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Autora: Profa. Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão Colaboradores: Prof. Flávio Buratti Gonçalves Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano Embriologia e Reprodução Humana Professora conteudista: Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão Graduada em 2002 pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em Ciências Biológicas – Modalidade Médica. Durante a graduação, desenvolveu projeto de iniciação científica (Pibic) em Embriologia Renal. Mestre (2005) e doutora (2009) em Ciências, com ênfase em Farmacologia, pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e licenciada em Química pelas Faculdades Oswaldo Cruz (2011). É professora titular da UNIP desde 2010, onde leciona disciplinas como Análise Físico-Química, Embriologia e Farmacologia para os cursos de Biomedicina, Enfermagem e Nutrição. Também ministrou a disciplina de Farmacologia para o curso de Medicina do Centro Universitário São Camilo (2010-2011). É coordenadora auxiliar do curso de Biomedicina da UNIP, campus Chácara Santo Antônio, desde 2011. Na mesma instituição, foi membro do Comitê de Ética no período de 2011 a 2017 e, desde 2012, atua na Comissão de Qualificação das Avaliações (CQA). © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) P314e Patrão, Marília Tavares Coutinho da Costa. Embriologia e Reprodução Humana / Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão. - São Paulo: Editora Sol, 2020. 136 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Embriologia. 2. Infertilidade. 3. Reprodução humana. I. Título. CDU 611.013 U505.44 – 20 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Vitor Andrade Elaine Pires Sumário Embriologia e Reprodução Humana APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 FISIOLOGIA DO SISTEMA REPRODUTOR MASCULINO ...................................................................... 11 1.1 Órgãos e funções do sistema reprodutor masculino ............................................................. 11 1.2 Espermatogênese ................................................................................................................................. 13 1.2.1 Espermatocitogênese e espermatidogênese ............................................................................... 15 1.2.2 Espermiogênese ....................................................................................................................................... 17 1.3 Maturação do espermatozoide no epidídimo .......................................................................... 19 1.4 Ejaculação ............................................................................................................................................... 20 1.4.1 Emissão ....................................................................................................................................................... 20 1.4.2 Expulsão ...................................................................................................................................................... 21 1.5 Hormônios masculinos e o controle da fertilidade ................................................................ 21 2 FISIOLOGIA DO SISTEMA REPRODUTOR FEMININO........................................................................... 24 2.1 Órgãos e funções do sistema reprodutor feminino ............................................................... 24 2.2 Ovogênese ............................................................................................................................................... 25 2.3 Foliculogênese ....................................................................................................................................... 29 2.4 Ciclo sexual feminino: ciclo ovariano e menstrual ................................................................ 32 2.4.1 Fase folicular: a primeira fase do ciclo sexual ............................................................................ 33 2.4.2 Ovulação ..................................................................................................................................................... 34 2.4.3 Fase lútea: a segunda fase do ciclo sexual ................................................................................... 34 2.5 Métodos de contracepção ................................................................................................................ 35 2.5.1 Métodos de barreira............................................................................................................................... 36 2.5.2 Métodos hormonais ............................................................................................................................... 36 3 EMBRIOLOGIA: FECUNDAÇÃO, PERÍODO PRÉ-EMBRIONÁRIO E PERÍODO EMBRIONÁRIO .................................................................................................................................. 37 3.1 Transporte dos espermatozoides no trato reprodutor feminino e fecundação ............................................................................................................................. 37 3.2 Primeira semana do desenvolvimento embrionário .............................................................. 40 3.3 Segunda semana do desenvolvimento embrionário ............................................................. 43 3.3.1 Implantação do embrião ...................................................................................................................... 44 3.3.2 Modificações no embrioblasto .......................................................................................................... 46 3.3.3 Final da segunda semana do desenvolvimento embrionário ............................................... 47 3.4 Terceira semana do desenvolvimento embrionário................................................................ 49 3.4.1 Surgimento da linha primitiva e gastrulação ............................................................................. 49 3.4.2 Formação da notocorda, dos somitos e do tubo neural ......................................................... 50 3.4.3 Desenvolvimento do sistema circulatório primitivo ................................................................ 52 3.5 Quarta a oitava semana de desenvolvimento embrionário: aspectos internos e externos do embrião .......................................................................................... 53 3.5.1 Dobramento do embrião...................................................................................................................... 54 3.5.2 Organogênese ..........................................................................................................................................55 3.6 Período crítico do desenvolvimento embrionário: ação de agentes teratogênicos e alterações congênitas ............................................................. 57 4 PERÍODO FETAL E PLACENTAÇÃO .............................................................................................................. 59 4.1 Principais acontecimentos do período fetal ............................................................................. 59 4.2 Placentação ............................................................................................................................................ 62 4.3 Fatores que influenciam o crescimento e o desenvolvimento fetal ................................ 65 4.4 Exames pré-natais de rotina ............................................................................................................ 67 4.4.1 Hemograma............................................................................................................................................... 67 4.4.2 Exames sorológicos e rastreio de infecções ................................................................................. 67 4.4.3 Teste de Coombs direto e indireto ................................................................................................... 68 4.4.4 Pesquisa de malformações congênitas e de doenças genéticas ......................................... 69 Unidade II 5 INFERTILIDADE MASCULINA ....................................................................................................................... 74 5.1 Principais causas da infertilidade masculina ............................................................................ 75 5.2 Diagnóstico da infertilidade masculina ...................................................................................... 80 6 INFERTILIDADE FEMININA............................................................................................................................ 84 6.1 Principais causas da infertilidade feminina ............................................................................... 84 6.2 Diagnóstico da infertilidade feminina ......................................................................................... 88 7 TRATAMENTO DA INFERTILIDADE ............................................................................................................. 92 7.1 Tratamento farmacológico ............................................................................................................... 92 7.1.1 Tratamento farmacológico da infertilidade masculina ........................................................... 