Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
74 Unidade II Unidade II 5 INFERTILIDADE MASCULINA Para que ocorra fertilização, é necessário que o casal seja fértil. Um homem é fértil quando ele é capaz de engravidar uma mulher. A mulher, por sua vez, é fértil quando é capaz de engravidar e gerar filhos. É esperado que, se um casal é fértil e tem relações sexuais periódicas sem usar nenhum tipo de contracepção, a gestação da mulher ocorra até um ano a partir da primeira tentativa. Portanto, a infertilidade pode ser definida como a incapacidade de um casal alcançar a concepção ou levar uma concepção a termo após um ano ou mais de relações sexuais regulares, sem proteção contraceptiva. O conceito engloba tanto a falha na fertilização quanto a impossibilidade de levar a gestação até o fim. A infertilidade vem aumentando nos tempos modernos por vários motivos: • Muitos casais estão optando por ter filhos mais tarde, e é sabido que a fertilidade, principalmente a feminina, decai significativamente a partir dos 35 anos. • O estilo de vida moderno, que inclui, muitas vezes, uma rotina estressante, pode causar diminuição da fertilidade. Altos níveis plasmáticos de cortisol, o “hormônio do estresse”, já foram relacionados com a infertilidade. • Entramos em contato, diariamente, com uma série de substâncias que apresentam efeitos deletérios sobre a fertilidade, por exemplo, os disruptores endócrinos, capazes de alterar a secreção de hormônios sexuais e, assim, a função reprodutiva. • O aumento do número de parceiros sexuais e a falha no uso de preservativos, o que predispõe os indivíduos a infecções sexualmente transmissíveis, que, muitas vezes, causam infertilidade. A infertilidade pode ser classificada em primária e secundária. A primária é a incapacidade fisiológica de uma primeira gestação; e a secundária, ocorre quando o casal encontra dificuldades de conceber uma gestação, ainda que já tenha conseguido pelo menos uma em conjunto. A infertilidade primária é mais prevalente entre mulheres jovens (20 a 24 anos), enquanto a fertilidade secundária está fortemente relacionada com a idade materna, podendo atingir 27,1% das mulheres entre 40 e 44 anos (MASCARENHAS et al., 2012, p. 5). A prevalência da infertilidade também varia quando países desenvolvidos e subdesenvolvidos são comparados. Nos primeiros, varia de 3,5 a 16,7% dos casais e se deve principalmente à idade da mulher; nos países subdesenvolvidos, varia de 6,9 a 9,3% e tem como importante fator as infecções sexualmente 75 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA transmissíveis e as sequelas de abortos inseguros. No Brasil, estima-se que mais de 278 mil casais tenham dificuldade para gerar um filho em algum momento de sua idade fértil (BRASIL, 2011). Saiba mais O Estado oferece diagnóstico e tratamento da infertilidade no âmbito do SUS. Leia: BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 426/GM, de 22 de março de 2005. Institui, no âmbito do SUS, a Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida e dá outras providências. Um estudo realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), com 7.273 casais inférteis, mostrou que 24% dos casos de infertilidade foram devidos somente a fatores masculinos; 41%, a fatores femininos, isoladamente; e 24%, a fatores femininos e masculinos combinados (BASU, 2011, p. 155). Quando não é possível diagnosticar as causas da infertilidade de um casal, dizemos que a infertilidade é idiopática (sem causa conhecida). Os casos de infertilidade idiopática corresponderam a 11% do total (figura seguinte). Esses valores diferem muito de estudo para estudo, principalmente devido a diferenças amostrais. 11 41 24 24 Infertilidade masculina Infertilidade masculina e feminina combinadas Infertilidade feminina Causa idionática Figura 32 – Proporção de homens e mulheres inférteis entre casais que tentam engravidar há mais de um ano Ao longo desta unidade, iremos estudar as principais causas da infertilidade masculina e feminina, os principais exames utilizados no diagnóstico da infertilidade e como é realizado o tratamento dessa condição, com ênfase nas técnicas de reprodução assistida. 5.1 Principais causas da infertilidade masculina Segundo Rosenblatt et al. (2010), as principais causas da infertilidade masculina são: • Ausência total (azoospermia) ou parcial (oligozoospermia) de espermatozoides, por falha na espermatogênese ou por obstrução nas vias espermáticas. 76 Unidade II • Alterações na motilidade (astenozoospermia) e no formato (teratozoospermia) dos espermatozoides. • Desenvolvimento de resposta imunológica contra os espermatozoides, o que envolve a produção de anticorpos antiespermatozoides. • Infecções (epididimites, prostatites, uretrites e infecções urinárias). • Criptorquidia (testículos que não desceram para o escroto durante o período fetal). • Varicocele, que é a dilatação das veias do cordão espermático. • Consumo de tabaco e etanol, entre outras substâncias. • O aumento da temperatura na região dos testículos, causado pelo uso de calças apertadas ou pelo uso de dispositivos eletrônicos no colo (por exemplo, laptops). • Alteração dos níveis plasmáticos de testosterona, FSH e LH. A infertilidade pode ser decorrente de níveis insuficientes de testosterona para sustentar a espermatogênese. Os níveis plasmáticos desse hormônio variam durante a vida do homem. Durante o período fetal, mais especificamente no 3º e no 6º mês de gestação, são observados dois picos na secreção de testosterona, importantes para promover o desenvolvimento dos órgãos sexuais e estabelecer o padrão comportamental masculino. Os níveis de testosterona então caem e permanecem indetectáveis até a puberdade, a partir da qual aumentam gradativamente até atingir os níveis observados no adulto (aproximadamente 500 ng/dL), permanecendo nesse patamar até a senescência, quando começam a decair (figura a seguir). Portanto, podemos dizer que a fertilidade masculina também diminui com a idade, embora esse efeito seja mais sutil do que o observado nas mulheres (BASU, 2011). Feto Neonato Púbere Adulto Idoso 100 500 3m Gestação Anos 6m 1 10 17 40 60 80 Pr od uç ão d e es pe rm a (% ) Te st os te ro na sé ric a (n g/ dL ) Figura 33 – Diagrama esquemático das diferentes fases da secreção de testosterona e da produção de espermatozoides ao longo da vida do homem 77 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA A ausência de espermatozoides no sêmen ejaculado é denominada azoospermia e pode ser de dois tipos: secretora ou obstrutiva. Na azoospermia secretora, ou não obstrutiva, os testículos não produzem espermatozoides. Essa categoria responde por 70% dos casos de azoospermia e as principais causas são: alterações genéticas (sendo as principais aquelas relacionadas com o gene da fibrose cística e com microdeleções do cromossomo Y); alterações hormonais (lembre-se que a espermatogênese depende da secreção adequada de testosterona e de FSH); lesões ou pancadas nos testículos; câncer testicular; e uso de quimioterápicos para o tratamento do câncer. A criptorquidia e varicocele, que serão abordadas separadamente, também podem levar ao quadro de azoospermia (SPDM, 2013). Na azoospermia obstrutiva, o indivíduo apresenta produção adequada de espermatozoides, mas eles não atingem o líquido seminal, devido a fatores congênitos (agenesia dos ductos deferentes; obstrução do ducto ejaculador e outras malformações do trato reprodutor masculino) ou adquiridos (cirurgia de vasectomia e outras cirurgias que podem afetar os ductos espermáticos). De acordo com a causa, a azoospermia pode ou não ser reversível. As alterações hormonais, quando corrigidas, levam ao restabelecimento da espermatogênese, assim como o término do uso de quimioterápicos ou a reversão da cirurgia de vasectomia. Em outros casos, por exemplo, quando existe um fator genético envolvido, o estabelecimento da espermatogênese pode não ser possível. A oligozoospermia é a diminuição da contagem de espermatozoides. Segundo a OMS,o homem, para ser considerado fértil, precisa apresentar, no mínimo, 39 milhões de espermatozoides no sêmen, o que corresponde a uma concentração de aproximadamente 15 milhões de espermatozoides por mililitro (mL) de ejaculado. A oligozoospermia é considerada leve quando a concentração dos espermatozoides se encontra entre 14,9 milhões e 5 milhões por mL, e grave quando esse valor é inferior a 5 milhões por mL (WHO, 2010). Observação A contagem dos espermatozoides sempre deve ser interpretada levando-se em conta os demais parâmetros do sêmen, a fim de verificar a qualidade global do gameta. As causas da oligozoospermia são as mesmas da azoospermia, ou seja: os fatores anteriormente citados, se não causarem total ausência de espermatozoides no ejaculado, podem causar diminuição significativa em seu número, o que dificulta a fertilização. Exemplo de aplicação O abuso de esteroides anabolizantes, comum em indivíduos que praticam fisiculturismo ou que desejam ganhar massa muscular em um curto período de tempo, pode levar à oligozoospermia ou até mesmo à azoospermia. Com base no que foi exposto neste livro-texto, você conseguiria explicar por que isso acontece? 