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60 Unidade II Unidade II 5 DESENVOLVIMENTO HUMANO Já vimos como os gametas masculino e feminino são formados (gametogênese), além de suas principais características. Do encontro dos gametas, células haploides, como resultado do processo de fecundação, tem-se a formação do zigoto (ovo fecundado), que é uma célula diploide e que possui características totipotentes. Nesse contexto, as primeiras células da vida, resultantes do processo de clivagem, são consideradas células-tronco embrionárias (CTE), células pluripotentes, obtidas a partir da camada interna do blastocisto (embrioblasto), e que conservam a capacidade de diferenciar-se em qualquer um dos três folhetos embrionários: endoderma, mesoderma e ectoderma. Tais células podem ser mantidas em cultivo permanente, em meio controlado, podendo, nas condições adequadas, originar qualquer um dos 200 diferentes tipos celulares presentes no corpo humano. Por essa imensa plasticidade, essas células são utilizadas tanto na pesquisa de base quanto na pesquisa aplicada, com inúmeras aplicações terapêuticas. Os organismos adultos também apresentam células-tronco (CT); no entanto, consideradas multipotentes, apresentando plasticidade (capacidade de diferenciação) menor do que as CTE. Saiba mais Para saber mais sobre esse assunto, leia a seguinte obra: RESENDE, R. R. Biotecnologia aplicada à saúde: fundamento e aplicações. São Paulo: Edgard Blücher, 2015. v. 2. O zigoto, uma vez formado, deve ser conduzido da ampola da tuba uterina (local da fecundação) até o útero, futuro local de implantação do embrião. Para tanto, o zigoto é deslocado pela ação das contrações peristálticas da tuba uterina, com o auxílio do batimento ciliar de suas células epiteliais. Caso o ovócito secundário ovulado não seja fecundando dentro do seu período de viabilidade, ele logo sofrerá degeneração. 5.1 Primeira semana do desenvolvimento A primeira semana do desenvolvimento embrionário tem início a partir da fecundação do ovócito secundário pelo espermatozoide. A partir desse evento, começam as etapas de clivagem (divisões mitóticas sucessivas do zigoto), que ocorrem enquanto os blastômeros deslocam-se pela tuba uterina a caminho do útero, local de implantação do embrião. Através das sucessivas divisões do zigoto e do processo de diferenciação celular que se inicia, os blastômeros organizam-se em uma estrutura 61 EMBRIOLOGIA denominada mórula (que entra no útero), a qual, na sequência, sofre modificações para formar o blastocisto (que se implantará no endométrio uterino). No útero, inicia-se o processo de implantação (ou nidação), o qual só estará finalizado na segunda semana do desenvolvimento embrionário (por volta do 10º dia do desenvolvimento). A clivagem em mamíferos é holoblástica, uma vez que se trata de um tipo de ovo oligolécito, e ocorre por um padrão denominado de clivagem rotacional. Aproximadamente três dias após a fecundação, o embrião encontra-se no estágio de 12 a 16 blastômeros e, nesse momento, é considerado uma mórula, estrutura formada por células compactas. No estágio de mórula, é possível observar dois tipos celulares morfologicamente distintos: as células mais internas, que são pequenas, e células maiores, que circundam a mórula e que darão origem ao trofoblasto e ao córion (estruturas extraembrionárias). Nesse estágio inicial do desenvolvimento embrionário, em que as células em divisão são altamente indiferenciadas, caso essa massa celular separe-se em duas, ambas poderão originar um novo indivíduo, os quais serão geneticamente idênticos (gêmeos monozigóticos). Reveja as diferenças entre a formação de gêmeos monozigótico e dizigóticos observando a figura seguinte. Espermatozoide ÓvulosÓvulo Desenvolvimento embrionário Gêmeos univitelinos Gêmeos fraternos Desenvolvimento de dois embriões Divisão do embrião Desenvolvimento de dois embriões Desenvolvimento embrionário Espermatozoides Figura 44 – Formação de gêmeos Cerca de três dias após a fecundação, então, o embrião, na forma de mórula, alcança o útero e sofre mais transformações. Surge uma cavidade no interior da massa celular compacta, a qual passa a 62 Unidade II ser preenchida por líquido proveniente do útero materno. Nesse estágio, o embrião é conhecido como blastocisto, formado por uma cavidade denominada de blastocele (ou cavidade blastocística), por uma massa celular interna (o embrioblasto) e por células dispostas perifericamente (o trofoblasto), como pode ser visto a seguir. Glândula do endométrio Capilar do endométrio Epitélio do endométrio Massa celular interna Trofoblasto Polo embrionário Cavidade do blastocisto Figura 45 – Primeiras etapas da implantação, com destaque para o blastocisto aderindo ao endométrio A zona pelúcida que revestia o blastocisto (para evitar que os blastômeros sofram dispersão e que o blastocisto se implante prematuramente na região da tuba uterina) sofre degeneração dois dias após o embrião ter alcançado o útero. Com a perda da zona pelúcida, o blastocisto cresce rapidamente enquanto se desloca pelas secreções uterinas, a partir da qual ele retira todos os nutrientes do qual precisa para sobreviver. Contando seis dias após a fecundação, finalmente o blastocisto adere ao endométrio para ter início o processo de implantação. Nesse momento, o trofoblasto sofre transformações, crescendo e diferenciando-se em duas camadas: citotrofoblasto (camada celular mais interna que delimita todo o blastocisto) e sinciciotrofoblasto (camada mais externa e inicialmente restrita à região do polo embrionário), como mostrado a seguir. Tecido conjuntivo do endométrio Secreção glandular Sinciciotrofoblasto Massa celular interna Citotrofoblasto Hipoblasto (endoderma primário) Cavidade do blastocisto Cavidade uterina Figura 46 – Implantação do blastocisto no endométrio 63 EMBRIOLOGIA O sinciciotrofoblasto é constituído por uma massa citoplasmática multinucleada e sem divisões aparentes, a qual possui um papel importante na invasão do endométrio pelo embrião no momento da implantação. Com uma semana decorrida da fecundação, o blastocisto já se encontra superficialmente implantado, com as expansões digitiformes do sinciciotrofoblasto auxiliando nesse processo. Por se tratar de um tecido altamente invasivo, o sinciciotrofoblasto libera enzimas que degradam as células endometriais e guiam o embrião, a partir do polo embrionário (adjacente ao embrioblasto), a penetrar o endométrio. Com o início da implantação, novas mudanças serão impostas ao embrião, que irá progredir para formar as primeiras camadas embrionárias. 5.2 Segunda semana do desenvolvimento A segunda semana do desenvolvimento embrionário é marcada por transformações no embrião que ocorrem concomitantemente com a finalização do processo de implantação e estabelecimento de um sistema rudimentar de circulação uteroplacentária (comunicação entre o embrião e a mãe). Estruturas importantes são formadas, como o disco embrionário bilaminar, o âmnio, a cavidade amniótica, a vesícula umbilical, o pedículo de conexão e o saco coriônico. Com o avanço da implantação, o sinciciotrofoblasto age deslocando as células do endométrio e facilitando a entrada do blastocisto. A implantação, no entanto, ocorre não somente pela ação do sinciciotrofoblasto invasivo: as células endometriais sofrem apoptose para auxiliar na entrada do embrião, o que caracteriza um endométrio receptivo. Além disso, as células endometriais, nas proximidades do sinciciotrofoblasto (células deciduais), servem como fonte de nutrição ao embrião em desenvolvimento, como parte da reação decidual que garante o sucesso da implantação e a sobrevivência inicial do embrião. A reação decidual ocorre por efeito, principalmente, do hormônio progesterona, em que as células do estroma endometrial (do tecido conjuntivo) acumulam em seu interior grandes quantidades de glicogênio e lipídios, substâncias utilizadas pelo embrião na produção de energia (ATP). Toda extensãodo endométrio tomada pela reação decidual, nas proximidades do local de implantação do blastocisto, é denominada de decídua. Tal região uterina será eliminada após a saída do feto (com a expulsão da placenta e das membranas fetais). Observação Apoptose é um processo ordenado de morte celular programada que ocorre mediante mecanismos complexos de sinalização intracelular. Juntamente com o processo de implantação, conduzido principalmente pela ação do sinciciotrofoblasto, observa-se que a massa celular interna (embrioblasto), que terá a incumbência de originar o novo organismo, começa a diferenciar-se e a formar duas camadas distintas de células, lembrando um disco sobre outro disco (bilaminar). As células da camada superior (disco superior) são denominadas de epiblasto (camada mais espessa que é formada por células cilíndricas altas) e as da camada inferior de hipoblasto (camada formada por células cuboides pequenas). Nesse estágio do 64 Unidade II desenvolvimento, o embrião é dito bilaminar ou diblástico (disco embrionário bilaminar), pois é constituído por apenas dois conjuntos celulares. Âmnio Citotrofoblasto Glândula uterina Sangue materno nas lacunas Disco embrionário bilaminar Epitélio endometrialMesoderma extraembrionário Vesícula umbilical primitiva Figura 47 – Disco embrionário bilaminar O sinciciotrofoblasto, como citado, é uma massa celular multinucleada que também terá a função de produzir o hormônio gonadotrofina coriônica (hCG). Esse hormônio glicoproteico é responsável por manter as atividades de produção dos hormônios progesterona e estrogênio do corpo lúteo (ou corpo amarelo) do ovário. Lembrete O hCG também é utilizado no teste de gravidez, podendo ser rastreado na urina e no sangue da mãe. A implantação termina por volta do 10º dia de gestação, em que o concepto (que diz respeito ao embrião e suas membranas extraembrionárias) encontra-se completamente recoberto pelo endométrio uterino. O local da implantação, que inicialmente apresenta uma região de falha na superfície do epitélio endometrial, estará regenerado em sua totalidade por volta do 12º dia da gestação, formando uma elevação no epitélio que pode ser detectada por ultrassonografia e é usada como indicativo de uma gravidez em progresso. Um fato interessante acerca da implantação do embrião no endométrio materno é a aceitação das células do embrião, com características genéticas distintas do organismo hospedeiro, pelo sistema imune materno. Uma possível resposta para esse ambiente permissivo do ponto de vista imunológico, que deveria combater essas células (mais especificamente, esses antígenos) estranhas, seria um estado de imunossupressão, com reguladores da resposta imune envolvidos para que o embrião em desenvolvimento não seja rejeitado (e destruído) pelo organismo materno como parte de uma resposta imunológica normal. 