92 7.1.2 Tratamento farmacológico da infertilidade feminina ............................................................. 93 7.2 Técnicas cirúrgicas ............................................................................................................................... 94 7.3 Técnicas de reprodução humana assistida ................................................................................. 95 7.3.1 Relação programada.............................................................................................................................. 96 7.3.2 Inseminação intrauterina .................................................................................................................... 97 7.3.3 Fertilização in vitro ............................................................................................................................... 98 7.3.4 Injeção intracitoplasmática de espermatozoides ....................................................................102 7.4 Criopreservação de gametas e de embriões ............................................................................104 7.5 Doação de gametas ...........................................................................................................................105 7.6 Diagnóstico genético pré-implantacional ...............................................................................106 7.7 Atuação do biomédico na área de reprodução assistida ...................................................107 8 ASPECTOS ÉTICOS DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA ........................................................108 8.1 Doação de gametas ...........................................................................................................................109 8.2 Pacientes de reprodução assistida ...............................................................................................110 8.3 Cessão temporária do útero ..........................................................................................................112 8.4 Diagnóstico genético pré-implantacional ...............................................................................114 8.5 Criopreservação de gametas embriões ......................................................................................116 8.6 Manipulação e uso de células-tronco embrionárias ...........................................................117 9 APRESENTAÇÃO Esta disciplina engloba o estudo dos principais aspectos relacionados à fertilidade e ao desenvolvimento do embrião. Explicaremos como ocorre a formação dos gametas masculino e feminino (gametogênese), sua união (fecundação) e o subsequente desenvolvimento do embrião e do feto. A seguir, discutiremos como é realizada avaliação da infertilidade e as características das diferentes técnicas de reprodução assistida. É esperado que o aluno, ao final dos estudos, esteja apto a reconhecer os principais aspectos do desenvolvimento embrionário e da reprodução humana, indispensáveis tanto para o entendimento básico de outras disciplinas quanto para o exercício profissional na área da reprodução assistida. INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, os casos de infertilidade vêm aumentando significativamente e, na atualidade, essa condição atinge cerca de 30% dos casais em idade fértil (FARIA; GRIECO, 2012). As causas de infertilidade são multifatoriais: podem estar relacionadas com anormalidades na anatomia e na regulação hormonal do trato reprodutor, com alterações na produção de gametas ou até mesmo com a inviabilidade dos embriões gerados. Portanto, o estudo da infertilidade é multidisciplinar e engloba o conhecimento da fisiologia do sistema reprodutor masculino e feminino, o estudo dos aspectos celulares e moleculares envolvidos na gametogênese e a avaliação de todos os eventos que, quando finamente orquestrados, culminam na fertilização do gameta feminino e no subsequente desenvolvimento de um novo ser. Além disso, é importante conhecer as tecnologias utilizadas no diagnóstico da infertilidade, que abrangem desde simples dosagens hormonais até estudos moleculares mais complexos. O tratamento da fertilidade, baseado principalmente nas técnicas de reprodução assistida, também vem evoluindo desde meados do século passado, a partir da aplicação de diferentes protocolos que visam ao aumento do número de gestações bem-sucedidas. Muitas vezes, a geração de embriões inviáveis constitui a causa da infertilidade. Conhecer os aspectos do desenvolvimento do embrião e do feto, e como este é afetado por fatores genéticos e ambientais, é essencial para que possamos, no futuro, controlar essas variáveis. O estudo do desenvolvimento embrionário também é vital. Ao conhecer a origem de cada órgão, somos capazes de entender melhor vários aspectos da anatomia, da fisiologia e da patologia dos sistemas. Um exemplo de aplicação desses conhecimentos é o grande número de pesquisas, na atualidade, que objetivam o uso de células-tronco embrionárias no tratamento de diversas doenças. Inicialmente, serão examinados os principais aspectos da reprodução humana e do desenvolvimento embrionário e fetal e, depois, as causas, o diagnóstico e o tratamento da infertilidade. 11 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA Unidade I 1 FISIOLOGIA DO SISTEMA REPRODUTOR MASCULINO 1.1 Órgãos e funções do sistema reprodutormasculino O trato reprodutor masculino tem como funções a produção de testosterona (hormônio masculino) e também a produção, maturação e transporte dos espermatozoides. É constituído por um par de testículos, localizados no escroto; pela próstata, vesículas seminais e glândulas bulbouretrais, situados no interior da pelve; e pelo pênis, de localização externa (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2004; HALL; GUYTON, 2017). Além dos órgãos citados, há um sistema de ductos e canais responsável pelo transporte do espermatozoide dos testículos para o pênis no momento da ejaculação. Esse sistema inclui a rede testicular, os dúctulos eferentes, o epidídimo, os ductos deferentes e a uretra. Esta última estrutura também faz parte do sistema urinário (figura a seguir). Bexiga Osso púbico Pênis Corpo cavernoso Glande Prepúcio Orifício da uretra Cólon sigmoide Reto Vesícula seminal Ducto ejaculatório Próstata Ânus Ducto deferente Epidídimo Testículo Escroto Glândula bulbouretral Figura 1 – Representação esquemática do trato reprodutor masculino e localização dos órgãos em relação à bexiga urinária Esses órgãos exercem um papel importante na manutenção das características masculinas e na reprodução. Acentuam-se, a seguir, as principais funções de cada um deles: • Testículos: localizados no escroto, apresentam forma ovoide e são constituídos de túbulos seminíferos envolvidos por estroma. Externamente revestidos por uma cápsula de tecido conjuntivo, denominada túnica albugínea, os testículos são responsáveis pela produção de espermatozoides e pela produção de testosterona. 12 Unidade I Observação O escroto garante que a temperatura dos testículos seja até 2 ºC menor do que a temperatura corporal, o que é essencial para a produção de espermatozoides. • Dúctulos eferentes: são túbulos que conectam a rede testicular (resultado da anastomose dos túbulos seminíferos) ao epidídimo. Nos dúctulos eferentes, ocorre a concentração do fluido testicular a partir da reabsorção de água. • Epidídimo: é um órgão constituído de um túbulo único, altamente enovelado, que conecta os dúctulos eferentes ao ducto deferente. Está localizado no escroto e, na espécie humana, apresenta comprimento médio de 8 metros. É responsável pela maturação dos espermatozoides, processo que inclui a aquisição da motilidade e da fertilidade pelo gameta. • Ductos deferentes: são ductos de 30 a 40 cm que saem do escroto em direção à pelve. São responsáveis pela propulsão dos espermatozoides durante a ejaculação, que ocorre a partir da contração da musculatura lisa que envolve os ductos. Observação A vasectomia, processo de esterilização realizado em homens, é feita a partir da excisão dos ductos deferentes, o que impede que os espermatozoides continuem seu percurso em direção à uretra. • Vesículas seminais: produzem o líquido seminal, líquido viscoso e alcalino responsável por nutrir e facilitar a motilidade dos espermatozoides graças à frutose presente em sua constituição. O líquido seminal constitui aproximadamente 60% do sêmen. • Próstata: produz o fluido seminal, que constitui cerca de 30% do sêmen e, devido ao seu pH alcalino, é responsável por diminuir a acidez vaginal, aumentar o tempo de vida dos espermatozoides e manter sua motilidade. Além disso, a secreção prostática mantém a fluidez do sêmen e nutre os espermatozoides. • Glândulas bulbouretrais: localizadas abaixo da próstata, produzem o fluido pré-ejaculatório, líquido viscoso que lubrifica o pênis e limpa a uretra, evitando a contaminação do sêmen. O fluido pré-ejaculatório constitui cerca de 5% do sêmen. • Uretra: inicia-se na próstata, a partir da junção dos dois ductos deferentes, e continua em direção ao pênis. É responsável pelo transporte dos espermatozoides até o meio externo, na ejaculação. A uretra também participa da micção. 13 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA • Pênis: de formato cilíndrico e constituído de dois corpos cavernosos e de um corpo esponjoso, que se enchem de sangue durante a excitação sexual, é responsável pela transmissão do espermatozoide à fêmea. Saiba mais A fisiologia e a regulação do trato reprodutor masculino podem ser exploradas em: RIZZO, D. C. Fundamentos de anatomia e fisiologia. São Paulo: Cengage Learning, 2012. 