78 Unidade II Espermatozoides que não apresentam movimento progressivo e linear são classificados como portadores de alterações na motilidade. No indivíduo fértil, pelo menos 32% dos espermatozoides precisam apresentar motilidade progressiva, o que é essencial para o encontro do ovócito e posterior fertilização. Quando a motilidade progressiva está presente em menos de 32% dos espermatozoides, temos um quadro de astenozoospermia. Na astenozoospermia, os espermatozoides podem apresentar motilidade não progressiva ou até mesmo serem imóveis. Neste último caso, é necessário realizar o teste da vitalidade, para verificar se eles estão vivos ou mortos. As principais causas da astenozoospermia são: as cirurgias, as patologias testiculares e epididimárias, os traumas no testículo e as alterações hormonais. Lembrete O epidídimo é responsável pela maturação do espermatozoide, que inclui a aquisição da motilidade. Portanto, nos casos de astenozoospermia, esse órgão deve ser investigado. Diversas alterações na morfologia dos espermatozoides (teratozoospermia) podem ser observadas. Essas alterações incluem mudanças no formato da cabeça, ausência ou duplicação de segmentos do espermatozoide e alteração da proporção entre eles, inserção inadequada da cauda etc. (figura a seguir). Para que o indivíduo seja considerado fértil, cerca de 70% dos espermatozoides precisam apresentar morfologia normal. As causas da teratozoospermia não são totalmente conhecidas, porém, sabe-se que as alterações no código genético do espermatozoide (mutações, deleções etc.), a varicocele e a exposição a substâncias tóxicas são fatores importantes (CARREL; PETERSON, 2010). Duas cabeças Peça intermediária anormal Duas caudasNormal Condensação do acrossomo Cabeça aumentada Cabeça diminuída Figura 34 – Principais alterações na morfologia do espermatozoide 79 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA Os anticorpos antiespermatozoide são gerados pelo sistema imunológico do homem quando os testículos sofrem algum tipo de trauma que rompe a integridade da barreira hemato-testicular. Uma vez que os espermatozoides são haploides, e não diploides, como as demais células do organismo, eles são reconhecidos como corpos estranhos pelo sistema imunológico. Como consequência, há produção de anticorpos que se ligam à superfície dos espermatozoides e impedem a fertilização. Observação A barreira hemato-testicular é resultado das junções oclusivas entre as células de Sertoli. As principais infecções genitais masculinas estão associadas à manipulação do trato urinário e à doença prostática. Alguns exemplos de infecções que alteram a fertilidade são a infecção por clamídia, a gonorreia, a tuberculose e a varíola. Na vigência de uma infecção, pode-se observar um grande aumento de leucócitos no sêmen em pacientes com processo infeccioso ou inflamatório. É necessário realizar a cultura do sêmen e o antibiograma, a fim de avaliar qual o melhor antibiótico para tratar o caso. A criptorquidia é o quadro relacionado com a não descida dos testículos para o escroto durante o período fetal. Esse quadro está associado com infertilidade, pois, para que ocorra a espermatogênese, a temperatura dos testículos precisa ser aproximadamente 2 oC menor que a temperatura corporal (ou seja, em torno dos 35 oC). É por esse motivo que o escroto se localiza fora do abdome e da pelve. O aumento da temperatura dos testículos, decorrente do uso de calças apertadas ou do uso de aparelhos eletrônicos no colo, também impede a espermatogênese. Outra alteração anatômica dos testículos que causa diminuição da fertilidade é a varicocele. Ela é decorrente da dilatação das veias do plexo pampiniforme do escroto e causa diminuição do tamanho dos testículos, aumento da temperatura (por aumento do fluxo sanguíneo), aumento da produção de radicais livres, disfunção hormonal, entre outros. É a causa mais comum de infertilidade adquirida e pode ser corrigida cirurgicamente. Em relação ao uso de substâncias, existem trabalhos que correlacionam o consumo excessivo de tabaco com a diminuição da contagem de espermatozoides e com alterações na integridade do DNA dessas células. Outras substâncias que podem, efetivamente, resultar em danos na função testicular são o etanol, a maconha e a cafeína em excesso. 80 Unidade II Saiba mais Leia o artigo a seguir: ROSENBLATT, C. et al. Infertilidade masculina: novos conceitos. Prática Hospitalar, ano XII, n. 71, set./out. 2010. 5.2 Diagnóstico da infertilidade masculina O espermograma é a avaliação laboratorial das características do sêmen. Trata-se de um exame fundamental para o diagnóstico da infertilidade masculina e para a determinação da qualidade dos espermatozoides que serão utilizados na reprodução assistida (PATRÃO; PENTEADO; DOI, 2016). A partir da coleta do ejaculado, pode-se determinar, entre outros parâmetros, suas principais características (volume, aspecto, cor, pH, coagulação, liquefação e viscosidade); a concentração de espermatozoides no sêmen; a motilidade, a vitalidade e a morfologia desses espermatozoides; e a presença de células não espermáticas, por exemplo, os leucócitos, na amostra. Esses parâmetros devem ser avaliados, idealmente, em três amostras de sêmen colhidas em dias diferentes; o intervalo recomendado entre os exames é de 7 a 15 dias. O exame é realizado a partir da coleta do sêmen, que deve ser feita em frasco estéril de polipropileno, a partir de masturbação, respeitando-se certos cuidados, conforme explicado a seguir. A coleta deve ser executada idealmente em local próximo ao laboratório, uma vez que, a partir dessa coleta, a análise deve ser realizada em, no máximo, 30 minutos. A secreção dos testículos compõe menos de 5% do volume total do ejaculado (o restante é composto de secreções da vesícula seminal e da próstata, que correspondem, respectivamente, a 60% e a 30-35% do volume). Para que a análise seja adequada, faz-se necessária abstinência sexual mínima de 48 horas, para não comprometer a avaliação do volume do sêmen e do número de espermatozoides. Períodos de abstinência maiores que sete dias também não são recomendados. A amostra coletada deve ser mantida entre 25 oC e 37 oC: em temperaturas menores, a determinação de certos parâmetros, como a motilidade espermática, encontra-se prejudicada. O paciente deve relatar se houve algum quadro febril ou de doenças nos últimos três meses. Também deve relatar as medicações utilizadas contínua ou esporadicamente durante esse período. Todos esses fatores podem comprometer a qualidade do sêmen e, consequentemente, a análise dos resultados. A fim de descartar alterações no volume decorrentes de obstrução nas vias espermáticas, o paciente deve relatar qualquer perda de material durante o ato de coleta.81 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA A tabela seguinte indica os principais parâmetros analisados no espermograma, assim como as técnicas utilizadas e os resultados de referência. Tabela 2 – Principais parâmetros avaliados no espermograma Parâmetro Método de avaliação Resultados esperados Volume Aferição em pipetas graduadas Entre 1,5 e 5 mL Viscosidade Aspiração do sêmen em pipetas de 5 mL, seguida de fácil gotejamento Formação de gotas sem filamentos Cor e aparência Análise macroscópica Cor branca opalescente, aspecto homogêneo Liquefação Análise macroscópica Processo de liquefação se completa em até 60 minutos pH Análise colorimétrica (papel de pH) Entre 7,2 e 7,8 Concentração Análise microscópica com uso de câmara de contagem (câmara de Makler, Horwell ou Neubauer) Normozoospermia: entre 20 x 106 e 20 x 107 espermatozoides/mL Motilidade Análise microscópica com uso de câmara de contagem ou análise microscópica automatizada (Casa – Computer-Assisted Semen Analysis) Normal: 50% ou mais espermatozoides com progressão rápida e anterógrada (tipo A) ou com progressão lenta e anterógrada (tipo B) Morfologia Análise microscópica após coloração de Schorr 30% ou mais dos espermatozoides examinados apresentando formato normal Vitalidade Análise microscópica após coloração com eosina e nigrosina Por apresentarem membranas lesadas, os espermatozoides mortos se coram de vermelho; os espermatozoides vivos permanecem não corados Teste hiposmótico A amostra é submetida a meio hiposmótico e analisada em microscópio No mínimo 60% dos espermatozoides apresentando inchaço na cauda, o que indica que o processo de osmose está acontecendo normalmente e que, portanto, a membrana plasmática encontra-se funcionalmente íntegra Exame citológico Análise microscópica com o uso de câmaras de contagem Contagem acima de 106 leucócitos/mL sugere infecção nas glândulas sexuais acessórias. Deve-se também avaliar a presença de hemácias, de protozoários e de fungos Adaptado de: CRH (s.d.). A contagem de espermatozoides é o primeiro parâmetro do espermograma a ser avaliado. Tal avaliação pode ser feita de duas maneiras: • Manualmente, a partir da análise microscópica de amostra de sêmen com uso de câmara de contagem (câmara de Makler, Howelll e Neubauer). • Com o auxílio de métodos automatizados, como a análise microscópica automatizada (Casa – computer-assisted semen analysis) (CRH, [s.d.]). A câmera de Makler é um aparato que deve ser encaixado no microscópio óptico e cuja região central é constituída de um poço de material transparente (vidro ou cristal) de 1 mm de largura, 1 mm de comprimento e 0,01 mm de profundidade. Na base do poço, estão traçados 100 quadrados de 0,1 cm x 0,1 cm, dispostos em 10 faixas de 10 quadrados cada. 82 Unidade II Para realização da contagem, 10 µL (microlitros) de esperma liquefeito são acondicionados na câmara, que é analisada ao microscópio, utilizando o aumento de 200 vezes. O número de espermatozoides contados em qualquer faixa de 10 quadrados indica a concentração por milhões por mL. São incluídos na contagem apenas os espermatozoides cuja cabeça se encontre integralmente contida dentro do quadrado (figura seguinte). Figura 35 – Representação esquemática de uma câmara de Makler Resultados acima de 20 x 106 espermatozoides por mL de sêmen indicam que o indivíduo é normozoospérmico (normal). Se a contagem for inferior a esse valor, o indivíduo é oligozoospérmico. Ausência de espermatozoides no sêmen, por sua vez, caracteriza azoospermia. Exemplo de aplicação Você consegue realizar a contagem dos espermatozoides da amostra representada na figura anterior? A contagem é de cerca de 7 espermatozoides por fileira de 10 quadrados. A amostra de sêmen apresenta, portanto, aproximadamente 7 milhões de espermatozoides por mL de sêmen, e o indivíduo é oligozoospérmico. A motilidade também pode ser realizada em câmara de Makler. Para isso, deve-se diluir a amostra de sêmen, a fim de conseguir uma