65 EMBRIOLOGIA Sobre o epiblasto, irá ocorrer a formação da cavidade amniótica, e são as próprias células do epiblasto que originam as células constituintes da parede amniótica, a qual se encontra em continuidade com o âmnio (veja na figura anterior). Abaixo do hipoblasto, a área é denominada de vesícula umbilical primitiva (antigamente denominada de saco vitelino primitivo). Assim, o embrião, representado nessa etapa do desenvolvimento por um disco embrionário bilaminar, está posicionado entre a cavidade amniótica e a vesícula umbilical, conectado ao córion pelo pedículo de conexão (figura a seguir). Vilosidade coriônica primária Eixo central do citotrofoblasto Sangue materno Rede de lacunas do trofoblasto Mesoderma somático extraembrionário Sinciciotrofoblasto Córion Cavidade coriônicaEmbrião Figura 48 – Embrião na segunda semana do desenvolvimento Com a formação do âmnio, outra etapa importante do desenvolvimento embrionário começa a se organizar: surgem lacunas no sinciciotrofoblasto por volta do 9º dia de gestação, que logo se enchem de sangue materno (figura anterior). Essas lacunas, em comunicação com os capilares endometriais, estabelecem o primeiro sistema circulatório do embrião, denominado de circulação uteroplacentária primitiva. Lembrando que nesse momento da gestação ainda não há uma área de placenta estabelecida, e as trocas entre embrião e organismo materno, portanto, ainda são bastante rudimentares e limitadas. O embrião recebe nutrientes e sangue oxigenado a partir das artérias endometriais, que desembocam nas lacunas, e transfere sangue pouco oxigenado e resíduos metabólicos de volta para a região de lacunas no sinciciotrofoblasto, que são removidos pelas veias endometriais. Assim, por volta do 13º dia, já tem início um tipo primitivo de circulação entre o embrião e o útero materno, e os esboços placentários começam a ganhar forma. Observação O epiblasto dará origem aos três folhetos embrionários durante o processo de gastrulação. O hipoblasto, por sua vez, originará o mesoderma extraembrionário. 66 Unidade II Ao final da segunda semana do desenvolvimento embrionário, surgem as vilosidades coriônicas primárias, que crescem em sentido ao sinciciotrofoblasto e que darão origem às vilosidades coriônicas placentárias. O celoma extraembrionário surge como espaços no mesoderma extraembrionário, que logo conectam-se, separando o mesoderma extraembrionário em duas regiões distintas: mesoderma somático extraembrionário, que recobre o âmnio, e mesoderma esplâncnico extraembrionário, que reveste a vesícula umbilical. Da junção do mesoderma somático extraembrionário com o citotrofoblasto e o sinciciotrofoblasto tem-se a estrutura denominada de córion, que forma a parede do saco coriônico. Com 14 dias de vida, o embrião apresenta um espessamento em uma determinada área do hipoblasto, formando, assim, a placa pré-cordal, região que indica a futura localização da boca (figura seguinte). Disco embrionário bilaminar Epiblasto Hipoblasto Ectoderma embrionário Endoderma embrionário Mesoderma extraembrionário Processo notocordal Mesoderma embrionário Mesoderma extraembrionário Linha primitiva (3ª semana) Endoderma da vesícula umbilical Ectoderma do âmnio Figura 49 – Disco embrionário bilaminar e destino das estruturas embrionárias epiblasto e hipoblasto O local mais frequente e comum de implantação do embrião ocorre no endométrio, mais precisamente na região superior e posterior da parede uterina. Se a implantação foi bem-sucedida ou não, é possível de se detectar através de um exame de ultrassonografia. Em alguns casos menos frequentes, a implantação pode ocorrer fora do útero e, nesses casos, são chamadas gestações ectópicas. Em geral, o termo gestação ectópica está associado à gestação tubária (implantação na tuba uterina, com maior frequência na ampola ou istmo desta), uma vez que, entre as gestações ectópicas, esse tipo responde de 95% a 98% dos casos. Nos casos de gestação tubária, a mulher irá apresentar sintomas de gravidez. No entanto, pode apresentar, também, dor e sangramento anormais, além de uma produção mais lenta de β-hCG. A ocorrência desse tipo de gestação pode estar associada a uma interrupção no transporte do zigoto 67 EMBRIOLOGIA para o útero, o que pode acontecer, por exemplo, pela presença de cicatriz na tuba, decorrente de um processo inflamatório pélvico. A gestação tubária pode ser identificada por ultrassonografia e, caso não seja interrompida, poderá levar ao rompimento da tuba uterina afetada e hemorragia, acarretando a morte do embrião e colocando em risco a vida da mãe. Além da gestação tubária, outras possibilidades, mais raras, de gestação ectópica são: gestação abdominal, ovariana, além das implantações cervicais (no colo uterino). Observação Implantações do blastocisto em posições inferiores do útero podem conduzir à formação de placenta prévia, a qual pode recobrir o óstio e causar sangramento. Intestino Mesentério Ovário A BC D E F G H X Implantação no orifício interno Implantação cervical Figura50 – Locais de implantação do blastocisto e gestações ectópicas 5.3 Terceira semana do desenvolvimento A terceira semana de gestação é compreendida entre o 15º e o 21º dia de gestação. Nesse período é que ocorre o processo de gastrulação e, consequentemente, a formação da estrutura denominada de gástrula. O embrião é, então, dito trilaminar, pois passa a ser composto de três folhetos embrionários: o ectoderma, o endoderma e o mesoderma, os quais têm origem no epiblasto do disco embrionário bilaminar. A formação da notocorda é descrita através do processo notocordal, originado a partir de células mesenquimais do nó primitivo. A fosseta primitiva e o canal notocordal formam-se pelo crescimento do processo notocordal. As aberturas desse canal surgem e obliteram-se, constituindo a 68 Unidade II placa notocordal, a qual se dobra e constitui, por fim, a notocorda. Ao redor da notocorda surge o esqueleto axial, responsável pela formação das seguintes estruturas: crânio, coluna vertebral, costelas e esterno. Portanto, um espessamento do ectoderma origina a placa notocordal, a qual induz a placa neural a formar um sulco denominado de neural e pregas neurais. Essas pregas (dobras) sofrem fusão para dar origem ao tubo neural, responsável pela formação do sistema nervoso (neurulação). A seguir, os eventos da gastrulação e da neurulação serão descritos em mais detalhes. Membrana bucofaríngea Borda seccionada do âmnio Células pronotocordais Membrana cloacal Nó primitivo Linha primitiva Figura 51 – Linha primitiva e processo notocordal 5.3.1 Gastrulação Um dos conceitos fundamentais relacionados à 3ª semana do desenvolvimento é a presença da linha primitiva, que surge no início do processo de gastrulação como um sulco (depressão), o qual é constituído por células do epiblasto. Em sua porção cefálica (ou cranial), a linha primitiva prolifera para formar o nó primitivo – área mais elevada de células epiblásticas que cercam uma abertura, a fosseta primitiva. Na área da linha primitiva e do nó primitivo (área de organização celular), certas células do epiblasto realizam invaginação, como mostra na figura seguinte, as quais irão formar as camadas (ou folhetos) denominados de endoderma embrionário (que se forma a partir do deslocamento das células do hipoblasto) e de mesoderma embrionário (formado pelas células mesenquimais do mesoblasto). As células epiblásticas remanescentes, que não realizaram invaginação, darão origem ao ectoderma embrionário. Portanto, o epiblasto se relaciona com a origem dos três folhetos embrionários (o hipoblasto foi deslocado e as células do epiblasto formam o endoderma). A linha primitiva, por sua vez, regride e desaparece ao final da quarta semana do desenvolvimento. Células oriundas, por invaginação, do nó primitivo, formam novas células, denominadas de pré-notocordais, que migram em direção cefálica até a placa pré-cordal (figura anterior). Essas células permanecem por um determinado tempo intercaladas no endoderma, constituindo a placa notocordal. No momento em que a placa notocordal se solta do endoderma, ela passa a constituir a notocorda (corda dorsal em forma de tubo). 69 EMBRIOLOGIA Nó primitivo Linha primitiva Amnioblastos Saco vitelino Hipoblasto Células mesodérmicas sofrendo invaginação Epiblasto Figura 52 – Gastrulação A notocorda irá definir o eixo primitivo do embrião, dando-lhe rigidez, e servirá de base para o desenvolvimento do esqueleto axial, além de indicar o local dos futuros corpos vertebrais. Na vida adulta, a notocorda torna-se um órgão vestigial, passando a ser denominada de núcleo pulposo e a ficar localizada no disco intervertebral. Em resumo, a gastrulação é uma das fases mais críticas do período embrionário, pois é a partir dela que o embrião é convertido de estrutura bilaminar (epiblasto e hipoblasto) a uma estrutura trilaminar (ectoderma, mesoderma e endoderma). Ao final da terceira semana, há mesoderma entre o ectoderma e o endoderma, exceto na região anterior (cranial), local em que se encontra a membrana bucofaríngea, na região posterior (caudal), local da membrana cloacal, e nas áreas ocupadas pela notocorda. 