era 
desmentir a afirmação segundo a qual, este continente não possuía passado a não ser, um sem 
interesse. Nessa perspectiva, um passo decisivo em direção à descolonização da história do 
período colonial se dá paralelamente à onda de movimentos nacionalistas pela independência, 
onde os africanos desempenham um importante papel. Outra forma de descolonização da 
história africana da época colonial advém de uma fusão da revolta contra o eurocentrismo e do 
movimento antielitista. Nesse caso, percebem-se os progressos da história analítica que 
 
8 
 
possibilitaram, de certa forma, uma independência em relação aos arquivos, uma vez que estes, 
em se tratando da história africana, foram criados e alimentados por estrangeiros e, portanto, 
seus escritos carregam os preconceitos de seus autores (CURTIN, 1982). 
Outro aspecto positivo em relação aos historiadores da África deve-se ao trabalho com 
as fontes orais da época pré-colonial, o primeiro período remonta aos anos de 1890 a 1914, e o 
segundo, ao início dos anos 60. Tais trabalhos influenciaram as outras ciências sociais, assim 
como impuseram o reconhecimento do dado de que a África “tradicional” não permaneceu 
estática, em muitas esferas observaram-se mudanças, tanto quanto as que ocorreram em outras 
sociedades. 
Alternativamente, a história africana se liga de forma visceral à tradição oral, que era 
transmitida de geração a geração. A palavra falada tinha valor moral fundamental e um caráter 
sagrado nas tradições africanas: fatores religiosos, mágicos ou sociais preservaram a fidelidade 
da transmissão oral. A tradição oral africana não se limitava à história, lendas, relatos 
mitológicos ou históricos. Ela seria, ao contrário, uma escola da vida; nela, o material e o 
espiritual se associam. Seria, simultaneamente, religião, conhecimento, ciência natural, 
iniciação à arte, divertimento e recreação. Finalmente, sendo fundada na iniciação e na 
experiência, conduziria o homem ao conhecimento e formação de si, bem como seu papel no 
universo (HAMPATÉ BÂ, 1982). 
 No processo de repensar o continente africano foi imprescindível, além do trabalho 
dos historiadores, a contribuição da antropologia contemporânea no conhecimento sobre a 
África. Ainda que tenham sido os antropólogos, os primeiros que colocaram os problemas mais 
sérios partindo de pontos “tradicionais” (sociedades primitivas, ilhotas culturais, grupos 
etnoculturais), subvertendo, de certa forma, as ideias ocidentais sobre a civilização africana, 
assim como contribuindo para a compreensão de determinadas sociedades africanas, muitos 
dos seus estudos reforçaram o colonialismo e o racismo, ao reiterarem o mito da missão 
civilizadora dos países europeus em relação às regiões caracterizadas pela “selvageria” dos 
povos “primitivos”. Além de terem resultado em graves lacunas na documentação relativa às 
sociedades africanas maiores e mais complexas, contribuindo com o mito de uma África 
“primitiva”. 
Por seu turno, a proliferação de universidades a partir de 1948 foi muito significativa 
do ponto de vista da história africana. Ressalta-se, contudo, que a evolução positiva no estudo 
da história africana só foi possível graças ao processo de libertação da África do jugo colonial. 
 
9 
 
Esse processo criou para os africanos, a possibilidade de retomar o contato com sua própria 
história e de controlar a sua organização. 
A história africana caminhou largos passos nos últimos anos, para lançar novos 
métodos e cobrir zonas não suficientemente exploradas. O pouco reconhecimento da história 
da África foi resultado da pouca produção acadêmica sobre o assunto, pois os estudos eram 
feitos, sobretudo, por amadores. Antes de 1950, nenhuma universidade africana propunha um 
programa satisfatório de especialização da história africana em nível de graduação, mas, a partir 
da década de 1970, muitos historiadores com doutorado elegeram a África como atividade 
principal. Contribuiu para tanto, alguns condicionantes históricos, dentre os quais, o movimento 
em relação à independência em algumas colônias (CURTIN, 1982). 
Finalmente, enquanto resultado dessas mudanças, nos últimos anos foram duramente 
questionados os estudos que buscavam estabelecer uma correspondência da cultura africana 
com a cultura ocidental. Novas perspectivas de compreensão sobre a África e os africanos 
surgiram a partir das novas reflexões da historiografia e da antropologia. Foi descartada a 
existência de uma África subsaariana, definida como um todo hegemônico, indiviso e estático, 
marcado pelo primitivismo, em favor da ênfase ao dinamismo histórico do continente. Do 
mesmo modo, verifica-se uma maior preocupação em identificar mitos fundadores, datas 
próprias e processos de transformação das sociedades pela capacidade constante de se criar e 
recriar internamente. Foi possível, ainda, a partir de novas epistemologias de busca e de 
investigação, o enfrentamento da percepção ocidental que transformava os africanos em meros 
objetos (e não sujeitos) de sua própria história e na história da civilização ocidental. Enfim, as 
novas abordagens permitem que percebamos, de uma vez por todas, que a África foi e continua 
sendo, ainda que por razões diversas, um “continente em movimento” (HERNANDEZ, 2005). 
 
 
 
 
 
 
10 
 
2. AFRICANIDADES: ALGUMAS DEFINIÇÕES 
 
Não se pode pensar a Africanidade enquanto (re) significação, valorização e 
visibilização da cultura africana, sem considerar a diversidade cultural da África e as 
especificidades da civilização deste continente. Essas particularidades estariam nos traços 
culturais próprios das suas várias regiões, especialmente da porção subsaariana, presente nas 
expressões artísticas, nos costumes, nos mitos, nas crenças, nas cosmovisões, nos rituais, nos 
gestos, nas atividades cotidianas, entre outros. Assim, se é possível falar em uma “comunidade” 
da África, essa se torna possível através de tais traços culturais e nãosimplesmente na pele 
escura de seus habitantes. Desse modo, a ideia de africanidade incorpora diversas 
características, tais como instituições sociais (família, casamento, etc.), organização política, 
língua, sistemas de crenças, visões de mundo, etc. Entre os africanos, é comum a celebração da 
família, seja considerada entre duas pessoas, seja entre famílias, seja entre tribos. Daí a função 
do casamento na vida social e no processo genealógico. Quanto à organização política, esta se 
dividia em poder, governo e democracia. O primeiro, exercido geralmente pelo patriarca, era 
baseado nos laços de sangue. Por sua vez, nas monarquias africanas, o monarca era soberano, 
ou seja, reunia os poderes de legislador, juiz e chefe do executivo. A democracia africana se 
caracteriza pela unanimidade e não pela maioria (MUNANGA, 2007). 
Em relação às línguas africanas, entre as centenas existentes, vale destacar a influência 
de algumas delas no português brasileiro. Dentre os fatores determinantes dessa influência, 
costumam-se aventar: o dado da superioridade numérica de negros e afrodescendentes em 
relação aos colonizadores europeus durante o período em que predominou o tráfico 
transatlântico e consequentemente, a contribuição dos falares desses sujeitos sobre a “língua 
geral”, utilizada até meados do século XVIII na comunicação entre colonizadores (incluindo os 
missionários); a formação de falares tipicamente afro-brasileiros constituídos no cotidiano das 
senzalas, bem como no trabalho das plantações, dos quilombos, das minas; e o estabelecimento, 
em algumas regiões litorâneas, de línguas rituais de base africana (conhecidas na Bahia como 
“língua-de-santo”), constituídas, sobretudo, por lideranças religiosas africanas e afro-brasileiras 
que guardavam, através delas, o segredo dos seus cultos. Como a maioria dos africanos 
chegados ao Brasil era oriunda de duas regiões da África subsaariana, a região dos bantos e a 
região sudanesa, algumas línguas dessas áreas foram trazidas para cá. Da primeira, as que 
tiveram maior número de falantes foram o quicongo, o quimbundo e o umbundo; da segunda, 
 