1.2 Espermatogênese É a produção dos espermatozoides a partir das células germinativas masculinas. Esse processo é iniciado na puberdade, durante a qual ocorre aumento da produção de testosterona, hormônio relacionado não só à espermatogênese, mas também a vários outros aspectos do desenvolvimento sexual. Os testículos contêm uma série de estruturas denominadas túbulos seminíferos, que apresentam diversos tipos celulares: espermatogônias, espermatócitos, espermátides, espermatozoides e células de Sertoli. As espermatogônias estão na base dos túbulos seminíferos, em contato com a lâmina basal. Ao sofrer meiose, essas células diploides têm seu material genético diminuído pela metade, originando os espermatozoides haploides. O processo da meiose ocorre em diversas etapas, durante as quais são geradas células intermediárias – os espermatócitos e as espermátides. À medida que são formadas, as células da linhagem germinativa nascente se encaminham para a luz dos túbulos seminíferos, onde irão compor o fluido seminal. As células de Sertoli são as responsáveis pelo controle e pela proteção das células da linhagem germinativa. Nas próximas duas figuras, é possível observar que as células de Sertoli são responsáveis por envolver essas células e, assim, promover uma barreira contra o meio externo (barreira hemato-testicular). A barreira hemato-testicular refere-se às junções ocludentes que conectam duas células de Sertoli adjacentes. As espermatogônias encontram-se em um compartimento basal situado abaixo da barreira e, por esse motivo, têm livre acesso aos componentes do sangue. As células das etapas mais avançadas da linhagem espermatogênica, por outro lado, permanecem no compartimento adluminal, acima das junções ocludentes, e não têm acesso aos componentes do sangue, o que confere proteção a elas. 14 Unidade I Danos na barreira hemato-testicular, causados, por exemplo, por traumas ou cirurgias, podem danificar a barreira hemato-testicular. Ao entrar em contato com a circulação sanguínea, há o desencadeamento de uma resposta autoimune, marcada pela ligação de anticorpos antiespermatozoides à superfície dessas células. Como resultado, pode haver diminuição da capacidade de fertilização. Por esse motivo, um dos exames realizados durante a investigação das causas da infertilidade masculina é a avaliação da presença de anticorpos antiespermatozoides no plasma (CUI et al., 2015, p. 29-36). A) B) Túbulos seminíferos Célula mioide Espermatogônias Espermatócitos AlbugíneaCélulas de Sertoli Figura 2 – Características histológicas do testículo. Corte de testículo observado no menor aumento, evidenciando os túbulos seminíferos e o estroma ou interstício (setas) (A). Secção de túbulo seminífero, evidenciando os principais tipos celulares (B). As setas indicam o citoplasma das células de Sertoli Pontes citoplasmáticas Célula de Sertoli Célula de Sertoli CapilarCapilar Espermátides iniciais Espermatócitos secundários Espermatócitos primários Espermatogônias Células intersticiais Fibroblasto Lâmina basal Meiose Espermiogênese inicial Espermiogênese avançada Figura 3 – Representação esquemática de uma secção do túbulo seminífero e suas principais estruturas 15 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA O zigoto, estrutura gerada no momento da fecundação, herda metade de seu material genético da mãe e metade do pai. Portanto, as espermatogônias, assim como as ovogônias (células precursoras dos gametas femininos), precisam passar por um processo de meiose para garantir que cada espermatozoide e cada óvulo apresente somente uma cópia de cada cromossomo, isto é, seja haploide. Observação O sexo do embrião é determinado pelo espermatozoide!Espermatozoides que contêm o cromossomo sexual X originam embriões femininos, e os que contêm o cromossomo Y, embriões masculinos. Durante a meiose, são geradas, a partir das espermatogônias, as seguintes células: espermatócitos (primário e secundário), espermátides (iniciais e alongadas) e espermatozoides. Quanto mais avançada na espermatogênese, mais próxima da luz do túbulo seminífero a célula se encontra (figura seguinte). A espermatogênese é dividida nas seguintes etapas: • Espermatocitogênese: processo marcado pelo aumento da população de espermatogônias a partir de mitoses sucessivas. • Espermatidogênese: caracterizada pela diferenciação das espermatogônias em espermatócitos primários e pela meiose dessas células, originando as espermátides iniciais. • Espermiogênese: processo que acarreta a formação do acrossomo e do flagelo nas espermátides, dando origem aos espermatozoides. Saiba mais Os processos de mitose e de meiose podem ser revisados em: JUNQUEIRA, L. C. U.; CARNEIRO, J. Biologia celular e molecular. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. 1.2.1 Espermatocitogênese e espermatidogênese No início da puberdade, as espermatogônias presentes na base dos túbulos seminíferos sofrem sucessivas mitoses. Como resultado, o número dessas células aumenta exponencialmente. 16 Unidade I Observação As espermatogônias, assim como as demais células somáticas humanas, apresentam 23 pares de cromossomos. São, portanto, diploides (2n = 46). A mitose gera células-filhas diploides idênticas à original. A partir do processo de mitose, observam-se duas populações de espermatogônias, ambas ainda diploides, porém com padrões de expressão gênica distintos: as espermatogônias tipo A e as espermatogônias tipo B. As espermatogônias tipo A continuam a se dividir por mitoses durante toda a vida do indivíduo, e constituem a reserva de gônias, prontas para se diferenciarem em espermatogônias tipo B. As espermatogônias tipo B se diferenciam em espermatócitos primários que, por sua vez, iniciam o processo de meiose. Inicialmente, os espermatócitos primários encontram-se na intérfase. Cada um dos 46 cromossomos encontra-se duplicado, ou seja, constituído de duas cromátides irmãs unidas por um centrômero. Essas células logo entram na prófase I da meiose, processo que se estende por aproximadamente 22 dias. Após esse período, completam a meiose I, que gera duas células-filhas denominadas espermatócitos secundários. Durante a prófase I, ocorre a permuta gênica ou crossing over, na qual fragmentos de DNA são trocados entre cromátides-irmãs homólogas. Esse mecanismo garante a variabilidade gênica entre os gametas. Cada espermatócito secundário tem apenas 23 cromossomos, porém cada cromossomo ainda é constituído de duas cromátides-irmãs unidas pelo centrômero. A meiose II, que se sucede, é responsável por gerar duas células-filhas a partir de cada espermatócito secundário. Essas células-filhas passam a se chamar espermátides iniciais e são haploides, ou seja, apresentam 23 cromossomos, e cada cromossomo é constituído de apenas uma cromátide. Com isso, o processo de meiose é finalizado. Portanto, podemos afirmar que, de cada espermatócito primário, foram geradas quatro espermátides iniciais. A figura seguinte resume o processo de espermatocitogênese e espermatidogênese. Não esqueça de consultar a bibliografia indicada para relembrar todas as etapas da meiose. 17 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA Espermatogônias tipo A (células de reserva) Espermatogônias tipo B (células progenitoras) Espermatócitos primários → meiose I Mitoses sucessivas Espermatócitos secundários → meiose II Espermátides iniciais Figura 4 – Etapas da espermatocitogênese e da espermatidogênese. Os círculos à direita representam o percurso de um par hipotético de cromossomos 1.2.2 Espermiogênese É o conjunto de fenômenos que resultam na transformação das espermátides em espermatozoides. Esse processo inclui a formação do acrossomo, a condensação e o alongamento do núcleo, o desenvolvimento do flagelo e a perda de parte do citoplasma. O acrossomo é uma vesícula que contém diversas enzimas, como a hialuronidase, a neuraminidase e a fosfatase ácida. Essas enzimas digerem as glicoproteínas que revestem o gameta feminino e, assim, permitem que o espermatozoide penetre nessa célula. Tal evento é denominado reação acrossômica e marca o início da fecundação. Observação O acrossomo tem estrutura e função semelhantes às dos lisossomos, enzimas responsáveis pela digestão celular. A origem dessas organelas é o complexo de Golgi. O flagelo é composto de um centríolo que passou por diferenciação e adquiriu o formato de uma cauda. É responsável pela movimentação do espermatozoide. A energia necessária para a movimentação provém do ATP produzido pelas mitocôndrias localizadas na porção inicial do flagelo. Centríolos são organelas constituídas de microtúbulos agrupados em círculos. Participam da divisão e da organização celular e podem se diferenciar em cílios e flagelos. 