5.3.2 Neurulação Neurulação é a denominação dada ao processo de formação da placa neural e do tubo neural, processo que estará completo até o final da quarta semana do desenvolvimento embrionário. Conforme pode ser visto no item A da figura a seguir, o desenvolvimento da notocorda induz o espessamento do ectoderma logo acima e a formação da placa neural. A região então denominada de neuroectoderma (ectoderma da placa neural) dará origem principalmente ao sistema nervoso central. O ectoderma de superfície, por sua vez, formará a epiderme. Prega neural Crista neural Crista neural Notocorda Sulco neural A) B) C) D) E) Sulco neural Ectoderma de superfície Crista neural Canal neural Tubo neural Epiderme em desenvolvimento Gânglio espinal em desenvolvimento Sulco neural Tubo neural Pregas neurais se aproximando uma da outra Figura 53 – Neurulação 70 Unidade II Por volta do 18º dia, há uma invaginação da placa neural para formar o sulco neural (item B da figura anterior). As pregas neurais são observadas lateralmente e, ao final da terceira semana, elas se aproximam e se fundem, dando origem ao tubo neural (itens C e D da figura anterior). Nesse momento, há a separação do tubo neural do ectoderma de superfície e a divisão da crista neural (células ectodérmicas) em porção direita e esquerda, as quais irão formar os gânglios nervosos (cranianos e espinhais), gânglios sensitivos dos nervos, células da retina e melanócitos (item E da figura anterior). 5.3.3 Derivados do mesoderma intraembrionário O mesoderma sofrerá modificação e três estruturas distintas serão formadas a partir dele, que são: mesoderma paraxial, mesoderma intermediário e mesoderma lateral, cada qual comprometido com a formação de outras estruturas embrionárias (figura seguinte). O mesoderma paraxial, que está localizado de cada lado da notocorda, irá formar os somitos (corpos metamerizados) por volta do 20º dia. Os somitos, por sua vez, estão relacionados com a formação da derme, do esqueleto axial e sua musculatura. O mesoderma intermediário está posicionado entre o mesoderma paraxial e o mesoderma lateral, formando uma região estreita e relacionada à gênese do aparelho urogenital. O mesoderma lateral, por fim, irá formar duas camadas recobertas por tecido epitelial: camada somática, associada ao mesoderma que recobre o âmnio, e camada esplâncnica, associada ao mesoderma que reveste a vesícula umbilical. Mesoderma intermediário Mesoderma paraxial Sulco neural Ectoderma do embrião Âmnio Mesoderma lateral Espaços celômicos Figura 54 – Disco embrionário trilaminar 5.3.4 Desenvolvimento do sistema cardiovascular O sistema cardiovascular é o primeiro sistema no embrião a se tornar maduro e funcional, sendo que, ao final da terceira semana do desenvolvimento, o sangue começa a circular e, por volta do 21º e 22º dias, o coração passa a bater (o que pode ser detectado por ultrassonografia com Doppler na quarta semana de gestação). A formação desse importante sistema na manutenção e viabilidade do embrião tem início com a formação dos vasos sanguíneos, o que se dá a partir do mesoderma extraembrionário 71 EMBRIOLOGIA (da vesícula umbilical). A formação de vasos sanguíneos, por sua vez, pode ocorrer por vasculogênese ou por angiogênese. Primórdio do coração Placa neural Borda cortada do âmnio Vaso sanguíneo primitivo Ilhota sanguínea Figura 55 – Formação do sistema cardiovascular primitivo A vasculogênese prevê a formação de novos vasos sanguíneos a partir dos angioblastos, que são precursores celulares que se unem para formar os canais vasculares. Os angioblastos geram as ilhotas sanguíneas, associadas à vesícula umbilical, nas quais surgem cavidades (figura anterior). As células endoteliais formam-se, então, pelo achatamento dos angioblastosque, por sua vez, organizam-se ao redor das cavidades das ilhotas sanguíneas, formando, assim, o endotélio. Quando essas regiões de endotélio se conectam, uma rede de vasos endoteliais começa a se estruturar. Na angiogênese, a formação de novos vasos sanguíneos ocorre pela ramificação e brotamento de vasos pré-existentes. Lembrando que esse processo não é exclusivo do desenvolvimento embrionário, uma vez que alguns fatores histológicos e/ou fisiológicos no adulto podem estimular a angiogênese, como é o caso do crescimento de um tumor. O coração tem origem em dois tubos cardíacos endocárdicos, que se desenvolvem, na terceira semana, em uma área de mesoderma esplâncnico denominada de área cardiogênica. Após a fusão dos tubos cardíacos, tem-se o tubo cardíaco primitivo, o qual irá se conectar aos vasos sanguíneos da região da vesícula umbilical e pedículo de conexão do embrião (figura seguinte). As células sanguíneas, que se desenvolvem ao final da terceira semana, têm origem nas células endoteliais dos vasos sanguíneos em crescimento. 72 Unidade II Veias cardinais anterior, comum e posterior Artérias intersegmentares dorsais Seio venoso Arcos aórticos Cavidade amniótica Âmnio Saco aórtico Tubo cardíaco Veia vitelina Saco vitelino Artéria vitelina Veia umbilical Cordão umbilical Parede do córion Artéria umbilical Vilosidade terciária Aorta dorsal Figura 56 – Embrião de aproximadamente 21 dias 5.3.5 Vilosidades coriônicas Ao final da segunda semana, as vilosidades coriônicas primárias começam a sofrer ramificação e, no início da terceira semana, é possível observar a presença de mesênquima dentro das vilosidades primárias, caracterizando as vilosidades coriônicas secundárias que revestem o saco coriônico em sua superfície (figura 47). Com a formação de vasos sanguíneos, eles passam a ser visíveis dentro das vilosidades coriônicas, que passam a se chamar vilosidades coriônicas terciárias (figura anterior). As vilosidades terciárias, portanto, são dotadas de capilares sanguíneos. Com a proliferação das vilosidades coriônicas, é formada uma capa citotrofoblástica extravilosa, responsável por manter o saco coriônico fixado ao endométrio materno. Entre as vilosidades, ocorrem os espaços intervilosos com sangue materno, contendo nutrientes e oxigênio que, por processos de difusão, deverão se dirigir para o sangue do embrião/feto através das paredes das vilosidades. Nas primeiras semanas, toda a superfície coriônica é revestida pelas vilosidades, processo que deverá regredir com o passar dos dias. As vilosidades desenvolvem-se na área da decídua basal e desaparecem na área da decídua capsular. Essas vilosidades que se desenvolvem constituem um córion espesso (frondoso), já na área capsular o córion é denominado de liso. O córion frondoso, com a decídua basal, constitui a placenta. Devido ao desenvolvimento do embrião/feto, a fusão do âmnio com o córion resulta na formação da membrana amniocoriônica, deixando de existir, assim, a cavidade coriônica. No momento do parto, essa membrana rompe-se e todo o líquido amniótico presente é liberado (popularmente conhecido como “estourar a bolsa”). 73 EMBRIOLOGIA 5.4 Estabelecimento da forma do embrião No início do desenvolvimento, o embrião se apresenta com aspecto piriforme (mais alargado na região cefálica) e laminar. A partir da quarta semana, movimentos de dobras e flexões no eixo do embrião vão conduzi-lo a um aspecto mais tubular e em formato de “C”, com o reposicionamento de algumas estruturas já existentes e formação de outras novas, como será descrito no tópico “Organogênese”. O estabelecimento dos eixos corporais anteroposterior, dorsoventral e esquerdo-direito tem início no final da segunda semana e prossegue durante a gastrulação. A partir da formação mesodérmica e das migrações celulares constituintes dos folhetos embrionários, o disco embrionário trilaminar muda de forma, passando a possuir forma tubular com a porção anterior, cefálica, mais larga, e a porção posterior, caudal, mais fina. 5.5 Determinação da idade do concepto A determinação da idade do embrião tem como base a data do primeiro dia do último período menstrual normal (UPMN), que será informada pela mãe ao obstetra. No entanto, a gestação tem início de fato com o evento da fecundação, o qual ocorre aproximadamente duas semanas após o UPMN. Como somente em casos de fertilização in vitro é possível ter certeza da data de fecundação, o UPMN é comumente utilizado na estimativa da idade do concepto, ainda que esse método seja passível de falhas. Exemplo de aplicação Para melhor compreender como funciona a estimativa da data provável do parto, feita pelos obstetras, tente fazer isso você mesmo. Pergunte a uma grávida em sua família, que você desconheça em qual período gestacional encontra-se, qual a data de seu primeiro dia do UPMN. A partir dessa data, procure descobrir qual a possível semana de gestação (com base em uma estimativa da data de fecundação) e, utilizando a regra de Naegele, a provável data do parto. Segundo tal regra, basta subtrair três meses do primeiro dia do UPMN e, em seguida, adicionar um ano e sete dias a essa data. Depois é só checar com a futura mãe se os cálculos batem com a estimativa médica. Em alguns casos, o histórico menstrual da mulher pode não ser confiável, gerando erros na estimativa da idade do embrião. Em outros casos, a mulher pode apresentar um ligeiro sangramento no momento da implantação do blastocisto no endométrio materno, o que pode ser confundido por algumas mulheres com a menstruação de fato. Nesses casos, a avaliação por ultrassonografia poderá auxiliar o médico a corrigir eventuais erros na estimativa da idade do embrião. A utilização de alguns sistemas de medidas também é bastante útil na determinação da semana gestacional. O comprimento cabeça-nádegas (CCN), por exemplo, é um parâmetro bastante utilizado, bem como as próprias características externas do embrião. Estimar corretamente a idade do concepto é fundamental na tomada de decisões quanto ao emprego de procedimentos invasivos, se estes são seguros ou não para o embrião ou feto na semana gestacional em que se encontra. 