11 
 
as mais recorrentes foram as línguas da família kwa, em especial o iorubá – cujos falantes eram 
conhecidos aqui como nagôs – e as línguas do grupo ewe-fon – cujos representantes foram 
apelidados pelo tráfico de minas ou jejes (CASTRO, s/d). 
Estudando acerca das religiões africanas e das diferenças entre as civilizações 
africanas e as civilizações ocidentais, o etnólogo Bastide (1968) afirma que o que mais as 
distingue é justamente a experiência da “unidade dos mortos e dos vivos”. O autor mostra que, 
entre os africanos, a morte não é considerada o fim e o contrário da vida, uma ruptura, conforme 
concebem os ocidentais, mas, ao invés disso, ela marca uma transição, uma “passagem para um 
estágio superior”, de maneira que “os mortos e os vivos constituem uma mesma comunidade”. 
Se as civilizações ocidentais seriam civilizações das necessidades materiais, as africanas seriam 
civilizações do simbólico; daí a função do culto, que garantiria que os vivos se deixassem 
possuir pelos mortos, ao interiorizá-los: 
Assim, o ancestral poderá voltar ao mundo dos vivos, reencarnando-se no seu bisneto. 
Através dos sonhos, das confrarias de máscaras, dos relicários, a comunicação nunca 
é interrompida entre os dois mundos, que continuam, embora por meios diferentes, a 
dialogar incessantemente, a ajudar-se mutuamente, a controlar-se para o comum de 
uns e outros. (BASTIDE, 1968, p. 09). 
 
Bastide argumenta ainda que a separação cartesiana entre o sujeito e os objetos, 
distingue as civilizações ocidentais. Essa característica seria mais um dos elementos que as 
distanciam das civilizações africanas, que, contrariamente, seriam caracterizadas por sistemas 
de ligações que ordenariam as coisas; segue-se que as religiões africanas encarnam um 
pensamento anticartesiano, na medida em que são a “expressão de uma ordem, de uma 
harmonia entre os homens e as coisas, dos homens entre si, como objetos” (BASTIDE, 1968, 
p. 12). 
Tais constatações implicam, necessariamente, no enfrentamento da negação operada 
pelo discurso colonizador e/ou imperialista ocidental das identidades étnicas e das diferenças 
culturais dos diversos povos que habitam no território do continente africano. Na mesma linha 
de raciocínio, é preciso não perder de vista que foi justamente o discurso 
hegemônico/colonizador/ocidental que reforçou todo um projeto de dominação econômica, 
política, cultural e simbólica – e em seu lugar, toda uma sorte de estratégias de inferiorização, 
de categorizações binárias e assimétricas, de estigmatizações essencialistas – da qual àquele 
discurso lançou mão para que o processo de colonização fosse possível. 
 
12 
 
Se for procedente o fato de que atualmente, o continente africano tem sofrido 
enormemente por causa da violência e dos inúmeros conflitos tribais que dizimam anualmente 
milhares de civis, é igualmente verdadeiro que tais problemas têm origem desde o processo de 
devastação colonial, que culminaria no que ficou conhecido como “roedura da África”, levado 
a efeito pelas principais potências europeias, quando aquele continente foi partilhado por estas, 
para depois ser usurpado. Inaugurava-se aí, a institucionalização da violência contra os 
africanos. É por isso que podemos falar também da africanidade enquanto gesto político, 
decisivo numa agenda de transformação social e melhoria das condições de vida na África, pois 
permite, ao afirmar a particularidade e o valor das identidades africanas – que, longe de 
negligenciar os diversos problemas por que passa o continente (intolerância religiosa, cultural, 
conflitos étnicos, disputas políticas, de territórios, etc.), os utilizam como efeito de uma causa 
bem maior e anterior, isto é, a exclusão histórica da África –, chamar a atenção mundial para a 
dívida histórica que o chamado mundo desenvolvido ocidental tem para com os africanos. 
A propósito do processo de “roedura da África”, se consideramos que a Conferência 
de Berlim, realizada entre 1884 e 1885, a partir da qual as potências europeias, em nome da lei, 
impuseram novas fronteiras ao território africano, constituiu uma nova divisão geopolítica em 
favor dos seus interesses, é preciso contrapor que ela também desfez a quase totalidade das 
etnias e nações africanas do mapa geopolítico pré-colonial (HERNDADEZ, 2005). Os antigos 
territórios étnicos foram divididos em diversos países africanos, herdados da colonização, 
desconsiderando as especificidades locais ou os laços grupais dos vários povos. Uma vez que 
esse mapa persiste até hoje, nessa circunstância, entendemos mais claramente as causas dos 
referidos conflitos tribais ou interétnicos deflagrados em diversos países do continente. 
Concorrem, outrossim, para o fortalecimento da africanidade dois importantes 
movimentos que têm origem na América do Norte: o “pan-africanismo” e a “negritude”. O pan-
africanismo remonta ao fim do século XIX, com a diáspora negra, a partir da iniciativa, 
sobretudo, de intelectuais negros e/ou afrodescententes norte-americanos e de países de língua 
inglesa do Caribe, que defendiam a unidade dos africanos, tomando como referência não apenas 
os laços culturais e a origem comum africana, mas o flagelo da escravidão, da discriminação 
racial e da submissão colonial. O movimento pan-africanista desempenhou um papel 
fundamental nas lutas de libertação nacional de diversos países africanos. A negritude, por sua 
vez, foi um movimento estético-cultural que floresceu especialmente nos Estados Unidos, a 
 
13 
 
partir da literatura, e depois se espalhou pelo mundo. Embora tenha assumido feições e acepções 
diferentes, trata-se, em linhas gerais, da afirmação e valorização da identidade negra. 
Por fim, uma vez que a história e a formação da sociedade e cultura brasileiras estão 
diretamente vinculadasà África negra, é possível postular que a(s) Africanidade(s) Brasileira(s) 
remontam aos primeiros anos da colonização, com a chegada, através do tráfico transatlântico, 
de cativos africanos ao território que seria posteriormente convencionado como Brasil. 
Para entender mais sobre o movimento pan-africanista, trazemos o artigo do Professor 
universitário, Mestre em Sociologia e Doutorando em História da África pela Faculdade de 
Filosofia, Letras e Ciências da Universidade de São Paulo, Muryatan Santana Barbosa. O texto 
vai discutir sobre o processo de formação do movimento, sua importância étnico-racial e 
política e na construção da identidade africana. 
 
2. 1 PAN-AFRICANISMO E TEORIA SOCIAL: UMA HERANÇA CRÍTICA 
 
Muryatan Santana Barbosa 
 
 
Resumo: o Pan-africanismo nasceu da luta de ativistas negros em prol da valorização de 
sua coletividade étnico-racial. Sua marca original é a construção de visões positivas e 
internacionalistas acerca desta identidade, entendida como comunidade negra: africana e 
afrodescendente. Entre seus representantes, destacam-se intelectuais como E. Blyden, W. 
E. Du Bois, M. Garvey, Frantz Fanon e K. N’Krumah. Na segunda metade do século XX, 
esta tradição sofreu severas críticas no plano teórico e político. Sobretudo, por estar 
supostamente criando uma visão essencialista desta coletividade negra. Este ensaio visa 
expor, de forma resumida, a disputa em torno do ideário pan-africano. Por fim, irá 
destacar como alguns princípios norteadores desta tradição podem ser úteis como 
aspectos teóricos da nova agência negro-africana. 
 
