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Conversa Inicial Caríssimos alunos, muito bem-vindos! Quero lhes convidar a navegar comigo em direção aos primórdios do Brasil. Vamos ao longo desta e das outras aulas nos aventurar pela história do período que nos acostumamos a chamar de Colonial. Se é verdade que abordaremos alguns marcos factuais do período, não deixaremos de lado as contribuições historiográficas. Estas irão nos permitir uma compreensão mais densa, alargada e problematizada do que teria ocorrido no território atualmente chamado de Brasil em c. 1500-1822. Portanto, antes de iniciarmos nossa navegação em direção ao Brasil dos séc. XVI, XVII, XVIII, faz-se muito importante recuperar alguns conceitos operacionais que servirão de bússola a nos guiar pelas tramas do passado mais remoto brasileiro. São eles: Brasil Colonial – América portuguesa – Antigo sistema colonial – Antigo Regime. Tema 01 – Brasil Colonial? Durante muito tempo, ao menos uma parte dos estudiosos da História do Brasil tendeu a pensar a colônia como uma homogeneidade temporal e geográfica. Do ponto de vista historiográfico, essa concepção unívoca da colônia parece ter surgido do desdobramento das propostas do IHGB e, especialmente, da primeira grande História Geral do Brasil, publicada por Varnhagen em 1854. Para esse autor, a ação colonizadora portuguesa havia gerado uma nação independente e o Brasil surgia como resultado de um “caminho colonial”, que teria sido percorrido sob a tutela de Portugal, sem estabelecer uma ruptura radical entre o antigo e o moderno, como em outras interpretações contemporâneas. Trata-se de uma classificação que incorpora numa perspectiva linear uma espécie de Brasil em devir, fruto do contexto intelectual que buscava legitimar o surgimento do Brasil enquanto Estado Nacional Independente. Tema 02 – América portuguesa? Você já havia ouvido falar na expressão América portuguesa? Se anteriormente indicamos os perigos da classificação Brasil Colonial, os historiadores, a partir da década de 1970, passaram a procurar termos e conceitos que abarcassem de forma mais coerente as complexidades do território que hoje chamamos de Brasil. A expressão surgiu em 1730 para nomear o livro História da América Portuguesa do soteropolitano Sebastião da Rocha Pita. Caído em desuso por muito tempo, o termo foi reabilitado inicialmente por Fernando Novais. A ideia era evitar os anacronismos implícitos nas expressões Brasil Colônia ou Período Colonial do Brasil. Afinal, os contemporâneos não tinham a consciência de que viviam uma fase peculiar da história e, tampouco, do futuro que resultaria no Brasil que conhecemos hoje. Fernando Novais acreditava que América portuguesa seria o termo mais apropriado para “tentar surpreender um processo em gestação”. Tema 03 – América portuguesa ou espanhola ou os dois? Caro aluno, a história, a boa história, deve ser fruto de debate e reflexão. Tal qual ocorreu com o conceito Brasil Colonial, a expressão América portuguesa não ficou imune às críticas. A formação do território que hoje poderíamos chamar de América portuguesa é fruto de três séculos de história e muitas descontinuidades. Os domínios portugueses na América durante boa parte do tempo não extrapolaram mais do que uma pequena faixa litorânea. Além disso, durante sete décadas a região esteve sob o domínio da Coroa espanhola (Período Filipino 1540-1680). Ou seja, a América portuguesa foi espanhola também durante um bom tempo. Luiz Felipe de Alencastro, por sua vez, levanta outro problema: para ele, nossa história não deveria se confundir com a continuidade do nosso território colonial. O Brasil não era apenas um prolongamento da Europa, se construiu em estreito vínculo atlântico que o unia com a África, não raro, à revelia de Portugal. Tema 04 – O antigo sistema colonial. Uma antiga interpretação? Desse modelo interpretativo, podemos destacar três elementos fundamentais: • O papel do exclusivo comercial, ou seja, a importância dos monopólios comerciais metropolitanos na extração de excedentes coloniais. • A importância da escravidão e