74 Unidade II 5.6 Derivados dos folhetos germinativos Os folhetos germinativos (ectoderma, mesoderma e endoderma) formados pelo processo de gastrulação são a base para a formação dos tecidos e órgãos do embrião, cada qual em seu momento e local determinado. Através, portanto, de mecanismos de diferenciação, proliferação e migração celular, o destino dos folhetos germinativos irá garantir a formação de um novo organismo funcional. A figura seguinte traz um resumo das principais estruturas formadas a partir do ectoderma, endoderma e mesoderma. Músculos da cabeça, músculo estriado esquelético (tronco, membros), esqueleto exceto crânio, derme da pele, tecido conjuntivo Sistema urogenital, incluindo gônadas, ductos e glândulas acessórias Tecido conjuntivo e músculos das vísceras Partes epiteliais de: Partes epiteliais de: Disco embrionário trilaminar Epiblasto Embrioblasto Epitélio do trato gastrointestinal, fígado, pâncreas, bexiga e úraco Traqueia Brônquios Pulmões Faringe Tireoide Cavidade timpânica Tuba faringotimpânica Tonsilas Paratireoides Sistema nervoso central Retina Corpo pineal Parte posterior da hipófise Medula da suprarrenal Células pigmentares Cartilagens dos arcos faríngeos Mesênquima e tecido conjuntivo da cabeça Cristas bulbares e conais do coração Gânglios e nervos cranianos e sensitivos Membranas serosas da pleura, pericárdio e peritônio Coração primitivo Baço Córtex da suprarrenal Epiderme, pelos, unhas, glândulas cutâneas e mamárias Parte anterior da hipófise Neuroectoderma Endoderma Mesoderma Ectoderma Crista neural Tubo neural Esmalte dos dentes Orelha interna Lente Ectoderma da superfície M es od er m a la te ra l M es od er m a in te rm ed iá rio M es od er m a pa ra xi al Sangue e célulaslinfoides Figura 57 – Derivados das camadas germinativas endoderma, mesoderma e ectoderma 75 EMBRIOLOGIA 6 ORGANOGÊNESE O período do desenvolvimento embrionário compreendido entre a quarta e a oitava semana é associado à etapa de organogênese, responsável pela formação (ou, pelo menos, início da formação) dos principais órgãos e sistemas de órgãos. Importantes estruturas, tanto internas quanto externas, tomam forma, mudando as características físicas e funcionais do embrião, que passa a ter aspecto mais humano ao final desse período. A figura seguinte apresenta um resumo esquemático das principais mudanças ocorridas ao embrião nessas primeiras etapas do desenvolvimento embrionário humano. 15 Primeira menstruação não ocorrida Início do desenvolvimento da tireoide Linha primitiva Fosseta do cristalino, cálices ópticos e fossetas nasais se formando Cavidades oral e nasal confluentes Lábio superior e nariz formados Raios digitais Raios digitais Cabeça grande Placa do pé Placa do pé Meato acústico externo Setas indicam a migração de células mesenquimais Migração de células da linha primitiva Coração começa a bater Pregas neurais se fundem Neuroporo rostral Primórdio do olho e da orelha presentes Broto de membro superior Broto de membro inferior Neuroporo caudal Eminência cardiaca Fosseta ótica 2 pares de arcos faríngeos 3 pares de arcos faríngeos Fosseta nasal Boca primitiva Olho Olho Olho Olho Orelha Olho Coração Olho em desenvolvimento Indica tamanho real Broto do braçoNeuroporo rostral se fecha Comprimento: 1,5 mm Sulco neural Sulco neural Primeiros pares de somitos Pedículo de conexão Linha primitiva Sulco neural Linha primitiva Início do estágio 7 Início do estágio 10 Início do estágio 11 Início do estágio 14 Início do estágio 16 Início do estágio 17 Orelha Vista ventral Início do estágio 15 Início do estágio 12 Arcos branquiais Cérebro anterior CR: 4,0 mm CR: 5,0 mm CR: 9,0 mm CR: 10,0 mm CR: 13,0 mm CR: 7,0 mm CR: 8,0 mm Vesículas encefálicas distintas Placa do pé presente Cordão umbilical Placa da mão CR - comprimento vértice-nádega Região da fosseta ótica (orelhas) Início do estágio 13 Início do estágio 8 Início do estágio 9Embrião trilaminar Placa neural Placa neural Somito Nó primitivo Cérebro Somito Linha primitiva Âmnio 22 29 36 17 24 31 38 20 27 34 41 16 23 30 37 19 26 33 40 18 25 32 39 21 28 35 42 Figura 58 – Estágios do desenvolvimento embrionário Uma vez que o período de organogênese é fundamental para a correta formação de estruturas vitais do embrião, essa etapa é também a de maior suscetibilidade a fatores teratogênicos, capazes de causar anomalias congênitas ou, até mesmo, a completa parada do desenvolvimento embrionário (aborto). Ainda que fatores exógenos possam comprometer a viabilidade do concepto por toda a gestação, a interferência causada à migração e diferenciação celular durante o desenvolvimento embrionário, compreendido até a oitava semana, geralmente tem um impacto maior que fatores que agem no período fetal (da nona à 38ª semana do desenvolvimento). Em suma, o desenvolvimento humano passa por três fases cruciais, que são: crescimento, morfogênese e diferenciação. O crescimento do embrião ocorre por divisão celular, mitose, em que as células sofrem proliferação. A morfogênese diz respeito à mudança da forma do embrião, o qual parte de 76 Unidade II algumas camadas celulares, indiferenciadas e semelhantes entre si, até o estabelecimento de estruturas diferenciáveis e funcionais, interna e externamente. Por fim, a diferenciação celular, que conduz à especialização de funções por células originalmente toti e pluripotentes. As etapas que culminam em diferenciação celular devem ser muito bem reguladas, uma vez que células diferenciadas perdem a capacidade de originar estruturas diversas, o que poderia comprometer o destino celular na falta de um sistema de regulação do processo de diferenciação. Além disso, essas etapas (crescimento, morfogênese e diferenciação) estão correlacionadas, não se tratando, portanto, de uma simples sucessão de eventos. 6.1 Controle do desenvolvimento embrionário Estudos genéticos extensivos conduzidos com Drosophila (mosca da fruta) foram importantes para desvendar alguns dos mistérios que cercam o desenvolvimento embrionário, principalmente em relação ao seu controle. Organismos modelos para estudo são muitas vezes preferíveis pela menor complexidade, rápido desenvolvimento embrionário e, principalmente, pelas questões éticas associadas ao uso de embriões humanos em pesquisas. Com base nesses estudos, portanto, foi possível compreender alguns aspectos de como fatores genéticos e ambientais interferem no desenvolvimento embrionário. Tendo em vista que o desenvolvimento de um novo ser passa por um aumento gradativo de complexidade (diferenciação e morfogênese) das células em proliferação (mitose), algumas teorias tentam explicar o que garante o correto direcionamento das células, em início altamente indiferenciadas, na formação de estruturas especializadas e com proporções adequadas ao seu desempenho fisiológico satisfatório. Além da importância dos genes associados ao desenvolvimento embrionário, a forma e o momento em que as células em diferenciação interagem são mecanismos sabidamente relevantes no estudo da embriologia. Tais interações entre tecidos em desenvolvimento têm se mostrado cada vez mais relevantes ao desenvolvimento embrionário, conforme os processos de diferenciação tecidual vão sendo desvendados. Um exemplo de como as interações indutivas entre tecidos têm papel no desenvolvimento embrionário é a formação do olho. O cristalino, importante estrutura da visão, desenvolve-se a partir do ectoderma de superfície por indução por uma estrutura denominada de vesícula ótica. A presença da vesícula ótica, portanto, é crucial para que o cristalino seja formado – assim, se a vesícula ótica estiver ausente, não haverá formação do cristalino, que, por sua vez, deverá induzir a formação da córnea. Tal mecanismo garante que as estruturas da visão tenham proporções adequadas ao seu funcionamento. A indução entre tecidos ocorre, possivelmente, pela troca de sinais entre as células dos diferentes tecidos. Tais sinais moleculares podem ser difusíveis, enviados do tecido indutor para ter ação no tecido-alvo; em outros casos, no entanto, esses sinais podem ser mediados pela matriz extracelular ou pelo contanto direto entre as células dos tecidos adjacentes (não difusíveis). Outra questão importante em relação às interações induzíveis é a janela de tempo em que os tecidos são capazes de responder a um estímulo recebido. Portanto, além da questão espacial, que dita que os tecidos devem estar fisicamente próximos para que possam interagir, a questão temporal também se faz relevante. Caso as células, por exemplo, não sofram migração corretamente, ou no devido tempo, isso pode significar a falta de estímulo para a formação de determinada estrutura embrionária que, por sua 77 EMBRIOLOGIA vez, pode estar associada à indução da formação de outra estrutura, e assim sucessivamente. Portanto, qualquer interferência nessas relações iniciais entre os tecidos pode conduzir a anomalias congênitas, que geralmente possuem consequências drásticas ao desenvolvimento embrionário. 