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Autora: Profa. Angélica Carlini Colaboradora: Profa. Sandra Castilho Direito nas Organizações Professora conteudista: Angélica Carlini Angélica Carlini é doutora em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Direito Civil pela Universidade Paulista (UNIP) e mestre em História Contemporânea pela PUC-SP. Pós-doutora em Direito Constitucional pela PUCRS. Graduada em Direito pela PUC-SP. Advogada. Docente de ensino superior na UNIP, na Universidade Metropolitana de Santos (Unimes) e na Escola de Negócios e Seguros (ENS). Professora de cursos de pós-graduação na Escola Paulista de Direito (EPD) e na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro da Comissão de Qualificação e Avaliação da UNIP. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) C282d Carlini, Angélica. Direito nas organizações / Angélica Carlini. – São Paulo: Editora Sol, 2020. 108 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Processos judiciais. 2. Direito tributário. 3. Direito do trabalho. I. Título. CDU 342.2 U505.90 – 20 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Marcilia Brito Bruno Barros Sumário Direito nas Organizações APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 O QUE É DIREITO .................................................................................................................................................9 1.1 Sistema jurídico brasileiro ....................................................................................................................9 1.2 A Constituição Federal brasileira: a lei mais importante do país...................................... 10 1.3 Conflito de leis no tempo ................................................................................................................. 11 1.4 Territorialidade da lei .......................................................................................................................... 13 1.5 Organização Judiciária Brasileira ................................................................................................... 15 1.6 A atividade dos magistrados e sua proteção ............................................................................ 18 2 REGRAS FUNDAMENTAIS DOS PROCESSOS JUDICIAIS NO BRASIL ............................................ 21 2.1 Processos judiciais no Brasil ............................................................................................................. 26 2.2 Mediação, conciliação e arbitragem ............................................................................................. 35 3 DIREITO TRIBUTÁRIO: CONCEITOS E PRINCÍPIOS ............................................................................... 40 3.1 O que são tributos? ............................................................................................................................. 41 3.2 Competência tributária ...................................................................................................................... 42 3.3 Espécies de tributos ............................................................................................................................. 43 3.4 Princípios da tributação .................................................................................................................... 55 3.5 Imunidades tributárias ....................................................................................................................... 59 3.6 Crédito tributário: criação e extinção .......................................................................................... 59 4 PRINCIPAIS TRIBUTOS PRATICADOS NO BRASIL ................................................................................ 61 Unidade II 5 DIREITO DO TRABALHO: CONCEITOS E PRINCÍPIOS ......................................................................... 69 5.1 Trajetória histórica do direito do trabalho ................................................................................. 70 6 DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO ....................................................................................................... 73 6.1 Diferentes formas de contratação de empregados ................................................................ 75 6.2 Contrato de trabalho .......................................................................................................................... 81 6.3 Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) .................................................................... 81 6.4 Alterações dos contratos de trabalho .......................................................................................... 82 6.5 Encerramento do contrato de trabalho ...................................................................................... 83 6.6 Duração da jornada de trabalho .................................................................................................... 87 6.7 Intervalos para descanso ................................................................................................................... 89 6.8 Descanso semanal remunerado ...................................................................................................... 89 6.9 Férias .......................................................................................................................................................... 89 7 DIREITO COLETIVO DO TRABALHO ............................................................................................................ 90 7.1 Assédio moral e assédio sexual nas relações de trabalho .................................................... 91 8 DANO EXTRAPATRIMONIAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO .......................................................... 94 7 APRESENTAÇÃO Esta disciplina tem como objetivo mostrar ao aluno a relevância do direito na atividade empresarial, levando-o a dominar conceitos e princípios que poderão ser muito relevantes no trabalho diário do gestor de empresas. Além de noções gerais de direito, que são necessárias para a administração de empresas, o objetivo é que o aluno tenha contato com áreas específicas de direito do trabalho e direito tributário, que regulam as relações com os trabalhadores e com o Estado arrecadador. Essas duas relações podem se tornar fonte de grandes problemas para o administrador de empresas se não forem gerenciadas com conhecimento e segurança. Hoje sabemos que o conhecimento técnico não se constrói de forma isolada, mas imbricado com outras áreas do sabercom as quais dialoga necessariamente. O direito tem sido muito importante para a atuação de várias áreas profissionais, mas, em especial, com a administração ele fornece importantes conceitos e princípios de aplicação prática e cotidiana que orientam as decisões dos administradores para que elas estejam sempre em consonância com as melhores práticas empresariais. INTRODUÇÃO Abordamos aqui dois aspectos do vasto campo do direito, o direito tributário e o direito do trabalho. Inicialmente vamos compreender a relevância do direito para a área de administração e, em seguida, analisaremos os principais aspectos do trabalho dos administradores. Trataremos dos aspectos gerais referentes à estrutura das leis e da justiça no Brasil; de igual modo, discorreremos também sobre o direito tributário, com o objetivo de apresentar seu viés constitucional, os principais conceitos e princípios que regem essa área do conhecimento, os tributos a que estão sujeitas as atividades empresariais e as consequências do não recolhimento desses tributos, inclusive no âmbito penal. Discutiremos a respeito do direito do trabalho, área do direito que sofreu recente reforma legislativa, com o objetivo de aprimorá-lo e flexibilizá-lo. A reforma trabalhista está no centro de várias mudanças que as relações de trabalho têm sofrido nos últimos tempos, no Brasil e no mundo, e para as quais os profissionais da área precisam estar muito atentos. Também no campo do direito do trabalho, o descumprimento de leis pode levar a péssimas consequências, em especial ao pagamento de indenizações aos funcionários e multas aplicadas pelo Estado. Aproveite ao máximo a disciplina e bom estudo! 9 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Unidade I 1 O QUE É DIREITO Direito é o conjunto de leis e costumes que organizam a vida de um determinado grupo social – historicamente situado – e que modifica essas regras à medida que adota novas formas de organização. Todos os grupos sociais em todas as épocas da história da humanidade adotaram regras de conduta com o objetivo de organizar a vida social e impedir que a força física prevalecesse, já que ela não é um atributo de todas as pessoas e, consequentemente, não gera resultados justos. O Direito pode ser classificado em público e privado: • Direito público: é a área do direito que tem por objetivo regular os interesses gerais da sociedade (interesses públicos). Os principais ramos do direito público são o direito constitucional, direito administrativo, direito penal, direito processual (civil ou penal), direito ambiental e direito internacional. • Direito privado: é a área do direito que tem por objetivo regular os interesses dos particulares nas relações que estabelecem entre si, por exemplo, contratar, casar, locar um imóvel, constituir uma sociedade empresária, entre outros. Assim, nesse campo do direito estão o direito civil e o direito empresarial. As duas áreas do direito que vamos estudar aqui – tributário e trabalhista – são classificadas como direito público e direito privado, respectivamente, mas alguns estudiosos classificam o direito do trabalho como direito social, ao lado do direito do consumidor. Esta é uma forma de classificação válida, embora haja intenso debate de ideias, pois há uma parcela entre os estudiosos que não defende a existência de um ramo denominado direito social. 