de outras formas de trabalho compulsório, única forma de suprir o fator trabalho na escala exigida pela produção colonial. • O papel decisivo do tráfico negreiro, visto como o mecanismo fundamental da acumulação primitiva de capital. • O sentido mercantil da colonização, isto é, sua função de estabelecer nas colônias uma economia complementar à europeia que, submetida ao monopólio, enriqueceria as metrópoles, pauperizando as colônias. • As preocupações de fundo, como no caso da maioria da intelectualidade da esquerda, integravam um pensamento crítico acerca do subdesenvolvimento ou dependência, buscando as raízes históricas do imperialismo na América Latina. Tema 05 – Um antigo regime tropical? A partir dos anos de 1980, historiadores brasileiros trazem nuance ao quadro traçado por Novais. A acepção binária das relações metrópole-colônia deu lugar a um enfoque mais ampliado do passado colonial, inserindo-o no âmbito de dinâmicas político-econômico-sociais que se davam, no espaço atlântico, ao longo do império ultramarino português. Estas supõem a existência de inter-relacionamentos atlânticos; a importância de linhas comerciais entre diversas colônias cujas funções extrapolavam a mera troca de mercadorias, muitas vezes feitas sem a mediação da Coroa; o papel do comércio intracolonial, como mecanismo de acumulação endógena; o peso da transposição dos valores do Antigo Regime português para boa parte de seus domínios, apesar da inexistência de um plano geral a orientar a expansão portuguesa, entre outros. A colônia teria incorporado aos trópicos, de maneira muito peculiar, valores arcaicos de uma estrutura social europeia. Tema 01 – Antigo Regime O conceito nasceu na Europa. Porém, passou a ser apropriado por historiadores brasileiros para tentar abarcar as complexidades do contexto colonial. Socialmente, o Antigo Regime é marcado pelos contrastes: • entre o ambiente rural preso a rotinas e tradições imemoriais e o nascente contexto urbano; • entre as formas de trabalho compulsório e de trabalho livre; • entre a plebe e a nobreza – contrastes que eram considerados naturais decorrentes de uma ordem divina. • Ignorava-se a ideia contemporânea da igualdade entre os indivíduos. • Ao contrário, os fundamentos do Antigo Regime assentavam-se na ideia de privilégio em contraste à noção de direito, privilégio de nascimento, em primeiro lugar, que distinguia o sangue pela nobreza; de ocupação em que se menosprezava o trabalho manual e, por fim, uma série de privilégios particulares buscados e almejados por todos – nobres, plebeus, livres e, também, escravos. Tema 02 – Homens Bons Caro aluno, você já ouviu a expressão Homem Bom? Ela é uma consequência do que dissemos anteriormente. Representa a incapacidade de considerar os indivíduos como nascidos iguais e dotados dos mesmos direitos. No contexto da América portuguesa, ser Homem Bom consistia no topo da hierarquia. Poucos ostentavam essa posição. Elegiam e eram eleitos para os cargos públicos das Câmaras Municipais, instancias de poder local reconhecidas pelo rei. Os requisitos para tanto eram: sangue, linhagem e ocupação. Constituíam assim uma espécie de nobreza local. Muitos homens bons, não descendendo de uma linhagem puramente nobre, chegavam até essa situação prestando favores ao rei nas áreas do ultramar. Depois, poderiam ter sua nobreza reconhecida formalmente em comendas solicitadas à Coroa. Nessa posição, distinguiam-se pelas regalias de possuir serviçais à sua disposição, usar de montarias, usar armas; insígnias etc. Tema 03 – Câmaras Municipais Depois de falar dos Homens Bons, vamos tratar agora de um dos seus principais espaços de atuação: as Câmaras Municipais. Para Charles Boxer, essa instância, em conjunto com as Misericórdias, consistiu em um pilar de sustentaçãodos domínios portugueses. Os cargos eram preenchidos por eleições, só poderiam concorrer e votar aqueles reconhecidos como Homens Bons escolhendo, em geral, três ou quatro vereadores, um procurador e um escrivão, além de outros oficiais camarários. Uma vez eleitos se reuniam duas vezes por semana, deliberando