Palavras chave: Pan-africanismo. Negritude. Pensamento negro. Diáspora negra. Teoria 
social. 
 
PAN-AFRICANISMO: PERÍODO FORMADOR (1870-1920) 
 
A primeira geração de ativistas que construiu as bases do Pan-africanismo, na segunda 
metade do século XIX, era formada por intelectuais de tradição ocidental. Eles falavam e 
 
14 
 
escreviam em línguas europeias, além de atuarem em instituições tipicamente “modernas”, 
como as Igrejas protestantes, as universidades, e os campos literários e jornalísticos. Em 
particular, na nascente Imprensa Negra à época, na África e na América. 
Esta primeira geração era formada por intelectuais negros, tendo por destaque ativistas 
como Paul Cuffee, Martin Delany, Booker T. Washington, Alexander Crummel, J. A. Horton, 
Bishop James Johnson, Edward Blyden, Marcus Garvey, W. E. Du Bois, Silvester Williams, 
entre outros. Na América, a questão central era o colonialismo interno, ou seja, a 
subalternização do negro nas sociedades nacionais americanas. Na África, o problema crucial 
era o colonialismo externo, com destaque para a discussão dos intelectuais negros 
estadunidenses sobre a formação da Libéria. 
Desde amplo debate surgiu os ideais primordiais do Pan-Africanismo: liberdade e 
integração (OLA, 1979: 49). Pelo objetivo deste ensaio, dar-se-á destaque para aqueles 
pensadores que focaram o ideal de uma comunidade negra em sua práxis. Entre estes, se 
destacam os estadunidenses B. Washington, A. Crummel, W. E. Du Bois e o jamaicano Marcus 
Garvey.2 
Os mais interessantes entre estes, dentro do escopo aqui trabalhado, são aqueles que, 
embora nunca se desvinculassem do dilema em torno da integração do negro à sociedade 
estadunidense, outros intelectuais da época, como se envolveram também no debate acerca da 
valorização do negro em escala internacional, como Crummel, Horton e Blyden e Du Bois. 
Particularmente, por sua participação na formação nacional da Libéria. Por tal, seu pensamento 
tendia a uma apreciação mais diaspórica do problema do negro.3 
Este era o caso, por exemplo, de Alexander Crummel. Ele trabalhou como pastor na 
Libéria por 20 anos. Lá, pregou o cristianismo e a união africana para o melhoramento da “raça 
negra”, entendendo por isto os africanos e seus descendentes. Postulava que os negros 
estadunidenses deveriam guiar os africanos para a civilização, sendo tolerantes com estes. 
 
2 Para um detalhamento das origens do Pan-africanismo, tema controvertido, ver, entre outros: Colin Legum. Pan-
africanism: a short political biography (1965); P. O. Esedebe. Origins and meaning of Pan-Africanism (Présence 
Africaine, n. 73, 1970) & Pan-Africanism: the idea and the movement (1982); Robert July. The origins of modern 
African thought (1968); John H. Clarke. Pan-Africanism: a brief history of an Idea in the African World (Présence 
Africaine, n. 145, 1988); Eduardo Déves-Valdés. O pensamento sul-saariano: conexões e paralelos com o 
pensamento latino-americano e o asiático (2008). 
3 A Libéria se tornou independente em 1847. Antes disto, desde 1821, o território era uma colônia da Sociedade 
Americana de Colonização, dos EUA. Esta colônia foi criada com a intenção de tornar-se um território de retorno 
dos escravos e dos ex-escravos que saiam dos EUA. Com o tempo, este grupo formou uma elite local, que fundou 
a nação. 
 
15 
 
Devido ao seu caráter paternalista, suas ideias sobre a liderança negra tiveram muitos adeptos 
nos EUA, mas muitos inimigos fora. Como observou recentemente K. Appiah (1995), entre 
outros, a ideia de raça era central as formulações de Crummel sobre esta unidade do negro. 
Todavia, não possuindo uma postura crítico-assimilativa desta noção, Crummel acabou por 
reproduzir a crença nas diferencias raciais biológicas, em voga em fins do século XIX. 
Pode-se observar, entretanto, uma crítica coerente desta noção biológica de raça, na 
mesma época, no pensamento de outro importante pensador negro da segunda metade do século 
XIX: J. Horton. Horton era também estadunidense, da mesma geração de Crummel. Foi um dos 
primeiros intelectuais modernos a desqualificar a ideia da degeneração da raça negra (africana, 
em seus termos), no livro Países e povos da África Ocidental: uma reivindicação da raça 
africana (1868).4 Formulando uma postura humanista sobre o tema, Horton defendeu a 
capacidade dos próprios africanos para formarem uma nação autogovernada, embora 
acreditasse que estes não deveriam dispensar o apoio dos ocidentais para isto. Foi um dos 
primeiros intelectuais estadunidenses a apoiar o direito de voto aos africanos nativos na Libéria; 
algo que só se concretizaria em 1904. Outro importante pensador a defender a ideia de um 
autogoverno africano, criticando a dominação dos negros estadunidenses na Libéria, foi o 
americano J. E. C. Hayford, em Instituições Nativas da Costa do Ouro (1903) 
(DÉVESVALDÉS, 2008: 80ss). 
Entretanto, o mais célebre dos autores a defender o ideal de autogoverno africano foi o 
intelectual caribenho Edward Blyden, que morou por décadas na Libéria. Sua argumentação 
em prol da igualdade entre africanos e afrodescendentes (em especial, estadunidenses) é que 
ambos fariam parte de uma mesma personalidade: a “personalidade africana”. Sua teoria 
buscava fundamentar a ideia de raça dando-lhe um enfoque cultural, enquanto especificidade 
de um povo, de uma circunstância histórica. No seu entender, a personalidade africana seria o 
caminho específico do negro (africanos e afrodescendentes) à civilização universal. 
E. Blyden foi um dos primeiros intelectuais a dizer que as sociedades africanas 
ancestrais tinham valores civilizatórios, como à importância que davam a família, a vida 
coletiva e ao uso comum da terra e da água. Estes valores deveriam ser reconhecidos 
universalmente. Segundo este autor, por este fato, dever-se-ia inclusive estabelecer um projeto 
para “africanizar” a África, aculturando as populações citadinas (nativas ou americanas) da 
 