6.2 Formação do intestino primitivo A formação dos intestinos anterior, médio e posterior ocorrem como resultado do dobramento do embrião nos planos médio e horizontal. Tal dobramento do disco trilaminar irá conduzir o embrião a um formato cilíndrico, além de propiciar a formação e o reposicionamento de estruturas embrionárias, como pode ser observado na figura seguinte. Membrana orofaríngea Prega neural Âmnio Encéfalo anterior Notocorda Coração A) B)Vesícula umbilical Membrana cloacal Pedículo de conexão Alantoide Âmnio C) D)Celoma extraembrionárioCordão umbilical Intestino médio Intestino anterior Intestino posterior Pedículo vitelino Pr eg a c efá lica Prega caudal Figura 59 – Dobramento do embrião, com destaque para a formação das pregas cefálica e caudal Ao observamos a figura anterior, é possível identificar o crescimento e flexão do embrião em suas extremidades, produzindo pregas (prega cefálica e prega caudal). Esse dobramento decorre, principalmente, do desenvolvimento do encéfalo, a partir das pregas neurais, que se projeta para a cavidade amniótica e cresce, o prosencéfalo, para além da região orofaríngea (ou bucofaríngea). Assim, com a extensão da prega cefálica, estruturas como o septo transverso, o coração primitivo (e o celoma pericárdico) e a membrana orofaríngea sofrem reposicionamento, assumindo uma posição mais ventral no embrião. Além disso, ocorre a formação do intestino anterior (por incorporação de parte do endoderma da região da vesícula umbilical), o qual dará origem ao esôfago, faringe e parte inferior do sistema respiratório. O intestino anterior encontra-se, portanto, posicionado entre o prosencéfalo e o coração primitivo, separado do estomodeu (ou boca primitiva) pela membrana orofaríngea. 78 Unidade II Já na outra extremidade, com o surgimento da prega caudal, que tem início após o dobramento cefálico, irá ocorrer, principalmente, a formação do intestino posterior. Tal dobramento decorre do crescimento distal do tubo neural (que dará origem à medula espinhal), também com incorporação de parte da vesícula umbilical para formar o intestino posterior (primórdio do cólon e do reto). A membrana cloacal (futuro ânus) passa a assumir posição ventral no embrião e, em sua posição terminal, o intestino posterior se dilata, dando origem à cloaca (que formará, por sua vez, a bexiga urinária e o reto). Outra estrutura importante observada na figura anterior é o cordão umbilical, que tem origem no pedículo de conexão, o qual passa a se posicionar ventralmente no embrião. Por fim, o alantoide (projeção em formato de dedo de luva da vesícula umbilical) passa a ser incorporado, parcialmente, ao embrião. Além das pregas cefálica e caudal, no plano horizontal (dobramento lateral) são formadas as pregas laterais direita e esquerda. Como consequência do dobramento lateral, a vesícula umbilical sofre constrição e, com a formação da parede abdominal, parte dela é incorporada ao embrião e, assim, tem-se a formação do intestino médio. Pela fusão das pregas laterais, a comunicação inicialmente existente entre intestino e vesícula umbilical fica reduzida, até a completa separação do intestino médio e o fechamento do tubo digestório. A seguir, serão apresentadas as principais transformações do embrião que ocorrem entre a quarta e a oitava semana do desenvolvimento, período em que se encerra a fase embrionária e marca o início do período fetal. 6.3 Quarta semana do desenvolvimento embrionário A quarta semana de gestação é compreendida entre o 22º e o 28º dia. O embrião, então, possui forma tubular, tendo no início dessa semana de 2 a 3,5 mm de comprimento, com quatro a 12 pares de somitos (pacotes mesodérmicos). Células ectodérmicas derivadas do epiblasto constituíram na região cefálica a placa neural, que deverá desenvolver-se para formar o tubo neural na quarta semana. As porções mais elevadas da placa neural originam as pregas neurais, e as menos elevadas constituem o sulco neural. As pregas neurais deverão iniciar um processo de fusão a partir do quinto par de somito e, dessa fusão das pregas, resulta um tubo denominado de neural (figura seguinte). Somito Somatopleura Esplancnopleura Celoma intraembrionário Pregas neurais quase se fundindo, formando o tubo neural Figura 60 – Esquema em corte representando a formação do tubo neural (neurulação) 79 EMBRIOLOGIA As aberturas do tubo neural são inicialmente bem visíveis. O neuróporo anterior (rostral) e o posterior (caudal) são estruturas embriológicas de origem ectodérmica e responsáveis pela formação do sistema nervoso. O processo de fechamento do tubo neural tem início no 22º dia e, por volta do 26º dia, o neuróporo rostral se fecha, ocorrendo, mais tardiamente, o mesmo com o caudal (por volta do 28º dia). Nesse período do desenvolvimento, observa-se a presença dos arcos e dos sulcos branquiais externamente, e das bolsas branquiais de constituição endodérmica internamente. Essas formações já se fazem presentes por volta do 24º dia do desenvolvimento. Cada arco branquial é constituído por uma artéria, por um elemento muscular e outro cartilaginoso e por um nervo. Por exemplo: o primeiro arco branquial é denominado de mandibular e dará origem a dois processos, o superior (maxilar) e o inferior (mandibular). Cada constituinte de cada arco branquial, de cada bolsa branquial e dos sulcos dará origem a estruturas adultas. Como exemplo desse processo de derivação, o primeiro arco, V par de nervos cranianos, formará o nervo trigêmeo; a cartilagem é a de Meckel (hialina) e orientará a construção da mandíbula; o elemento muscular relaciona-se com a gênese do músculo masseter (músculo da mastigação). São seis os pares de arcos, cinco os pares de bolsas e quatro os pares de sulcos branquiais, estes localizados entre os arcos. Assim, ao final dessa semana, já existem quatro pares de arcos branquiais bem visíveis. Em resumo, as células ectodérmicas são as responsáveis pela formação da placa neural e, também, pela origem do sulco neural, das pregas e das cristas neurais e, finalmente, do tubo neural (figura seguinte). O item C da figura seguinte indica um corte de embrião com a presença do tubo neural – portanto, com aproximadamente 28 dias (4ª semana). As células que se destacam das cristas neurais após o fechamento do tubo neural realizam processos de migrações por áreas dorsal e ventral, como também em direção cranial. As que migram dorsalmente, fazem-no via derme, penetrando no ectoderma e originando as células denominadas de melanócitos. Já as que migram ventralmente, fazem-no via somitos e originam gânglios nervosos simpáticos, gânglios entéricos, células de Schwann e a medula da glândula suprarrenal. Finalmente, as que migraram cranialmente formarão partes do esqueleto craniofacial, os gânglios craniais e as células da neuroglia, além dos melanócitos e de outras células intraepidérmicas. 80 Unidade II Notocorda Cavidade amniótica Ectoderma Mesoderma Sulco neuralÂmnio Somito Endoderma Mesoderma paraxial Mesoderma intermediário Mesoderma intermediário Camada do mesoderma parietal Cavidade do corpo intraembrionária Mesoderma esplâncnico Mesoderma somático Cavidade do corpo intraembrionária Ligação entre intestino e saco vitelino Mesentério dorsalIntestino Cavidade amniótica Saco vitelino Ectoderma da superfície C) B) A) Camada do mesoderma visceral Cavidades intercelulares da placa lateral Aorta dorsal Figura 61 – Cortes que ilustram o desenvolvimento do folheto mesoderma Quando ocorrer o fechamento completo do sulco neural, estará constituído o tubo neural, momento no qual o processo de neurulação terá terminado. No final da quarta semana, há, aproximadamente, entre 26 e 29 pares de somitos. Na figura seguinte, é possível observar a morfologia do tubo neural e a presença de pares de somitos. No item B, é possível distinguir a região cefálica da caudal, além da identificação de cotos dos membros superiores e inferiores e da presença do primeiro e segundo arcos branquiais (faríngeos). Externamente, entre esses dois arcos, encontra-se o sulco branquial. 81 EMBRIOLOGIA A) B) Figura 62 – Fotografias de embriões humanos com 28 (A) e 32 (B) dias de desenvolvimento embrionário 6.4 Quinta semana do desenvolvimento embrionário A quinta semana é compreendida entre o 29º e o 35º dia de gestação. Os cotos (brotos) dos membros superiores são bem visíveis e são mais desenvolvidos quando comparados com os dos membros inferiores. Nesse período, ocorre oacentuado crescimento da cabeça (do sistema nervoso central), que excede o das outras regiões do embrião. O segundo arco branquial cresce em direção caudal, sobrepondo-se ao terceiro arco branquial, e os arcos caudais crescem em direção cranial. No final da quinta semana, os brotos dos membros superiores apresentam forma de remo, enquanto os inferiores apresentam forma de nadadeiras. O intestino primitivo (arquêntero), contendo a faringe primitiva e os intestinos anterior, médio e posterior, desenvolve-se. Por volta do 31º dia, um broto do intestino primitivo, formado a partir de endoderma, começa a originar os pulmões. Com 30 dias de vida, o embrião é dotado de 35 pares de somitos. O embrião de cinco semanas se encontra completamente implantado na mucosa uterina, dentro de um saco denominado de amniótico (âmnio) e localizado na cavidade coriônica – cavidade revestida internamente por mesoderma extraembrionário (daí a denominação de cavidade extraembrionária). 6.5 Sexta semana do desenvolvimento embrionário A sexta semana é compreendida entre o 36º e o 42º dia de gestação. Nesse período, ocorre a presença dos raios digitais nas placas das mãos e de saliência auricular ao redor do primeiro sulco branquial. O olho é bem visível e ainda ocupa posição lateral, e não frontal. Há um pronunciado desenvolvimento do tecido muscular, ou seja, dos músculos dos olhos, dos arcos branquiais/faríngeos e dos miótomos occipitais, cervicais e torácicos. Os miótomos, por sua vez, são formações derivadas das porções centrais dos somitos. Eles são responsáveis também por originar o dermátomo, localizado abaixo do ectoderma. O dermátomo formará a derme da pele e, mais internamente, o esclerótomo, que se relaciona com a gênese de peças cartilaginosas e ósseas. Portanto, cada somito originará três porções: uma externa (dermátomo), uma central (miótomo) e outra interna (esclerótomo). 