sobre problemas cotidianos, fiscalizando condições locais como, por exemplo, comportamento social, abastecimento, salubridade e higiene. Possuíam um patrimônio próprio: terrenos públicos, terras aforadas e parte do pecúlio amealhado por meio de impostos. Eram espaços privilegiados de negociação política e há amplo debate historiográfico buscando compreender o grau de autonomia das Câmaras. Tema 04 – O Século Caro aluno, o termo ordenações define as antigas compilações jurídico-legislativas do período que estamos estudando. Foram três os códigos que receberam o nome de ordenações do Reino: as afonsinas (c. 1447); manuelinas (1521); filipinas (1603). Eram o fundamento das práticas políticas administrativas em todo o império português, devendo ser conhecidas pelos Homens Bons. As ordenações vigentes por mais tempo no período colonial foram as filipinas, que consistiam num texto reformado das manuelinas. Era assim dividida: • Livro I apresentava os regimentos dos magistrados e oficiais de justiça; • Livro II definia as relações de Estado e Igreja e privilégios da nobreza; • Livro III tratava do processo civil; • Livro IV considerou os contratos, testamentos, tutelas; • Livro V questões penais. Apesar das alterações realizadas na vigência da ordenações filipinas, no Brasil, a sua vigência, ainda que residualmente, chegou até 1917. Tema 05 – A Igreja Estimado aluno, para a administração da vida colonial, as ordenações eclesiásticas foram tão importantes quanto as seculares. Associada às Coroas Ibéricas, a Igreja tomou para si a função de controle das populações distribuídas nas colônias. Esse papel se consolidaria no registro de batismos, óbitos, casamentos e outros eventos vitais e, como demonstraremos, nas ordenações eclesiásticas. Durante os dois primeiros séculos, os representantes da Igreja na América portuguesa orientaram-se pelas ordenações do Arcebispado de Lisboa. Em julho de 1707, D. Sebastião Monteiro da Vide publicou as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Incorporando valores tridentinos, preocupando-se com especificidades locais, incorporando determinações acerca da liturgia até comportamentos sociais (de heresias e homicídios até concubinatos), esse corpo documental doutrinário foi um marco fundamental da consolidação institucional da Igreja no Brasil. Tema 01 – Teoria dos Ciclos Em 1929, véspera da Grande Crise, João Lúcio de Azevedo, português imigrante que trabalhou em Belém do Pará como caixeiro, lançou o livro Épocas de Portugal Econômico. Sua intenção nessa obra foi estabelecer os ciclos sucessivos da economia portuguesa a partir da expansão marítima. A maioria desses ciclos estava associada à exploração de produtos coloniais e, nessa direção, exceto o ciclo da pimenta (Índia) e de outros produtos africanos (escravos inclusive), os demais se referiam a produtos do Brasil. Inspirado por esse autor, em 1937, Roberto Simonsem publica a obra História Econômica do Brasil. Partindo do princípio geral de que a cada período histórico, para cada povo, há um tema condutor essencial (religião, cultura, política), conclui-se que no Brasil do Período Moderno a economia teria sido o fator preponderante de sua "descoberta" e formação como colônia de exploração de Portugal. ema 02 – Pau-brasil e Açúcar Pois bem, caro aluno, conforme explicamos anteriormente, para Simonsem a história do Brasil poderia ser concebida em fases econômicas bem delimitadas, articuladas e sucessivas. O primeiro ciclo importante teria sido o do pau- brasil, árvore muito apreciada como corante, que os povos locais cortavam e processavam minimamente em troca de anzóis e quinquilharias a partir das feitorias. Apesar de sua importância simbólica (o primeiro produto de interesse europeu a ser explorado por aqui), sua duração foi efêmera comparada a dois outros grandes ciclos. O do açúcar teria sido, com larga vantagem, o mais importante. Engenhos proliferaram a partir do século XVI, inicialmente no Nordeste. A organização da economia açucareira (pressupondo latifúndio e trabalho escravo) marcou profundamente o desenvolvimento da sociedade