4 Neste artigo optou-se por traduzir os livros citados. 
 
16 
 
região subsaariana. Este era um postulado pioneiro à sua época, sobretudo em relação aos seus 
colegas norte-americanos, que tendiam a acreditar na superioridade do afrodescendente 
americano em relação ao africano. Blyden entendia que este projeto de “africanização” seria 
uma etapa necessária paraa formação de um Estado único na África Ocidental subsaariana. 
Mas Blyden não parou por aí. Embora tivesse formação católica, defendeu que a 
assimilação dos valores islâmicos e cristãos pelos próprios africanos, como existiria no 
etiopismo5 e no islamismo africano da África saeliana, à época, seria parte deste processo de 
africanização. Por estas e outras razões, pode-se perceber que Blyden foi um dos principais 
pensadores de sua época, mostrando a importância do Pan-africanismo para o saber universal. 
Suas obras mais conhecidas foram Cristandade, Islã e a raça negra (1887), África Ocidental 
depois da Europa (1905) e Vida e costumes africanos, de 1908 (DÉVES-VALDÉS, 2008: 28-
37). 
 Outro autor fundamental desta primeira geração do Pan-africanismo foi Marcus 
Garvey. Jamaicano de origem, Garvey fez sucesso nos EUA no início do século XX, com seu 
projeto de “volta à África”. Com isto, ele não queria dizer que todos os negros americanos 
deveriam realizar este regresso – pelo menos, não em curto prazo –, mas que alguns deles, em 
especial aqueles que possuíssem conhecimentos técnicos modernos, deveriam fazê-lo, em prol 
do desenvolvimento do continente e de si mesmos. 
Garvey não foi um acadêmico, mas um homem político. Possuía notável oralidade e 
personalidade carismática. Suas passeatas em prol do negro reuniam milhares de adeptos. Com 
isto, ganhou projeção internacional desde a imprensa estadunidense, fato que o ajudou a 
participar da formação de diversos grupos pan-africanistas em todo o mundo. Sua retórica era 
de um anti-integracionista convicto. Acreditava que não havia saída para o negro na América. 
Para ele, só os mestiços teriam lugar neste continente, como auxiliares dos brancos. Por isto, 
dizia que os negos deveriam ir gradualmente voltando para a África. Lá seria o seu único e 
verdadeiro lar. Para concretizar este ideal de retorno coletivo à África, formou a Associação 
Universal para o Melhoramento do Negro. 
 
5 Etiopismo: movimento religioso e político africano, nascido no último quarto do século XIX, que pretendia 
formar Igrejas africanas autônomas, independentes das missões coloniais. Alguns líderes deste movimento 
fundaram sua própria leitura do cristianismo, como Nehemiah Tile, Orishtukeh Faduma, Bishop James Johnson e 
outros. O termo etiopismo deriva da autonomia religiosa Etíope, que reporta à civilização de Axum e à formação 
dos Reinos Etíopes (Esedebe, 1970: 119). 
 
17 
 
Garvey não deixou livros, apenas escritos e artigos, que serviram de inspiração a uma 
série de ativistas negros nos EUA e na África, especialmente no Entre-Guerras. Após a 2ª. 
Guerra Mundial, o garveysmo continuou tendo forte presença nos Congressos Pan-Africanos, 
contando com a participação de parentes de Garvey, com seu filho, Marcus Garvey Jr., e sua 
esposa, Amy Jacques Garvey (MOORE, 2008: 240). 
Mais jovem do que estes pioneiros, tem-se também a figura paradigmática do 
estadunidense W. E. B. Du Bois. Intelectual negro de exceção à sua época, Du Bois estudou 
nas Universidades de Fisk e Harvard, nos Estados Unidos, e Berlim, na Alemanha. No cerne de 
seu pensamento sobre o negro pode-se observar certos dilemas que se perpetuaram na literatura 
posterior sobre o tema. 
No início de sua carreira, Du Bois escreveu, geralmente, para o negro estadunidense, 
como em Almas do povo negro (1903). Disse que este vivia divido por uma dupla consciência: 
comunal (negra) e nacional (estadunidense). Com o passar dos anos, Du Bois passou a entender 
este fato como um reflexo local do verdadeiro dilema universal do negro, emparedado entre a 
busca de sua especificidade e a integração ao Ocidente. Ele interpretava este dilema tendo, por 
premissa, a dicotomia clássica da filosofia romântica alemã: cultura x civilização. Dizia, neste 
sentido, que o negro possuiria uma essência (cultural) que se contrapunha à lógica materialista 
e temporal da civilização ocidental. Por isto, postulava que, longe de ser algo temerário, isto 
seria algo que os negros de todo o mundo deveriam se orgulhar. Pois aí residia a fonte da 
originalidade e criatividade perdida pelo Ocidente. Seu apelo era para que esta alma negra fosse 
incorporada como um valor positivo à civilização ocidental. Só assim, esta poder-se-ia 
reivindicar, de fato, patrimônio democrático da humanidade (IJERE, 1974: 188ss). Em sua 
famosa frase, o futuro da América e do mundo dependia disto, afinal, o “século XX seria o 
século do confronto racial”. Sua obra inicial mais famosa foi As almas do povo negro (1903); 
publicada no Brasil como As almas da gente negra... Du Bois não só escreveu, mas também 
trabalhou em prol do negro. Tornou- se uma figura central no movimento negro estadunidense, 
onde se opunha a influência de Booker Washington e Marcus Garvey. Os conflitos entre estes 
foram intensos. Buscando se aproximar da questão negra em outros países, foi organizador de 
importantes encontros, como os Congressos Pan-Africanos na primeira metade do século XX 
(Londres, Paris e Bruxelas, 1919; Londres e Lisboa, 1921; Nova York, 1927; Manchester, 
1945). Aí, deu continuidade ao trabalho político do antilhano Henry Sylvester Williams, 
organizador do Primeiro Congresso Pan-Africano, em Londres, em 1900. Por isto, ambos 
 
18 
 
podem ser vistos como os iniciadores do Pan-africanismo como movimento político, além de 
movimentos de ideias. Nestes, defendeu as independências nacionais africanas e a luta dos 
negros na América por melhores condições de vida. Ademais, buscou construir alianças 
concretas que possibilitassem tal fato, como o “cooperativismo negro”, a “solidariedade negra”, 
etc. (IJERE, 1974: 190ss). Foi também um incentivador do estudo da África pelos próprios 
negros, algo que só iria se fortalecer posteriormente. Por estas e outras razões, sua influência 
fez-se sentir no pensamento de diversos intelectuais africanos do Pós-Guerra (2ª. Guerra 
Mundial), como Leopold Sédar Senghor, Asikiwe Nandi, Jomo Kenyatta e Kwane N´Krumah. 
É interessante notar como os intelectuais negros sul-americanos e africanos 
praticamente não participam deste debate acerca da temática negra entre fins do século XIX e 
início do XX. Em parte, como observa o historiador Devés-Valdés (2008), tal fato pode ser 
explicado pela inexistência de redes de contato entre os intelectuais negros destas regiões com 
o centro da produção intelectual negra da época, os EUA. Afinal, era a partir de lá que se 
formam as frágeis redes de relações entre os dois lados do Atlântico, entre a costa Leste 
estadunidense e a costa da África Ocidental. Por outro lado, tal fato revela o massacre que as 
políticas antinegro – eugenistas na América e colonialista na África –, trouxeram para a 
comunidade negra nos dois lados do Atlântico à época. Nesta política de aniquilamento, 
qualquer crítica à superioridade branca era silenciada. O pouco conhecido ensaio de Lima 
Barreto, Elogio da morte, é um dos mais fortes testemunhos deste fato. 
Por outro lado, no campo das ideias, contribuições como as de Edward Blyden e W. E. 
Du Bois mostram a importância que uma postura crítico-assimilativa acerca da tradição 
ocidental teve para a formulação de uma percepção mais positiva acerca da comunidade e da 
contribuição negro-africana para o mundo. Falando para um público majoritariamente 
americano e europeu, os intelectuais desta geração (1870-1920) reformularam teorias e ideias 
ocidentais para os seus próprios propósitos, consolidando um sentimento de coparticipação do 
negro em uma mesma comunidade de interesses, enquanto raça, etnia, povo, espírito, 
comunidade, etc. Assim se funda a ideia força do Pan-Africanismo, dialogando com o universo 
simbólico contemporâneo para embasar uma luta comum do negro (africano e afrodescendente) 
contra o colonialismo e o racismo. Desta práxis surgiu o lema clássico que definiu o Pan-
Africanismo do século XX: liberdade e integração. Uma ideia que seráretomada pelas gerações 
posteriores dos intelectuais negros e não negros. 
 