1.1 Sistema jurídico brasileiro O Brasil adota o sistema jurídico de civil law, que significa que o sistema jurídico brasileiro é regido prioritariamente por leis e que nelas se encontram os principais fundamentos para que os magistrados decidam os casos concretos que forem levados ao Poder Judiciário. O sistema de prevalência das leis, ou civil law, é adotado também em alguns países europeus e na América do Sul. Outros países do mundo, no entanto, adotam o sistema da common law, que significa que as decisões de processos judiciais anteriores têm mais relevância que o texto da lei, como acontece na Inglaterra, Escócia, Irlanda, Estados Unidos e Austrália, por exemplo. Nesses países, o magistrado, ao julgar um caso concreto, estuda que decisões foram adotadas no passado em casos semelhantes e julga com base nessas decisões anteriores. 10 Unidade I No Brasil, as decisões anteriormente adotadas por um tribunal também são levadas em conta, é a chamada jurisprudência. É o conjunto de decisões semelhantes anteriores e que podem ser aplicadas para a solução de um caso posterior, desde que estejam presentes as semelhanças que autorizem a utilização do julgado anterior. É o que acontece na atualidade com situações como a batida na traseira de um automóvel contra outro. Há jurisprudência consolidada no Brasil a respeito da culpabilidade do condutor do veículo que colide contra o carro da frente, independentemente de haver uma lei específica que determine essa culpabilidade. Mas utilizar os julgados anteriores como parâmetro para decisões atuais não torna o Brasil um país inserido no sistema da common law. Continuamos sendo um país de sistema jurídico em que prevalece a força da lei escrita e hierarquizada, ou seja, algumas leis são mais importantes que outras. Lei é a norma que está escrita, foi publicada e se tornou obrigatória para conhecimento de todos os que vivem no Brasil. Deve ser elaborada por autoridade competente, ou seja, aquela designada para tratar desse assunto. No Brasil, exercem essa autoridade o Poder Legislativo e, excepcionalmente, o Poder Executivo. A lei é tão importante no sistema jurídico brasileiro que o artigo 5º da Constituição Federal determina que: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (BRASIL, 1988). Em outras palavras, se existir lei para um determinado assunto, ela deverá ser cumprida; e se não existir lei, ninguém poderá exigir nenhuma conduta do cidadão. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que é o Decreto-lei n. 4.657, de 1942, alterado pela Lei n. 12.376, de 2010, determina em seu artigo 3º que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece” (BRASIL, 1942). Assim, aprovada e publicada a lei, todos os cidadãos devem conhecê-la, porque não poderão alegar em sua defesa que, por desconhecimento, deixaram de fazer alguma coisa a qual estavam obrigados. Existindo a lei, não é possível indagar sobre se queremos ou não cumpri-la, porque isso é obrigatório, mesmo que não nos agrade. É o caso do recolhimento de tributos. Ninguém paga com alegria, mas todos somos obrigados a pagar nas hipóteses previstas na lei, como quando somos proprietários de um imóvel, temos de pagar o Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana (IPTU), ou se somos proprietários de um veículo, o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). 1.2 A Constituição Federal brasileira: a lei mais importante do país A organização política mais conhecida nos diferentes países do mundo é aquela que estrutura o Estado em Três Poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, competindo ao primeiro estabelecer as leis que deverão ser cumpridas por todos os integrantes daquele país. A primeira lei que um país constrói quase sempre é sua Constituição Federal, a lei mais importante, porque estabelece as regras gerais para todos os Poderes, para os cidadãos e para as organizações. É comum que a Constituição Federal seja denominada Carta Magna ou Lei Maior, denominações que simbolizam sua condição de lei no topo do ordenamento jurídico de um país e que não pode ser descumprida por ninguém, nem mesmo por outras leis emanadas do próprio Poder Legislativo. No Brasil, a Constituição Federal é a lei mais importante, e nenhuma outra lei pode colidir com o que está disposto na Constituição. Caso isso ocorra, a lei colidente será denominada inconstitucional e deverá ser excluída do ordenamento jurídico para não gerar mais nenhum efeito. 11 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Além do Poder Legislativo federal – representado pela Câmara dos Deputados, com representantes do povo,os deputados – e do Senado federal – com senadores que representam os estados federativos –, temos no Brasil poderes legislativos estaduais e municipais, representados pelas assembleias legislativas e pelas câmaras municipais. Todos esses órgãos podem emitir leis, mas nenhuma delas poderá se confrontar com a Constituição Federal, sob pena de ser classificada como inconstitucional e prontamente afastada do ordenamento jurídico. É a Constituição Federal que estabelece os assuntos para os quais os poderes legislativos poderão criar leis. Alguns temas são exclusivos do legislativo federal, como as leis trabalhistas e as leis penais, por exemplo; outros temas são exclusivos do legislativo municipal, como a organização do trânsito nas cidades; outros, ainda, podem ser de competência concorrente, como a fixação de tributos que poderão ser criados no âmbito federal, estadual e municipal. Saiba mais Consulte os artigos 22, 23, 24, 25 e 30 da Constituição Federal brasileira e conheça mais detalhadamente as competências legislativas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 9 mar. 2020. 1.3 Conflito de leis no tempo Para garantir a harmonia social, as leis devem obedecer a alguns critérios com o objetivo de evitar o conflito de normas. Os principais critérios são a irretroatividade da lei e o respeito ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada e ao direito adquirido. Irretroatividade da lei significa que nenhuma lei produzirá efeito para situações anteriores a ela, somente será aplicada a situações que ocorram depois de sua entrada em vigor, que, aliás, nem sempre coincide com a data da publicação oficial. É comum que as leis sejam aprovadas, publicadas e entrem em vigor apenas um período de tempo depois, o chamado período de vacatio legis – em tradução literal “vacância da lei”, “vazio da lei” –, no qual a lei está aprovada, mas ainda não pode ser aplicada. Esse período de tempo é determinado exatamente para que a sociedade tenha tempo de se adaptar à nova lei. Enquanto a nova lei não entra em vigor, prevalece a aplicação da lei antiga, e somente cumprido o prazo é que entrará em vigor a nova lei. Isso aconteceu em 2002 com o Código Civil, que corresponde à Lei n. 10.406, de 2002, cujo artigo 2.044 determinava que ela só entraria em vigor um ano após a sua publicação. Durante esse período de tempo, vigorou o Código Civil anterior, que era de 1916. No dia 10 de janeiro de 2003, sem que fosse necessária nenhuma outra solenidade ou publicação, entrou em vigor o novo Código Civil, que já havia sido aprovado em 2002. 12 Unidade I Esse lapso de tempo e a determinação de que a nova lei só seja aplicável para fatos que ocorram após sua entrada em vigor são aspectos fundamentais para garantir a segurança jurídica, porque se a lei pudesse ser aplicada a fatos passados e já decididos pelos tribunais, não haveria harmonia social. A cada aprovação de nova lei estaríamos sujeitos a ter que modificar toda nossa vida, inclusive com a perda de direitos. Mas isso não ocorre no Brasil. Lembrete Mundialmente, a organização política mais conhecida é a que estrutura o Estado em Três Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, determina: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (BRASIL, 1988). No mesmo sentido dispõe a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro em seu artigo 6º: Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso (BRASIL, 1942). Por vezes, a lei entra em vigor na data de sua publicação sem que seja necessário cumprir o período de vacatio legis. Mesmo nesses casos, no entanto, não será aplicada a fatos anteriores, somente àqueles que vierem a ocorrer após a sua publicação e entrada em vigor. 