brasileira. Além disso, o setor exportador de açúcar estimulou, também, o comércio de abastecimento em áreas subsidiárias. Tema 03 – Ouro Estimado aluno, comentamos agora sobre o ouro. Em finais do século XVII, por volta de 1695, finalmente, descobriu-se o ouro. A região da descoberta foi o Brasil central. A economia colonial ganha grande impulso, as dinâmicas populacionais e de povoamento sofrem grande mudança. Portugal tentará conter uma verdadeira "sangria populacional" decorrente da corrida pelo ouro que se inaugura. No Brasil, a corrida do ouro provocou a criação de novas estradas e redes de comércio de abastecimento. Mantimentos e gado antes desviados para o litoral passaram a ser destinados às áreas onde estavam as lavras de ouro e, em menor escala, de diamantes. Como principal porto exportador de ouro, o Rio de Janeiro assumirá o posto de capital em 1763. Em 1720, estavam descobertas as principais lavras (Goiás, Mato Grosso). Há cálculos estimados em 27.000 quilos de ouro extraídos, porém, a produção pode ter sido maior (o ouro contrabandeado não era contabilizado). Tema 04 – Pecuária Em 1760, a produção do ouro começa a decair sucessivamente, e a economia colonial entra em declínio até 1790, quando a conjuntura internacional favorece o Brasil no mercado de exportação de açúcar. Porém, os impactos da descoberta de ouro estimularam setores da economia interna de forma definitiva. O fornecimento de gado dava função ao Brasil meridional no quadro econômico colonial. O alto preço alcançado pelo gado nas zonas de mineração, aliado às insuficiências de fornecimento de gado exclusivamente nordestino, conduziram as atenções para o gado do Sul, onde Portugal incorporara com a Colônia de Sacramento abundante gado sulino. Latifúndios pastoris se estabeleceram no Sul. Tangendo gado, abrindo currais, o vaqueiro abriu caminho para o interior, provocando o povoamento das áreas mais ao centro do Sul, Sudeste e de quase todo o interior do Nordeste. Tema 05 – Mercado interno, um debate historiográfico Em conjunto com a ideia dos ciclos econômicos, é bem provável que você associe a economia colonial do Brasil condicionada ao mercado externo. O mercado interno recebeu pouca atenção nesse contexto. Prado Júnior (1942) e Furtado (1959) entendiam que o mercado interno condicionava-se à economia exportadora. Ganhava força quando a conjuntura internacional era favorável à exportação e estagnava quando a mesma conjuntura era desfavorável. Já em 1970, Cardoso afirmou que a economia colonial possuía estruturas de mercado interno com algum grau de autonomia. Levantando documentação primária e seriada, historiadores brasileiros aprofundaram essa questão nos anos 1980. Assim, João Fragoso observou independência do mercado interno em relação à dinâmica da agroexportação. Indicou ainda o vigor desse mercado financiando, inclusive, unidades de agroexportação e o tráfico atlântico de escravos. Tema 01 – Indios – um equívoco de Colombo É muito importante assinalar a continuidade da presença indígena, não raro minimizada, no quadro da formação brasileira, como se esses povos tivessem simplesmente desparecido nos dois primeiros séculos da colonização. No Brasil, índio era um termo que englobava, erroneamente, uma série diversa de culturas e etnias nativas. Os reinóis utilizavam, também, o termo gentio para classificar, a partir do ponto de vista europeu, as populações nativas. Tupi e Tapuia (nome utilizadopelos Tupis para denominar quem não falava sua língua) também foram designações correntes. Vistos ora como cristãos em potencial, ora como "bárbaros", ora como demoníacos, os índios padeceram de fome e epidemias devastadoras, tendo muitos sucumbido. Porém, historiadores e antropólogos, em trabalhos recentes, têm desmontado alguns mitos retomando o protagonismo histórico das populações indígenas ao longo do período colonial. Sobre isso falaremos agora. Tema 02 – Africanos A diáspora africana iniciou por volta de 1550. Escravizados, foram introduzidos nas áreas do Nordeste, espalhando-se depois para grande parte do território colonial. Estima-se que