18 Unidade I São três as etapas da espermiogênese: a etapa do complexo de Golgi, a do acrossomo e a etapa da maturação. Durante a etapa do complexo de Golgi, ocorre o acúmulo de grânulos pró-acrossômicos no complexo de Golgi das espermátides iniciais. Essas vesículas se fundem e geram um grânulo acrossômico único, delimitado por membrana, denominado vesícula acrossômica. Além da formação da vesícula acrossômica, inicia-se a formação, a partir de um centríolo, do axonema, estrutura contrátil do flagelo. Durante a etapa do acrossomo, o núcleo torna-se mais alongado e condensado, e a vesícula acrossômica envolve sua metade superior, como se fosse um capuz. A partir desse momento, a vesícula acrossômica passa a ser denominada acrossomo. Após a formação do acrossomo, ocorre a finalização do flagelo. Sua porção inicial, denominada peça intermediária, é circundada de mitocôndrias, o que garante a energia necessária para que haja movimentação do espermatozoide. As dineínas acopladas aos microtúbulos do flagelo são capazes de quebrar o ATP e utilizar a energia liberada para promover a movimentação dessa estrutura. Ao fim dessa etapa, o gameta masculino recebe o nome de espermátide alongada. Durante a etapa de maturação, uma parte do citoplasma da espermátide alongada desprende-se dela. Como resultado, surge o espermatozoide. As etapas da espermiogênese estão resumidas na figura a seguir. Grânulo acrossômico Golgi Centríolos Mitocôndria Vesícula acrossômica Núcleo Capuz acrossômico Acrossomo Núcleo Peça intermediária Corpos residuais Mitocôndrias Acrossomos 5 µm Peça final 50 µm Peça principal 5 µm Peça intermediária 5 µm Cabeça Figura 5 – Etapas da espermiogênese (acima), desde a espemátide inicial até o espermatozoide; partes de um espermatozoide (abaixo) 19 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA 1.3 Maturação do espermatozoide no epidídimo Ao fim da espermiogênese, os espermatozoides são liberados na luz do túbulo seminífero e são encaminhados, juntamente com um fluido rico em hormônios esteroidais, íons e outras moléculas, para a rede testicular e, de lá, alcançam os dúctulos eferentes. A principal função dos dúctulos eferentes é promover a reabsorção de água presente no fluido testicular e, assim, concentrar os espermatozoides. Dos dúctulos eferentes, os espermatozoides atingem o epidídimo. É no epidídimo que os gametas masculinos adquirem a capacidade de se movimentar para frente e de fertilizar o ovócito. Isso é possível graças à secreção de diversas proteínas pelas células do epitélio do ducto epididimário. Tais proteínas são incorporadas pelo espermatozoide e, então, suas características finais são adquiridas. O epidídimo é um túbulo único, altamente enovelado, cujo epitélio, em contato com a luz tubular, apresenta diferentes tipos celulares envolvidos com a secreção de uma diversidade de proteínas. Esse túbulo é revestido externamente por células musculares lisas,que garantem a propulsão dos espermatozoides ao longo do túbulo. Tal propulsão é fundamental, uma vez que a motilidade espermática, embora seja adquirida neste órgão, é ativada somente no momento da ejaculação. O órgão é dividido em três regiões, denominadas cabeça, corpo e cauda, sendo a cabeça adjacente aos dúctulos eferentes, e a cauda, ao ducto deferente. Ao chegar na cauda do epidídimo, os espermatozoides ficam armazenados até o momento da ejaculação. A figura seguinte mostra uma secção do epidídimo humano. Observe os espermatozoides presentes na luz do túbulo. Figura 6 – Fotomicrografia do epidídimo humano. Três secções do túbulo epidimário podem ser observadas com espermatozoides em sua luz Observação Os seres humanos produzem aproximadamente 120 milhões de espermatozoides por dia. A espermatogênese dura 74 dias, e a maturação, no epidídimo, cerca de 10 dias (HALL; GUYTON, 2017). 20 Unidade I 1.4 Ejaculação Os espermatozoides permanecem na cauda do epidídimo até que ocorra a ejaculação. Durante esse processo, os gametas masculinos são conduzidos, juntamente com o fluido seminal, para fora do organismo. A ejaculação apresenta duas etapas: a emissão e a expulsão. 1.4.1 Emissão Durante essa etapa ocorre estimulação do nervo pudendo, pertencente ao sistema nervoso simpático. Como consequência dessa estimulação, ocorre contração da musculatura lisa das cápsulas dos testículos, do epidídimo, do ducto deferente e do ducto ejaculatório. O espermatozoide é impulsionado em direção à uretra e recebe as secreções da vesícula seminal e da próstata, que também se contraem. Observação O sistema nervoso parassimpático participa da ereção. Os nervos eretores induzem vasodilatação e armazenamento de sangue nos corpos esponjosos e cavernosos do pênis. O fluido seminal, produzido nas vesículas seminais, constitui a maior parte do sêmen (aproximadamente 60% do volume). É um fluido alcalino, o que ajuda a neutralizar a acidez da vagina, resultando no aumento do tempo de vida do espermatozoide. É constituído de semenogelina (responsável pela viscosidade do sêmen), proteínas, enzimas, muco, ácido ascórbico, flavinas, fosfocolinas, prostaglandinas e frutose. Esta última é responsável por prover energia para a formação de ATP nas mitocôndrias. As prostaglandinas, por sua vez, parecem ser essenciais para promover a contração do trato reprodutor feminino e o consequente transporte dos espermatozoides em direção às tubas uterinas, local onde ocorre a fecundação. O fluido prostático constitui cerca de 10% do sêmen e contém íons, principalmente cálcio e zinco, ácido cítrico, enzimas proteolíticas, albumina e antígeno prostático específico (PSA, prostate specific antigen). As enzimas proteolíticas e o PSA são responsáveis por manter o sêmen mais líquido e, assim, possibilitar a livre movimentação dos espermatozoides. O câncer prostático é o segundo tipo de câncer mais frequente nos homens. Segundo o Inca (Instituto Nacional do Câncer), em 2018 foram diagnosticados 68.220 novos casos no Brasil, o que corresponde a um risco estimado de 66,12 casos a cada 100 mil homens. Níveis plasmáticos elevados de PSA sugerem câncer de próstata. Uma vez que existem outras condições que podem levar à alteração desse marcador, indica-se que também seja feito o exame do toque retal para o rastreamento de câncer prostático. Caso seja observada alguma condição sugestiva, deve-se realizar uma biópsia para confirmação do quadro. 21 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), não há necessidade de realizar os exames de toque retal e a dosagem do PSA na ausência de sintomas sugestivos de câncer prostático, que incluem dificuldade de urinar, diminuição do jato de urina, sangue na urina etc. Mesmo assim, muitos médicos recomendam a realização desses exames a partir dos 45 anos de idade, como prevenção. Adaptado de: Brasil (s.d.). 1.4.2 Expulsão Quando o sêmen atinge a uretra masculina, ocorre contração do esfíncter interno dessa estrutura, o que impede a entrada do ejaculado na bexiga. Falhas nesse processo caracterizam a ejaculação retrógrada, na qual o sêmen mistura-se à urina, e é uma das causas da infertilidade masculina. Em resposta à estimulação do sistema nervoso simpático, os músculos bulbocavernoso e bulboesponjoso, localizados na região pélvica, contraem-se involuntariamente e de maneira ritmada, o que direciona o sêmen em direção ao esfíncter externo da uretra. Essa estrutura, por sua vez, abre e fecha em conjunção com as contrações dos músculos pélvicos, o que resulta na expulsão do sêmen em jorros sucessivos. 1.5 Hormônios masculinos e o controle da fertilidade Na puberdade, o eixo hipotálamo-hipófise-testículo torna-se ativo. O hipotálamo, estrutura do sistema nervoso central, inicia a secreção pulsátil de GnRH (hormônio liberador das gonadotrofinas). Esse hormônio atua sobre a hipófise, onde induz a produção de LH (hormônio luteinizante) e de FSH (hormônio folículoestimulante). Os hormônios hipofisários, ou gonadotrofinas, atuam sobre as células testiculares da seguinte maneira: o LH estimula a produção de testosterona pelas células de Leydig, o FSH e a testosterona recém-produzida, são responsáveis pela espermatogênese. Portanto, podemos dizer que a espermatogênese é dependente de dois hormônios: a testosterona e o FSH. A testosterona controla o processo de meiose, ao atuar diretamente sobre as espermatogônias. O FSH, por sua vez, atua sobre as células de Sertoli, regulando a espermiogênese. A secreção de FSH, LH e testosterona é controlada pelo mecanismo de retroalimentação negativa (feedback negativo). A testosterona, quando atinge determinada concentração no plasma, é capaz de inibir a secreção das gonadotrofinas. Assim, à medida que a testosterona é produzida e cai na corrente sanguínea, ela reduz os níveis de FSH e de LH, o que diminui o estímulo sobre as células de Leydig e, portanto, a produção de mais testosterona. De maneira semelhante, as células de Sertoli produzem um hormônio denominado inibina sob ação do FSH; esse hormônio também é capaz de inibir a hipófise. 22 Unidade I O mecanismo de feedback negativo garante que a concentração de testosterona no plasma não ultrapasse a necessária para que ocorram seus efeitos fisiológicos. O excesso de testosterona pode resultar em efeitos potencialmente danosos, por exemplo, alteração da função hepática, hipertrofia e câncer prostático, perda da libido e infertilidade (figura seguinte). Hipotálamo Hipófise Testículo GnRH LH FSH Células de Leydig Células de Sertoli Testosterona Inibina Espermatogênese Figura 7 – Eixo hipotálamo-hipófise-testículo e mecanismo de feedback negativo. Os hormônios essenciais para a espermatogênese estão indicados em verde Você já ouviu falar nas recentes pesquisas acerca do desenvolvimento de um anticoncepcional hormonal masculino? Trata-se de uma estratégia que objetiva a potencialização do mecanismo de feedback negativo detalhado anteriormente. Ensaios clínicos estão sendo realizados para avaliar o efeito do undecanoato de nandrolona, um derivado sintético da testosterona, sobre a espermatogênese. Os estudos iniciais mostram que o uso contínuo desse esteroide sintético é capaz de cessar a produção de espermatozoides e, portanto, atuar como anticoncepcional. No entanto, ainda são discutidos os efeitos a longo prazo do uso desse método, que podem, potencialmente, ser semelhantes aos observados com o uso de esteroides anabolizantes. A fim de evitar esses efeitos adversos, também estão sendo estudados métodos contraceptivos não hormonais, que atuariam em etapas da maturação do espermatozoide que não são dependentes de hormônios. 