82 Unidade II 6.6 Sétima semana do desenvolvimento embrionário A sétima semana é compreendida entre o 43º e o 49º dia de gestação. Nesse período, surgem as chanfraduras entre os raios digitais da mão – futuros dedos. A face ainda se encontra em desenvolvimento e ocorre a fusão, em primeiro lugar, do processo palatino primário ou mediano, resultando na formação da pré-maxila e, posteriormente, a fusão do processo palatino secundário ou lateral, que originará o palato anterior (duro), o posterior (mole) e a úvula. Há a presença do septo interventricular no coração, originando duas cavidades ventriculares que já apresentam espessuras de tecido muscular diferenciadas – a parede do ventrículo esquerdo (do miocárdio) é mais espessa. Ocorre também a presença de uma cauda curta. Por volta do 46º dia, as membranas fetais já apresentam uma relação com o útero bastante distinta, isto é, a placenta já se encontra formada, como também o cordão umbilical. 6.7 Oitava semana do desenvolvimento embrionário Período entre o 50º e 56º dia de gestação. Nessa etapa, surgem as chanfraduras nos pés, os dedos das mãos já estão separados e desaparece a cauda. Músculos voluntários (tecido muscular estriado esquelético) já realizam contrações por ação do sistema nervoso central. A osteogênese já é observada no fêmur e a cabeça do embrião é equivalente a 50% do comprimento sentado do embrião (comprimento ápico-caudal, medido do ápice da cabeça até a última vértebra do embrião). Observam-se, ainda, pescoço bem definido, pálpebras visíveis e genitália externa ainda em desenvolvimento, sem possibilidade segura de determinação do sexo. O embrião ainda não possui nem 3 cm de comprimento. Cérebro Olho Fígado Saco amniótico Cordão umbilical Saco cariônico Placenta Figura 63 – Embrião de dois meses 83 EMBRIOLOGIA Cordão umbilical Orelha Costela Baço Saco cariônico Saco amniótico Olho Saco vitelínico Figura 64 – Feto de três meses Saiba mais Para saber mais sobre esse assunto, leia as seguintes obras: SADLER, T. W. Langman: Fundamentos de embriologia Médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. MOORE, K. L.; PERSAUD, T. V. N.; TORCHIA, M. G. Embriologia clínica. 10. ed. São Paulo: Elsevier, 2016. 6.8 Malformações congênitas “Anomalias”, “defeitos” e “malformações” são termos usados para descrever distúrbios morfológicos do desenvolvimento e presentes ao nascimento; ou seja, observados no momento do nascimento (no neonato). No entanto, distúrbios fisiológicos raramente são observados no neonato. Os defeitos são classificados, clinicamente, em tipos distintos: malformação, rotura, deformação, displasia e associação. • Malformação é um defeito anatômico oriundo de organogênese imperfeita e com muitas causas conhecidas. Por exemplo: fenda labial unilateral ou bilateral. • Rotura constitui-se em uma alteração morfológica em um órgão já formado, que sofre alteração, causada por acidente vascular. • Deformações surgem por forças externas e constantes sobre o feto. Estas alteram, por exemplo, músculos e ossos (extremidades dos membros inferiores deformadas). Podem ser corrigidas na vida pós-natal. 84 Unidade II • Displasia é uma alteração estrutural que pode ser de um tecido ou de um órgão. Pode ocorrer hipoplasia e hiperplasia. • Associação promove o surgimento de duas ou mais anomalias, como observado em vértebras, no coração, na traqueia, no esôfago e nos membros. Devido ao avanço da ciência embriológica, é possível afirmar em que momento do desenvolvimento teve início tal distúrbio morfológico e, até mesmo, o fisiológico – qual a causa e qual patogenia irá causar. O termo “síndrome”, por sua vez, reúne um grupo de defeitos congênitos com causa única. Um exemplo clássico disso é a síndrome de Down (ou trissomia do 21). Já a teratologia indica um ramo da embriologia que estuda as causas, os mecanismos e os padrões de desenvolvimento anormal. O termo “teratos”, do grego, significa “monstro”, isto é, sem forma. É interessante ao estudante, que visa ao aprendizado embriológico, realizar o estudo sobre a história das malformações congênitas antes e depois do ano de 1940 (antes e depois do médico Norman Gregg, nascido em 1892 na Austrália) e, também, anteriormente ao ano de 1961 (quando Widukind Lenz, alemão nascido em 1919, descreveu a ação do fármaco talidomida), entre outros exemplos. O genótipo de um embrião pode ser mais ou menos suscetível a agentes teratogênicos, assim como o genótipo materno pode ser mais ou menos suscetível a agentes químicos e infecciosos (vírus e bactérias), entre outros, o que é relevante no caso do ser humano, já que um novo organismo é gerado no interior do organismo materno. Portanto, um agente teratogênico, um fármaco, irá causar anomalias dependendo do tempo de gestação, da dose do fármaco em questão e, como descrito, do genótipo do embrião/feto e da própria mãe. A maior porcentagem de anomalias congênitas ainda é de causa desconhecida, ocorrendo em valores próximos a 50% e 60%; fatores genéticos – associados a cromossomos e genes – ocupam o segundo lugar, com aproximadamente 30% de ocorrência; fatores ambientais, por sua vez, representam entre 7% e 10% de frequência das anomalias, enquanto a gemelação, por fim, ocorre em 1% dos casos. O período mais crítico, ou seja, o mais sensível aos distúrbios, tem início na terceira semana e estende-se até a oitava semana – portanto, no período embrionário de organogênese, principalmente. No período fetal, também podem ocorrer alguns tipos de distúrbios, mas acabam tendo, em geral, um impacto menor quando comparado ao período embrionário. As causas de anomalias (etiologia) podem ser assim classificadas: • Fatores biológicos gerais: idade materna, fatores anatômicos da gestante, características étnicas/sociais. • Fatores genéticos (gênicos): herança autossômica, sexual e indefinida. • Fatores cromossômicos: anormalidades estruturais nos cromossomos, além das numéricas, também acarretam anomalias (defeitos/malformações congênitas). Há vários tipos, entre elas a translocação, queé a transferência de um pedaço de um cromossomo para outro não 85 EMBRIOLOGIA homólogo; a deleção, que corresponde à perda de um pedaço de um determinado cromossomo; e a duplicação, que é o surgimento de um novo trecho de um cromossomo por replicação/ duplicação propriamente dita. • Fatores ambientais: físicos (radiações), químicos (fármacos, hormônios), biológicos (vírus, citomegalovírus, herpes, bactérias, protozoários) e nutricionais. Alguns genes mutantes são responsáveis por anomalias congênitas (8%), que são herdadas, caracterizadas pela perda ou alteração na função do gene. São exemplos desses casos a síndrome do X frágil e a acondroplasia. Muitos são os fármacos (agentes químicos) causadores de anomalias, dos quais são descritos aproximadamente vinte tipos diferentes. O álcool é um deles (causador de hipoplasia do maxilar, defeitos cardíacos e, até mesmo, de retardo mental, entre outros efeitos), assim como a talidomida (causadora de defeitos nos membros superiores e inferiores, como amelia, meromelia, micromelia e focomelia), a aminopterina (que causa anencefalia, hidrocefalia, fendas labiais e palatinas) e os antibióticos como tetraciclina (causadora de hipoplasia do esmalte dentário) e estreptomicina e di-hidroestreptomicina (que causa, principalmente, déficit auditivo e lesão do nervo vestíbulo coclear). As drogas ilícitas, como dietilamida do ácido lisérgico (LSD), maconha, cocaína, heroína e metadona também são relacionadas como causadoras de anomalias, além do mercúrio orgânico, doença de Minamata (que causa paralisia e retardo mental, além de cegueira), e do chumbo (causador de aborto, retardo no crescimento e distúrbios no sistema nervoso central). Os hormônios também são causadores de anomalias. Como exemplos, podem ser citadas as progestinas etisterona e noretisterona, que possuem atividade androgênica, masculinizando a vulva de fetos femininos; os estrogênios e progestogênios de pílulas anticoncepcionais, que apresentam baixo potencial teratogênico (a pílula deve ser evitada na gravidez); e os corticosteroides. Os agentes infecciosos conhecidos como teratógenos são muitos, entre os quais: rubéola congênita, citomegalovírus, vírus do herpes simples, varicela (catapora), vírus da imunodeficiência humana (HIV), toxoplasmose, sífilis congênita, entre outros. O vírus da rubéola, por sua vez, pode causar, conforme o período de sua ação, surdez e cegueira. Com o uso da vacina, esse problema foi sanado. Porém, gestantes não vacinadas, caso contraiam rubéola, correm o risco de terem filhos com anomalias associadas à ação desse vírus. O citomegalovírus é um agente infeccioso que pode ser fatal ao neonato. Algumas crianças perdem a audição e ficam com algum grau de retardamento mental e comprometimento visual, entre outras alterações. O protozoário Toxoplasma gondii, causador da toxoplasmose, promove processos de calcificações no sistema nervoso central, microcefalia e hidrocefalia, principalmente. O conhecimento de como essas malformações ocorrem, bem como suas causas, levam a uma expansão do conhecimento acerca da embriologia como um todo, facilitando a compreensão de alguns processos do desenvolvimento embrionário, bem como prevenindo que muitos desses problemas venham a ocorrer. 