 
19 
 
PAN-AFRICANISMOS: CULTURA E HISTÓRIA 
 
A segunda geração pan-africanista, formada a partir de 1920, é marcada por uma 
diversidade de perspectivas. Visando resumir esta heterogeneidade, distinguir-se-á dois tipos-
ideias: a) pan-africanismo cultural; b) pan-africanismo histórico.6 O primeiro tem sua origem 
no pensamento de autores do período formador, em especial, Blyden e W. E. Du Bois. Mas 
encontrará o seu auge com a negritude francófona, nos anos 1950. O segundo, por sua vez, tem 
sua origem na historiografia sobre a escravidão e a formação do mundo atlântico, dos anos 
1930, em Eric Williams, C. L. R. James, G. Padmore e outros. Todavia, se consolidará nos anos 
1960, com a figura intelectual de Cheikh Anta Diop. 
Os Pan-africanismos culturais se consolidaram nos anos 1920, nas redes de relações 
entre os intelectuais negros e o público ocidental, na Europa e EUA. A marca maior deste 
período inicial será, sem dúvida, a produção literária e artística. Entre os grandes escritores 
negros que se iniciaram no período, pode-se destacar nomes como René Maran, Jean Toomer, 
Claude McKay, Price-Mars, René Ménil, Langston Hughes e outros. Entre os artistas e músicos, 
vê-se a consagração da bailarina Joséphine Baker, do jazz, do samba, da salsa, etc. Os pontos 
cardeais desta renovação cultural serão Paris e New York, onde se forma o movimento do 
Harlem Renaissance. Trata-se, em suma, de um período de intensa incorporação simbólica do 
negro à cultura artística ocidental. É isto o que o sociólogo Antonio Sérgio Guimarães (2003) 
intitulou de “modernidade negra”: o new negro é o negro enquanto parte de uma visão de mundo 
moderna, marcada pelo gosto de tudo aquilo que é tido por novo e original. 
Na Europa Ocidental, em especial, na França, esta “modernidade” será fruto de um 
ambiente intelectual menos explicitamente racista em relação ao negro, fruto de sociedades 
traumatizadas pelas Guerras Mundiais e pela ascensão do Nazismo. Este ideal de tolerância foi 
defendido por diversos intelectuais negros lá residentes (sobretudo africanos e antilhanos), além 
de encontrar apoio em importantes intelectuais da época, como Pablo Picasso, Emmanuel 
Mounier, Andre Gide e Jean-Paul Sartre. 
É interessante notar como esta visão mais estética e culturalista do negro, alicerçada na 
literatura e nas artes cênicas e visuais, torna-se gradualmente consagrada nos anos 1920 e 30. 
 
6 Esta distinção tem caráter típico-ideal, seguindo a tradição weberiana. Ou seja, abstrai certos elementos puros, 
que servem como guia de análise geral. Cada autor e corrente teórica aqui citada, evidentemente, possui suas 
particularidades próprias, que não poderão ser aqui pormenorizadas. 
 
20 
 
O livro do filósofo Valentim Mudimbe, A invenção da África (1994), é interessante neste 
particular. Ele mostra como esta percepção cultural do negro, estava baseada numa construção 
mítica da África e da cultura negra feita, em grande parte, pelo próprio Ocidente, desde fins do 
século XIX. Ele destaca, por exemplo, o papel fundamental que a Etnologia da época teve 
enquanto formadora deste olhar culturalista sobre o negro, em especial, o africano. 
Evidentemente, há aí a necessidade de legitimar uma ação. Afinal, quanto mais bárbaro o Outro, 
maior seria a necessidade da dominação ocidental, visando civilizá-lo. Mas, segundo Mudimbe, 
mesmo os europeus bem intencionados, como L. Frobenius, M. Herkovitz, Delafosse e Pablo 
Picasso, não conseguiram fugir a esta exotização da África e do negro. Aliás, isto era justamente 
o que os atraia: o gosto pelo novo. Por isto, estes teriam colaborado para formar uma imagem 
da África como um continente dominado pela tradição, cuja única característica definidora seria 
a irredutível diferença cultural. Trata-se de uma forma de ver o negro e deste ver-se a si próprio 
que será marcante no pensamento negro, pós-1945. 
Este fato pode ser observado, por exemplo, no mais importante movimento intelectual 
negro da década de 1950: a negritude francófona. Originada em Paris, nas redes de interação 
entre os intelectuais negros vindos de diversas partes do mundo (África Ocidental, Antilhas, 
Caribe e EUA), a negritude se tornou, ao longo da década de 1950 e 1960, um movimento 
cultural de renome internacional. Embora de forma heterogênea, os intelectuais da negritude, 
na essência, buscaram demonstrar uma ideia central fundamental: a contribuição cultural do 
negro à civilização universal (MUNANGA, 1986). Um tema que era exposto e aprofundado 
nas mais variadas formas artísticas e literárias: poesia, ensaio, teatro, artes plásticas, etc. Para 
isto, reconstruíram ideias com as de “personalidade africana” e “subjetividade negra”, que 
foram desenvolvidas diferentemente pelos seguidores do movimento. Seus principais nomes e 
organizadores foram o matiniquense Aimé Cesaíre, o guineense Léon Damas e o senegalês 
Sédar Senghor, contando ainda com a participação de Jacques Rabemananjara, Léonard 
Sainville, Aristide Maugeé, Birago Diop, Ousmane Soce e dos irmãos Achille (MUNANGA, 
1986). 
Entre as décadas de 1930 e 50, portanto, visão do new negro – no Harlem Renaissance 
e na negritude francófona –, tendia a reproduzir perspectivas mais culturalistas e espiritualistas 
deste. Elas coincidiam em reforçar uma visão Pan-africana do negro, que não se limitava a uma 
perspectiva nacionalista. Tanto lá, quanto cá, o negro era visto desde uma ótica 
internacionalista, focada na África e na Diáspora. Era próprio de um pensamento que não era 
 
21 
 
articulado apenas na África, mas que se formou, no período entre 1920 e 1945, em redes 
transnacionais, na Europa (sobretudo Londres, Paris e Lisboa), EUA (New York) e América 
Afro-Latina; em especial, no Caribe. 
O sucesso da negritude ajudou a elaborar outras realizações que permitiram a 
organização de redes de contato da intelectualidade negra nos 1950 e 1960. A principal delas 
talvez tenha sido a formação da Sociedade Africana de Cultura6 e de sua revista, Présence 
Africaine7, principal órgão de divulgação do pensamento da intelectualidade africana e 
afrodescendente do pós-Guerra. Ambas organizadas sob a liderança de Alouine Diop. Retoma-
se ali um elo diaspórico negro, em que os intelectuais africanos e afrodescendentes se colocam 
como copartícipes de uma mesma comunidade de interesses, na luta contra o racismo e o 
colonialismo. Esta unidade de interesses tende, neste momento, a superar as diferenças, 
sobretudo entre africanos e afrodescendentes americanos. 
Os dois Congressos de Escritores e Artistas Negros, em Paris (1956) e Roma (1958), 
são uma concretização deste ideal. Nestes, a descolonização do ser e do saber negro-africano 
colocam-se como questões de primeira ordem. Além da negritude francófona, esta visão mais 
culturalista do negro foi difundida internacionalmente a partir dos anos 1950, com a publicação 
de estudos filosóficos sobre a unidade do Ser negro-africano. Estes, direta ou indiretamente, 
também impulsionaram uma visão Pan-africana desta coletividade. Este é o caso, por exemplo, 
de estudos como os de Placide Temples (A Filosofia Bantu, 1959), E. Idowu (Oludumare, 
1962), Jahn Janheinz (Muntu, 1963), L. S. Senghor (Negritude e Humanismo, 1964), J. Mbiti 
(Religiões Africanas e Filosofia, 1969), Haris Memel-Foté (A Ideia de Mundo nas Culturas 
Negro-Africanas, 1970), Alexis Kagame (A Filosofia Bantu Comparada, 1973), Okot p´Bitek 
(Religiões Africanas nas Academias Ocidentais, 1971) e outros. Em tempos recentes, esta 
tradição repercute na filosofia africana atual com uma perspectiva mais modesta, que busca 
redefinir os nos trabalhos de autores como Kwasi Wiredu, Kwame Gyekye, Tsenay 
Serequeberhan e outros. Tal empreendimento tende a formando um saber cada vez mais 
particularizado e especializado (WIREDU, 2006: 16ss). 
 