23 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA Saiba mais Leia a revisão bibliográfica a seguir para saber mais sobre contracepção masculina: AMORY, J. K. Male contraception. Fertility and Sterility, v. 6, n. 106, p. 1303-1309, 2016. Além da espermatogênese, a testosteronaé responsável pelos seguintes aspectos: desenvolvimento dos órgãos sexuais masculinos durante o período embrionário; desenvolvimento das características sexuais masculinas durante a puberdade (aumento do pênis, aparecimento dos pelos corporais, engrossamento da voz, aumento da oleosidade da pele, hipertrofia muscular, estirão de crescimento etc.); e pela manutenção da libido. A testosterona pode ainda ser convertida em outros hormônios, o estradiol e a di-hidrotestosterona (DHT), a partir da ação de enzimas específicas. Esses hormônios também são fundamentais para a manutenção da fisiologia masculina. O estradiol é um derivado estrogênico produzido em pequenas quantidades nos indivíduos do sexo masculino. É responsável pela regulação do metabolismo de carboidratos e de gorduras, pela saúde dos ossos (a osteoporose masculina pode ser tratada com estradiol) e, juntamente com a testosterona, pela regulação da libido. No homem, altas concentrações de estradiol estão relacionadas com o aparecimento de características femininas, por exemplo, o aparecimento de mamas. A DHT é um hormônio produzido em alguns órgãos (próstata, pele, folículos pilosos, sistema nervoso central e fígado) a partir da ação da enzima 5-alfa redutase sobre a testosterona. Esse hormônio participa, juntamente com a testosterona, da diferenciação sexual masculina durante a vida intrauterina, da maturação do pênis e do escroto, do crescimento do cabelo facial e dos pelos corporais, da produção de sebo pela pele e do desenvolvimento e manutenção da próstata. O excesso de DHT está relacionado com o aparecimento de acne e seborreia, calvície, hirsutismo, hiperplasia e câncer prostático. O tratamento dessas condições é feito com fármacos inibidores da enzima 5-alfa redutase, como a finasterida. Outros andrógenos, precursores da testosterona e menos potentes, também podem ser detectados no sangue. São eles: a dehidroepiandrosterona, a dehidroepiandrosterona-sulfato e a androstenediona. 24 Unidade I 2 FISIOLOGIA DO SISTEMA REPRODUTOR FEMININO 2.1 Órgãos e funções do sistema reprodutor feminino O trato reprodutor feminino tem como principais funções: (1) a produção e a maturação dos gametas femininos; (2) a produção dos hormônios femininos (estrógenos e progesterona); (3) a ovulação; (4) a fertilização do ovócito; (5) a gestação; e (6) o parto. É constituído por dois ovários, duas tubas uterinas, um útero, uma vagina e uma vulva. Todos os órgãos encontram-se no interior da cavidade pélvica, à exceção da vulva (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2004; HALL; GUYTON, 2017). Tubas uterinas Ovários Útero Cérvix Vagina Vulva Figura 8 – Representação esquemática do trato reprodutor feminino e localização dos órgãos em relação à bacia Observação As mamas, responsáveis pela nutrição do concepto, pertencem ao sistema exócrino, e não ao sistema reprodutor. Entretanto, sua atividade também é modulada pelos hormônios sexuais. O sistema reprodutor feminino é bastante complexo. A seguir, as principais funções de cada órgão serão acentuadas. • Ovários: são duas glândulas de forma amendoada, localizadas próximas às paredes laterais da pelve, uma de cada lado do útero. São responsáveis pela produção de ovogônias e ovócitos durante o período embrionário; pelo processo de foliculogênese, que nada mais é do que a maturação do folículo ovariano que antecede a ovulação; e pela produção dos hormônios femininos, progesterona e estrógenos. • Tubas uterinas: conectam os ovários ao útero. São dotadas de epitélio ciliado, cujo movimento contínuo impulsiona o ovócito, ou até mesmo o pré-embrião, em direção ao útero. As tubas uterinas apresentam forma de funil, e é na região da ampola, mais dilatada, que ocorre a fecundação. 25 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA Observação Eventualmente, o embrião pode permanecer nas tubas uterinas, sem atingir o útero. Nesses casos, dizemos que ocorreu gravidez tubária, condição que inviabiliza a gestação. • Útero: é um órgão muscular oco, em forma de pera. É o local onde o embrião e o feto se desenvolvem. É dividido em fundo, corpo, istmo e cérvix ou colo uterino. É constituído de miométrio (musculatura lisa) e revestido internamente por endométrio (epitélio glandular), que tem como funções a implantação e a nutrição inicial do embrião. • Vagina: é um órgão musculomembranáceo distensível, formado por uma túnica mucosa, uma muscular e uma adventícia. Conecta o colo uterino ao óstio da vagina, próximo à uretra. Apresenta células ricas em glicogênio, que é fermentado pela microbiota local, o que confere caráter ácido à secreção vaginal. Está envolvida no escoamento do sangue menstrual e na concepção, a partir da penetração do pênis. • Vulva: refere-se à genitália externa, constituída pelo monte púbico, pelos pequenos e grandes lábios, pelo vestíbulo da vagina, pelo clitóris e pelas glândulas acessórias (glândulas de Skene e de Bartholin), responsáveis pela lubrificação do local. Saiba mais A fisiologia e a regulação do trato reprodutor feminino podem ser exploradas no capítulo 12 da seguinte obra: RIZZO, D. C. Fundamentos de anatomia e fisiologia. São Paulo: Cengage Learning, 2012. 2.2 Ovogênese A ovogênese é a produção do gameta feminino, o ovócito, a partir de células precursoras denominadas ovogônias. Esse processo ocorre nos ovários. Os ovários são órgãos localizados na cavidade pélvica, um a cada lado do útero. De acordo com os tipos celulares, o ovário é dividido nas seguintes camadas, da mais externa para a mais interna: epitélio germinativo, túnica albugínea, córtex e medula. 26 Unidade I Artérias e veias Região medular Região cortical Corpo lúteo Corpo albicans Folículos em crescimento Folículo pré-ovulatório Folículos primordiaisTúnica albugíneaEpitélio germinativo Figura 9 – Representação esquemática do ovário de uma mulher em idade reprodutiva, mostrando seus principais componentes O epitélio germinativo é constituído de epitélio pavimentoso ou cúbico simples. Inicialmente, pensava-se que as células da linhagem germinativa eram originadas desse epitélio, porém isso não é verdade, pois a linhagem germinativa se origina no córtex do ovário. A túnica albugínea é uma camada de tecido conjuntivo denso não modelado, rico em colágeno. É menos espessa do que a túnica albugínea dos testículos. No córtex predominam os ovócitos rodeados por células foliculares, em uma estrutura denominada folículo ovariano. Os folículos ovarianos são a unidade básica do sistema reprodutor feminino e são responsáveis por promover as condições ideais para que haja a maturação do ovócito e, consequentemente, a ovulação. A medula é constituída de tecido conjuntivo frouxo e de uma rede vascular. O sangue que atinge os ovários pela região do hilo, pertencente à medula, permite que os hormônios hipofisários atinjam o órgão e também que os hormônios produzidos nos próprios ovários sejam distribuídos pelo organismo. A ovogênese é dividida em três etapas: a fase de multiplicação, a fase de crescimento e a fase de maturação. A fase de multiplicação ocorre a partir do primeiro mês da vida embrionária. Durante essa etapa, as células germinativas primordiais diferenciam-se em ovogônias. O número de ovogônias aumenta 27 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA exponencialmente, em resposta às sucessivas mitoses que ocorrem nessas células. Como resultado, ao quinto mês de vida intrauterina, cada ovário tem milhões de ovogônias. A fase de crescimento também ocorre durante a vida embrionária, até o sétimo mês de desenvolvimento intrauterino. As ovogônias entram em meiose, que é interrompida precocemente, durante a prófase I. Observa-se, então, aumento do citoplasma dessas células, que passa a acumular substâncias nutritivas (vitelo). Essas células passam a ser chamadas de ovócitos primários, ainda são diploides e permanecerão em estado quiescente até a puberdade. Elas são rodeadas de células foliculares achatadas, constituindo uma estrutura denominadafolículo primordial. Na puberdade, os ovários apresentam cerca de 300 mil ovócitos primários, pois a maioria dessas células sofreu o processo de atresia. Observação Atresia é a degeneração dos ovócitos e das demais células dos folículos ovarianos, por apoptose, e pode ocorrer durante qualquer estágio do desenvolvimento folicular. A fase de maturação ocorre a partir da puberdade, com a menarca, e refere-se à maturação do folículo ovariano, processo que culmina com a ovulação. Durante a vida reprodutiva da mulher, apenas 350 a 400 ovócitos primários completarão a fase de maturação, um a cada ciclo ovariano/menstrual. A cada ciclo ovariano, alguns ovócitos primários retomam o processo de meiose, que foi interrompido na prófase I durante a vida embrionária. A primeira divisão meiótica é completada e inicia-se a meiose II, porém ela é interrompida na metáfase II. A célula resultante é o ovócito secundário, que já apresenta conjunto haploide de cromossomos. Durante a meiose do gameta masculino, a meiose I origina duas células-filhas haploides, denominadas espermatócitos secundários. Por outro lado, durante a meiose I do gameta feminino, há a formação de apenas um ovócito secundário. Isso ocorre porque a divisão meiótica no sexo feminino é desigual: durante a citocinese que encerra a meiose I, a maior parte do citoplasma é direcionada a apenas uma das células-filhas, o ovócito secundário. A outra célula-filha passa a ser denominada primeiro corpúsculo polar, que apresenta conteúdo citoplasmático muito reduzido e permanece na periferia do ovócito secundário. É o ovócito secundário que sofre o processo de ovulação. A meiose II, pausada na metáfase II, só será completada no momento da fecundação. Portanto, é somente no momento da fecundação que é originado o óvulo, juntamente com o segundo corpúsculo polar. Então, ao fim da meiose, cada ovogônia terá originado um ovócito e dois corpúsculos polares. 