13 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Os três aspectos a seguir precisam ser bem compreendidos porque são muito importantes: o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. • Ato jurídico perfeito: é aquele que atende a todas as formalidades legais da época em que foi firmado por livre vontade das partes, como acontece, por exemplo, nos contratos de compra e venda de imóveis. Se o ato foi praticado com toda a solenidade exigida pela lei, não poderá vir a ser impugnado por uma nova lei que altere alguns aspectos da transação. Isso se aplica a todos os atos de nossa vida, inclusive casamento, locação, compra de bens móveis, contratação de prestação de serviços, entre outros. Formalizado o ato jurídico em conformidade com a lei em vigor, nenhuma outra lei poderá anular esse ato, que estará protegido pelo fato de ter sido um ato jurídico perfeito à luz das normas então vigentes. • Direito adquirido: é aquele que já pertence a uma pessoa, seja ele um direito da personalidade ou um direito patrimonial. Um exemplo recente é o da mudança da lei de aposentadoria no Brasil. Muitas pessoas que já estavam aposentadas ou que já haviam cumprido as regras e ingressado com o pedido de aposentadoria não perderam esse direito com a entrada em vigor da nova norma, porque se tratava de um direito adquirido. • Coisa julgada: é a decisão judicial para a qual não cabe mais nenhum recurso processual e, por isso, não pode mais ser modificada, nem mesmo por uma nova lei que regule a matéria. Assim, por exemplo, uma decisão judicial que solucionou um conflito entre uma empresa e um banco, determinando que a dívida já estava quitada e que não seria necessário nenhum outro pagamento. Se uma nova lei for aprovada autorizando a incidência de um custo de administração pelo banco nos contratos de financiamento empresarial, essa nova lei não poderá ser aplicada ao contrato da empresa com o banco porque ele está regulado por uma decisão judicial transitada em julgado; ou seja, para essa situação já não há nenhum outro recurso que possa modificá-la, porque se operaram os reflexos da coisa julgada que tornam a decisão imutável para todos os fins e efeitos de direito. Respeitados esses três princípios, as leis podem ser alteradas, modificadas ou atualizadas sem gerar insegurança para os cidadãos e para suas atividades empresariais. Isso é muito importante para que uma sociedade se desenvolva em harmonia. 1.4 Territorialidade da lei O Estado brasileiro tem soberania em seu território para adotar as leis aprovadas pelo Poder Legislativo, mas o campo de aplicação dessas leis é o território brasileiro, porque não há autoridade fora dos limites de nosso território, na medida em que cada país do mundo adota e cumpre suas próprias leis. Território é a porção de terra contínua ou não em que uma nação vive, se organiza e determina as regras de cumprimento obrigatório para todos. O território compreende o solo, o subsolo, o espaço aéreo e as águas fluviais e marítimas. Também compreende as embaixadas, navios e aeronaves. 14 Unidade I Observação Julian Paul Assange, ativista australiano fundador do site WikiLeaks, que publica postagem de fontes anônimas, em especial documentossecretos de governos e empresas que foram vazados para serem conhecidos do púbico, morou durante sete anos na Embaixada do Equador, na cidade de Londres, Inglaterra, sem poder sair de lá para não ser preso pelas autoridades inglesas. Essa história mostra, na prática, como a embaixada é o território de um país, ainda que, geograficamente, instalada em outro sob outra legislação. Um estrangeiro que viva no Brasil deverá seguir estritamente as normas brasileiras para todos os atos de sua vida, inclusive na administração de empresas, compra de bens móveis ou imóveis, casamento ou qualquer outro ato que pretenda praticar. No entanto, se for possuidor de bens em outro país serão as normas desse Estado que regerão o regime de propriedade dos bens, sem nenhuma interferência das normas brasileiras. Os estrangeiros deverão seguir as leis brasileiras também para envio de dinheiro ao exterior, mesmo que seja para sustentar suas famílias. O dinheiro poderá ser enviado, porém seguindo as regras de direito brasileiras. Também poderão ser aplicadas normas de tratados internacionais dos quais o Brasil tenha se tornado signatário. Quase sempre são normas decretadas por organismos internacionais dos quais o Brasil é membro, como é o caso da Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Mundial da Saúde (OMS), Organização Mundial do Comércio (OMC), Organização do Mercado Comum do Sul (Mercosul), Tribunal Penal Internacional, Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), entre vários outros dos quais o país participa. Sempre que uma dessas entidades aprovar uma lei, ela deverá ser cumprida por todos os membros signatários, ou seja, por todos os países que concordam com o cumprimento dela. Muitas vezes, os países concordam em cumprir a lei internacional, mas precisam de mais tempo para se adequar, ou pretendem fazer a implantação por etapas. Isso ficará registrado no documento de assinatura, e o órgão internacional acompanhará as etapas de implantação. Figura 1 – Prédio da ONU em Nova York, estampado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 15 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Quando o Brasil se torna signatário de um acordo internacional, os termos do acordo são submetidos ao Poder Legislativo federal para que sejam aprovados e comecem a ser obrigatoriamente cumpridos por todos. Saiba mais O Brasil ratificou o Estatuto de Roma de 1998, por meio do qual a ONU deliberou a criação do Tribunal Penal Internacional, que se localiza em Haia, na Holanda. O Brasil entende que esse tribunal é um avanço na luta contra a impunidade pelos crimes de maior gravidade praticados no cenário internacional. O Tratado de Roma foi incorporado à legislação brasileira pelo Decreto n. 4.388, de 25 de setembro de 2002. Para saber mais sobre o Tribunal Penal Internacional, consulte o site: www.icc-cpi.int/Pages/Main.aspx 1.5 Organização Judiciária Brasileira O sistema do Poder Judiciário no Brasil está regulado pelo artigo 92 e seguintes da Constituição Federal e estabelece que o mais importante tribunal é o Supremo Tribunal Federal (STF), sediado em Brasília, e que conta com 11 juízes que são denominados como ministros. O STF tem por força de lei a obrigação de decidir os conflitos que envolvem a aplicação da Constituição Federal e, por isso, é chamado de “guardião da Constituição Federal”. Ele julga ações judiciais que tenham tido origem em outras instâncias, mas cujo assunto dependa da aplicação de norma constitucional; também trata dos casos daqueles que têm a prerrogativa legal de serem julgados pelo STF, como acontece com o presidente da República, ministros de estado, parlamentares, entre outros. O portal do STF na internet informa que o órgão: É composto por onze Ministros, todos brasileiros natos (art. 12, § 3º, inc. IV, da CF/1988), escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 101 da CF/1988), e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (art. 101, parágrafo único, da CF/1988). Entre suas principais atribuições está a de julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da própria Constituição e a extradição solicitada por Estado estrangeiro. 16 Unidade I Na área penal, destaca-se a competência para julgar, nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República, entre outros (art. 102, inc. I, a e b, da CF/1988). Em grau de recurso, sobressaem-se as atribuições de julgar, em recurso ordinário, o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, e, em recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição (BRASIL, 2019). O Superior Tribunal de Justiça (STJ), outro tribunal federal brasileiro localizado em Brasília, é chamado comumente de “tribunal da cidadania” porque é a ele que os cidadãos comuns se dirigem em último grau para solução de conflitos das áreas de direito de família, contratos, relações de consumo, propriedade, direito penal entre tantos outros temas corriqueiros na vida do cidadão. No portal do STJ lê-se: Criado pela Constituição Federal de 1988, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) é a corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil. É de sua responsabilidade a solução definitiva dos casos civis e criminais que não envolvam matéria constitucional nem a justiça especializada. [...] O STJ é composto por 33 ministros. Eles são escolhidos e nomeados pelo Presidente da República, a partir de lista tríplice formulada pelo próprio tribunal. O indicado passa ainda por sabatina do Senado Federal antes da nomeação. A Constituição prevê que os ministros tenham origem diversificada: um terço deve ser escolhido entre desembargadores federais, um terço entre desembargadores de justiça e, por fim, um terço entre advogados e membros do Ministério Público (BRASIL, [s.d.]b). Para os conflitos na área de direito do trabalho existe o Tribunal Superior do Trabalho (TST), composto por 27 ministros, aos quais incumbe a decisão final sobre a aplicação do direito do trabalho no plano coletivo e individual. Esse órgão julga em última instância no Brasil os processos coletivos e individuais que versam sobre relações trabalhistas. No site do TST na internet temos que: O Tribunal Superior do Trabalho (TST), com sede em Brasília-DF e jurisdição em todo o território nacional, é órgão de cúpula da Justiça do Trabalho, nos termos do artigo 111, inciso I, da Constituição da República, cuja função precípua consiste em uniformizar a jurisprudência trabalhista brasileira. 