86 Unidade II 7 PERÍODO FETAL Apesar de não haver uma separação real entre período embrionário e fetal, uma vez que se trata de um processo contínuo, a mudança de denominação de embrião para feto tem um significado importante: com o fim da fase embrionária e início da fetal, o organismo em desenvolvimento passa a apresentar características mais humanas e já possui os primórdios dos principais órgãos formados, o que equivale, aproximadamente, ao primeiro trimestre gestacional. O segundo trimestre, por sua vez, corresponde a um período de crescimento do feto, em que é possível detalhar estruturas anatômicas e detectar possíveis anomalias por exame de ultrassonografia. No terceiro e último trimestre, o feto ganha peso e já é viável, ainda que fetos pesando pouco tenham uma menor viabilidade ao nascimento. A descrição do período fetal será realizada em meses e em semanas. Como já descrito, tal período tem início a partir da nona semana de gestação (ou 61º dia). Em relação à capacidade de sobrevivência dos fetos (ou viabilidade fetal), pode-se afirmar que, ocorrendo o nascimento (em caso de parto prematuro) com peso fetal menor que 500 gramas, a sua sobrevivência no meio extrauterino é bastante difícil, sendo completamente dependente da estrutura hospitalar disponível e da capacitação da equipe médica envolvida. Quando o peso estiver acima de 500 gramas, o feto pode ser viável, ainda que terá que contar com o uso de protocolo altamente sofisticado, uma vez que se trata de um bebê prematuro. Finalmente, se o peso do neonato estiver compreendido entre 1.500 e 2.500 gramas, este é considerado viável, com boas chances de sobreviver fora do útero da mãe. CR 5 cm CR 28 cm A) 9 semanas D) 28 semanas B) 12 semanas E) 36 semanas C) 20 semanas CR 8,5 cm CR 36 cm CR 19 cm Figura 65 – Desenho esquemático do crescimento fetal nos diferentes períodos de gestação 87 EMBRIOLOGIA Nesse contexto, há diversos fatores que podem influenciar o crescimento e o desenvolvimento do feto nesse período. Caso não ocorram atividades placentárias normais – como no caso de nutrição, trocas metabólicas e fluxo sanguíneo inapropriados, assim como no caso de algumas doenças maternas (hipotensão, doença renal) – o crescimento fetal poderá ser prejudicado. Gestantes tabagistas podem acarretar ao seu feto redução no crescimento intrauterino. A diabetes fisiológica na gestação (caso em que a gestante apresenta alta taxa de glicose circulante), por sua vez, ocasiona fetos maiores e com peso acima da média. A gestação múltipla (gemelação) promove, geralmente, fetos menores, como será discutido mais à frente. A seguir, serão apresentadas as principais características observadas do terceiro ao nono mês de gestação, destacando-se a partir de qual período o feto já é viável ao nascimento, ou seja, capaz de sobreviver fora do ambiente intrauterino. 7.1 Terceiro mês de gestação Período compreendido entre a nona e a 12ª semana de gestação. Morfologicamente, o feto já é um ser humano reconhecível, que possui todos os órgãos (ou seus primórdios) constituintes dos sistemas já formados (pela organogênese que ocorreu no período embrionário). Os processos de crescimento e de diferenciação celular nos tecidos continuam ocorrendo, principalmente por mecanismos de indução e pela ação de vários fatores reguladores. 3816129 Figura 66 – Relação proporcional do tamanho da cabeça com o restante do corpo nos diferentes períodos fetais Com 12 semanas, a cabeça é equivalente a 25% (1/4) do comprimento do corpo e, no início do período (9 semanas), esse tamanho era de aproximadamente 50%. Portanto, conclui-se que da nona até a 12ª semana ocorre um expressivo crescimento do tronco do feto em relação a sua cabeça. O ganho de peso, por sua vez, ocorrerá nas últimas semanas do período fetal. O feto de três meses apresenta a face larga, com olhos bem separados, pálpebras fundidas e centros de ossificações primárias no crânio e nos ossos longos dos membros. 88 Unidade II 7.2 Quarto mês de gestação Período compreendido entre a 13ª e a 16ª semana de gestação e marcado por expressivo crescimento fetal, principalmente dos membros inferiores (figura seguinte). O crescimento fetal é muito rápido, cerca de 1,5 mm por dia, tornando o alongamento do tronco do feto ainda mais evidente. O comprimento ápico-calcâneo (comprimento em pé) é de cerca de 23 cm na metade da gestação (4,5 meses). A partir dessa data, o crescimento se dá na ordem de 5 cm por mês. Assim sendo, um feto com 5,5 meses terá um comprimento aproximado de 28 cm; com 6,5 meses, seu comprimento será por volta de 33 cm. Por volta da 14ª semana, há movimentação lenta dos olhos e os movimentos dos membros tornam-se coordenados,mas ainda não são perceptíveis pela mãe (mas são visíveis por exame de ultrassom). O processo de ossificação do esqueleto é ativo. Já é possível encontrar, nos ovários, folículos ovarianos primordiais contendo ovogônias. Na 14ª semana, a observação da genitália externa permite a identificação do sexo do feto. A morfologia humana, por sua vez, fica mais acentuada pela nova posição ocupada pelos olhos, centralmente à face, e pela topologia definitiva das orelhas. Saco cariônico Pálpebra Orelha Saco amniótico Cordão umbilical Figura 67 – Feto com quatro meses de gestação 7.3 Quinto mês de gestação Período compreendido entre a 17ª e a 20ª semana de gestação, no qual o crescimento fetal desacelera, ainda que o feto continue crescendo. O peso do feto ainda não atingiu 500 gramas, sendo inviável ao nascimento nesse momento. Há presença de gordura marrom (envolvida com a produção de calor e altamente reduzida no indivíduo adulto) na base do pescoço e, também, na área perirrenal. As glândulas sebáceas produzem uma secreção protetora para a pele denominada de verniz-caseosa, enquanto os folículos pilosos são denominados de lanugo, o qual ajuda fixar o verniz à pele (figura seguinte). Segundo alguns embriologistas, os testículos iniciam sua migração para a região do escroto. 89 EMBRIOLOGIA A) B) Figura 68 – Feto de 17 semanas de gestação 7.4 Sexto mês de gestação Período compreendido entre a 21ª e a 25ª semana de gestação. Nessa etapa, ocorre aumento da massa corpórea (aumento de peso) devido à maior presença de tecido adiposo. A pele se apresenta enrugada e translúcida. Unhas estão presentes na 24ª semana e os olhos já apresentam movimentos. No pulmão, as células denominadas de pneumócitos II iniciam a produção de um fosfolipídio denominado de surfactante. Como a quantidade de tecido adiposo ainda é pequena, alguns prematuros nascidos com seis meses de gestação podem correr risco de vida devido ao choque térmico. Além disso, seu sistema respiratório ainda é imaturo, fatores que comprometem a viabilidade dos prematuros nascidos nesse período, os quais dependerão de cuidados intensivos e especializados (figura a seguir). Na 25ª semana, é possível observar os olhos bem abertos do feto. Há períodos em que permanece acordado e outros em que passa dormindo. O tecido adiposo aumenta ainda mais, proporcionando ao feto tanto proteção quanto uma aparência mais bonita (menos enrugada). Figura 69 – Recém-nascido prematuro com 25 semanas de gestação 90 Unidade II 7.5 Sétimo mês de gestação Período compreendido entre a 26ª e a 29ª semana de gestação. Nesse estágio, têm início os últimos três meses do desenvolvimento fetal. No trimestre final da gestação, a mãe irá transferir anticorpos (IgG), através da membrana placentária, imunizando o feto de forma passiva, transferência esta que continua no período de aleitamento pelos anticorpos presentes no leite materno (do tipo IgA). Só a partir do sétimo mês de vida pós-natal é que o feto inicia a sua produção própria de fatores imunológicos. No período fetal, o fígado realiza também funções de eritropoiese, isto é, produz glóbulos vermelhos (hemácias) até a 28ª semana, momento a partir do qual tal função é assumida pela medula óssea. Essa função hepática é a responsável pela icterícia fisiológica geralmente observada no recém-nascido. Por outro lado, caso disfunções hepáticas ocorram, por exemplo, tal função persistirá por mais algumas semanas. A taxa de bilirrubina, então, aumentará consideravelmente, podendo promover certos distúrbios, como a redução da capacidade auditiva (graus de surdez). 7.6 Oitavo mês de gestação Período compreendido entre a 30ª e a 34ª semana de gestação. Nessa fase do desenvolvimento, a pele torna-se mais lisa. O tecido adiposo teve maior desenvolvimento e, devido à imunização pela mãe, o feto possui maior capacidade imunológica. Alguns prematuros de oito meses (30%) podem apresentar, ao nascimento, a criptorquidia (testículos inclusos na região inguinal, ou seja, que não desceram para a bolsa escrotal), podendo ser uni ou bilateral. Cirurgias podem corrigir tal falha no desenvolvimento. 7.7 Nono mês de gestação Período compreendido entre a 35ª e a 38ª semana de gestação. Os fetos com 35 semanas de desenvolvimento intrauterino seguram-se firmemente e orientam-se espontaneamente em relação à luz. Nesse último mês, o tecido adiposo realizou novos desenvolvimentos. O diâmetro da cabeça do feto e do seu abdômen são bem semelhantes na 36ª semana. Tamanhos do pé e do fêmur são utilizados na 37ª semana para confirmação do desenvolvimento ou do tempo de gestação. O feto é portador de todos os reflexos. A prova dessa afirmação é o caso de gestantes que fizeram uso de drogas durante a gestação e seus fetos tornaram-se dependentes das drogas utilizadas, como nicotina e outros psicotrópicos. Fetos apresentam, em média, 360 mm (36 cm) de comprimento sentado (ápico-caudal) e bem próximo dos 500 mm (50 cm) de comprimento em pé (ápico-calcâneo). Em média, o ganho de massa nas últimas duas semanas é de 14 gramas/dia, com uma média de 3.400 gramas ao nascimento (fetos do sexo masculino são geralmente maiores e mais pesados). 