amostra contendo 10 espermatozoides viáveis por microlitro. A movimentação dos espermatozoides será classificada em tipo A (espermatozoides móveis com progressão rápida); tipo B (espermatozoides móveis com progressão lenta); tipo C (espermatozoides móveis, porém sem progressão); e tipo D (espermatozoides imóveis). Amostras de sêmen normais apresentam mais da metade de espermatozoides com movimentos dos tipos A e B. Espermatozoides imóveis não necessariamente estão mortos. Verificar a vitalidade dos espermatozoides, ou seja, se eles estão vivos ou mortos, é essencial para determinar se é possível utilizá-los em técnicas de reprodução assistida. Experimentalmente, o teste é realizado incubando-se os espermatozoides com os 83 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA corantes eosina e nigrosina. Caso o corante seja incorporado à cabeça do espermatozoide, essa estrutura adquire coloração avermelhada, o que significa que a membrana plasmática do gameta não está mais íntegra e que ele está morto. Por outro lado, espermatozoides móveis, porém viáveis (vivos), permanecem sem coloração após a exposição à eosina e à nigrosina (figura a seguir). Figura 36 – Fotomicrografia de espermatozoides corados com eosina e nigrosina. Os gametas indicados pela letra L estão vivos, enquanto aqueles indicados pela letra D (D1 e D2) estão com a membrana lesionada, portanto, mortos A análise microscópica automatizada do sêmen (Casa) permite maior acurácia na avaliação dos parâmetros espermáticos. Para sua realização, é necessário acoplar uma filmadora ao microscópio. A filmagem dos espermatozoides é transmitida, em tempo real, para um computador que, a partir de um software específico, consegue analisar as características morfológicas e a motilidade de cada espermatozoide individualmente (NEUMANN et al., 2017). Além dos testes descritos, outros podem ser realizados, como o teste de penetração espermática, que avalia a habilidade dos espermatozoides de penetrar o muco cervical, mimetizado pela clara do ovo, e o teste do hamster, que avalia a capacidade dos espermatozoides de penetrar os ovócitos da mulher, mimetizados pelos ovócitos do animal. Saiba mais As principais técnicas de análise do sêmen estão descritas em: WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Laboratory manual for the examination and processing of human semen. 5. ed. WHO, 2010. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44261/97 89241547789_eng.pdf?sequence=1. Acesso em: 16 set. 2019. 84 Unidade II As dosagens hormonais são complementares ao espermograma e podem indicar uma série de condições relacionadas com o desequilíbrio no eixo hipotálamo-hipófise-testículos. Caso sejam detectadas anormalidades no espermograma, é realizada a dosagem de FSH, LH e testosterona. Se os níveis séricos de FSH e de testosterona estiverem normais, significa que a causa da infertilidade é, provavelmente, não hormonal. Lembre-se que esses dois hormônios são responsáveis por promover a espermatogênese, e que a testosterona, além disso, regula a função dos outros órgãos envolvidos na maturação e na manutenção dos espermatozoides (epidídimo, vesícula seminal e próstata) (JUNGWIRTH et al., 2012). Níveis elevados de FSH e de LH sugerem um quadro de hipogonadismo hipergonadotrófico, condição relacionada à redução da espermatogênese e que pode levar à insuficiência testicular. Essa condição pode ser decorrente de causas congênitas (síndrome de Klinefelter, anorquia, criptorquidia, disgenesia testicular, microdeleções do cromossomo Y) ou de causas adquiridas (pós-orquite, torção testicular, tumor testicular, doenças sistêmicas, terapia citotóxica). Níveis diminuídos de FSH e de LH são indicativos de hipogonadismo hipogonadotrófico, mais raro e potencial causador de quadros de oligozoospermia severa e azoospermia. É uma condição decorrente de causas congênitas (hipogonadismo hipogonadotrófico isolado, síndrome KK, síndrome de Kallmann, síndrome de Prader-Willi) ou decausas adquiridas (afecções do hipotálamo e da hipófise, hiperprolactinemia, doença granulomatosa, hemocromatose, uso de esteroides anabolizantes etc.). A análise microbiológica do sêmen, a ultrassonografia da região pélvica, a realização do cariótipo e a biópsia testicular também podem ser necessárias para determinar a causa da infertilidade masculina. 6 INFERTILIDADE FEMININA 6.1 Principais causas da infertilidade feminina A infertilidade feminina tem íntima relação com a idade da mulher. É observada queda significativa da fertilidade à medida que a mulher se aproxima do climatério, período cerca de dez anos antes da menopausa. Uma vez que a menopausa, na maioria das mulheres, se estabelece ao redor dos 50 anos, o climatério tem início aos 40 anos. Observação Com a idade, a redução da fertilidade feminina é tão significativa que, a partir dos 35 anos, deve-se considerar tratamento após seis meses de tentativas de engravidar. 85 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA São cinco os principais fatores relacionados à diminuição da fertilidade feminina com a idade: a diminuição da reserva ovariana; o envelhecimento dos ovócitos que ainda não sofreram ovulação (lembre-se que todos os ovócitos são produzidos ainda durante a vida embrionária); o aumento das anormalidades cromossômicas nos ovócitos; o aumento da probabilidade de desenvolver endometriose, infecções pélvicas etc.; a diminuição da libido e, consequentemente, da frequência das relações sexuais (PASSOS; ALMEIDA; FAGUNDES, 2007). Além da idade, os principais fatores que estão relacionados com a infertilidade feminina são: • Disfunção tubária, causada pela obstrução da tuba uterina ou pela alteração nas células do epitélio do órgão. • História prévia de oligomenorreia (diminuição da frequência menstrual) e de outras disfunções menstruais. • Presença de endométrio fora da cavidade uterina (endometriose). • Síndrome dos ovários policísticos. • Muco cervical incompetente, que não permite capacitação do espermatozoide e seu deslocamento até as tubas uterinas. • Doença inflamatória pélvica. • Abortamentos de repetição. • Presença de autoanticorpos. • Exposição ao tabaco, às bebidas alcóolicas e a outras drogas. • Exposição a poluentes ambientais conhecidos como disruptores endócrinos. A disfunção tubária é uma das principais causas da infertilidade. Tanto a obstrução das tubas uterinas como a disfunção do epitélio ciliado que reveste a luz do órgão prejudica a motilidade dos ovócitos, dos espermatozoides e do eventual zigoto formado. As principais causas dessa condição são: doenças inflamatórias pélvicas; uso de dispositivo intrauterino (pois aumenta as chances de inflamação uterina); ruptura do apêndice; cirurgias do abdome inferior; gestações ectópicas (fora do útero); e abortamentos de repetição (ASRM, 2015). A oligomenorreia é uma disfunção menstrual que se caracteriza pelo aumento da duração do ciclo menstrual para 35 dias ou mais. Pode ser uma manifestação da anovulação crônica decorrente de disfunções no eixo hipotálamo-ovários. Portanto, os níveis desses hormônios em diferentes etapas do ciclo sexual devem ser avaliados. 86 Unidade II Atualmente, sabe-se que não só a oligomenorreia, mas também outras disfunções estão relacionadas com a infertilidade. Entre elas, estão a hipermenorreia (sangramento menstrual que dura mais de 8 dias), a hipomenorreia (sangramento menstrual que dura 3 dias ou menos), polimenorreia (ciclo menstrual com duração inferior a 24 dias), a metrorragia (sangramento uterino fora do período menstrual) e a menometrorragia (sangramento que ocorre durante o período menstrual e fora dele). Na endometriose, o tecido endometrial se implanta fora da cavidade uterina. Esse tecido permanece funcional, ou seja, responde aos hormônios femininos. Como resultado, ocorre proliferação dessas células em resposta ao estrógeno secretado na primeira fase do ciclo sexual feminino e descamação delas como consequência da queda dos níveis de progesterona ao final da segunda fase do ciclo. As consequências da endometriose variam de acordo com o tecido afetado e, se ocorrer implantação no tecido dos ovários ou nas tubas uterinas, pode haver infertilidade. A síndrome dos ovários policísticos, ou SOP, acomete de 5 a 10% das mulheres na idade reprodutiva ao redor do mundo e é caracterizada pelos seguintes fatores: irregularidade menstrual, anovulação crônica e hiperandrogenismo clínico. É responsável por quase metade dos casos de infertilidade feminina. Essa doença é causada por alterações no mecanismo de feedback negativo do eixo hipotálamo-hipófise-ovários, em decorrência de um aumento na secreção de GnRH pelo hipotálamo. Como consequência, observa-se aumento da relação entre os níveis plasmáticos de LH e FSH, o que faz com que a produção de hormônios androgênicos pelos folículos em maturação aumente e ocorra falência na ovulação. Na ausência de ovulação, os folículos em maturação não sofrem atresia e continuam secretando hormônios sexuais femininos e masculinos em excesso, em especial os últimos. Ao exame de ultrassonografia, esses folículos são percebidos como cistos, daí o nome da síndrome. Na SOP, a exposição a altos níveis dos hormônios sexuais pode causar amadurecimento sexual precoce, obesidade, resistência insulínica, aparecimento de acne, hirsutismo, amenorreia primária associada à obesidade, irregularidades menstruais, consumo folicular e diminuição da reserva ovariana. Saiba mais O seguinte artigo discute as alterações metabólicas envolvidas na SOP: ÁVILA, M. A. P. et al. Síndrome dos ovários policísticos: implicações da disfunção metabólica. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, v. 41, n. 2, p. 106-111, 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rcbc/v41n2/ pt_0100-6991-rcbc-41-02-00106.pdf. Acesso em: 18 set. 2019. 