17 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Nos processos de sua competência, o TST é dividido em turmas e seções especializadas para a conciliação e julgamento de dissídios coletivos de natureza econômica ou jurídica e de dissídios individuais. O TST é composto de vinte e sete Ministros, escolhidos entre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, nomeados pelo Presidente da República após aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo: I – um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público do Trabalho com mais de dez anos de efetivo exercício, observado o disposto no art. 94; II – os demais entre juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho, oriundos da magistratura da carreira, indicados pelo próprio Tribunal Superior (BRASIL, [s.d.]c). A capital federal brasileira sedia, ainda, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que tem a incumbênciade julgar todos os conflitos que envolvem eleições no país, em qualquer nível – federal, estadual e municipal –, no sentido de que sempre estejam garantidas a regularidade dos partidos, dos candidatos e das próprias eleições. O site do TSE informa: O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), órgão máximo da Justiça Eleitoral, exerce papel fundamental na construção e no exercício da democracia brasileira. Suas principais competências estão fixadas pela Constituição Federal e pelo Código Eleitoral (Lei n. 4.737, de 15-7-1965). O TSE tem ação conjunta com os tribunais regionais eleitorais (TREs), que são os responsáveis diretos pela administração do processo eleitoral nos estados e nos municípios. A Corte é composta por sete ministros: três são originários do Supremo Tribunal Federal, dois do Superior Tribunal de Justiça e dois representantes da classe dos juristas – advogados com notável saber jurídico e idoneidade. Cada ministro é eleito para um biênio, sendo proibida a recondução após dois biênios consecutivos. A rotatividade dos juízes no âmbito da Justiça Eleitoral objetiva manter o caráter apolítico dos tribunais, de modo a garantir a isonomia nas eleições (BRASIL, [s.d.]c). O último tribunal superior em Brasília é o Supremo Tribunal Militar (STM), composto por 15 ministros e que tem como principal competência o julgamento de conflitos no âmbito das forças armadas. 18 Unidade I Saiba mais Para informações complementares sobre o STM, consulte a página do tribunal no link a seguir: www.stm.jus.br No âmbito de cada unidade da federação brasileira temos juízes civis e criminais, e tribunais de justiça para causas civis, empresariais e de consumo. Para a solução dos conflitos de direito do trabalho temos varas trabalhistas e tribunais regionais do trabalho; e para os conflitos que envolvem matéria federal, como alguns da área de direito tributário, teremos justiça federal e tribunais regionais federais. O Brasil possui 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) localizados nas seguintes regiões: Rio de Janeiro, São Paulo (2), Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco, Ceará, Pará, Amapá, Paraná, Distrito Federal, Tocantins, Roraima, Amazonas, Santa Catarina, Paraíba, Acre, Rondônia, Maranhão, Espírito Santo, Goiás, Alagoas, Sergipe, Rio Grande do Norte, Piauí, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O país tem ainda cinco Tribunais Regionais Federais com sede em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Recife. Além desses tribunais federais e regionais, cada estado da federação brasileira possui magistrados em comarcas e também seus Tribunais de Justiça. Comarca é uma extensão territorial sobre a qual um juiz de primeira instância, ou de primeiro grau, exerce sua atividade jurisdicional. Em outras palavras, é uma porção territorial que está sob responsabilidade de um magistrado que será a única autoridade judicial a poder aplicar o direito ali. Por vezes, a comarca possui uma única cidade e, às vezes, engloba várias cidades que responderão para o mesmo magistrado. Cidades mais populosas são comarcas com vários juízes que, às vezes, atuam em áreas separadas, como direito civil, direito penal, direito de família e sucessões, direito empresarial e outras. Essa organização é definida pelo Tribunal de Justiça de cada estado federativo por meio de seu código de organização judiciária. Assim, temos magistrados federais ou estaduais, mas não há previsão constitucional para justiça municipal. 1.6 A atividade dos magistrados e sua proteção Os magistrados brasileiros de qualquer instância, juízo ou tribunal estão garantidos pela Constituição Federal em relação a três garantias muito relevantes, em conformidade com o disposto no artigo 95, incisos I, II e III, assim redigidos: Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias: I – vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado; 19 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES II – inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII; III – irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998) (BRASIL, 1988). As três garantias se destinam a assegurar que os magistrados brasileiros no desempenho de suas atividades possam agir com independência e imparcialidade, sem temer nenhuma retaliação em decorrência de suas decisões, seja das próprias partes, seja dos governantes. Assim, o juiz tem garantida a vitaliciedade, que significa que o magistrado não perderá seu cargo em razão das decisões que adotar. Somente poderá perder o cargo de magistrado após sentença judicial transitada em julgado em processo no qual tenha tido a garantia da ampla defesa e de contrariar todos os fatos e argumentos apresentados contra ele (princípio do contraditório, garantido pela Constituição Federal). Ensina Ronnie Herbert Barros Soares que: Os magistrados de carreira, assim compreendidos os que ingressam no Poder Judiciário por meio do concurso público, após submeterem-se a um estágio probatório de dois anos, em que são avaliados e orientados pelas Corregedorias de Justiça, Escolas de Magistratura e Administração dos Tribunais, sem que tenham enfrentado problemas de ordem profissional ou pessoal que afetem o exercício do cargo, são declarados vitalícios, o que significa que somente podem ser demitidos, só perdem o cargo, por decisão judicial transitada em julgado (art. 95, I, da CF) (MAGISTRATURA, [s.d.]). O magistrado, após tomar posse como juiz substituto, está sujeito à confirmação no cargo e, enquanto não vitalício, pode ser desligado da magistratura por decisão administrativa do Tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça. Ao contrário do que comumente se afirma nos meios de comunicação, o magistrado pode ser demitido por infração disciplinar, como previsto no artigo 92, inciso VI, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Em se tratando de juiz não vitalício, a decisão pode ser proferida em processo administrativo. Mas para o magistrado vitalício, a perda do cargo depende de decisão judicial transitada em julgado, proferida em ação proposta para a perda do cargo. Como ressalta Olavo de Oliveira Neto, essa garantia constitucional busca assegurar a independência funcional do magistrado, a fim de impedir que “venha a perder o cargo por proferir uma decisão contrária aos interesses de pessoas que poderiam, inexistente tal garantia, por meios políticos, forçar a sua demissão” (MAGISTRATURA, [s.d.]). Sem a garantia da vitaliciedade, um magistrado que desagradasse lideranças políticas com suas decisões, poderia ser demitido sumariamente sem que pudesse se defender. No Brasil contemporâneo, em que tantas decisões difíceis têm sido tomadas pelos magistrados, inclusive levando à prisão importantes figuras do mundo político e empresarial, é fácil compreender a importância da garantia da vitaliciedade. 20 Unidade I Os magistrados têm, ainda, a garantia da inamovibilidade, que significa que um magistrado não poderá ser removido do local em que se encontra trabalhando, sem que tenha manifestado sua prévia concordância. Claro que existem hipóteses de remoção do magistrado de uma comarca para outra por razões de comprovado interesse público. Mas, em geral, a remoção do magistrado de um lugar para outro somente pode ser realizada com a concordância deste, para impedir a transferência arbitrária, como vingança em decorrência de uma decisão tomada pelo magistrado. Imaginemos que um juiz de uma comarca instalada em cidade grande provida de todos os recursos seja removido para uma pequena cidade do interior, muito distante da capital, simplesmente porque tomou uma decisão judicial que contrariou políticos locais. Essa possibilidade colocaria o magistrado em umavida tormentosa, sempre à mercê daqueles que estivessem contrários às suas decisões. A lei prevê a hipótese de o magistrado recusar uma promoção se, por acaso, perceber que ela está sendo concedida apenas para disfarçar o interesse de removê-lo da comarca em que ele está trabalhando e na qual, com certeza, está tomando decisões que contrariam o poder político ou econômico. Imaginemos que um magistrado de uma pequena cidade do interior do país julga um caso em que o ministério público tenta impedir grave dano ambiental com a instalação de uma usina hidrelétrica que vai derrubar área de preservação. O juiz analisa o caso, as provas produzidas e ao final impede a instalação