7.8 Fatores que influenciam o crescimento fetal Para que ocorra um desenvolvimento fetal bem-sucedido, é necessária a combinação de diversos fatores, uma vez que o feto depende de suas características genéticas, do ambiente materno, do qual obtém nutrição, e do ambiente como um todo, no qual está inserido. Assim sendo, fatores fetais, maternos e ambientais vão influenciar no crescimento fetal, podendo levar a um retardo neste caso 91 EMBRIOLOGIA estejam disfuncionais. Além disso, alguns desses fatores podem persistir por toda a gestação e causar restrição de crescimento intrauterino (RCIU) e outros podem agir mais restritamente no último trimestre, caso em que o neonato geralmente apresenta baixo peso ao nascimento (mas conservam normais as dimensões do corpo). Observação Restrição de crescimento intrauterino (RCIU), que provoca redução do padrão de crescimento esperado, pode ser causada por fatores maternos, fetais e ambientas, podendo também comprometer a viabilidade fetal. Dentre os fatores bem estudados e compreendidos que influenciam o crescimento fetal (figura seguinte), pode-se listar: tabagismo, álcool e drogas ilícitas, gestação de múltiplos, fluxo uteroplacentário reduzido ou deficiente, má-nutrição materna e fatores genéticos. Média Tabagismo Má-nutrição Gêmeos 3.500 3.000 2.500 2.000 1.500 1.000 383430 Semanas após a fecundação Pe so e m g ra m as 26 Figura 70 – Gráfico da taxa de crescimento fetal durante o terceiro trimestre de gestação O tabagismo pode ser causa de baixo peso ao nascimento, menor crescimento e morbidade perinatal aumentada. Os efeitos do tabagismo são ainda maiores em mães que sofrem de desnutrição. O consumo de álcool durante a gestação é responsável pela síndrome alcoólica fetal (SAF – microcefalia, fissuras palpebrais curtas, hipoplasia do maxilar, sulcos palmares anormais, doença cardíaca congênita, defeitos articulares, entre outros defeitos específicos) e, assim como o consumo de drogas ilícitas, acarreta RCIU. No caso de gestações múltiplas, geralmente os neonatos apresentam peso menor quando comparados a bebês de gestação única, uma vez que a necessidade por nutrientes dos fetos pode estar acima do que é efetivamente suprido pela placenta. Outro fator associado à placenta, que também pode gerar RCIU, é o comprometimento da circulação uteroplacentária, que pode ocorrer por hipotensão 92 Unidade II materna grave, por exemplo. Como resultado disso, o feto pode sofrer de inanição, comprometendo seu crescimento e desenvolvimento. Por fim, algumas condições inerentes ao feto também podem conduzir a um caso de RCIU, como as aberrações cromossômicas (fatores genéticos). Um exemplo bastante estudado é o da síndrome de Down, em que os neonatos apresentam restrição do crescimento intrauterino.7.9 Avaliação fetal: técnicas e procedimentos Muitos são os procedimentos atualmente utilizados na avaliação do estado fetal, seja como exame de rotina, para acompanhamento do crescimento e desenvolvimento fetal, seja para o diagnóstico de anomalias do desenvolvimento. A ultrassonografia, pela sua disponibilidade, baixo custo e segurança (não interfere no desenvolvimento do embrião/feto com base no que é sabido atualmente), é a principal opção para monitoramento do estado fetal. Características do feto e da placenta são avaliadas e, assim, a gestação é acompanhada de forma contínua e não invasiva. No entanto, apesar do ultrassom ser uma técnica de ampla utilização e de primeira escolha da obstetrícia, para alguns diagnósticos mais específicos outras técnicas são indicadas. Como exemplos, pode-se citar a amniocentese diagnóstica (figure a seguir), a amostragem de vilosidade coriônica e imagens obtidas por ressonância magnética (figura 72). Vilosidade coriônica A) B) Bexiga Espéculo Bexiga Vagina Transdutor de ultrassom Transdutor de ultrassom Cateter para vilosidade coriônica Placenta Parede uterina Cavidade amniótica Seringa Figura 71 – Procedimento ilustrativo de amniocentese A coleta de material do embrião para posterior análise pode ser realizada pelos procedimentos de amniocentese diagnóstica e amostragem de vilosidade coriônica, ambas invasivas. No caso da amniocentese diagnóstica, o material coletado é o líquido amniótico (aproximadamente 20 mL), o que pode ser feito pela inserção de uma agulha através da parede abdominal materna, ultrapassando o córion e o âmnio, até alcançar a cavidade amniótica. É indicada, principalmente, em casos de suspeita de anomalias genéticas e deve ser realizada entre a 15ª e 18ª semana do desenvolvimento, com baixo risco ao feto. Já a obtenção de amostras de vilosidade coriônica (CVC), que se trata 93 EMBRIOLOGIA de uma biópsia de material trofoblástico, possibilita a avaliação das características cromossômicas mais precocemente que o procedimento de amniocentese (entre a 10ª e a 12ª semana de gestação). No entanto, a CVC apresenta um risco maior (por volta de 1%) de perda fetal em comparação à amniocentese diagnóstica. A) B) Figura 72 – Imagem de (A) um feto com 17 semanas e (B) de ressonância magnética de um feto com 18 semanas Caso alguma malformação seja detectada pelo exame de ultrassom, maiores detalhes podem ser obtidos por ressonância magnética, cujas imagens possuem alta resolução, auxiliando no monitoramento fetal quando indicada (item B da figura anterior). 8 ANEXOS EMBRIONÁRIOS Os anexos embrionários, bem como a placenta, estão em contato com o feto, separando-o da região endometrial. São estruturas derivadas do ovo ou zigoto e que se encontram ligadas a um elemento principal (embrião/feto), como um acessório fundamental na manutenção do novo ser em desenvolvimento. Essas estruturas estão presentes em animais, e temos como exemplo o ser humano. Por definição, constituem-se em conjuntos de membranas e não originam nenhuma estrutura (tecido ou órgão) embrionária. Dessa forma, são funções gerais dos anexos embrionários: proteção, nutrição, manutenção e auxílio no desenvolvimento do embrião. Neste tópico, serão abordados os seguintes anexos embrionários: vesícula umbilical (ou saco vitelínico), alantoide, âmnio, córion, cordão umbilical e placenta. Os peixes e os anfíbios são denominados organismos anamniotas e analantoidianos, pois não apresentam os anexos embrionários âmnio e alantoide. Já os répteis, aves e mamíferos são amniotas e alantoidianos, uma vez que contam com esses anexos embrionários. Na espécie humana, os anexos embrionários proporcionam meios adequados para o desenvolvimento embrionário e fetal, realizando proteção contra dessecação e contra danos causados por movimentações e por ação de influências externas. No ser humano, após aproximadamente 21 dias, ficam estabelecidas as estruturas anatômicas para as trocas entre mãe e embrião/feto. Com 28 dias, as trocas materno-embrionárias já se encontram bem desenvolvidas. 94 Unidade II Alantoide (atrofiado) Vesículas coriônicas Tuba uterina Cordão umbilical Líquido amniótico Útero Âmnio (proteção mecânica) Colo do útero Córion Saco vitelínico (atrofiado) Placenta (troca de substâncias) Endométrio Figura 73 – Anexos embrionários na espécie humana O quadro a seguir resume a ocorrência dos anexos embrionários (AE) nos diferentes cordados. Quadro 1 – Anexos embrionários nas diferentes espécies Anexos embrionários (AE) Peixes Anfíbios Répteis Aves Mamíferos Saco vitelínico X X X X X Alantoide X X X Âmnio X X X Córion X Cordão umbilical X Placenta X Decídua basal Córion viloso Placenta Saco vitelínico Cavidade do útero Âmnio Saco coriônico (córion liso) Decídua parietal Decídua capsular em degeneração Membrana amniocoriônica Tampão de muco Tampão de muco Figura 74 – Esquema do embrião/feto humano com seus anexos embrionários 95 EMBRIOLOGIA Uma vez que cada anexo embrionário desempenha uma função específica na manutenção do embrião/feto, essas estruturas serão discutidas com mais detalhes a seguir. 8.1 Saco vitelino (vesícula umbilical) O saco vitelino (ou vitelínico), também identificado como vesícula umbilical, é uma cavidade em forma de bolsa, a qual poderá conter vitelo (substância de reserva nutricional) e é observada nos estágios iniciais de desenvolvimento de todos os vertebrados. Como exceção a essa regra, algumas espécies de peixe e de anfíbio não apresentam esse anexo embrionário, pois o vitelo, no embrião desses animais, não fica delimitado por uma membrana saculiforme de origem endodérmica, mas sim dentro de células endodérmicas volumosas. Nos animais que são vivíparos, o saco vitelino atrofia-se progressivamente. Em mamíferos, o saco vitelino tem função mais secundária, uma vez que a nutrição do embrião/feto é assumida pela placenta. Já nos animais que não são vivíparos, esse anexo é amplo e persiste por todo o período de embriogênese. É considerado o primeiro anexo embrionário que surgiu no processo da evolução das espécies. Ele também ocorre em certos animais invertebrados e sua função está sempre ligada à nutrição do embrião. Nos mamíferos, as funções do saco vitelino são: realizar transferência do pouco vitelo existente no ovo oligolécito, produzir elementos sanguíneos no início da gestação, formar as células germinativas primordiais a partir de seu endoderma e, ainda, incorporar-se no embrião para construir o tubo digestório (na etapa de dobramento do embrião). 8.2 Alantoide O alantoide é uma estrutura membranosa, saculiforme, presente nos embriões de répteis, aves e mamíferos – portanto, esses são organismos alantoidianos. Nos mamíferos, é pouco desenvolvido e regride ao longo do processo do desenvolvimento, até desaparecer por completo (na época do nascimento). Além disso, orienta a formação dos vasos sanguíneos do cordão umbilical, o que na espécie humana ocorre por volta da quarta ou quinta semana do desenvolvimento embrionário. Nos animais ovíparos, desenvolve-se bastante, apresentando-se como um saco que acumula ácido úrico, principal produto de excretas nitrogenados nos répteis e aves – portanto, tem função excretora, acumulando os catabólitos. Esse anexo também exerce nos vertebrados função respiratória, pois conduz o oxigênio desde a casca até o embrião. Através do alantoide, certas quantidades de cálcio são retiradas da casca do ovo e transportadas até o embrião, sendo utilizadas na formação dos ossos pelos processos de osteogênese endocondral e intramembranosa. Sua origem se dá a partir dos folhetos endodérmico e mesodérmico. Animais que não possuem o alantoide são conhecidos por analantoidianos (peixes e anfíbios são também anamniotas). Já nos mamíferos, o alantoide é pouco desenvolvido e suas funções são: formação de elementos sanguíneos no início da gestação, formação dos vasos umbilicais por volta da quarta ou quinta
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