87 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA O muco cervical incompetente ocorre quando o muco secretado pelo colo uterino não é capaz de sofrer modificações durante o ciclo menstrual. Suas principais causas são: cirurgias do colo uterino, cervicites e a estenose cervical. Durante a fase folicular, o muco cervical se torna cada vez mais fino e elástico em resposta aos aumentos dos níveis de estrógeno. Essa transformação é importante, pois permite que os espermatozoides sejam capacitados (adquiram hipermotilidade e se movimentem em direção ao ovócito). Se não houver fecundação, o muco se torna espesso e impenetrável durante a segunda fase do ciclo menstrual (fase luteínica). Isso ocorre graças à alta secreção de progesterona durante essa fase. O muco cervical incompetente permanece com características da fase luteínica durante toda a fase menstrual, ou ainda é secretado em volume insuficiente para que haja capacitação dos espermatozoides. A doença inflamatória pélvica é um conjunto de infecções do trato reprodutor feminino (útero, ovários e, principalmente, tubas uterinas) que podem causar lesões tubárias, aderências e abcessos no aparelho genital. As principais bactérias envolvidas são a Chlamydia trachomatis (tracoma) e a Neisseria gonorrhoeae (gonorreia). Quanto mais precocemente forem tratadas, menor o dano observado nos órgãos do trato reprodutor e mais fácil a retomada da fertilidade. Abortos espontâneos são frequentes em mulheres com doenças autoimunes relacionadas com a produção de autoanticorpos, por exemplo, o anticorpo antifosfolipídico, o anticoagulante lúpico e os anticorpos antitireoidiano, antinuclear e antiovário. Esses anticorpos prejudicam não só a fertilização natural, como também a fertilização in vitro. Nesses casos, o uso de fármacos imunomoduladores pode ou não melhorar a fertilidade. Os disruptores endócrinos são substâncias químicas, naturais ou sintéticas, que estão presentes na composição de plásticos e de outros derivados do petróleo, e também em alguns fungicidas, pesticidas e inseticidas. Essas substâncias apresentam ação antiandrogênica e estrogênica e, por esse motivo, são capazes dealterar a regulação da função reprodutiva feminina e masculina (LARA; DUARTE, 2011). Saiba mais O documentário franco-alemão Demain, tous crétins (Amanhã, todos cretinos?) discute o papel dos disruptores endócrinos no desenvolvimento embrionário. DEMAIN, tous crétins. Direção: Sylvie Gilman; Thierry de Lestrade. França: Yuzu Productions. 2017. 52 min. Alguns desses compostos têm a capacidade de permanecer no meio ambiente por um longo período de tempo e, uma vez que entram em contato com o organismo, tendem a se acumular. Como resultado, são observadas alterações da função sexual e reprodutiva mesmo muito tempo após a exposição a eles. 88 Unidade II Diversos estudos realizados em animais e em seres humanos mostram que a exposição crônica aos disruptores endócrinos leva à diminuição da taxa de fecundidade. A exposição durante a vida embrionária e fetal pode, inclusive, causar uma série de alterações, incluindo malformações da anatomia da genitália externa (LARA; DUARTE, 2011). O bisfenol A, por exemplo, é um disruptor endócrino presente em alguns tipos de plástico utilizados para armazenar alimentos, garrafas de água e de refrigerantes, latas de alimentos em conserva, brinquedos, cosméticos e no papel térmico, aquele usado em extratos de bancos. Quando um recipiente contendo bisfenol A entra em contato com alimentos muito quentes, ou quando é colocado no micro-ondas, essa substância contamina o alimento e acaba sendo consumida, o que pode levar à diminuição da contagem de espermatozoides, ao aumento da incidência de abortos e ao câncer de mama e de próstata. Nos últimos anos, tem-se discutido o uso, por lactentes, de mamadeiras contendo bisfenol A, pois esse disruptor endócrino tem o potencial de causar problemas reprodutivos futuros a partir da exposição na infância. Para identificar produtos que contenham bisfenol A, deve-se observar, nas embalagens, a presença dos números 3 ou 7 no símbolo de reciclagem do plástico. 6.2 Diagnóstico da infertilidade feminina A avaliação da fertilidade feminina é feita pela realização da ultrassonografia transvaginal, pelas dosagens hormonais, pela investigação de doenças sexualmente transmissíveis, pela análise do muco cervical e por outros métodos de imagem (histeressalpingografia, laparoscopia e ressonância magnética pélvica). A ultrassonografia é um exame que se baseia na emissão de ondas sonoras de alta frequência (ultrassom, cujas frequências encontram-se acima de 20.000 Hertz) por um equipamento. Ao atravessar o corpo e atingir as estruturas internas, as ondas ultrassônicas retornam para o transdutor como um eco, o que permite determinar a localização, o tamanho e a textura dessas estruturas. De acordo com a composição do tecido a ser analisado, ele pode ser percebido como imagens claras ou escuras. Estruturas preenchidas de líquidos, por exemplo, são visualizadas em preto. A ultrassonografia é o exame de escolha para acompanhar o desenvolvimento do embrião e do feto durante a gestação e é o primeiro exame a ser solicitado no diagnóstico da infertilidade. A partir da ultrassonografia transvaginal, é possível avaliar se há alguma anormalidade na estrutura das tubas uterinas e do útero, detectar a presença de miomas e de pólipos, medir a espessura do endométrio e diagnosticar a síndrome dos ovários policísticos. Na síndrome dos ovários policísticos, as imagens ultrassonográficas mostram a presença de 12 ou mais folículos periféricos, medindo entre 2 e 9 mm de diâmetro médio e volume ovariano de 10 cm3 ou mais (figura seguinte). 89 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA Figura 37 – Ovário policístico representado no exame de ultrassonografia. Observe os vários folículos em maturação na periferia do ovário, em disposição de “roda de carroça”, e o aumento do estroma ovariano A histerossalpingografia é um exame radiológico baseado na injeção de um contraste radiológico na cavidade uterina, o que permite que a luz do útero e das tubas uterinas seja avaliada por raios X. É um exame que permite avaliar se há alguma obstrução nas tubas uterinas. A avaliação morfológica do útero e das tubas pode também ser executada por laparoscopia, na qual uma câmera é inserida na cavidade uterina, e as imagens de vídeo são analisadas em uma tela. Permite detectar aderências, miomas, pólipos, cistos e obstruções tubárias. Várias alterações hormonais têm relação com o estabelecimento da fertilidade feminina. Por esse motivo, dosagens dos hormônios tireoidianos, hipofisários, adrenais e ovarianos são realizadas rotineiramente na investigação da infertilidade. Observação O hipotireoidismo é uma condição muito relacionada à infertilidade, pois aumenta o risco de abortamentos e pode causar falência ovariana. As dosagens de FSH são importantes para avaliar a função reprodutiva feminina. Com a idade, os níveis de FSH, hormônio responsável pela maturação do folículo ovariano, aumentam. O aumento dos níveis de FSH está intimamente ligado à diminuição da efetividade do mecanismo de feedback negativo sobre a secreção de FSH pela hipófise, que ocorre naturalmente com o avançar da idade. São considerados normais níveis plasmáticos de FSH abaixo de 12 mUI/mL, quando esse hormônio é avaliado no terceiro dia do ciclo ovariano. Outras alterações hormonais que podem indicar diminuição da fertilidade são: 90 Unidade II • Diminuição ou aumento dos níveis plasmáticos de estradiol (concentrações plasmáticas menores do que 20 pg/mL ou maiores que 80 pg/mL são indicativos de diminuição da função ovariana). • Diminuição das concentrações de inibina no sangue (lembre-se que a inibina participa do feedback negativo sobre a secreção de FSH, e, portanto, a diminuição dos seus níveis plasmáticos é responsável por aumentar a liberação do hormônio hipofisário). • Diminuição da secreção de hormônio antimulleriano (esse hormônio é produzido pelas células da granulosa do folículo ovariano, e a queda nos seus níveis plasmáticos é um dos indicativos mais precoces da falência ovariana). O teste pós-coital avalia a quantidade e a consistência do muco cervical no período da ovulação. Idealmente, esse muco precisa ser abundante e liquefeito durante o período fértil (que inclui o período pré-ovulatório e a ovulação), além de apresentar pH levemente ácido, o que garante a capacitação e a movimentação dos espermatozoides no trato reprodutor feminino. Esse teste é realizado durante o período pré-ovulatório, entre 6 e 8 horas após a relação sexual, e se baseia na coleta de uma pequena quantidade de muco, contendo sêmen, da cavidade vaginal e do colo uterino. A quantidade e a qualidade do muco cervical, assim como o número e a motilidade dos espermatozoides presentes no muco, são então avaliadas. Alterações nos parâmetros descritos anteriormente indicam que o muco cervical é incompetente. Outro teste que avalia a qualidade do muco é o teste da cristalização, também conhecido como o teste da samambaia. A deposição do muco fértil em uma lâmina de microscópio, sua secagem e posterior tratamento, com nitrato de prata, origina uma amostra que, quando visualizada ao microscópio, apresenta aspecto de samambaia (figura a seguir). O muco infértil, por sua vez, apresenta aspecto grumoso e aglutinado. Figura 38 – Fotomicrografia do muco cervical fértil após ensaio de cristalização, indicando o aspecto em “folhas de samambaia” 91 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA Caso não seja identificada nenhuma anormalidade aparente da função reprodutiva, deve-se realizar o cariótipo de ambos os membros do casal. O cariótipo é a análise do conjunto diploide de cromossomos das células somáticas de um organismo. A partir dessa análise, é possível avaliar a presença de alterações no número e na estrutura dos cromossomos, e sua relação com a infertilidade e com os casos de aborto de repetição. Para a realização do cariótipo, os leucócitos do sangue são isolados e mantidos na etapa da metáfase da mitose. Os cromossomos presentes no núcleo,cada um contendo uma cromátide-irmã, são isolados e corados, o que permite a identificação de cada par cromossômico. A técnica mais usada para a coloração dos cromossomos é bandeamento G. De acordo com o padrão de bandas observado após a coloração, é feito o pareamento de todos os cromossomos, o que permite sua análise detalhada. A figura seguinte mostra um cariograma, o resultado de um cariótipo. X/Y 18 5 12 15 3 8 22 17 4 11 14 2 7 21 16 109 13 1 6 2019 Figura 39 – Cariótipo normal de um indivíduo do sexo masculino normal, indicando os 22 pares de autossomos e os cromossomos sexuais, X e Y. Alterações no padrão de bandeamento e no número de cromossomos são causas frequentes de infertilidade Exemplos de alterações no cariótipo relacionados com a infertilidade são a trissomia do cromossomo X, em mulheres, e a síndrome do X frágil, em homens. Lembrete Trissomia é a condição na qual existem três cópias de determinado cromossomo no núcleo da célula. 