da hidrelétrica contrariando um poderoso grupo econômico que apoia o prefeito. Em seguida, o juiz recebe a informação de que será removido da comarca por promoção para a capital e o grupo econômico aprova um novo projeto de construção de hidrelétrica desta vez alguns quilômetros acima do projeto inicialmente apresentado para aprovação. Essa hipótese pode ocorrer muitas vezes em um país de grandes dimensões como o Brasil e é fundamental que os magistrados tenham garantia de que não sofrerão consequências negativas em razão de suas decisões. Os magistrados possuem ainda garantia de irredutibilidade de vencimentos, ou seja, nenhum juiz sofrerá redução de seu salário como forma de inibir sua independência, ou como vingança contra atos praticados. Os magistrados estão sujeitos a descontos em seu salário como todos os demais trabalhadores, em especial de imposto de renda e contribuição previdenciária, porém essas são hipóteses previstas em lei e aplicáveis a todos os trabalhadores. Por outro lado, os juízes estão proibidos de exercer outras atividades além da magistratura por força do que determina a Constituição Federal, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, os Regimentos Internos dos Tribunais e as normas do Conselho Nacional de Justiça. Assim, além da atividade como magistrado eles só podem exercer o magistério, ou seja, podem ser professores. Mas não podem exercer atividade empresarial embora possam ser sócios ou acionistas de empresas. A vedação está restrita ao exercício de atividade administrativa ou gerencial à frente da empresa o que, certamente, é incompatível com o exercício da magistratura. É vedado aos magistrados, também, receberem auxílio ou contribuições de pessoas físicas ou jurídicas ou, ainda, de custas processuais recolhidas pelas partes no processo. Quando se aposentam da atividade judicial deverão cumprir um período de três anos para que possam exercer a advocacia perante o tribunal no qual trabalhavam, como garantia da transparência e da integridade ética. 21 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Os magistrados são proibidos por lei de se manifestarem por qualquer meio de comunicação sobre processos que estejam julgando, ou sobre processos sob responsabilidade de qualquer outro magistrado. Somente poderão se manifestar em caráter científico ou acadêmico, numa aula, palestra ou artigo científico. Fora dessas possibilidades, as manifestações estão vedadas, em especial aquelas concedidas à imprensa. Por fim, é vedado aos magistrados exercer atividade político-partidária porque isso também é incompatível com as exigências que o cargo impõe. 2 REGRAS FUNDAMENTAIS DOS PROCESSOS JUDICIAIS NO BRASIL Na vida cotidiana das empresas e de seus administradores, não é incomum que alguns conflitos sejam levados para solução judicial, razão pela qual os setores jurídicos internos ou externos das empresas são importantes para assessorar a tomada de decisões tanto no processo judicial como para evitar que eles aconteçam. Os consultores jurídicos e advogados são essenciais para a vida empresarial, mas isso não significa que os administradores não devam possuir noções sobre processo judicial, de forma a atuar em colaboração com o setor jurídico e para que suas decisões sejam melhor fundamentadas. Vamos aqui tratar dos processos judiciais em geral que, como sabemos, podem ser para solução de conflitos de várias áreas diferentes do direito. As mais comuns na vida empresarial são temas relacionados a contratos, relações trabalhistas, recolhimento de tributos, danos ambientais, obrigações de pagamento, entre outros semelhantes. Os elementos fundamentais para um processo judicial são: a petição inicial, a contestação, as provas, as decisões judiciais e o trânsito em julgado. Vamos conhecer esses elementos dos processos judiciais, mas antes vamos saber quais são os princípios que deverão ser obrigatoriamente obedecidos. Na definição de Celso Antonio Bandeira de Mello (2008, p. 747): Princípio [...] é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalização do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. [...] A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que os sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada. 22 Unidade I Para Miguel Reale (1986, p. 60): Princípios são, pois verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições, que apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários. As duas definições proferidas por importantes estudiosos de Direito nos permitem compreender a importância dos princípios jurídicos e, muito em especial, a importância dos princípios constitucionais que são aqueles que emanam da lei fundamental do país. Existem princípios para as diversas áreas do direito, mas são os princípios constitucionais que possuem maior relevância à medida que criam parâmetros que deverão obrigatoriamente ser obedecidos por todas as demais áreas. A respeito dos princípios constitucionais, o professor de direito e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso (1999, p. 147), afirma: [...] são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. Princípios são, portanto, a base que fundamenta uma determinada área do direito e que devem ser obedecidos da mesma forma que a lei, sob pena de sofrer sanção legal aquele que deixe de cumprir o que os princípios determinam. A seguir, os princípios processuais constitucionais: Devido processo legal Determinado pelo artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal. O cumprimento desse princípio é que garante que sejam respeitadas pelos magistrados e pelas partes todas as garantias processuais que tenham por objetivo garantir uma sentença justa e célere. Isonomia O artigo 5º, caput e I da Constituição Federal, garante que as partes recebam tratamento igualitário para o exercício de todos os seus direitos processuais. Ninguém será impedido de ingressar em juízo para defender seus direitos por qualquer razão, inclusive de caráter econômico. Para esses casos, ou seja,quando a parte precisar exercer direitos em juízo e não tiver condições econômicas para custear advogado ou pagar as custas do processo, o Estado terá obrigação de fornecer um advogado e isentar a parte da obrigação de pagar custas processuais. Claro que a parte terá que provar que não tem 23 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES condições econômicas, mas trata-se de prova simples que não causa maior ônus para ninguém. Durante o processo, as partes terão as mesmas oportunidades de manifestação, de forma a garantir a igualdade de tratamento. Contraditório Está previsto também no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal e significa a exigência de que o juiz dê ciência ao réu da existência do processo e, às partes (autor e réu) de todos os atos praticados no processo. As partes têm direito de ter ciência dos atos praticados no processo para que possam se manifestar, apresentar suas provas e argumentos. É em decorrência do princípio do contraditório que as partes recebem citações e intimações durante o processo judicial e têm que se manifestar representadas por seus advogados ou diretamente, quando são chamadas, por exemplo, para prestar depoimento. Contraditório significa na prática que a cada manifestação de uma parte processual a outra terá direito de se manifestar, até que se encerre essa fase de coleta de provas e argumentos e o juiz tenha elementos para poder decidir o conflito e apresentar os fundamentos de sua decisão. Algumas vezes, em caráter de exceção decorrente da urgência, o juiz poderá tomar decisões sem ouvir a outra parte. São as chamadas tutelas de emergência reguladas pelo Código de Processo Civil brasileiro, que determina: Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. § 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la. § 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia. § 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão (BRASIL, 2015a). Para conceder a tutela de urgência o magistrado deverá ter elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou riso ao resultado útil do processo. E mesmo assim, por vezes, poderá ocorrer uma audiência de justificação prévia, quando a parte requerente da liminar é chamada para apresentar provas que corroborem suas alegações e os documentos já apresentados. Isso significa que o magistrado quer ter muita convicção antes de decidir porque ainda não houve oportunidade processual de defesa para a outra parte. As tutelas de emergência são muito comuns em conflitos para embargos de obra de engenharia civil, ou para concessão de tratamento médico ou hospitalar quando o Estado ou a operadora de saúde 24 Unidade I negaram o pedido ao usuário. Nessas hipóteses, entre outras, é usual que as partes ingressem com pedido de concessão de tutela dado à emergência do assunto a ser decido e os graves prejuízos que poderão advir da demora na decisão. Inafastabilidade do controle jurisdicional Previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, significa que nenhuma lei no país poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de direito. Em outras palavras, esse artigo da Constituição Federal brasileira garante a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país que tenham acesso à justiça, que possam ir ao poder judiciário para