7 Principal revistado mundo negro-africano no século XX. Seu idealizador e diretor inicial foi o intelectual 
senegalês Alioune Diop (1910-1980). O primeiro número da revista foi lançado em 1947, com o apoio de 
importantes nomes da intelectualidade europeia, como Jean Paul-Sartre, André Gide, Albert Camus, Théodore 
Monod, Georges Padmore, Emmanuel Mounier, Roger Bastide e outros. Seu intuito era a defesa do pensamento e 
das civilizações negro-africanas. Um de seus principais eventos foi a organização do Primeiro Congresso de 
Escritores e Artistas Negros, em Paris, em 1956. 
 
22 
 
Além destes Pan-africanismos, focados no problema da cultura, me parece que outra 
forma de conceituar os Pan-africanismos do século XX seria interpretá-los como percepções 
historiográficas da unidade afro-negra. Daí a tendência em construir, a partir da história, um 
paradigma comum de estudo e de práxis desta coletividade. Genealogicamente pode-se 
observar a origem desta tendência nos primeiros estudos sobre o “problema afro-negro”, como 
unidade própria, em trabalhos historiográficos pioneiros que relacionaram o fenômeno 
escravista com a formação do mundo moderno, como nos trabalhos de Eric Williams (O negro 
e o caribe, 1942; Capitalismo e escravidão, 1944) e C. L. R. James (Jacobinos negros, 1938). A 
questão que se colocava então para estes autores era próxima. Tratava-se de incorporar a 
importância do escravismo e das relações étnico-raciais nas discussões de época sobre a 
formação e reprodução do capital, que envolviam diversos intelectuais ligados ao marxismo, 
desde fins do século XIX. Isso porque, na medida em que se pudesse comprovar a importância 
do escravismo e da classificação racial para o desenvolvimento do capitalismo, poder-se-ia 
incluir a discussão sobre as questões ético-raciais sobre o negro no debate marxista de então. 
Algo que, segundo Padmore e outros, apesar de ter sido incorporada pela ótica anticolonialista 
de Lenin na 3ª. Internacional estaria sendo secundarizada na política da Frente Única, 
comandada por Stalin na década de 1930 (WORCESTER, 1996:31). G. Padmore foi 
particularmente crítico neste ponto, em Pan-Africanismo ou Comunismo? (1956). 
Entretanto, a figura central desta tendência pan-africana na história foi, sem dúvida, o 
senegalês Cheikh Anta Diop, um dos grandes historiadores do século XX. Diop foi o primeiro 
pensador a construir um paradigma pan-africano coerente para a historiografia baseada nesta 
teoria social. Historiograficamente suas ideias fundamentais, expostas em livros clássicos como 
Nações negras e cultura (1955) e Anterioridade das civilizações africanas (1967) eram duas: a) 
a África como berço da humanidade; b) a unidade afro-negra, fundada na sua relação histórico-
cultural com o Egito Antigo e a Núbia, enquanto primeiras civilizações humanas.8 Estas seriam 
a premissa científica para o estudo da Antiguidade Clássica (por consequência, greco-romano) 
e das sociedades africanas sul-saarianas (Mamadou Diouf & Mohamad Mboji, 1992: 120). Por 
 
8 Para Diop, esta civilização negra teria, inclusive, consciência de sua negritude à época. Kemético é um termo 
utilizado por Diop, e pela maioria dos afrocentristas contemporâneos, para se referir à pertença negra dos egípcios 
antigos. Segundo estes, Kmt, geralmente transcrito como Kemit ou Kemet, era um dos nomes pelos quais os 
egípcios denominavam a si mesmos e a sua nação. Ela significaria, segundo estes, “Os pretos” e “A terra dos 
pretos”. Isso é considerado importante por estes porque demonstraria que os antigos egípcios tinham consciência 
de sua negritude (Farias, 2003: 330). 
 
23 
 
seu engajamento teórico e político, Diop se transformará num ícone para a maioria dos 
historiadores africanos que se formará nas décadas entre 1960 e 70. Entre estes, alguns seguirão 
à risca seu projeto de estudos para a história africana, que foi posteriormente intitulado de “afro-
centrista” – termo que o autor nunca utilizou (WINTERS, 2002: 121). No geral, todavia, está 
visão será retomada, por tais historiadores, como uma perspectiva possível dentro de uma 
pluralidade crescente de interpretações de viés pan-africanista a partir dos anos 1970, 
trabalhadas, entre outros, por Theophile Obenga, John Clarke, Yosef Ben-Jochannan, Joseph 
Ki-Zerbo, Van Sertima e Molefi Asante. A realização de determinados Congressos de 
historiadores africanos, ao longo das décadas de 1960 e 70 foi essencial para isto, pois, ali, se 
reunia a nascente geração de historiadores africanos, comprometidos com uma postura 
afirmativa do pan-africanismo (BARRY, 2004; BARBOSA, 2008). 
Pan-africanismos: dilemas e críticas A ênfase aqui dada à questão da unidade dos vários 
pan-africanismos ao longo do século XX, enquanto lócus antirracista e anticolonialista, não 
deve encobrir a percepção das importantes divergências que vão aí se delineando. Talvez a mais 
importante destas seja a oposição que se constrói no final da década de 1950, entre dois grandes 
nomes da intelectualidade negra do século passado: o senegalês Leopold S. Senghor (político, 
escritor e organizador da negritude francófona) e o martiniquense Frantz Fanon (psiquiatria 
formado na França, que se tornou intelectual orgânico da Frente de Libertação Nacional da 
Argélia). Destaque-se aqui tal discussão, pois ela trouxe consequências importantes nas 
redefinições posteriores sobre a temática pan-africana. 
No cerne desta polêmica entre tais pensadores estava o problema das independências 
nacionais africanas. Após sair vitorioso na conquista da Independência do Senegal, da qual foi 
o primeiro presidente, Senghor passou a defender uma posição cada vez mais branda da 
negritude, postulando que esta deveria ser entendida não como uma oposição à civilização 
ocidental, mas como uma complementação desta; inclusive, via miscigenação. Neste sentido, 
Senghor, falando em relação aos países ex-coloniais francófonos, destacou a importância que a 
tradição cultural francesa deveria continuar tendo na formação cultural das nações africanas. 
Buscando uma aproximação com a antiga Metrópole, Senghor postulou, ademais, que as 
Independências dos países ainda colonizados pela França, como a Argélia, deveriam ser 
graduais e pacificas. Tal posição trouxe profunda decepção a Fanon e outros defensores radicais 
das Libertações Africanas. No seu mais famoso livro, Os condenados da terra (1961), Fanon 
atacou teórica e politicamente esta posição de Senghor e seus seguidores – não necessariamente 
 