pelo menos três a quatro milhões de africanos foram transferidos para o Brasil. Embora não se tenha dados exatos, é certo que essa população constituía parte considerável da população, maioria nas vilas e cidades coloniais. Transportados em navios negreiros, vinham de muitas partes, sobretudo da África Ocidental e Centro- Oeste. Os negociados a partir da Costa Ocidental, Gana e Guiné eram denominados minas. A segunda maior região de tráfico escravo era a atual Angola: egressos dessa região, muitos eram denominados congos, angolas, bantos. Não se restringindo ao eito, servindo em tropas negras (a dos henriques), lutando pela liberdade, comprando a própria alforria, consistiram na mão de obra primordial para a montagem da economia colonial. Tema 03 – Reinóis Deslocando-se em lentos e incômodos veleiros, demorando-se de 40 a 60 dias de viagem, ingressaram no Brasil um sem número de indivíduos provenientes do Reino de Portugal, chamados assim de reinóis. Haviam, logicamente, os chamados colonizadores oficiais régios, que aportavam nos domínios portugueses da América com o intuito de assegurar as prerrogativas del rei. Havia também os chamados casais do rei, ilhéus provenientes dos açores, da madeira, que na segunda metade do século XVIII formaram contingentes de povoamento das áreas de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Porém, ao lado deles, havia uma grande massa de jovens portugueses deslocando-se voluntariamente, chamados pelas oportunidades da descoberta do ouro ou sonhando em enriquecer no comércio. Num ambiente de Antigo Regime, os imigrantes portugueses detinham um grande trunfo: eram brancos. Porém, isso nem sempre bastava. Muitos fracassaram em seu intento de ascensão social. Tema 04 – Família Caro aluno, quando pensamos em família colonial, uma imagem comum é aquela pintada por Gilberto Freyre: uma família extensa controlada pelo pater familias cercado de sua mulher, suas concubinas, seus filhos legítimos e/ou ilegítimos, agregados, escravos. Revelada com Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala, essa organização teria sido, segundo ele, a base da estruturação colonial em seu conjunto. Sem questionar, necessariamente, a vigência do patriarcalismo, uma geração de historiadores, ao consultar fontes seriadas primárias de caráter demográfico, trouxe novas cores para esse quadro. A família extensa teria sido menos representativa do que se imaginava. Mais comuns eram as famílias conjugais (casais com ou sem filhos) e, ainda, um índice expressivo de mulheres chefiando casas. Outro campo importante que se abriu foi o estudo da família escrava. Trataremos disso agora! Tema 05 – Mulher De um lado as mulheres brancas, submissas, enclausuradas, vivendo sob a tirania do pai, em seguida do marido, em ambiente misógino, sujeitas ao assassinato em caso de algum desvio ou, mesmo, suspeição. De outro as índias, negras, sobretudo mulatas, objetos da lascívia dos homens brancos, estereotipadas como símbolos do desregramento vigente nos domínios portugueses da América. A partir da década de 1980, a historiografia passou a rever esses estereótipos. Ao examinarem fontes primárias, historiadores perceberam mulheres à frente dos negócios mais variados, de taberneiras a donas de engenho. Demógrafos historiadores perceberam elevado percentual de domicílios chefiados por mulheres. A sociedade colonial era realmente misógina, porém, o mundo feminino era mais complexo do que se poderia imaginar. Romper com esses estereótipos foi passo fundamental da historiografia. Sobre isso falaremos agora. Tema 01 – Crise em Minas Estimado aluno, seguramente você já ouviu falar em Inconfidência e Conjuração Mineira. O primeiro termo, mais conservador, atende às visões metropolitanas tendo implícita uma ideia de traição à Coroa portuguesa. O segundo, parece espelhar melhor as perspectivas dos colonos que conspiraram a favor de seus interesses. Em um contexto de crise da extração do ouro e crescente tensão social, crescia o número de quilombos, o contingente de homens livres pobres, e aumentava a dívida fiscal de Minas para com a