solucionar seus problemas. Em muitos casos, a justiça poderá decidir que a parte não tem direito de pedir aquela solução, exatamente porque o direito não a socorre, não lhe garante a possibilidade daquele pedido. É o que acontecerá, por exemplo, se alguém ingressar com uma ação judicial alegando que não quer pagar as prestações a que se comprometeu em razão do contrato de financiamento do carro porque está cansado, não quer mais trabalhar e, por isso, não quer mais ter a responsabilidade de pagar as prestações. Não há direito que fundamente esse pedido porque a lei determina que todos aqueles que assumirem obrigações devem cumpri-las, no tempo e no modo combinados no contrato ou no instrumento jurídico que representa a obrigação legal assumida. Nesse caso, o magistrado não poderá deixar a ação judicial seguir e deverá determinar seu imediato arquivamento, porque não há legítimo interesse de agir, não há direito a ser protegido. Imparcialidade do juiz Pelo artigo 5º, incisos LIII e XXXVIII, da Constituição Federal, as partes não poderão escolher o juiz que vai decidir o conflito porque ele deverá pertencer a um tribunal que já existia anteriormente ao caso concreto, organizado em conformidade com a Constituição Federal e com as leis próprias de organização judicial. O juiz é funcionário do Estado e serve a esse Estado de forma imparcial em relação às partes, sem nenhum privilégio ou favorecimento porque poderá ser responsabilizado por atos dessa natureza, inclusive condenado a indenizar aqueles que tiverem sido prejudicados e sofrer a punição de ser exonerado do cargo por não cumprir determinações legais pertinentes. Publicidade dos atos judiciais Está prevista no artigo 5º, inciso LX, da Constituição Federal. Todos os atos praticados em um processo judicial são publicados no Diário Oficial do Estado ou da União, a depender de se tratar de processo tramitado em esfera estadual ou federal. Os Diários Oficiais na atualidade são eletrônicos, acessíveis a todos e a publicidade dos atos é a garantia de que a sociedade possa fiscalizar os atos praticados pelos magistrados no processo judicial para inibir qualquer prática ilegal ou imoral. A publicidade também permite que a sociedade conheça as partes litigantes e a razão pela qual litigam, o que sempre é positivo como cumprimento do direito de informação que todo cidadão possui. Como toda regra, a publicidade do processo judicial também comporta exceções e poderá ser restringida quando se tornar negativa para as partes envolvidas no processo. Nesses casos, será aplicada o chamado “segredo de justiça”, em que se ocultam os nomes das partes no processo judicial embora se publiquem os atos praticados. 25 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES O segredo de justiça é quase sempre aplicado nos casos de direito de família em que a divulgação do nome das partes será prejudicial a elas próprias, porque os fatos tratados são referentes ao núcleo de intimidade das pessoas e deverão ser protegidos na esfera da privacidade à qual todos temos direito. De fato, um processo judicial de separação litigiosa por motivo de agressão física entre os cônjuges deve ser julgado com respeito à privacidade das partes, para que não fiquem expostas além do estritamente necessário. Mas, ainda nesses casos, serão publicados os atos judiciais praticados, embora os nomes das partes fiquem ocultados por siglas. Duplo grau de jurisdição Embora não haja expressa previsão constitucional para o duplo grau de jurisdição, ele é decorrência da própria organização judicial brasileira prevista na Constituição Federal que viabilizou a existência de vários tribunais, como vimos neste trabalho. O direito de recorrer a um tribunal superior é muito importante porque dá a garantia de que as decisões dos juízes singulares serão revistas por um colegiado, composto por magistrados mais experientes e que poderão corrigir eventuais equívocos praticados na primeira decisão. Muito embora haja uma crítica quanto ao grande número de recursos que podem ser interpostos pelas partes após a decisão e o argumento de que eles atrasariam o efetivo cumprimento da decisão judicial que, não raro, quando é cumprida já se passaram tantos anos que ela sequer cumpre oseu papel, a realidade é que a existência de recursos é uma exigência da vida no estado democrático de direito. Todos os cidadãos têm direito de ver a decisão judicial, principalmente aquelas proferidas por um juiz singular, conhecida e revista por um colegiado de três magistrados (como acontece nos Tribunais de Justiça de cada Estado da federação), ou de número maior, como acontece nas Turmas dos Tribunais Superiores, para ter certeza de que a decisão está correta, bem fundamentada, que as provas apresentadas foram analisadas com rigor e, portanto, a decisão simboliza a aplicação da justiça. Sabedor de que sua decisão será analisada por um órgão superior, o magistrado fica imbuído de ainda maior cautela, cuidado e rigor na avaliação das provas e na interpretação da lei para aplicá-la ao caso concreto. Isso é positivo para a vida em sociedade e torna mais confiáveis as decisões proferidas. Princípio da razoável duração do processo Está previsto no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal. Esse princípio é uma diretriz para todos os Poderes da República. Para os legisladores, é um aviso para que editem leis de fácil compreensão, que não criem interpretações divergentes. Para os administradores, um sinal de que devem propiciar aos órgãos do poder judiciário todas as condições necessárias para que o trabalho flua sem problemas. E, para o próprio judiciário, o princípio é a exigência de trabalho célere, diligente, cuidadoso, porém ágil, de forma que os jurisdicionados – que são os cidadãos brasileiros e os estrangeiros residentes no país –, recebam sempre a melhor solução da justiça (no sentido de tecnicamente perfeita), no menor espaço de tempo entre o início e o final do processo. O Código de Processo Civil, Lei n. 13.105, de 2015, no artigo 1.048 prevê situações para as quais as partes terão prioridade na tramitação de seus processos, perante qualquer juízo ou tribunal. São os 26 Unidade I casos em que figure como parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos, ou que seja portadora de doença grave; que sejam parte crianças ou adolescentes; ou, ainda, em que figure como parte vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei n. 11.340, de 2006, denominada comumente como Lei Maria da Penha. Evidentemente que no Brasil contemporâneo, por inúmeras razões, estamos muito longe de cumprir o princípio da razoável duração do processo. Você com certeza conhece um processo judicial que se arrasta há muitos anos sem decisão final, ou já viu notícias a esse respeito e, portanto, conhece os prejuízos que as partes sofrem quando a decisão não é proferida no tempo correto. Imagine a situação da viúva com filhos pequenos que fica por dez anos aguardando a decisão da ação movida contra o empregador do marido falecido, que não fornecia os equipamentos de proteção individual adequados e, em consequência, ocorreu um acidente de trabalho que custou a vida do esposo, pai de seus filhos pequenos. Como custear a manutenção de filhos e a sua própria quando não se tem mais os recursos do salário do esposo, e ainda é preciso esperar pela decisão judicial que vai definir o dever de indenizar, o valor a ser indenizado e a forma como a indenização será paga. Esperar dez anos ou mais por uma decisão dessa é uma forma profundamente injusta de agir. Em outro exemplo que podemos utilizar para nossas reflexões, imagine uma indústria que foi multada por não recolher um determinado tributo que ela entende que não precisa ser recolhido, porque a hipótese de incidência tributária não está suficientemente clara. A empresa ficará com seus recursos econômicos comprometidos durante anos até que a decisão judicial definitiva decida que o tributo não é devido e, portanto, os valores pagos, inclusive a título de multa, deverão ser restituídos com juros e correção monetária. É, sem dúvida, uma hipótese comum na vida das empresas e sempre bastante prejudicial, porque aqueles recursos poderiam ter sido utilizados em muitas outras atividades, inclusive de expansão e modernização da empresa. Não é difícil encontrarmos casos reais de empresas que sucumbiram e fecharam suas portas por falta de decisões judiciais mais rápidas. Por outro lado, é imprescindível que as partes litigantes no processo judicial tenham direito de obter uma outra decisão além daquela primeiramente proferida, de forma que eventuais erros técnicos de aplicação da lei, de análise da prova ou de interpretação da lei possam ser corrigidos e, desse modo, que a justiça seja efetivamente aplicada. A equação é difícil de ser solucionada, mas os esforços conjuntos dos poderes da república e da sociedade brasileira certamente nos conduzirão ao aprimoramento das práticas processuais judiciais com objetivo de que tenhamos direito ao duplo grau de jurisdição, sem perder de vista a necessidade da celeridade do processo judicial. 2.1 Processos judiciais no Brasil O Brasil vive há pelo menos 20 anos um fenômeno denominado judicialização das relações sociais. Consiste em dar preferência a soluções judiciais para os conflitos em vez de procurar outras formas de negociação que permitiriam soluções mais céleres e, por vezes, menos traumáticas do que a decisão judicial. 