24 
 
do movimento da negritude. Ali, Fanon defendeu que o Pan-africanismo de Senghor era uma 
fase ultrapassada na compreensão do problema do negro e do colonialismo no mundo, em que 
os intelectuais negros estavam ainda preocupados em serem compreendidos e respeitados pelos 
ocidentais. Colocando-se contra tal percepção, Fanon dizia que, a partir de então, a negritude 
deveria ser repensada em termos de luta revolucionária, contra o colonialismo e o 
ocidentalismo. Neste sentido, a tradição popular e a cultura negro-africana interessariam apenas 
enquanto elementos da revolução nacional, conquistada pelos condenados da terra (camponeses 
e lumpesinato urbano). Isto seria algo que, segundo Fanon, já estaria ocorrendo por toda a 
África, para o desespero das lideranças reformistas, que defendiam um nacionalismo moderado 
e burocrático. Evidentemente, as consequências radicais do pensamento de Fanon foram em 
parte esquecidas por alguns dos seus seguidores. Em duas questões, entretanto, as posições de 
Fanon se tornaram paradigmáticas para a literatura posterior sobre o tema do negro e da África. 
A primeira delas foi sua compreensão da negritude, como cultura e a tradição africana, 
como algo dinâmico, ligado à vivência popular. A segunda foi sua visão do processo de 
Descolonização como algo em aberto, entendendo-a como uma luta que se coloca também 
contra o neocolonialismo dos países recém-independentes. Este últimoaspecto do pensamento 
de Fanon foi posteriormente retomado, por exemplo, pelo maior líder pan-africanista da 
segunda metade do século XX, o nigeriano Kwane N´Krumah, em livros de sucesso à época: 
Neo-colonialismo, fase superior do capitalismo (1965), África precisa se unir (1963) 
Consciencionismo (1964). Aí, entretanto, já era corrente uma aproximação com as tendências 
marxistas e a experiência concreta de países pós-coloniais ligados ao chamado “Socialismo 
Africano”, lideradas por Jomo Kenyatta (Quênia), Senghor (Senegal), Julius Nyerere 
(Tanzania), Sékou Touré (Guiné), Patrice Lumumba (Congo) e o próprio N´Krumah Nigéria). 
O período pós-colonial, em África, redirecionou, sem dúvida, as discussões sobre o Pan-
africanismo. Por um lado, como já foi dito, o Pan-africanismo, desde a década de 1970, passou 
cada vez mais a ser tido como uma ideologia política pragmática, que independe de teorizações 
intelectuais. Na melhor das hipóteses, isto significa que alguém se torna Pan-Africano (ou não) 
se isto facilita o desenvolvimento e a unidade nacional. 
Na pior, o Pan-africanismo torna-se um discurso de políticos profissionais, mais 
interessados em se perpetuar no poder do que na real unidade africana. Por outro lado, o 
surgimento dos conflitos étnicos em muitos países africanos pós-independentes, fez com que a 
questão da unidade afro-negra fosse sendo gradativamente minada, como uma utopia futura. 
 
25 
 
No plano teórico, estas duas questões primordiais fizeram com que, de um modo geral, na 
África, durante os anos 1980 e 1990, a temática Pan-africana tendesse a dar lugar à discussão 
sobre as etnicidades africanas. Poucos são os estudos de África que hoje falam do “africano”. 
Fala-se do bambara, haussa, mandiga, etc. Do mesmo modo, vê-se a proliferação atual de 
estudos de história regional no continente. Seja como for, o Pan-africanismo vai-se tornando, 
em África, um discurso de diplomatas, abrindo espaço para o “afro-pessimismo”. 
Esta tendência atual é contrabalanceada, em parte, pela existência de uma bibliografia 
produzida por intelectuais africanos, geralmente nos EUA e Europa, cada vez mais abundante 
sobre a África, especialmente na literatura. Trata-se de uma intelectualidade mais nova que, em 
geral, não comunga com os ideais pan-africanistas de outrora. Pelo contrário, advinda da Era 
Pós-Colonial africana, muitos destes intelectuais, como Kwane Appiah, V. Mudimbe e Ali 
Mazrui, possui uma visão bastante crítica da própria África. Sobretudo das elites africanas, que 
teriam tido um papel decisivo no atraso africano. Num estudo premiado (Na casa de meu pai, 
1992), por exemplo, K. Appiah faz isto quando fala, entre outras coisas, da relativa limitação 
do poder colonial na Nigéria; assim como dos males que o racialismo pan-africanista teria 
criado para o pensamento social africano. Em última instância, é uma argumentação que visa 
compreender os males africanos direcionando o foco de suas críticas às próprias elites locais. 
Trata-se de uma caracterização que, em geral, é vista como oposta àquelas anteriores, de origem 
pan-africana, que, supostamente, estariam entendendo os males africanos como simples 
epifenômeno da dominação européia-ocidental; seja ela representada pelo tráfico escravista, 
pela Era Colonial, Imperialismo ou pelo Neocolonialismo. Neste sentido, como comenta o 
historiador John Iliffe (1995: 1), os trabalhos recentes sobre a África devem ser vistos, no 
contexto contemporâneo, como sintomas da crise moral advinda da derrocada dos Estados 
africanos pós-descolonização.9 Esta visão crítica do pan-africanismo, em especial, daqueles 
pan-africanismos centrados na unidade cultural – como a da negritude francófona –, vem sendo 
corroborada por uma série de intelectuais das mais variadas origens e formações, nas últimas 
décadas. Falou-se já de Appiah, mas outros intelectuais negros de relevo, como Paul Gilroy 
 
9 A discussão acadêmica atual dos africanistas sobre o tráfico escravista é um bom exemplo. Thornton, por 
exemplo, em Os africanos no mundo atlântico (2004), defende que sem a participação efetiva das elites não se 
explicaria o volume e a intensidade do tráfico escravista moderno. Paul Lovejoy, por outro lado, em 
Transformações do trafico escravista (2002), fez um estudo pormenorizado tentando mostrar que o volume 
quantitativo deste é bem menor do que os estudos anteriores apontavam, em especial, os de Eric Williams 
(Capitalismo e escravidão) e Walter Rodney (Como a Europa subdesenvolveu a África). Na prática, a ênfase da 
crítica historiográfica não é mais o colonialismo ocidental, mas as elites africanas. 
 
26 
 
(Atlântico negro, 1995), por exemplo, vem postulando também uma crítica ao suposto 
essencialismo racial dos pan-africanistas das gerações passadas. Gilroy, em especial, foi 
explicito neste ponto ao afirmar que a tarefa da intelectualidade não é a de defender identidades 
coletivas – mesmo aquelas criadas pelos grupos discriminados historicamente –, mas 
demonstrar a falsidade intrínseca destas; sobretudo as relacionadas com as identidades raciais. 
Coloca-se, aí, de forma singular, a eterna querela entre particularistas e universalistas em torno 
da compreensão dos povos. 
 