28 Unidade I Observação A nomenclatura correta do gameta feminino é ovócito secundário, e não óvulo. O óvulo é uma estrutura formada somente após a fecundação. A figura a seguir resume as etapas da ovogênese. A2n B C2n D E H n n I n n G F Figura 10 – Etapas da ovogênese. A ovogônia (A), diploide (2n), entra em meiose (B), originando um ovócito primário (C), cuja divisão meiótica é interrompida na prófase I. Por consequência, essa célula ainda é diploide. Durante a ovulação, a meiose I (D) é completada, originando um ovócito secundário (E), haploide (n), e o primeiro corpúsculo polar (F). No ovócito secundário, a meiose progride até a metáfase II e é novamente interrompida. No momento da fecundação, completa-se a meiose II, o que gera o óvulo (H) e o segundo corpúsculo polar (I) Em relação às modificações morfológicas que são características dos gametas femininos, destaca-se a formação da zona pelúcida, uma camada glicoproteica que envolve toda a célula e que constitui uma barreira à entrada dos espermatozoides. A formação da zona pelúcida será abordada em detalhes durante o estudo da foliculogênese. Embora tanto o espermatozoide quanto o ovócito se originem da meiose de células progenitoras, existem várias diferenças entre esses dois processos. 29 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA Tabela 1 – Principais diferenças entre a espermatogênese e a ovogênese Espermatogênese Ovogênese Meiose Ocorre continuamente (sem pausas) a partir da puberdade até o fim da vida. Cada ciclo dura cerca de 74 dias Longo processo (com pausas) iniciado na vida embrionária e finalizado no momento da fecundação. O processo de meiose em uma única célula dura décadas Fase de multiplicação O aumento da população de espermatogônias, por mitoses sucessivas, ocorre desde a puberdade até o fim da vida O aumento da população de ovogônias é restrita à vida embrionária Tamanho dos gametas Não é observado aumento do tamanho do espermatozoide em relação às células progenitoras Ocorre grande aumento do volume do ovócito em relação às células progenitoras Número de gametas Cada espermatogônia origina quatro espermatozoides idênticos Cada ovogônia origina um único ovócito secundário, que se transformará em óvulo durante a fecundação Cromossomos Haploides; podem carregar os cromossomos sexuais X ou Y (n = 23, X ou n = 23, Y) Haploides; carregam somente o cromossomo sexual X (n = 23, X) Outras modificações Ocorre a formação do acrossomo e do flagelo Ocorre formação da zona pelúcida 2.3 Foliculogênese Os folículos ovarianos correspondem ao ovócito rodeado de células foliculares, também chamadas de células da granulosa. Essas estruturas são encontradas no córtex ovariano e surgem ainda durante a vida embrionária, quando os ovócitos primários são rodeados por uma única camada de células foliculares achatadas (folículo primordial). Ao nascimento, as células foliculares tornam-se cúbicas (folículo primário) e, a partir da puberdade, ocorre o crescimento dessa estrutura, processo que envolve a proliferação das células foliculares à medida que a meiose evolui da prófase I para a metáfase II no ovócito (figura seguinte). A cada dia, a partir da puberdade, alguns folículos iniciam o processo de crescimento, estimulados pelo hormônio folículo estimulante (FSH), liberado pela hipófise. Lembrete Aumento nos níveis plasmáticos de FSH ocorrem a partir da puberdade, o que permite que haja o crescimento folicular e, consequentemente, a ovulação. Em resposta à estimulação pelo FSH, ocorre a proliferação das células foliculares, que é concomitante à retomada do processo de meiose pelo ovócito primário. Em um determinado momento, um folículo torna-se dominante sobre os demais: é esse folículo que irá romper durante a ovulação, liberando o ovócito secundário. Os folículos que se encontram em estágios intermediários de crescimento acabam por sofrer atresia, e o ciclo ovariano é reiniciado. 30 Unidade I O crescimento folicular está representado na figura a seguir. A. Folículo primordial Ovócito Estroma Células foliculares B. Folículos primários Unilaminar Lâmina basal Zona pelúcida Multilaminar Zona pelúcida Células da granulosa Teca interna C. Folículo antral Antro Teca interna Teca externa Células da granulosa D. Folículo maduro (de Graaf) Teca externa Teca interna Antro Células da granulosa Corona radiata Cumulus oophorus Figura 11 – Etapas do crescimento folicular O início do crescimento folicular é marcado pelas alterações do ovócito, cujo tamanho aumenta e as organelas redistribuem-se. Concomitantemente, ocorre proliferação das células foliculares, que passam a formar várias camadas, característica morfológica mais marcante do folículo primário multilaminar. Tais células foliculares passam a ser denominadas células da granulosa. As células da granulosa promovem a nutrição do ovócito e impedem que essas células completem a meiose antes do tempo. No folículo primário multilaminar, ocorre ainda a diferenciação das células do estroma circundante em células da teca interna. A teca interna é responsável pela produção da progesterona, da testosterona e da androstenodiona, a molécula precursora da testosterona. Esses hormônios, ao serem transportados para as células da granulosa, são convertidos, respectivamente, nos hormônios estrogênicos estrona, estradiol e estriol. Observação A designação estrógeno se refere ao conjunto dos três hormônios que são sintetizados pela aromatase nas células da granulosa: a estrona, o estradiol e o estriol. Portanto, podemos dizer que os estrógenos são resultado da ação conjunta das células da teca e das células da granulosa do folículo ovariano. A formação da zona pelúcida, camada de glicoproteínas que revestem o ovócito, é outro evento que marca o desenvolvimento do folículo primário multilaminar. Essa estrutura é formada por três glicoproteínas principais, denominadas ZP1, ZP2 e ZP3, que constituem uma barreira que garante que 31 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA só espermatozoides damesma espécie do ovócito realizem a fecundação e protejam o ovócito, e mais tarde o pré-embrião, do sistema imunológico da mãe. As células da granulosa secretam quantidade significativa de líquido, rico em glicosaminoglicanos, proteínas e hormônios estrogênicos. Esse líquido se acumula ao redor do ovócito e forma o antro, característico do folículo antral. No folículo antral, também é possível observar o desenvolvimento da teca externa, uma cápsula altamente vascularizada que envolve a teca interna. Os capilares sanguíneos que irrigam a teca externa coletam os hormônios produzidos no folículo ovariano para que eles sejam distribuídos por todo o organismo. À medida que a quantidade de líquidos no antro aumenta, ele se expande e algumas células da granulosa formam um pedículo que sustenta o ovócito, denominado cumulus oophorus. Além disso, uma camada de células reveste externamente o gameta, formando a corona radiata. O folículo que apresenta essas estruturas é denominado folículo maduro ou folículo de Graaf. O ovócito já atingiu a metáfase II da meiose e, portanto, está pronto para a ovulação. Observação O folículo maduro apresenta cerca de 2,5 cm de diâmetro e é visível nos exames de ultrassom. A figura a seguir mostra um corte histológico de ovário, no qual pode ser observado um folículo maduro e suas estruturas, além de alguns folículos em estágios anteriores de maturação. Folículo primário Teca interna Líquido folicular Corona radiata Células da granulosa Teca externa Folículo primordial Cumulus oophorus Figura 12 – Corte histológico de ovário evidenciando um folículo maduro (folículo de Graaf) 32 Unidade I A ovulação é o rompimento das paredes do folículo ovariano e a consequente liberação do ovócito secundário em direção às tubas uterinas, local onde ocorre a fecundação. A partir da ovulação, as células da granulosa e da teca do folículo ovariano rompido passam a constituir o corpo lúteo, estrutura importante para a manutenção da gestação. 