27 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Há um enorme desgaste material e emocional com demandas judiciais, tanto para pessoas naturais como para pessoas jurídicas. Gastos com advogados e custas processuais, organização de documentos para serem utilizados como prova, busca de testemunhas que possam provar os fatos, comparecimento em audiências e encontro forçado com a parte contra a qual se litiga, dificuldade de o magistrado compreender detalhadamente a situação porque são muitos processos e ele nem sempre tem o tempo necessário para ler minuciosamente, todos esses são momentos difíceis para quem processa judicialmente ou é processado. Existem outras formas de solucionar conflitos além dos processos judiciais e, quase sempre, elas são mais indicadas, porém ainda não estão suficientemente introduzidas na vida cotidiana dos brasileiros para quem, quando surge o conflito, prefere utilizar as ações judiciais. Assim, não será difícil que um administrador de empresas no Brasil tenha que dedicar parte de seu tempo para organizar a atuação de sua empresa no poder judiciário, seja para se defender em um processo movida contra ela, seja para ela própria iniciar ação judicial contra outra pessoa jurídica ou natural. Os conflitos mais comuns são aqueles que envolvem questões trabalhistas, contratuais, tributárias e de cumprimento de obrigações assumidas – entrega de produtos, prazo, preço fixado, modelo –, entre outras. Por isso, é importante que o administrador de empresas conheça os fundamentos essenciais do desenrolar de um processo judicial, para que possa organizar e planejar atividades quando estiver às voltas com um conflito que se desenvolve no Poder Judiciário. Por exemplo: a empresa pactua um contrato de entrega de matéria-prima que não é cumprido e gera prejuízos porque há necessidade de comprar novamente de outro fornecedor, com custo mais alto. Cobrada a empresa fornecedora se nega a pagar e é necessário ingressar com uma ação judicial. O advogado da empresa é chamado para isso e solicita documentos e indicação do nome de testemunhas para elaborar a petição inicial. Depois dessa etapa o administrador terá que planejar próximas compras, recursos destinados a isso e poderá se perguntar: em quanto tempo poderemos ter de volta esses recursos econômicos? Quando poderemos contar novamente com esses valores no caixa e dar a ele destinação útil para o planejamento da empresa? Essas e outras perguntas são comumente formuladas aos advogados empresariais. Será importante compreender as diferentes etapas de um processo judicial e poder avaliar o tempo necessário para a solução definitiva do conflito. Além disso, conhecer as diferentes etapas de um processo judicial auxilia na tomada de decisões sobre mover ou nãouma demanda judicial. Por vezes, por maior que sejam as provas documentais, técnicas e testemunhais, por maiores que sejam os percentuais de chance êxito no processo judicial, é melhor não mover a ação e solucionar o conflito por mediação ou conciliação, ou até por arbitragem que teoricamente é mais caro que as outras duas modalidades, do que custear uma demanda judicial que poderá demorar muitos anos e implicar em altos custos até que venha a solução definitiva. Um roteiro simples de uma ação judicial de natureza civil – e não penal, porque então o roteiro pode ser outro –, tem as seguintes etapas: 28 Unidade I Petição inicial Citação Contestação Produção de provas Decisão de primeira instância Interposição de recurso Resposta às razões de recurso Decisão de segunda instância Execução da sentença Figura 2 Na sequência, vamos analisar alguma dessas etapas: Petição inicial É o documento escrito e assinado pelo advogado que narra os fatos conflituosos e fundamenta os direitos da parte que ingressa com o pedido com base na lei. Na área de direito civil onde estão os direitos das pessoas naturais ou jurídicas, a parte que ingressa com a ação é chamado de autor, demandante ou requerente. A parte contra quem se propõe a ação judicial é chamado de requerido ou demandado. A palavra réu é utilizada usualmente para o direito penal, embora não seja incorreto utilizá-la no âmbito do direito civil, empresarial ou tributário. Na área do direito do trabalho, a parte que propõe a ação judicial é chamada de reclamante, e a parte contra quem se propõe a ação é chamada de reclamado. A petição inicial em conformidade com o que determina o artigo 319 do Código de Processo Civil deverá indicar: 29 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Juízo a que é dirigida Petição inicial Opção ou não por audiência de conciliação Qualificação detalhada do requerente e do requerido Valor da causa Pedido com suas especificações Provas que o autor pretende produzir Fatos e fundamentos do pedido Figura 3 Alguns esclarecimentos necessários: • Juízo a que é dirigida não significa que a parte possa escolher o juiz porque já vimos anteriormente que isso é vedado pela legislação brasileira. Dirigir a petição ao juiz significa escolher apenas: (i) a área da justiça (civil, penal ou trabalhista); e, (ii) a comarca na qual a ação judicial vai ser distribuída que, quase sempre, é a comarca do domicílio do requerente. • Qualificação das partes deve ser o mais completa possível com referência a nome, prenome, estado civil, existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu. • Fato e os fundamentos jurídicos do pedido devem ser detalhados, completos, minuciosos e, principalmente, fundamentados na lei, em decisões judiciais anteriores – jurisprudência, ou em instrumentos válidos como contratos, títulos de crédito e outros aos quais a lei reconhece a capacidade de gerar direitos e obrigações. • O pedido com as suas especificações significa que o pedido deve ser certo conforme determina o artigo 322 do Código de Processo Civil e, no pedido devem ser incluídos o principal, a incidência de juros legais, de correção monetária e as verbas de sucumbência, em especial os honorários advocatícios. Verba de sucumbência é o valor a ser pago pela parte que perde a ação judicial para o advogado da parte que ganha. É um percentual arbitrado pelo juiz e é ficado entre 10% e 20% do valor dado à causa que, quase sempre, é o valor do pedido. Assim, em uma ação de cobrança 30 Unidade I no valor de R$ 200.000,00 a parte que perder deverá pagar esse valor, acrescido de juros legais e correção monetária, de custas do processo e, de verba honorária de sucumbência que o juiz arbitrar. Esse valor de verba de sucumbência é diferente do valor que a parte paga ao advogado para que trabalhe para ela. A parte contrata seu advogado e paga a ele um valor combinado entre eles para que seja proposta a ação judicial ou apresentada a defesa. Esse valor remunera o trabalho do advogado e a verba de sucumbência remunera o êxito que ele propiciou à parte, ou seja, remunera a vitória que o advogado teve. • Valor da causa quase sempre é o valor atribuído ao direito pleiteado na ação judicial. Por exemplo, em uma ação de cobrança no valor de R$ 200.000,00, o valor da causa será o mesmo do valor do pedido. Para ações judiciais em que o pedido seja de prestação continuada como no caso de dever de alimentos dos pais para os filhos, será calculado como o valor equivalente a doze prestações mensais. • As provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados deverão ser especificadas, ou seja, se serão produzidas provas documentais, testemunhais ou provas técnicas como a perícia, por exemplo. As provas documentais devem acompanhar a petição inicial, todos os documentos que comprovam os fatos e o direito devem ser apresentados no mesmo momento da petição inicial sob pena de o autor não poder mais apresentá-los. O mesmo se dá para os documentos da defesa que devem ser apresentados no momento da juntada ao processo da contestação, sobre a qual falaremos mais à frente. • A opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação. Essa é uma novidade implementada pelo Código de Processo Civil de 2015 que substituiu o anterior, de 1973. Um dos objetivos do chamado novo Código de Processo Civil é tornar as oportunidades de conciliação mais simples e, para cumprir esse objetivo, a parte deverá indicar logo no primeiro ato processual que pratica, a apresentação da petição inicial, se concorda que seja agendada uma audiência de tentativa de conciliação para que as partes possam dialogar sobre um acordo que coloque fim à demanda. É sempre positivo concordar com a tentativa de conciliação porque ela será realizada em juízo, ou seja, por um representante do poder judiciário e isso significa que não se trata de perda de tempo, mas de excelente oportunidade para colocar fim rapidamente ao conflito. Recebida a petição inicial, o Poder Judiciário determinará que a parte contrária seja citada para apresentar sua defesa. Em conformidade com o disposto no artigo 238 do Código de Processo Civil, citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual. Integrar a relação processual tem um objetivo: apresentar os fatos e as provas necessárias para comprová-los no sentido de demonstrar que o pedido formulado na inicial não está correto ou, pelo menos, não está inteiramente correto. Citação Receber uma citação