92 Unidade II 7 TRATAMENTO DA INFERTILIDADE O tratamento da infertilidade pode ser realizado por meio da administração de medicamentos, de tratamentos cirúrgicos e da aplicação das técnicas de reprodução humana assistida. Esses tratamentos podem ou não ser associados entre si, de acordo com as características clínicas de cada paciente. Abordaremos a seguir os principais tratamentos, dentro de cada uma das categorias. 7.1 Tratamento farmacológico O tratamento farmacológico das principais condições clínicas que afetam a fertilidade é apresentado a seguir. Os fármacos indicados para cada caso podem ter origem hormonal e não hormonal, e atuam direta e/ou indiretamente na regulação da espermatogênese e do ciclo menstrual e ovariano. 7.1.1 Tratamento farmacológico da infertilidade masculina O uso de suplementos alimentares contendo antioxidantes (ácido fólico, vitamina E, zinco e selênio) por homens melhora a qualidade do sêmen e aumenta as taxas de gravidez espontânea. Os baixos níveis de testosterona, que resultam na queda da espermatogênese, podem ser tratados com citrato de clomifeno ou com tamoxifeno. Esses fármacos são antagonistas do receptor de estrógeno e, assim, impedem que o estradiol promova o feedback negativo sobre a secreção hipofisária de FSH e LH. Como consequência, os níveis de LH são aumentados, o que estimula a síntese de testosterona pelos testículos e a normalização dos níveis plasmáticos desse hormônio (JUNGWIRTH et al., 2012). Lembrete No homem, o estrógeno é sintetizado pela aromatase, a partir da testosterona. Altos níveis de estrógeno estão relacionados à inibição do eixo hipotálamo-hipófise-testículo pelo mecanismo de feedback negativo. Os análogos do GnRH, quando administrados de maneira pulsátil, estimulam diretamente a hipófise, o que resulta no aumento dos níveis de FSH e LH. Esse tratamento é útil nos casos de hipogonadismo hipogonadotrófico. A gonadotrofina coriônica humana (hCG) é o fármaco de escolha para estimular a espermatogênese. Esse hormônio apresenta similaridade biológica com o LH, e sua administração ocasiona aumento da produção de testosterona pelos testículos. O tratamento é complementado pela administração de FSH, que sustenta a espermatogênese. Observação Na mulher, o hCG é produzido pelas células do blastocisto a partir da sua implantação no endométrio. Os testes de gravidez se baseiam na detecção desse hormônio. 93 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA O FSH tem duas formas de apresentação: a isolada (recombinante) e o composto de hMG (gonadotrofina menopáusica humana), que contém LH e FSH. É importante ressaltar que o tratamento da infertilidade com hormônios resulta na produção de espermatozoides em menor número e de pior qualidade do que o normal. Assim, na maioria das vezes, o casal necessitará de terapia auxiliar para que haja concepção. 7.1.2 Tratamento farmacológico da infertilidade feminina A síndrome dos ovários policísticos é uma síndrome anovulatória complexa causada pela presença de folículos ovarianos em estágios intermediários de maturação. Essa síndrome está relacionada com aumento dos níveis de hormônios androgênicos e constitui uma das principais causas da infertilidade feminina. O tratamento de primeira escolha dessa síndrome envolve o uso de contraceptivo oral combinado (pílula anticoncepcional). Os derivados estrogênicos e progestagênicos contidos nos contraceptivos são responsáveis por promover o mecanismo de feedback negativo sobre o eixo hipotálamo-hipófise-ovários, o que diminui os níveis de GnRH, FSH e LH. Como resultado, os folículos ovarianos em estágios intermediários do crescimento, que constituem os cistos ovarianos, não são estimulados e atrofiam. Os contraceptivos hormonais inibem a ovulação e, logicamente, não podem ser utilizados pelas mulheres que estão tentando engravidar. Essas mulheres podem se beneficiar do uso da metformina, fármaco usado no tratamento da diabetes tipo II. A síndrome dos ovários policísticos apresenta estreita relação com a resistência insulínica e com a hiperinsulinemia, uma vez que a sinalização mediada pela insulina está envolvida no estímulo da liberação de LH e no aumento da síntese de andrógenos pelo folículo ovariano. Por esse motivo, a metformina é útil na reversão do quadro. Bons resultados também têm sido obtidos com o uso de espironolactona, um antidiurético antagonista dos receptores de aldosterona que apresenta efeito antiandrogênico. Porém, esse medicamento não deve ser utilizado pelas pacientes que estão tentando engravidar, pois é teratogênico. Observação Substâncias teratogênicas são aquelas capazes de causar malformações no embrião. Muitas vezes, as portadoras da síndrome dos ovários policísticos precisam estimular a ovulação utilizando clomifeno, mesmo após realizar o tratamento descrito. A indução da ovulação é feita a partir da administração de citrato clomifeno, de letrozol, de análogos do GnRH ou de gonadotrofina coriônica humana (CAMBIAGHI, [s.d.]). 94 Unidade II O citrato de clomifeno, conforme discutido anteriormente, é um antagonista dos receptores de estrógeno que atua inibindo o mecanismo de feedback negativo sobre a hipófise. Como resultado, a secreção de LH aumenta e atinge os valores necessários para que haja indução da ovulação. O letrozol é um inibidor da aromatase utilizado no tratamento do câncer de mama, cujo mecanismo de inibição da ovulação ainda não é completamente conhecido. Sua utilização causa menos efeitos adversos do que o uso de clomifeno e, portanto, vem sendo cada vez mais utilizado. Os análogos de GnRH, quando utilizados de maneira pulsátil, promovem a estimulação da hipófise, o que aumenta os níveis de LH e estimula a ovulação. Devido à sua semelhança com o LH, a gonadotrofina coriônica humana (hCG) é usada para induzir a ovulação após a maturação do folículo. A indução da ovulação acontece a partir do pico de LH que ocorre na metade do ciclo ovariano. Após a indução da ovulação, muitas vezes é necessário realizar suporte hormonal para que haja a correta manutenção do endométrio. Para esse fim, são usados a progesterona injetável, que impede a descamação do endométrio, e os derivados estrogênicos, que melhoram a qualidade desse tecido. A indução da ovulação pode resultar em gravidez múltipla, devido à hiperestimulação ovariana e ruptura simultânea de mais de um folículo. Outros efeitos adversos incluem agitação, mudanças de humor, depressão, inchaço abdominal e distúrbios visuais. Portanto, deve-se evitar a realização de muitos ciclos de indução seguidos. 7.2 Técnicas cirúrgicas A cirurgia é indicada na reversão da vasectomia e da ligadura das tubas uterinas, na excisão dos cistos ovarianos em casos de síndrome dos ovários policísticos severa e na ressecção dos focos de endometriose. Geralmente, as cirurgias são realizadas por videolaparoscopia, que é um procedimento endoscópico no qual se insere uma videocâmera na cavidade abdominal por meio de orifícios, o que permitevisualizar os órgãos internos em uma tela e executar as manipulações necessárias. Muitas vezes, pacientes que se submeteram à vasectomia e à ligadura das tubas uterinas como método contraceptivo desejam reverter a cirurgia a fim de ter filhos. A vasectomia consiste na secção dos ductos deferentes do homem, o que impede que os espermatozoides sejam conduzidos para o meio externo durante a ejaculação. A cirurgia de reversão da vasectomia é realizada com o auxílio de um microscópio, e, durante o procedimento, é feita uma incisão no escroto, seguida da reconexão dos ductos deferentes. A taxa de sucesso dessa cirurgia varia entre 20% e 80%. A ligadura das tubas uterinas, também conhecida como laqueadura das trompas, é executada a partir do corte e/ou ligamento cirúrgico dessas estruturas. A reversão da laqueadura é possível em cerca de 80% dos casos. 