2.4 Ciclo sexual feminino: ciclo ovariano e menstrual Os hormônios femininos (estrógenos e progesterona) são sintetizados nos ovários em resposta aos hormônios hipofisários LH e FSH. Na mulher, o mecanismo de feedback negativo controla a secreção dos hormônios sexuais de maneira semelhante à observada no homem. No entanto, a secreção dos hormônios hipofisários e gonadais não ocorre como nos homens, continuamente, mas sim de maneira cíclica. O ciclo sexual feminino, que engloba o ciclo ovariano e o ciclo menstrual, é a consequência dessa liberação cíclica de hormônios sexuais. A figura seguinte ilustra o eixo hipotálamo-hipófise-ovário, a partir do qual iremos discutir a regulação do ciclo sexual feminino. Hipotálamo Hipófise Ovário GnRH FSH LH Folículo ovariano Corpo lúteo Estrógeno Progesterona Atuam sobre o trato reprodutor e outros tecidos Figura 13 – Eixo hipotálamo-hipófise-ovário e mecanismo de feedback negativo Na mulher, durante o período fértil, a secreção dos hormônios LH, FSH, estrógenos e progesterona varia continuamente em um intervalo de cerca de 28 dias, que caracteriza o ciclo sexual feminino. O ciclo sexual é dividido em ciclo ovariano e ciclo menstrual, uma vez que as principais alterações são referentes à maturação do folículo ovariano e à preparação do revestimento interno do útero, o endométrio, para uma possível gestação. 33 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA O início da puberdade, na mulher, é marcado pelo aumento das secreções de FSH e LH pela hipófise. Esse evento culmina na menarca, a primeira menstruação. A partir desse evento, a secreção cíclica desses hormônios continuará até a menopausa. O padrão de secreção dos hormônios hipofisários varia durante o ciclo sexual: durante a primeira metade do ciclo, predomina a secreção de FSH e, durante a segunda fase, a secreção de LH. 2.4.1 Fase folicular: a primeira fase do ciclo sexual O dia zero do ciclo sexual feminino é o primeiro dia da menstruação. A partir desse dia, a secreção de FSH e de LH aumentam, e a concentração de FSH é aproximadamente o dobro da de LH. Durante essa fase, ocorre o crescimento do folículo ovariano, conforme descrito anteriormente. Como consequência, os níveis plasmáticos de estrógenos aumentam de modo significativo, afinal, são as células da granulosa as responsáveis pela produção desse hormônio. O crescimento folicular se completa no 14º dia do ciclo sexual, momento no qual ocorre a ovulação. Durante a fase folicular, são observadas as seguintes alterações: • Crescimento do folículo ovariano em resposta principalmente ao aumento da secreção de FSH, mas também de LH. Cerca de 6 a 12 folículos iniciam o crescimento por ciclo, porém somente um se tornará dominante. • Aumento da secreção de estrógenos, resultado da proliferação das células da granulosa. Os estrógenos, uma vez na circulação, atingem o útero e promovem o crescimento do endométrio, essencial para garantir a implantação do embrião, além de modular positivamente a libido e promover aumento da lubrificação vaginal. Conforme estudamos neste livro-texto, quando nos referimos ao estrógeno, referimo-nos ao conjunto dos três hormônios que são sintetizados pela enzima aromatase presente nas células da granulosa: a estrona, o estradiol e o estriol. Esses hormônios têm, na mulher, várias funções: • Produzem características sexuais secundárias femininas (alargamento dos quadris, aparecimento de pelos pubianos e de mamas etc.). • Induzem a proliferação das células uterinas (miométrio e endométrio) e de vários outros tecidos. • Estimulam o crescimento rápido de todos os ossos logo após a puberdade, porém promovem o rápido fechamento das epífises, o que resulta em término do crescimento após os primeiros anos da puberdade. • Modulam o comportamento sexual feminino. 34 Unidade I Observação O aumento da sinalização mediada pelos estrógenos está relacionado com o aparecimento de diversos tipos de câncer, incluindo o câncer de mama. O estradiol é o principal hormônio liberado na primeira fase do ciclo menstrual. A produção desse hormônio começa na adolescência e continua até a menopausa. É esse o hormônio responsável pelo feedback negativo sobre a produção de FSH na primeira fase do ciclo, mecanismo essencial para manter níveis adequados desse hormônio na circulação. 2.4.2 Ovulação À medida que o ciclo se aproxima do momento da ovulação, o mecanismo de feedback negativo do estradiol sobre os hormônios hipofisários é inibido e passa a ser observado feedback positivo, no qual as concentrações crescentes de estradiol estimulam secreção cada vez maior de FSH e LH. Como consequência, por volta do 14º dia, são observados picos de FSH e de LH. O pico de LH é muito maior do que o de FSH (a concentração de LH aumenta cerca de dez vezes, já a de FSH aumenta de duas a três vezes apenas) e, por esse motivo, é denominado “surto” de LH. O LH é um hormônio importante durante a fase final do crescimento folicular e durante a ovulação. Juntamente com o FSH, esse hormônio promove o aumento da secreção de líquidos no folículo maduro e também a produção, pelas células da teca, de enzimas proteolíticas que irão digerir a membrana basal do folículo. Esses eventos culminam com o rompimento do folículo e com a expulsão do ovócito secundário. Durante esse evento, o ovócito desliga-se do cumulus oophorus e é liberado, com as células da corona radiata, para a cavidade abdominal, a partir da qual é captada pelas tubas uterinas. Além disso, sob ação do LH, os ovários passam a produzir mais progesterona, e a secreção de estrógenos diminui. A progesterona é um hormônio essencial durante a segunda fase do ciclo sexual feminino. 2.4.3 Fase lútea: a segunda fase do ciclo sexual No início da fase lútea, as células da granulosa que constituíam o folículo ovariano rompido diferenciam-se em células luteínicas e passam a constituir uma estrutura denominada corpo amarelo ou corpo lúteo. O corpo lúteo, sob ação do LH que predominadurante essa fase, secreta altas concentrações de progesterona, hormônio essencial para a manutenção do endométrio, que proliferou intensamente durante a primeira fase. O corpo lúteo também secreta estrógenos, só que em menor concentração. Com a progressão da fase lútea, os estrógenos e a progesterona produzidos pelo corpo lúteo exercem feedback negativo sobre a secreção de LH e FSH, e, como consequência, a secreção desses hormônios diminui progressivamente. Há ainda secreção de pequenas quantidades de inibina pelas células luteínicas, o que intensifica ainda mais o mecanismo de feedback negativo. 35 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA Com a queda dos níveis de LH no sangue, a manutenção do corpo lúteo é impossibilitada. A partir desse momento, que ocorre cerca de 14 dias após a ovulação, são possíveis dois cenários: • Se não houver implantação de um embrião no útero, ocorre atrofia do corpo lúteo, que forma uma cicatriz denominada corpo albicans. Como consequência, a secreção de progesterona diminui e o endométrio descama, o que marca o início do período menstrual. • Se houver implantação de um embrião no útero, a síntese de gonadotrofina coriônica humana (hCG) é iniciada, o que possibilita a manutenção do corpo lúteo e, consequentemente, da secreção de progesterona por essa estrutura. A progesterona apresenta como principais funções: indução da secreção e decidualização do endométrio, a manutenção da gestação, a inibição das contrações uterinas e o desenvolvimento glandular das mamas. As concentrações plasmáticas dos hormônios hipofisários e ovarianos durante o ciclo sexual feminino estão representadas na figura a seguir. 800 800 600 600 M en st ru aç ão Progesterona Pr og es te ro na (n g/ m L) Ov ul aç ão Ov ul aç ão FSH Dias do ciclo sexual feminino FS H e LH (n g/ m L) E st ra di ol (p g/ m L) LH Est rad iol 400 400 200 200 0 0 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 0 8 Figura 14 – Variações nos níveis circulantes de hormônios femininos durante o ciclo sexual 2.5 Métodos de contracepção A concepção ocorre quando um espermatozoide encontra e fertiliza um ovócito secundário nas tubas uterinas. Existem vários métodos que visam impedir esse evento e, portanto, diminuem a chance de uma gestação indesejada. Os contraceptivos podem ser divididos em duas classes: os métodos de barreira e os métodos hormonais. A eficácia dos métodos contraceptivos varia amplamente e, por esse motivo, recomenda-se que mais de um método seja associado. A principal associação envolve o uso de um contraceptivo hormonal e preservativo, masculino ou feminino, pois somente esses dois últimos também protegem contra infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). 36 Unidade I É papel do biomédico, assim como dos demais profissionais da área da saúde, alertar a população quanto à importância do planejamento familiar e da prevenção de ISTs. 2.5.1 Métodos de barreira Os métodos de barreira são removíveis e atuam impedindo a entrada dos espermatozoides no útero. Os principais são: • Preservativo masculino e feminino (camisinha masculina e feminina): são confeccionados com látex e, além de impedir a concepção, protegem contra ISTs. • Diafragma: dispositivo de silicone, em forma de cúpula, que é posicionado no colo uterino, de modo a formar uma barreira para a entrada dos espermatozoides no útero. Geralmente, é utilizado juntamente com um gel espermicida. • Géis espermicidas: são géis que devem ser inseridos na vagina cerca de 15 minutos antes da relação sexual. Inviabilizam os espermatozoides e devem ser associados a outro método contraceptivo. • Dispositivo intrauterino (DIU): trata-se de um objeto flexível, em forma de T, que é inserido dentro do útero. É o único método de barreira que permanece no organismo feminino continuamente, e deve ser inserido por um médico. 