significa que começa a correr um prazo processual para que medidas sejam adotadas. Por isso, ao receber uma citação é preciso informar imediatamente o setor 31 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES jurídico da empresa ou o advogado prestador de serviços da empresa para que sejam adotadas providências legais necessárias. Prazos processuais são fixados em lei e não podem ser prorrogados nem por decisão do magistrado. São inflexíveis. É preciso ter muito cuidado para não perder o prazo processual porque isso pode significar a perda do processo judicial, ou seja, tudo o que foi alegado contra a parte será considerado verdadeiro pelo simples fato de que ela não apresentou sua resposta no tempo correto fixado pela lei. Para identificar uma citação judicial, observe primeiro os símbolos visuais do documento. Se for o brasão da República, é possível que seja citação judicial de um processo que está tramitando na Justiça Federal ou na Justiça do Trabalho. Figura 4 – Brasão de Armas do Brasil Se o documento tiver o brasão de um Tribunal de Justiça de Estado da federação brasileira, é porque o processo judicial está em tramitação numa vara cível ou criminal do estado em que as partes têm domicílio. Figura 5 32 Unidade I A palavra citaçãosempre estará em destaque, normalmente em letras maiúsculas e em negrito. Com isso você já terá condições objetivas de compreender que precisa levar esse fato imediatamente ao conhecimento de seus superiores ou dos advogados, caso sua função administrativa na empresa lhe permita fazer contato diretamente com o setor jurídico. Nunca adie essa informação, não deixe para informar no dia seguinte ou em outro momento qualquer. Essa é uma informação prioritária que a empresa precisa ter o mais cedo possível para poder adotar as medidas cabíveis e pertinentes. É bastante comum que as empresas percam o prazo para contestar uma ação judicial que era injusta, que não tinha provas documentais ou técnicas adequadas, que seria facilmente revertida em juízo com bons resultados para a empresa, apenas porque o empregado que recebeu a citação não levou ao conhecimento dos responsáveis no prazo certo. Um esquecimento dessa natureza pode levar a empresa a perder valores muito significativos e, não raro, pode significar a falência da empresa. Isso ocorre diariamente por falta de diligência de quem recebe a citação ou por falta de conhecimento sobre como agir. Fique atento, decisões judiciais não podem esperar, devem ser imediatamente cumpridos. Se o juiz determinou a sua citação ou a da empresa para a qual você trabalha, aja imediatamente! Ao receber a citação procure um advogado no mesmo dia, se for para você como pessoa natural; ou contate seus superiores ou o departamento jurídico da empresa, caso você receba a citação na condição de representante legal da empresa. Nunca deixe para outro dia porque no judiciário brasileiro o prazo perdido não volta. Outro documento importante que pode ser enviado pela justiça durante um processo judicial é a intimação. Leia a seguir publicação do site do Conselho Nacional de Justiça a respeito das intimações. Intimação: quando é obrigatório comparecer? Uma intimação é uma ordem de qualquer autoridade militar, civil ou judicial que obriga a pessoa a fazer, ou deixar de fazer, algo com base na Lei. Quem recebe uma intimação é obrigado a comparecer na data e horário estipulados no documento. O descumprimento dos termos estabelecidos em uma notificação pode trazer consequências sérias. O não comparecimento pode acarretar em uma condução coercitiva (levada à força a comparecer), a depender do motivo da intimação. A pessoa que não cumprir uma intimação pode, inclusive, responder por crime de desobediência à ordem judicial. Com isso, ela responderá a um processo criminal. As consequências estarão descritas no documento de intimação. 33 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES Aliás, existem alguns tipos de intimação: • Intimação por correspondência: carta registrada com obrigatoriedade de assinatura do Aviso de Recebimento. • Intimação eletrônica: como o próprio nome diz, é feita pelos meios eletrônicos. Recentemente o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reconheceu intimações feitas pelo WhatsApp. • Intimação judicial: a ordem parte de um juiz. • Intimação por carta precatória: forma de comunicação de um juiz para outro juiz, solicitando que ele intime e ouça uma pessoa que mora em outra jurisdição. • Intimação de despacho: aviso de um juiz para que as partes de um processo tomem ciência de uma decisão tomada por ele. • Intimação por publicação: os advogados têm obrigação de acompanhar todas as publicações em seu nome. Sendo assim, os juízes determinam a publicação de suas decisões em Diário Oficial. A intimação é entregue por meio dos oficiais de justiça. Há uma crença de que, se a pessoa não aceitar receber o documento de intimação, ou não assinar o recibo de ciência, ela não poderia sofre qualquer penalidade. Todavia, os oficiais de justiça têm “fé pública”. Portanto, basta a palavra dele de que o documento foi entregue, ou de que a pessoa está ciente da intimação, para o ato ser considerado válido Fonte: Brasil (2018a). Leia atentamente as informações do Conselho Nacional de Justiça porque elas são realmente importantes. Muitas vezes movidos pela emoção negativa de sabermos que alguém nos colocou como testemunha em uma ação judicial, ou em saber que estamos sendo intimados para depor na justiça penal sobre um fato ocorrido na empresa ou na vizinhança, ou qualquer outra situação que nos desagrada, reagimos de forma intempestiva decidindo não acatar a intimação e deixar de lado. Isso é um erro! Um grande erro que pode causar consequências bastante desagradáveis. Intimado para depor como testemunha em um conflito judicial entre dois amigos, uma pessoa resolveu não ir e considerou até indelicado que um dos amigos tivesse arrolado seu nome como testemunha porque sabia que ele não desejava se envolver naquele problema, afinal, era amigo de ambos e estava até constrangido com o problema que eles estavam enfrentando. Assim, ignorou a intimação e não compareceu. Na data em que deveria ter comparecido nada ocorreu, porém, algumas semanas depois ele foi acordado logo cedinho pela política militar que o conduziu coercitivamente para o fórum da cidade onde ele permaneceu detido até o horário da audiência, quando então foi levado para depor como testemunha por meio de condução coercitiva em razão do fato de que ele havia sido 34 Unidade I intimado, porém se recusara a comparecer. Um verdadeiro vexame ter que ser conduzido em carro de polícia para cumprir uma obrigação legal! E fique atento, porque as intimações judiciais poderão ocorrer por meio pessoal quando são entregues pelo oficial de justiça; por meio de correspondência, quando chegam pelo serviço de correios; ou, ainda por meio eletrônico. Saiba mais O Conselho Nacional de Justiça é uma instituição pública que visa aperfeiçoar o trabalho do sistema Judiciário brasileiro, principalmente no que diz respeito ao controle e à transparência administrativa e processual. No site do Conselho você encontrará importantes informações e orientações sobre o funcionamento da Justiça brasileira. www.cnj.jus.br Contestação Depois que a ação judicial tem início e a parte contrária é citada para responder aos termos da ação, ela deverá apresentar sua contestação. Em que consiste esse documento? Na também chamada resposta do réu, momento em que o requerido, reclamante ou réu deverá apresentar suas razões de fato e de direito para o conflito apresentado na petição inicial. Na defesa, a parte deverá manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato constantes na petição inicial e serão presumidas como verdadeiras aquelas que não forem impugnadas, salvo algumas poucas exceções como, por exemplo, quando a petição inicial não estiver acompanhada de documento que a lei considere fundamental como acontece, por exemplo, nas cobranças de título de crédito. A realidade é que a petição inicial deve ser contestada ponto a ponto com a apresentação dos argumentos de fato e de direito. Os argumentos de fato deverão ser provados por isso, não será benéfico negar que tenham ocorrido ou narrar de outra forma se não for possível provar que aquilo aconteceu. É bastante comum que as pessoas queiram mudar os fatos para se beneficiar com a versão, mas, posteriormente, perante o magistrado sejam fortemente admoestadas por terem apresentado uma versão que não pode ser comprovada. É preciso priorizar as provas que serão apresentadas porque nas ações judiciais, só se deve alegar aquilo que pode ser provado. Produção de provas Que provas podem ser utilizadas em uma ação judicial? 35 DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES As mais comuns são: • Prova documental: todos os documentos válidos para comprovação dos fatos. Documentos servem de prova quando são idôneos, verdadeiros, válidos. Se houver dúvida sobre a origem e a veracidade deles, não servirão para provar fatos. • Prova testemunhal: pessoas que podem narrar como os fatos aconteceram. Testemunhas prestam depoimento sobre fatos e não emitem opiniões. • Prova pericial: prova produzida por peritos ou técnicos que elaboram laudos. Tem a
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