95 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA 7.3 Técnicas de reprodução humana assistida A reprodução humana assistida é um conjunto de intervenções realizadas a fim de aumentar as chances de ocorrer fertilização. As técnicas de reprodução humana assistida são: a relação programada, a indução da ovulação, a inseminação artificial intrauterina, a fertilização in vitro ou extracorpórea e a injeção intracitoplasmática de espermatozoide (ICSI), sendo que a técnica mais adequada para cada caso varia conforme a(s) causa(s) da infertilidade. O quadro a seguir resume as principais características de cada uma das técnicas de reprodução assistida disponíveis na atualidade. Quadro 2 – Principais caraterísticas e indicações das técnicas de reprodução assistida Técnica Principais características Relação programada Investigação, por ultrassonografia e/ou por exames hormonais, do ciclo folicular da mulher. No período de 24 horas antes da rotura folicular, o casal é estimulado a manter relação sexual. A mulher pode ou não receber estímulo hormonal para que ocorra a indução da ovulação Inseminação intrauterina No período de 24 horas antes da rotura folicular, o sêmen coletado e processado em laboratório é inserido, com o auxílio de uma cânula, próximo às tubas uterinas da mulher, o que aumenta a chance de ocorrer fertilização Fertilização in vitro Realiza-se indução da ovulação, seguida de aspiração folicular, para a coleta dos ovócitos maduros. É também realizada a coleta do sêmen e o processamento dos espermatozoides. Em uma placa de Petri com meio de cultura apropriado, os espermatozoides são postos em contato com os ovócitos, para que haja fertilização. O embrião resultante é transferido após as primeiras clivagens para o útero ICSI Os ovócitos e o sêmen são coletados, conforme descrito anteriormente. É realizada injeção de um único espermatozoide no citoplasma do ovócito. O embrião resultante é transferido, após as primeiras clivagens, para o útero. Essa técnica é usada nos casos em que os espermatozoides não são capazes de fertilizar o ovócito espontaneamente Adaptado de: Patrão, Penteado e Doi (2016). A relação programada, a indução da ovulação e a inseminação intrauterina são técnicas relativamente simples, indicadas em casos de alterações pouco complexas que estejam levando à dificuldade de engravidar. A fertilização in vitro e a ICSI são técnicas de alta complexidade, pois envolvem a manipulação dos gametas e dos embriões resultantes e são indicadas em casos mais severos de infertilidade. Por exemplo, a técnica mais indicada para um casal constituído por homem com espermograma normal e mulher com ovulação adequada, porém com muco cervical incompetente, é a inseminação intrauterina, uma técnica de baixa complexidade, uma vez que tanto os gametas masculinos quanto os femininos são funcionalmente adequados. Já para um casal constituído por homem que apresenta astenozoospermia (espermatozoides imóveis) e mulher com ovulação normal, é necessária a técnica de ICSI, de alta complexidade, pois a fertilização não é possível naturalmente devido à baixa qualidade dos gametas masculinos. 96 Unidade II A seguir, cada uma das técnicas de reprodução assistida será descrita em detalhes. Independentemente da técnica, na maioria das vezes, é necessário induzir a ovulação na mulher, com a utilização dos fármacos descritos anteriormente. Saiba mais As técnicas de reprodução assistida são descritas em: FEDERAÇÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA (FEBRASGO). Manual de orientação: reprodução humana. Febrasgo, 2011. Disponível em: https://www.febrasgo.org.br/images/arquivos/ manuais/Manuais_Novos/Manual_de_Reproducao_-Humana.pdf. Acesso em: 16 set. 2019. 7.3.1 Relação programada A relação programada, ou coito programado, é a técnica mais simples de reprodução assistida, e é indicada para casais com mínimas alterações na fertilidade ou que não mantêm relações no período fértil. A indução da ovulação é iniciada pela administração de fármacos a partir do 2º ou 3º dias do ciclo ovariano (ou seja, quando a mulher ainda está menstruada). Nesse período, é também realizada a primeira ultrassonografia transvaginal, que deve indicar a presença de folículos primordiais medindo, no máximo, 6 mm de diâmetro. O crescimento, o tamanho e o número de folículos que estão se desenvolvendo em resposta à estimulação dos ovários são monitorados por exames adicionais de ultrassonografia transvaginal, realizados a cada dois ou três dias. No decorrer do tratamento, além do crescimento dos folículos, observa-se também a espessura do endométrio, e, quando os folículos atingem o tamanho ideal para a ovulação (cerca de 25 mm), o casal é orientado a ter relações sexuais com maior frequência (COITO..., [s.d.]). Para que ocorra a ovulação, é administrada hCG, que, por sua similaridade estrutural com o LH, promove a maturação final e a expulsão do ovócito secundário em direção às tubas uterinas, possibilitando a fecundação pelos espermatozoides já presentes no local. Uma vez que os ovócitos permanecem viáveis nas tubas uterinas por apenas 24 horas a partir da ovulação, enquanto os espermatozoides continuam móveis por até 48 horas no órgão, as relações sexuais devem ser iniciadas preferencialmente antes da ovulação. A taxa de sucesso das relações programadas varia de 10% a 20%, e depende de diversos fatores, por exemplo, a idade da mulher. 97 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA 7.3.2 Inseminação intrauterina A inseminação intrauterina, também conhecida como inseminação artificial, é uma técnica que promove o posicionamento de espermatozoides previamente selecionados e em número adequado nas tubas uterinas no tempo correto da ruptura folicular. É indicada nos casos de anomalias congênitas do trato genital, disfunções eréteis, ejaculação retrógrada, muco cervical incompetente, uso de sêmen de doador ou congelado, oligozoospermia etc. (FEBRASGO, 2011). As etapas da inseminação artificial são: • Coleta do sêmen fresco ou descongelamento de amostra de sêmen armazenado em banco de gametas. • Seleção, concentração e capacitação dos espermatozoides, processos que são realizados in vitro. • Posicionamento da amostra contendo espermatozoides na cavidade uterina, em momento próximo à ovulação, com o auxílio de uma cânula. Embora essa técnica possa ser feita aproveitando-se o ciclo natural da mulher, na maioria das vezes são realizadas a indução da ovulação e a verificação do crescimento folicular por ultrassonografia, conforme descrito anteriormente. A qualidade dos espermatozoides que serão inseridos no útero da receptora é garantida pela realização de técnicas que mimetizam a capacitação espermática e permitem a retirada de diversos componentes do sêmen, por exemplo, as prostaglandinas, os agentes infecciosos, as proteínas antigênicas, as glicoproteínas, os inibidores da motilidade e da reação acrossômica, os leucócitos, as células germinativas imaturas e os espermatozoides imóveis. Essa retirada diminui a formação de radicais livres que podem potencialmente danificar os gametas masculinose permitem que ele adquira hipermotilidade e capacidade de fertilização adequada. A capacitação é um processo que envolve múltiplas etapas e resulta em mudanças bioquímicas e estruturais da membrana plasmática dos espermatozoides. A permeabilidade e a fluidez da membrana são alteradas graças às mudanças na concentração de íons intracelulares e à retirada de algumas substâncias presentes em sua superfície que afetam a permeabilidade da membrana, ao alterar a concentração iônica intracelular e a fluidez dessa estrutura. O processo de capacitação é executado naturalmente pela exposição dos espermatozoides ao fluido secretado pelo colo uterino. Na inseminação artificial, esse processo deve ser realizado in vitro, uma vez que os espermatozoides são inseridos diretamente na cavidade uterina, portanto, não entram em contato com o microambiente cervical. A técnica mais utilizada para a capacitação espermática é a de swin-up. Essa técnica baseia-se na velocidade de progressão direcional dos espermatozoides e é capaz de recuperar cerca de 20% dos espermatozoides móveis presentes na amostra de sêmen original (ESPERMOGRAMA..., [s.d.]). 98 Unidade II Os procedimentos experimentais envolvem a deposição do sêmen no fundo de um tubo de ensaio coberto por uma pequena quantidade de meio de cultura. Os espermatozoides que apresentam motilidade progressiva se desprendem e nadam para a superfície do tubo (para cima) e, após 30 a 60 minutos, o sobrenadante, contendo os espermatozoides capacitados, é isolado do restante da amostra. A técnica de swin-up permite a recuperação de células de alta qualidade, embora o número de espermatozoides na amostra final seja baixo. Então, os espermatozoides, devidamente capacitados, são acondicionados em uma cânula flexível e inseridos diretamente na cavidade uterina da mulher em um momento próximo à ovulação, de maneira a favorecer sua chegada às tubas uterinas (figura seguinte). A taxa de sucesso dessa modalidade de reprodução assistida varia de 10% a 20%. Injeção dos espermatozoides no útero Espermatozoides capacitados e mantidos em meio estéril Figura 40 – Representação esquemática do processo de inseminação artificial 7.3.3 Fertilização in vitro A fertilização in vitro (FIV) é uma técnica que consiste na realização do processo de fertilização em laboratório e posterior posicionamento do embrião na cavidade uterina. É indicada nos casos de obstrução tubária, endometriose severa, infertilidade de causa não aparente e fator masculino severo – embora, atualmente, tem-se preferido realizar a técnica de injeção intracitoplasmática de espermatozoides nos casos de infertilidade masculina (FEBRASGO, 2011). Outra possibilidade de uso da FIV refere-se aos casais com câncer que desejam preservar a fertilidade. Nesses casos, a fertilização e o congelamento dos embriões podem ser realizados antes de o paciente iniciar o tratamento quimioterápico ou radioterápico, para que seja possível uma futura gestação. 