PAN-AFRICANISMO: O PROBLEMA DA AGÊNCIA 
 
O Pan-africanismo foi construído ao longo do século XX, como um tipo de percepção 
intelectual e política que fundamentava uma visão unitária da África e da população negra 
(africana ou afrodescendente). Este era a premissa para pensar a contribuição desta coletividade 
à história mundial. Para isto, se buscou as mais variadas tradições teórico-metodológicas, 
passando pelo debate em torno da história, estética, subjetividade, economia-política, cultura, 
etc. Todavia posteriormente, pode-se aí observar uma agência bem definida, buscando legitimar 
este viés teórico e político. As décadas de 1980 e 1990 marcaram uma difusão consagradora do 
campo de estudos étnico-raciais, em várias partes do mundo. Embora, muitas vezes, não se 
possa associar esta ampliação com a recuperação do pensamento Pan-africano, percebe-se que 
há, afinal, na academia internacional, certa disposição dos estudiosos em ver o negro e o 
africano sujeitos históricos de fato. Em se tratando da justificação de uma agência única de 
estudos, afronegra, o intelectual estadunidense Molefi K. Asante foi um dos contemporâneos 
que mais contribuiu para este fato atualmente, estabelecendo os seguintes critérios para os 
chamados estudos da Afrocentricidade:10 a) interesse pela localização psicológica dos autores 
que tratam do assunto; b) compromisso com a descoberta do lugar do africano (e seus 
descendentes) como sujeito histórico; c) defesa dos elementos culturais africanos (na África e 
na diáspora); d) compromisso com o refinamento léxico, necessário para a contextualização da 
análise; e) compromisso com a construção de uma nova história da África: afro-centrada 
 
10 A Afrocentricidade é definida por Asante como a conscientização da agência dos povos africanos. Ele define a 
agência como a capacidade de dispor dos recursos psicológicos e culturais necessários para o avanço da liberdade 
humana (Asante, 2009: 94). A teorização da Afrocentricidade foi feita por Molefi Asante, sobretudo, nos seguintes 
livros: Afrocentricidade, a teoria da mudança social (1980); A ideia afrocêntrica (1989); Kemet: afrocentrcidade 
e conhecimento (1990). 
 
27 
 
(ASANTE, 2009: 96). No tocante à construção desta agência única a postulação de Asante é 
interessante, sintetizando ideias tradicionais do pensamento pan-africano do século XIX e XX. 
Neste sentido, ao longo das últimas décadas, os estudos “Africana”, principalmente nos 
EUA, têm desenvolvido uma série de aspectos teóricos e metodológicos, que complementariam 
o caráter transdisciplinar desta nova agência de estudos centrados na experiência negro-
africana. Para finalizar este artigo, faz-se útil recuperaralgumas questões centrais colocadas 
pelos pensadores pan-africanos aqui citados, que podem contribuir com a discussão atual da 
agência negro-africana, em formação, e para a teoria social, como um todo. Em primeiro lugar, 
como já dizia W. E. Du Bois (IJERE, 1974: 189), os estudos humanísticos, que visam recuperar 
o sujeito e a cultura africana (e diaspórica) têm que se lembrar que a realidade histórica está ao 
seu lado. Afinal, a contribuição africana e negra para o mundo é algo irrefutável. E, além disto, 
sendo o homem negro um homem como outro qualquer, é inevitável que, em sua história, se 
encontre também as características inovadoras de toda ação humana, seja no plano cultural, 
simbólico, político, etc. Com o apoio da teoria social hoje existente, o pesquisador tem um 
apoio amplo e diverso para comprovar este fato histórico. Isto, aliás, é algo mais favorável 
atualmente, do que nos tempos de Du Bois, quando o racismo explícito (separatista) era o mais 
difundido internacionalmente. Secundariamente, creio que as tentativas de reconstrução 
histórico-sociológicas da África e do negro, devem estar necessariamente, ligadas à crítica de 
dois paradigmas fundantes e inter-relacionados do pensamento moderno ocidental: o 
eurocentrismo e o evolucionismo. 
Neste particular, em verdade, muitas versões do Pan-africanismo teórico foram 
incapazes de autocrítica, estabelecendo, por muitas vezes, o Estado-Nação como ethos 
teleológico de seus trabalhos. A geração de historiadores africanos do pós-guerra foi 
especialmente criticada neste ponto (NEALE, 1985). Hoje, todavia, esta crítica do 
evolucionismo e do eurocentrismo pode ser embasada em diversas filiações teóricas, dentro e 
fora da tradição acadêmica europeia. Em verdade, o fato deste debate já estar em curso, ajudou 
a projetar uma desconfiança prudente de termos antes inquestionáveis, como progresso, 
civilização e modernidade. 
Aí, entretanto, penso que mais vale à ressignificação conceitual do que a desconstrução. 
Neste sentido, cabe repensar quais os valores adequados que representariam, hoje, os ideais de 
Bom e Belo que estão engendrados nestas categorias. Por exemplo, não é Belo e Bom que uma 
sociedade específica, historicamente datada, consiga valorizar o bem-estar de sua população, 
 
28 
 
sem que isto implique exploração (direta ou indireta) de povos alheios? Sendo assim, por que 
não estudar, por exemplo, no Reino do Congo, a possível existência de um modo civilizado de 
vida comunal ou de relação econômica, mais voltado para a pacificação social do que para a 
exploração de classe? Como produzir categorias e instrumentos metodológicos que embasem 
tal investigação? Estas são o tipo de questões que podem nortear o trabalho intelectual. Trata-
se, pois, de pensar as perguntas adequadas a serem respondidas. 
Afinal, o passado sempre será algo em aberto. Ir nesta direção significa a capacidade de 
descolonizar a mente. Ou seja, ter uma postura crítico-assimilativa dos conceitos norteadores 
da compreensão de realidades histórico-sociais. O terceiro ponto essencial relativo à 
contribuição pan-africana diz respeito à postulação de um saber comprometido com a luta pela 
Descolonização, entendendo-a como um processo em aberto. Neste caso, vale lembrar, 
sobretudo, de Frantz Fanon. Foi ele quem, mais de uma vez, assinalou a pertinência deste tipo 
de abordagem, mostrando como a continuidade das relações coloniais (econômicas, 
psicológicas, culturais e políticas), internas e externas aos países ex-coloniais, era um fator 
decisivo para reprodução da exclusão social interna (racial ou étnica) e da desigualdade entre 
as nações. Neste sentido, é interessante ver, por exemplo, as citações que Fanon faz em relação 
aos países do continente americano nesta perspectiva, principalmente nos Condenados da Terra 
(1961). 
Os três princípios citados – verdade histórica, crítica conceitual e práxis descolonizadora 
– são uma nota da enorme contribuição política e teórico-metodológica que o pensamento pan-
africano teria para a uma agência negro-africana contemporânea. Em nada altera este fato que 
se possa observar estes princípios (ou outros aproximados) em outras tradições de pensamento. 
Pelo contrário, se isto existir, apenas mostra a universalidade destas questões num mundo 
potencialmente pós-colonial, como o de hoje. 
Por outro lado, em relação à teoria social, para além desta interpretação específica, o 
Pan-africanismo tem outra contribuição importante a destacar. Isto porque, para além da 
diversidade das posições que o formam, esta tradição tem, por premissa, buscar uma essência 
projetiva, que visa à totalidade da experiência negro-africana. É certo que se trata de hipóteses, 
que necessitam comprovação. Mas é o desenvolvimento de percepção dialética da sociedade 
que, com mostraram H. Marcuse (Razão e revolução) e G. Lukács (História e consciência de 
classe) é o cerne da teoria social moderna. Desta perspectiva, os dilemas que o Pan-africanismo 
 
29 
 
buscou responder não são tão diferentes daqueles enfrentados pelos autores clássicos que 
fundaram as ciências humanas, de Hegel à Weber. Sua contribuição, neste sentido, é universal. 
Por fim, politicamente, uma ressurreição do Pan-Africanismo hoje, como conclama 
Ahmed Mohiddin (1981), depende da capacidade de se construir uma visão contemporânea do 
estilo de vida “tradicional” africano, fundado numa base coletivista e na mútua responsabilidade 
social entre os indivíduos. Como pensar e realizar este novo comunalismo é a tarefa de uma 
geração de intelectuais negros e não negros, no sentido mais amplo que esta palavra 
“intelectual” possa ter. 
 
 
 
 
 
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