Real Fazenda. Em 1798, Joaquim Silvério dos Reis irá delatar os planos do levante. Pelo menos 11 inconfidentes foram condenados a morrer na forca. Tratava-se de uma decisão bastante dramática. Ora vista como um movimento colonial, ora vista como um ajuste no contexto de valores típicos de Antigo Regime, o tema gerou debate historiográfico que buscaremos recuperar aqui. Tema 02 – Crise em Salvador Na noite de 25 de agosto de 1798, foi registrado um motim em Salvador. Luíz Gonzaga das Virgens, um soldado, havia sido acusado de elaborar e fixar panfletos sediciosos em vários pontos da cidade. Com sua prisão, demais envolvidos tentaram se reunir nos arrabaldes de Salvador para tentar passar das palavras à ação colocando o levante em curso. Porém, foram impedidos pela reação das autoridades que prenderam os principais envolvidos. Movimento conhecido como Inconfidência Baiana ou Conjuração Baiana, veio a se dar conhecer aos historiadores pelos autos da devassa que as autoridades procederam e pelos panfletos em anexo. O programa nesses panfletos continha algumas palavras de ordem influenciadas pelos ideais revolucionários de 1789 na França: "todos serão iguais, não haverá diferença, só haverá liberdade, igualdade e fraternidade". O tema também gerou debate historiográfico, que recuperamos agora. Tema 03 – Transferência da Corte: ato I Em 29 de novembro de 1807, convencido de que a integridade da monarquia somente estaria garantida com a preservação dos domínios portugueses na América, onde os recursos naturais e humanos superavam os do Reino de Portugal, D. João VI e sua Corte partiram em direção ao Brasil. Mais do que uma resolução pessoal, a decisão do príncipe regente atendia às pressões internacionais. Encurralado entre as ambições da França (que impunha à Portugal o bloqueio continental) e da arquirrival Inglaterra (que impunha, pelo contrário, a ruptura ao bloqueio), o príncipe regente transmigrou cerca de 15.000 pessoas, praticamente da noite para o dia, para que se instalassem no Rio de Janeiro. Neste bloco, vamos recuperar o debate historiográfico acerca desse processo, e trazer alguns detalhes dessa verdadeira jornada que impactou de maneira decisiva o mundo colonial que havia se estabelecido na América portuguesa. Tema 04 – A Corte no Rio de Janeiro A transmigração da Corte resultou num processo conhecido por Maria Odila Dias como interiorização da metrópole. A história constitui-se em um processo de rupturas e continuidades e, nem sempre, a datação cronológica serve para esgotar o fim de uma era e o início da outra. Assim, a historiografia tende a considerar que o último estágio da experiência colonial brasileira teria se iniciado em 1808, quando, estando Portugal ocupada pelos franceses, o príncipe regente, por meio de Carta Régia de 28 de janeiro de 1808, abriu os portos brasileiros às nações amigas. Ali findava uma das principais características das relações econômicas que vinham se estabelecendo entre a América portuguesa e sua metrópole, qual seja, a do exclusivo uso comercial. Iniciava-se um processo de separação entre Brasil e Portugal. Trataremos agora da presença da Corteportuguesa no Rio de Janeiro e, também, das consequências dessa situação. Tema 05 – Independência Entre 1886 e 1888, por encomenda oficial, Pedro Américo pintou o painel "Independência ou Morte", que consolidou no imaginário brasileiro o grito do Ipiranga como gesto fundador do Brasil. Contudo, o sete de setembro em 1822 foi mais prosaico do que se poderia imaginar. Ao que tudo indica, a independência já estava decidida. Momento decisivo, durante muito tempo a independência foi encarada pela historiografia como o ponto final de um processo contínuo e linear que, desde o século XVIII até o XIX, forjou uma nacionalidade que emergiu quando as Cortes buscaram reestabelecer o exclusivo comercial, recolonizando o Brasil. Mais recentemente, no entanto, tanto a historiografia lusa quanto a brasileira buscam inserir o processo numa dinâmica de rupturas e permanências relacionadas ao Antigo Regime, destacando os fatores políticos e culturais que