99 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA O procedimento de FIV convencional é realizado em quatro etapas: • estimulação ovariana; • aspiração folicular; • fertilização do ovócito em laboratório; • transferência dos embriões para a cavidade uterina. Para que a FIV seja realizada, é necessário coletar ovócitos secundários diretamente dos ovários antes de ocorrer a ovulação (que tornaria a coleta dessas células praticamente impossível, devido a suas dimensões reduzidas). A estimulação ovariana segue um protocolo semelhante ao conduzido na indução da ovulação e é frequentemente executada com o auxílio do citrato clomifeno, da hMG e da hCG, cujos mecanismos de ação foram discutidos anteriormente. Os níveis plasmáticos de LH são acompanhados durante toda a duração do tratamento, que se inicia a partir do 5º dia do ciclo ovariano. De 34 a 36 horas após a administração da hCG, que tem como papel substituir o pico de LH necessário para que ocorra a ovulação, os ovócitos secundários são aspirados do ovário a partir da introdução de uma agulha de punção flexível na vagina. O processo pode ser acompanhado por ultrassonografia ou por laparoscopia. Após a coleta dos ovócitos, eles são mantidos em meio de cultura contendo diferentes íons, albumina e nutrientes. Lembre-se que o ovócito secundário, que é liberado durante a ovulação, está na fase de metáfase II da meiose e, portanto, apresenta um único corpúsculo polar em sua periferia (figura a seguir). Figura 41 – Fotomicrografia de um ovócito secundário evidenciando a presença de um único corpúsculo polar na periferia Inicialmente, o gameta feminino ainda está rodeado de células da corona radiata, que nada mais são do que algumas células da granulosa provenientes do folículo ovariano que continuam a circundar o ovócito. Essas células sofrem um processo de dispersão, que é observado ao microscópio de 4 a 8 horas após a coleta do ovócito e indica a maturação final do gameta. Em paralelo, os espermatozoides são coletados por masturbação após dois dias de abstinência sexual e capacitados seguindo os protocolos discutidos anteriormente. A concentração dos espermatozoides é 100 Unidade II ajustada para que, quando colocados em contato com o ovócito, seja de 100 mil a 150 mil espermatozoides por mL. Esse processo deve ser realizado de 3 a 6 horas após a coleta dos espermatozoides. Uma vez que os espermatozoides foram devidamente capacitados, a reação acrossômica — processo que torna possível a digestão da zona pelúcida e a inserção do material genético do espermatozoide no interior do ovócito — ocorre naturalmente. O monitoramento da fertilização é feito pela observação da morfologia do ovócito. Quando ocorre fertilização, o processo de meiose do gameta feminino é completado, e, portanto, passam a ser observados dois corpúsculos polares na periferia dessa célula, que passa a ser denominada óvulo. Também é possível observar o pronúcleo feminino e o masculino. Pronúcleo masculino Pronúcleo feminino Corpúsculos polares Figura 42 – Ovócito fertilizado (óvulo) indicando a presença dos pronúcleos feminino e masculino e dos dois corpúsculos polares, que marcam o fim da divisão meiótica do gameta feminino Ao microscópio, observa-se, inicialmente, que os pronúcleos feminino e masculino estão afastados. Essas estruturas, que contêm, respectivamente, o material genético do óvulo e do espermatozoide, vão se aproximando gradativamente até que ocorra a fusão, o que marca a formação do zigoto e o início da primeira divisão mitótica. Esse processo ocorre entre 18 e 24 horas após o processo de fertilização. O desenvolvimento do zigoto e a sua diferenciação em blastocisto — processos que marcam a primeira semana do desenvolvimento embrionário — são realizados ainda in vitro, antes da inserção do embrião na cavidade uterina. Durante essa primeira semana, verifica-se periodicamente a morfologia dos pré-embriões. A estimulação ovariana permite que vários ovócitos secundários sejam coletados do ovário, e, portanto, o processo de FIV possibilita que vários embriões sejam formados a partir um único ciclo de fertilização assistida. Esse fato é de extrema importância para o sucesso da técnica, pois permite que somente os embriões que apresentem maior probabilidade de se implantarem no útero sejam transferidos. Os demais embriões são congelados para tentativas futuras. 101 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA Os blastômeros devem, idealmente, apresentar formato ovoide, tamanho uniforme e ausência de fragmentações citoplasmáticas. No entanto, já foram relatadas gestações de embriões cujos blastômeros apresentavam tamanho desigual, o que indica que, muitas vezes, a boa morfologia do embrião não é necessária para que ocorra a gestação. De acordo com as características morfológicas do embrião, ele pode ser classificado em quatro diferentes graus de desenvolvimento (quanto maior o grau, melhor a qualidade do embrião): • Grau I: blastômeros com mais de 50% de fragmentação citoplasmáticaou estágio de pronúcleo. • Grau II: blastômeros com 10 a 50% de fragmentação citoplasmática. • Grau III: blastômeros irregulares ou com menos de 10% de fragmentação citoplasmática. • Grau IV: blastômeros regulares simétricos. Durante a verificação da morfologia, pode-se realizar a abertura da zona pelúcida por meio de uma microincisão, em um processo denominado hatching, que aumenta as chances de ocorrer implantação. Observação Na concepção natural, a zona pelúcida permanece envolvendo o pré-embrião até o fim da primeira semana, o que garante a proteção dessa estrutura antes da implantação. Habitualmente, a transferência de um ou mais embriões é realizada no terceiro dia do desenvolvimento embrionário (estágio de oito células) ou no quinto dia (blastocisto inicial). A escolha do dia ideal depende de vários fatores, como a idade da mulher, a qualidade e a quantidade dos embriões formados, o número de tentativas anteriores etc. Por exemplo, se há indicação de biópsia embrionária antes da transferência para o útero, muitas vezes é mais vantajoso que o embrião se desenvolva até o estágio de blastocisto, quando é possível retirar algumas células do trofoblasto para a biópsia. Como essas células darão origem à placenta, evita-se a retirada de células que darão origem ao embrião. Observação A retirada de células para biópsia nunca deve ser realizada no estágio de mórula (dia 4 do desenvolvimento), pois pode resultar em um embrião inviável. A transferência dos embriões para a cavidade uterina é feita a partir da inserção de um cateter por via vaginal. 102 Unidade II Uma questão importante é a escolha do número de embriões que serão implantados, uma vez que a chance de haver gestação é maior quando mais de um embrião é transferido. Porém, a transferência de mais de um embrião pode resultar em gestações múltiplas, motivo pelo qual essa decisão deve ser ponderada levando-se em conta a idade da mulher, a qualidade dos embriões etc. O número de embriões a serem transferidos varia de dois a quatro, dependendo da idade da mulher. Após a transferência dos embriões, o sucesso da implantação é acompanhado por meio da realização de testes de sangue e ultrassonografia. As taxas de sucesso variam entre 20 e 40%. 7.3.4 Injeção intracitoplasmática de espermatozoides A injeção intracitoplasmática de espermatozoides, também conhecida como ICSI (do inglês intracytoplasmic injection of sperm) é uma técnica que permite a injeção direta do espermatozoide no citoplasma do ovócito. É indicada nos casos de infertilidade masculina grave, incluindo astenozoospermia, oligozoospermia e teratozoospermia, ejaculação retrógrada (quando o ejaculado é direcionado para a bexiga urinária), azoospermia obstrutiva etc. Atualmente, é a técnica mais executada nos laboratórios de fertilização assistida, inclusive quando o fator masculino não é o principal determinante da infertilidade. Saiba mais Leia sobre o desenvolvimento da técnica de ICSI em: MOURA, M.; SOUZA, M.; SCHEFFER, B. Reprodução assistida. Um pouco de história. Revista SBPH, Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, jan./dez. 2009. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rsbph/v12n2/v12n2a04.pdf. Acesso em: 20 set. 2019. Nessa modalidade de reprodução assistida, também é necessário realizar a estimulação ovariana e a aspiração dos ovócitos secundários, de maneira semelhante à descrita anteriormente. A obtenção dos espermatozoides para o procedimento de ICSI, no entanto, é feita de maneira diferente da realizada durante o procedimento de FIV convencional. Nos casos de azoospermia obstrutiva, os espermatozoides são retirados diretamente do epidídimo, a partir de aspiração percutânea (Pesa, percutaneous epididymal sperm aspiration) ou de microaspiração (Mesa, microsurgical epididymal sperm aspiration). Em casos ainda mais severos, pode ser necessária a retirada dos espermatozoides diretamente do testículo, mediante punção aspirativa (Tesa, testicular sperm aspiration) ou biópsia testicular (Tese, testicular sperm straction). Uma vez que os espermatozoides testiculares e epididimários ainda são imóveis, é necessário realizar uma avaliação detalhada da morfologia deles para que somente espermatozoides de boa qualidade sejam utilizados. O processo de capacitação não é executado, pois o procedimento de ICSI ultrapassa as etapas de movimentação do espermatozoide em direção ao ovócito e a reação acrossômica. 103 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA O processo de ICSI é realizado da seguinte maneira: • Após a estimulação ovariana, é realizada aspiração folicular para obtenção dos ovócitos secundários. • Os ovócitos são identificados, e a corona radiata é removida a partir da incubação com a enzima hialuronidase. • Os ovócitos desnudados (sem a corona radiata) são avaliados quanto à presença do primeiro corpúsculo polar e permanecem em meio de cultura até o momento da injeção do espermatozoide. • O procedimento de injeção é realizado em microscópio invertido, equipado com um sistema de lentes especiais e um micromanipulador automático. • O ovócito é mantido fixo com o auxílio de micropipetas especiais. • Um único espermatozoide morfologicamente normal, porém imóvel, é posicionado em outra micropipeta e injetado no citoplasma do ovócito com o auxílio do micromanipulador. • A pipeta é removida do citoplasma do ovócito. O sucesso da fertilização é observado de 16 a 18 horas após o procedimento, a partir da verificação do aparecimento dos pronúcleos feminino e masculino. • Após avaliação morfológica criteriosa, um número ideal de embriões é transferido para a cavidade uterina, sendo os embriões excedentes criopreservados. Observação Em alguns casos, a cauda do espermatozoide é retirada antes da fertilização (“quebra da cauda”) a fim de aumentar a chance de sucesso da técnica. A figura a seguir ilustra o procedimento de ICSI. Figura 43 – Injeção intracitoplasmática de espermatozoide. Observe o ovócito, contendo um corpúsculo polar (região inferior), fixado com o auxílio de uma pipeta e a injeção do gameta masculino diretamente no citoplasma do ovócito, ultrapassando a zona pelúcida 104 Unidade II A ICSI é considerada uma evolução da fertilização in vitro, pois permite que a fertilização ocorra mesmo a partir de espermatozoides incompetentes. Contudo, essa técnica implica a ausência do processo de seleção natural do espermatozoide, o que poderia resultar em maiores chances de haver fecundação a partir de um gameta com anormalidades cromossômicas. Por esse motivo, a realização de diagnóstico genético pré-implantacional é recomendada. Além disso, existe uma correlação entre risco aumentado de restrição ao crescimento fetal e baixo peso ao nascer em decorrência da realização não só da ICSI, mas também das outras técnicas de reprodução assistida. 