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-quilômetro, dois carros zero-quilômetro. Há os que se espantam. Esquecem-se de que lógica e língua são coisas que não se misturam. Se se misturassem, jamais teríamos esta concordância: Mais de um passageiro morreu. Ou esta: Menos de dois passageiros morreram. A língua não se guia por regras lógicas, tanto é que antigamente havia a análise lógica, que passou a ser chamada com propriedade análise sintática. Por quê? Porque a língua se norteia por normas sintáticas. Como poucos têm consciência disso, espantam-se com o plural de zero- quilômetro. Compreende-se: vivemos num mundo conturbado… Os jornalistas escrevem “os zero-quilômetro”. Normal. Veja: “Os zero-quilômetro” pagam 35% de imposto de importação, fora outros tributos, como o IPI. *** “Mosca branca” entre os “zero-quilômetro”, o carro a álcool também sumiu das lojas de usados. Como se vê, encontrar jornalista brasileiro que escreva corretamente é mesmo mosca-branca… A maioria dos homens ficou nervosa Nesta frase, correta, existe mais uma prova de que lógica e língua não se misturam. Numa frase em que entra a maioria de + complemento no plural, o verbo concorda com o núcleo do sujeito (maioria) ou, excepcionalmente, com esse complemento. Portanto, temos duas concordâncias corretas: a que vimos acima, gramatical, e a lógica, que é A maioria dos homens ficaram nervosos. O mesmo se dá com grande parte de, boa parte de, bom número de, metade de, etc., chamados coletivos partitivos. Daí por que não houve erro na construção de um jornalista, que escreveu: Metade das 33 viagens do presidente foram para São Paulo. Prefira, no entanto, a concordância gramatical, que é a que leva em conta o núcleo do sujeito. meio-dia e “meio” Aliás, meio-dia e meia (hora). Ora, se todos dizemos uma e meia, duas e meia, três e meia, etc., porque, então, meio-dia e “meio”? Como se viu, há subentendimento da palavra hora, nesse caso: uma e meia (hora), duas e meia (hora), meio-dia e meia (hora). Nossa, já “são” meia-noite?! Para evitar o sobrenatural, convém ter mais cuidado: o verbo não tem por que, aqui, ir ao plural, já que meia-noite não pertence a esse número. Existem pessoas, no entanto, que dizem: Já “são” meio-dia: preciso ir. É bom que vá mesmo… Um candidato a presidência da República, derrotado no segundo turno, declarou horas antes da eleição: “São” meio-dia. Daqui a vinte horas começa a virada. Virada para quê? Para o sobrenatural? A antiga e excelente Rádio Jornal do Brasil certa vez teve um locutor — talvez acossado pelo sobrenatural — que soltou isto: “São” meia- noite e quarenta e cinco minutos no Rio de Janeiro. O sobrenatural, assim como o povo, é muito poderoso! bororos (como se pronuncia corretamente?) Pronuncia-se borôros, se a referência é a indígenas que vivem em Mato Grosso. A palavra oxítona, bororós, existe, mas designa espécimes da nossa fauna. Os bororos não gostam de ser confundidos com bororós. Por justa razão… “São” Salvador O nome da capital baiana é Salvador. Só. Os baianos a chamam também, carinhosamente, Cidade do Salvador. Quem nasce em Salvador é salvadorense ou soteropolitano (adjetivo preferido na Boa Terra). Quem nunca esteve em Salvador precisa arrumar um tempo para conhecê-la. Quem nunca esteve na Cidade do Salvador não pode dizer que conhece o Brasil. A capacidade comunicativa do soteropolitano contagia. EM TEMPO – Soteropolitano (tè) vem de Soterópolis, nome erudito de Salvador; forma-se do grego Soter = Salvador + polis = cidade. Assim, Soterópolis = cidade do Salvador. todas as vezes “em” que Expressão equivocada; trata-se de mais uma invenção dos jornalistas brasileiros, a exemplo de “à medida em que”. Veja como eles a usam, sem pejo nenhum: Todas as vezes “em” que a televisão mostrou homens e mulheres nus… Todas as vezes que leio jornal… caudal É palavra masculina: o caudal, um caudal. Portanto: Era extraordinário o caudal do rio. *** Surgiu um caudal de boatos. Jornalistas há que imaginam haver algo em comum entre caudal e cauda. Naturalmente que não há. Mas eles insistem. E escrevem: O PT é apenas um tributário “da” grande caudal da crise brasileira. Eles são assim… é preciso – é necessário – é bom Trata-se de expressões invariáveis. Repare nestas frases: É preciso muita paciência para lidar com crianças. *** É necessário atenção redobrada, ao dirigir veículos à noite. *** É bom toda a cautela neste caso. Por que podemos construir assim? Porque, geralmente, há um verbo subentendido depois do adjetivo. Exemplos: É preciso ter muita paciência para… *** É necessário manter atenção redobrada… *** É bom usar toda a cautela… Repare ainda nestas frases, em que também o adjetivo não varia, por haver um verbo subentendido: É lindo uma mulher que chora. = É lindo ver… *** Maçã é ótimo para os dentes. = Comer maçã é… *** Cerveja é bom para engordar. = Beber cerveja é… Veja, agora, outros exemplos, para firmar conhecimento: É necessário muitos exercícios para aprender isso. = É necessário fazer… *** É preciso muitas sessões de psicanálise para ficares bom. = É preciso frequentares… *** É bom apenas frutas e legumes no verão. = É bom comer apenas… *** Era preciso informações exatas. = Era preciso obter… *** Será bom prudência nesse caso. = Será bom ter… *** Calma, para a saúde, é ótimo! = Manter a calma, para a… O egrégio Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, ao confirmar uma sentença, redigiu: Acertada foi a condenação, pois, como é sabido e reconhecido pela jurisprudência, castigo corporal através de tapas no rosto de alunos configura o delito de maus tratos, pois é inadmissível tais corretivos como atos de disciplina escolar. Perfeito: é inadmissível adotar tais corretivos… Repare, agora, nesta frase de jornalista, que acabou confundindo alhos com bugalhos: Segundo o presidente da UIA (União da Indústria Argentina), Héctor Mendez, o nosso ministro do Desenvolvimento é o que mais preocupa os empresários argentinos. Para ele, “é necessário” a adoção de uma política empresarial entre Brasil e Argentina que seja capaz de corrigir as assimetrias do Mercosul. Ou seja: o jornalista aprendeu que não se varia a expressão é necessário em algumas circunstâncias. O problema é que não soube aplicar o que aprendeu. Repare, ainda, na falta do necessário artigo antes dos nomes Brasil e Argentina. maus tratos É assim que se escreve, ou seja, sem hífen, quando significa