provocaram uma disputa pela hegemonia no interior do império luso-brasileiro. ema 01: Ceuta, um marco! Dentro do processo do expansionismo preventivo lusitano, a primeira grande conquista de Ceuta. Ceuta era um núcleo mercantil importante, que negociava tecidos, utensílios de cobre, cera, mel, peixes. Buscando conquistar tais riquezas, Portugal lança uma ofensiva bem-sucedida, tomando esse território aos mouros em 1415. Antevia-se aí algumas características vistas como fundamentais do processo expansionista em curso: o aspecto cruzadístico (a componente religiosa implícita no processo); a busca por territórios; a expectativa de auferir pelo comércio uma nova posição de destaque. A Ceuta portuguesa foi quase que imediatamente isolada pelos mouros, e o empreendimento não vigorou. Contudo, esse marco abriu a decisão de Portugal em ampliar suas conquistas, abrindo caminho para uma ação de maior envergadura, que comentaremos agora. Tema 02: A expansão Sabendo que as rotas comerciais vinham do Sul e do centro da África, Portugal organiza expedições. Nesse contexto, Gil Eanes, escudeiro de Dom Henrique, o Navegador, atinge o cabo do bojador em 1433. Ali vencia- se não somente uma dificuldade náutica, mas um conjunto de ideias medievais acerca dos limites do mundo habitável. Trata-se, como diz José Mattoso, de um aprofunda "mutação do imaginário na Península Ibérica ao longo dos séculos XIV e XV”. Com as grandes descobertas feitas no litoral africano (São Jorge da Mina 1471) e com a consciência da extensão do mundo a partir do cabo do bojador, encoraja-se a busca pelo caminho para as Índias. Com o objetivo de ampliar a conquista de Vasco da Gama, dom Manuel envia, em 1500, uma nova frota às Índias. Liderada pelo fidalgo Pedro Álvares Cabral, era composta de 13 naus e chega em pouco mais de um mês à costa Nordeste da terra que hoje chamamos Brasil. Tema 03: Descobrimentos? Achamentos? Conquistas? Tradicionalmente, o ponto de demarcação para se estudar a gênese do que hoje chamamos Brasil remonta ao processo de "descobrimento" do território ao sul do continente americano. Porém, essa leitura merece atenção e problematização historiográfica. De um lado, há certo debate que indica que espanhóis já haviam tocado a costa antes de Portugal. De outro, há aqueles que reconhecem que usar descobrimento para um território já amplamente habitado é dar um tom demasiadamente eurocêntrico para o contexto abordado, minimizando ou excluindo aqueles que pioneiramente habitavam as terras descobertas erroneamente chamados de índios. Tratamos agora desse debate. Tema 04: O Império português O poder e o prestígio de Portugal estavam internacionalmente estabelecidos desde 1494, quando se assina com a Espanha a famosa "Capitulación de la partición del mar Oceano", o Tratado de Tordesilhas, em que Portugal e Espanha dividam suas conquistas. As ilhas e as terras do hemisfério oriental caberiam a Portugal, e aquelas do hemisfério ocidental à Espanha. Portugal, uma pequena monarquia agrária, transformara-se num império oceânico com as seguintes características: uma extensão relativamente importante; um programa de domínio e unificação de elementos políticos étnicos, raciais e culturais diversos; alta valorização do ideal e da estrutura militar e religiosa. Compreender o contexto da expansão marítima lusa e sua dinâmica de possessões estabelecidas ao longo do atlântico consiste num recorte historiográfico que se abriga debaixo do conceito de Império ultramarino português. Trataremos agora desse conceito. Tema 05: Brasil No Brasil, em 1534, foram estabelecidas as capitanias hereditárias e iniciou-se um interesse mais concentrado, sem que o avanço territorial tenha sido uma consequência mais imediata. Havia feitorização mais do que colonização. O principal foco de interesse era o pau de madeira tintorial chamado de pau-brasil. A "Terra de Santa Cruz" logo teria sido chamada de "Terra do Brasil", depois “Estado do Brasil”. Este último momento da aula dedica-se, portanto, a trabalhar essas nomenclaturas bem como entender o estabelecimento das capitanias hereditárias.