7.4 Criopreservação de gametas e de embriões A criopreservação de embriões e de gametas é procedimento rotineiramente executado nos laboratórios de reprodução assistida, pois permite que futuras tentativas de gestação sejam feitas sem a necessidade de realizar nova estimulação ovariana e coleta de sêmen. Nesse aspecto, é importante lembrar que, com a idade, a qualidade dos espermatozoides, mas principalmente dos ovócitos, tende a decair significativamente. Além disso, o tratamento de neoplasias, cuja incidência aumenta com a idade, tende a levar a um quadro de insuficiência gonadal, e, portanto, a criopreservação dos gametas é uma maneira de preservar a fertilidade. Durante os procedimentos de FIV convencionais e ICSI, muitas vezes o número de embriões viáveis gerados é maior do que o necessário para a o processo de transferência e, nesses casos, o congelamento dos embriões viáveis permite futuras gestações. A criopreservação permite manter as células e os tecidos em temperaturas baixas, que variam de -80 ºC até -196 ºC, temperaturas nas quais o metabolismo celular encontra-se totalmente inativado. O protocolo utilizado garante que, mesmo sem atividademetabólica, a viabilidade das células seja mantida. A criopreservação envolve o congelamento lento dos gametas e/ou embriões, mantidos em soluções crioprotetoras (sacarose, PVP, glicerol, DMSO etc.). O congelamento é possível a partir da adição das células ao nitrogênio líquido, cuja temperatura é cerca de -80 oC. Outro protocolo envolve a vitrificação das células, que nada mais é que a solidificação dos líquidos intra e extracelulares sem que haja cristalização durante o congelamento deles. Essa técnica garante maior taxa de recuperação após o descongelamento e é realizada mediante a presença de altas concentrações de crioprotetor durante o processo de congelamento. Após o congelamento, os gametas e embriões podem permanecer congelados em tanques por tempo indeterminado, sem que haja comprometimento de sua viabilidade (figura seguinte). 105 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA Figura 44 – Tanque de criopreservação Assim como o congelamento, o descongelamento dos gametas e dos embriões deve ser executado lentamente, a fim de preservar sua estrutura. Em relação aos embriões, considera-se que sobreviveram bem ao congelamento aqueles que apresentam pelo menos 50% de seus blastômeros intactos. 7.5 Doação de gametas Nos casos de falência ovariana ou naqueles em que os espermatozoides são completamente inférteis, é possível eleger a doação de gametas como estratégia para assegurar a gestação. A fertilização com espermatozoide doado e criopreservado é relativamente simples, porém a gestação com ovócitos de doadora implica maiores cuidados, uma vez que haverá a implantação de um embrião com material genético completamente diferente do contido nas células da receptora, e a gestação ocorrerá na ausência de um corpo lúteo. Para ser um doador de espermatozoides, o homem precisa ter entre 18 e 50 anos; assinar um termo de consentimento livre e esclarecido, que garante o anonimato tanto do doador quanto da receptora; não pertencer a grupos de risco de infecções sexualmente transmissíveis; não ter histórico de doenças genéticas ou congênitas na família; realizar exames de triagem (exames de sangue e espermograma); e se comprometer a fazer seis doações ou mais. Para ser doadora de ovócitos, a mulher precisa ter idade inferior a 35 anos, assinar um termo de consentimento livre e esclarecido; não apresentar doenças genéticas familiares ou próprias, ou ainda malformações congênitas; não ser portadora de doenças transmissíveis e neoplasias malignas com características familiares. Essas restrições fazem com que o número de mulheres dispostas a doar seus ovócitos seja pequeno. A doação de ovócitos permite que as mulheres com total falência ovariana — na qual a regulação do eixo hipotálamo-hipófise ovário é inexistente — ou mesmo as mulheres menopausadas engravidem. Para que isso ocorra, é necessário que essas receptoras realizem uma terapia hormonal, que visa mimetizar o ciclo ovariano e menstrual normais e, assim, garantir as condições mínimas para que haja implantação e gestação. 106 Unidade II É importante ressaltar que a doação de gametas é um ato espontâneo, nunca deve ser remunerado. A doação de embriões criopreservados também é possível. A regulamentação desse processo será discutida neste livro-texto. 7.6 Diagnóstico genético pré-implantacional Desordens genéticas e epigenéticas, entre outras anomalias, são mais frequentes em crianças concebidas por reprodução assistida do que nas concepções tradicionais. Acredita-se que isso se deva tanto às características dos gametas, que muitas vezes apresentam baixa qualidade (como elevada taxa de fragmentação cromossômica), quanto às características das técnicas de reprodução assistida em si. Por esse motivo, o acompanhamento do desenvolvimento embrionário antes de o embrião ser implantado no útero é um procedimento de rotina nesse tipo de intervenção (ALMEIDA; DUARTE FILHO; SOARES, 2013). O diagnóstico genético pré-implantacional, que visa à seleção dos embriões que apresentam maiores chances de sobreviver no útero e originar crianças saudáveis, consiste na retirada dos corpúsculos polares, de um ou mais blastômeros do embrião, quando ele se encontra no estágio de oito células, ou de uma ou mais células do trofoblasto do embrião em estágio de blastocisto. Em seguida, são realizados ensaios moleculares que objetivam verificar a qualidade do material genético contido nessas células. A técnica de Fish (fluorescent in situ hybridization) pode ser empregada a fim de determinar a ocorrência de doenças ligadas ao sexo, de aneuploidias ou poliploidias e de anomalias cromossômicas estruturais. Essa técnica permite a marcação dos cromossomos com moléculas fluorescentes e sua visualização ao microscópio (figura a seguir). Já a PCR (polymerase chain reaction) é um teste molecular útil para determinar defeitos genéticos que envolvem um único gene. Figura 45 – Visualização dos cromossomos do embrião pela técnica de Fish 107 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA Ressalta-se que, de acordo com a legislação brasileira vigente, os procedimentos citados podem ser realizados unicamente com o intuito de verificar a integridade do material genético do embrião, sendo proibida a realização de ensaios que visem selecionar as características físicas desejadas pelos pais, como sexo, cor dos olhos, cor do cabelo etc. 7.7 Atuação do biomédico na área de reprodução assistida O Conselho Federal de Biomedicina é o órgão que regulamenta e fiscaliza, juntamente com os conselhos regionais, a profissão biomédica. De acordo com o órgão, para atuar na área de reprodução humana assistida, é necessário realizar estágio supervisionado obrigatório em uma clínica de reprodução assistida durante a graduação ou ainda um curso de especialização no nível de pós-graduação. O biomédico devidamente habilitado na área reprodução humana assistida pode realizar os seguintes procedimentos: • identificação e classificação oocitária; • espermograma; • processamento seminal; • manipulação de gametas e pré-embriões; • classificação embrionária e acompanhamento dos pré-embriões; • preparação do embrião para a transferência; • criopreservação de gametas e embriões; • biópsia embrionária; • hatching. Além disso, esse profissional pode atuar em pesquisa em embriologia, assinar laudos e assumir a responsabilidade técnica do laboratório. Saiba mais Consulte o site do Conselho Federal de Biomedicina (cfbm.gov.br) e do Conselho Regional de Biomedicina da sua região para saber mais sobre as habilitações do biomédico. 108 Unidade II 8 ASPECTOS ÉTICOS DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA A reprodução humana assistida envolve a geração de novas vidas e, por esse motivo, é palco de amplo debate ético. A área que estuda os aspectos éticos envolvidos com a geração e o uso do conhecimento biológico é a bioética. No âmbito da bioética, são estudadas as questões éticas que o avanço da biotecnologia tem provocado. O biodireito, por sua vez, é o ramo do direito público que se associa à bioética e estuda as relações jurídicas entre o direito e os avanços tecnológicos da medicina e da biotecnologia, visando à dignidade da pessoa humana. Qualquer discussão ética que envolva a reprodução assistida esbarra no estudo dessas duas áreas do conhecimento e das leis, portarias e resoluções relacionadas. No Brasil, a reprodução assistida e os demais aspectos relacionados são regulados pelos seguintes documentos: • Resolução n. 2.168, de 2017: criada pelo Conselho Federal de Medicina, adota as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida – sempre em defesa do aperfeiçoamento das práticas e da observância aos princípios éticos e bioéticos que ajudam a trazer maior segurança e eficácia a tratamentos e procedimentos médicos –, tornando-se o dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos brasileiros [...] (BRASIL, 2017). • Lei n. 11.105, de 2005: conhecida como Lei de Biossegurança, que trata do uso dos organismos geneticamente
Compartilhar