2.5.2 Métodos hormonais Os métodos hormonais alteram o balanço hormonal existente no organismo feminino e, assim, impedem a ovulação. São constituídos de derivados do estrógeno e da progesterona, que, ao atingirem a circulação sistêmica, potencializam o mecanismo de feedback negativo sobre o eixo hipotálamo-hipófise-ovários. Como consequência, não há produção de FSH e de LH suficientes para que haja o crescimento folicular e a ovulação. Os principais são: • Contraceptivo oral combinado (pílula combinada): é constituída de um derivado estrogênico e de um derivado progestagênico. Devem ser tomados diariamente, por via oral, no mesmo horário, para que a contracepção seja efetiva. • Contraceptivo hormonal injetável: os hormônios derivados do estrógeno e da progesterona (ou somente um derivado progestagênico) são administrados por via intramuscular, mensal ou trimestralmente, dependendo da formulação. É uma alternativa para mulheres que esquecem de tomar o contraceptivo oral diariamente. • Adesivo hormonal transdérmico: meio de administração dos derivados do estrógeno e da progesterona. Esses hormônios ficam impregnados em um adesivo que é posicionado na pele e são liberados continuamente durante o ciclo. • Anel vaginal: é um anel fino e flexível que deve ser colocado na vagina; também contém derivados do estrógeno e da progesterona, que impedem a ovulação pelo mecanismo detalhado. 37 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA • Contraceptivo hormonal de emergência (pílula do dia seguinte): é constituído de altas doses de um derivado da progesterona que, além de inibir a ovulação, torna o muco cervical inviável para a passagem do espermatozoide. Deve ser utilizado após o ato sexual, nas vezes em que a contracepção inicial falhou. Saiba mais O site do Ministério da Saúde disponibiliza apostilas que detalham as vantagens e desvantagens dos principais métodos anticoncepcionais. Consulte-as em: <http://bvsms.saude.gov.br>. 3 EMBRIOLOGIA: FECUNDAÇÃO, PERÍODO PRÉ-EMBRIONÁRIO E PERÍODO EMBRIONÁRIO No início deste livro-texto, estudamos os principais aspectos da fisiologia masculina e feminina, que são essenciais para que ocorra a concepção. Agora, iremos destacar os eventos que ocorrem a partir do ato sexual: o transporte dos espermatozoides pelo trato reprodutor feminino, a fecundação e os períodos pré-embrionário, embrionário e fetal (SADLER, 2009; GARCIA; LAUER, 2012). A fecundação, ou concepção, é o encontro do espermatozoide com o ovócito secundário, responsável por gerar uma célula diploide, denominada zigoto. O período pré-embrionário é a sequência de eventos responsáveis pela formação do embrião a partir do zigoto. Durante esse processo, que dura uma semana, ocorre a diferenciação das células do zigoto em diferentes tipos celulares, que darão origem ao embrião e aos anexos embrionários. O período embrionário inicia-se na segunda semana e perdura até a oitava semana após a fecundação. Ao fim desse período, o embrião já apresenta todas as estruturas corporais formadas e passa a ser chamado de feto. O período fetal inicia-se na nona semana de gestação e vai até o fim da gestação. Durante esse período, ocorre o crescimento do concepto e a maturação de seus órgãos. 3.1 Transporte dos espermatozoides no trato reprodutor feminino e fecundação O ato sexual tem importante papel biológico, pois é a partir dele que a fertilização se torna possível. A ejaculação do sêmen na vagina é a primeira etapa para que a fertilização ocorra. Uma vez no trato reprodutor feminino, o espermatozoide precisa sofrer o processo de capacitação para que a fecundação ocorra. 38 Unidade I A capacitação é desencadeada pelas secreções do trato genital feminino, em especial do colo uterino, e é caracterizada por uma série de alterações na membrana plasmática dos espermatozoides. Essas alterações envolvem a remoção de algumas proteínas e a adição de outras à membrana dessas células, e são essenciais para a realização da reação acrossômica, evento que ocorre no momento da fertilização do ovócito. Além disso, durante a capacitação, a movimentação do flagelo do espermatozoidepassa a ser mais rápida, linear e progressiva, e é chamada de hipermotilidade. A hipermotilidade é necessária para que haja a penetração do espermatozoide no ovócito. Quando atinge as tubas uterinas, o espermatozoide, se estiver com a morfologia normal, hipermotilidade progressiva e completamente viável, estará apto para fecundar o ovócito. Observação Os espermatozoides capacitados atingem as tubas uterinas e permanecem viáveis nesse local por até 48 horas. Portanto, relações sexuais consumadas até dois dias antes da ovulação podem resultar em fertilização. A fecundação ocorre quando um espermatozoide penetra no ovócito secundário presente na extremidade de uma tuba uterina (ampola). De milhões de espermatozoides presentes no ejaculado, apenas de 100.000 a 300.000 conseguem alcançar essa região. Dois fenômenos são responsáveis pelo direcionamento dos espermatozoides ao ovócito: a termotaxia e a quimiotaxia. A termotaxia refere-se à movimentação dos espermatozoides capacitados em direção ao local da deposição do ovócito, que apresenta maior temperatura, enquanto a quimiotaxia é resultado do reconhecimento, pelo espermotozoide, de substâncias secretadas pela corona radiata, que envolve o ovócito. O espermatozoide precisa atravessar as células da corona radiata em direção à zona pelúcida, camada glicoproteica que envolve o ovócito, para que ocorra a fecundação. A passagem pela corona radiata e, posteriormente, pela zona pelúcida é possível graças à reação acrossômica: a membrana plasmática da região apical da cabeça do espermatozoide funde-se à membrana do acrossomo, o que possibilita a liberação das enzimas presentes nessa estrutura. A enzima mais abundante no acrossomo é a hialuronidase, que promove a digestão corona radiata e possibilita que os espermatozoides atravessem essa estrutura. Ao atingir a zona pelúcida, um espermatozoide que ainda não sofreu reação acrossômica, denominado espermatozoide fertilizador, liga-se à glicoproteína ZP3 da zona pelúcida e só então libera o conteúdo do acrossomo. A digestão da zona pelúcida é realizada pela enzima acrosina, e, ao término dela, a membrana do espermatozoide se funde com a membrana do ovócito, o que permite que o pronúcleo do espermatozoide, contendo seu material genético, seja despejado no citoplasma do gameta feminino. As demais regiões do espermatozoide (peça intermediária e flagelo) não adentram o ovócito e são posteriormente degradadas. A figura a seguir mostra como ocorre a fertilização. 39 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA (1) Espermatozoide capacitado atravessa a corona radiata Flagelo Núcleo Acrossomo (2) Espermatozoide liga-se à zona pelúcida (3) Reação acrossômica (4) Digestão da zona pelúcida pelas enzimas do acrossomo (5) Fusão das membranas do espermatozoide e do ovócito; liberação do núcleo do espermatozoide Corona radiata Zona pelúcida Membrana do ovócito Figura 15 – Fertilização em mamíferos Alterações na estrutura da zona pelúcida, que envolvem a hidrólise de ZP3, são desencadeadas após a entrada do espermatozoide, o que impede que ocorra poliespermia (entrada de mais de um espermatozoide no ovócito), evento que tornaria inviável a manutenção do embrião. No momento da entrada do espermatozoide, o ovócito secundário, que se encontra em metáfase II, completa a segunda divisão meiótica e passa a ser denominado óvulo. Ao microscópio, um óvulo pode ser identificado a partir do aparecimento do segundo corpúsculo polar, que é característico da finalização da meiose II. Para que a fertilização seja completada, é necessário que o núcleo do espermatozoide (denominado pronúcleo masculino) se funda ao núcleo do óvulo (denominado pronúcleo feminino). Como cada um dos pronúcleos apresenta um conjunto haploide de cromossomos, o resultado da fusão é uma célula diploide, denominada zigoto. O embrião se desenvolverá a partir dessa estrutura. A fecundação pode resultar no desenvolvimento de mais de um embrião, originando gêmeos, trigêmeos, quadrigêmeos etc. Os gêmeos podem ser idênticos (monozigóticos ou univitelinos) ou fraternos (dizigóticos ou bivitelinos). Os gêmeos monozigóticos ou univitelinos são formados a partir do mesmo zigoto. Por esse motivo, possuem o mesmo patrimônio genético e o mesmo sexo, compartilham a mesma placenta e o mesmo saco gestacional. Algumas características fenotípicas, tais como as impressões digitais, não são idênticas nos gêmeos monozigóticos, pois são obtidas a partir da interação com o meio. 40 Unidade I Os gêmeos dizigóticos ou bivitelinos são gerados a partir da liberação de dois ovócitos secundários no momento da ovulação. Cada um dos ovócitos é fecundado por um espermatozoide diferente e, como resultado, os gêmeos dizigóticos apresentam pouca semelhança genética. Diferentemente dos gêmeos monozigóticos, os gêmeos dizigóticos nem sempre apresentam o mesmo sexo. A identificação dos gêmeos dizigóticos durante a gestação pode ser feita por exames de imagem, a partir da visualização de duas placentas e dois sacos gestacionais separados. 3.2 Primeira semana do desenvolvimento embrionário Durante a primeira semana do desenvolvimento embrionário, são observados os seguintes eventos: (1) a clivagem do zigoto, que corresponde a uma série de divisões mitóticas responsáveis por aumentar o número de células do futuro embrião; (2) a diferenciação inicial dessas células em dois grupos celulares distintos e (3) o início da nidação ou implantação do embrião no endométrio. O zigoto, célula originada da fusão dos núcleos do espermatozoide e do óvulo, sofre segmentação ou clivagem, evento caracterizado por uma série de divisões mitóticas. A primeira divisão mitótica ocorre de 20 a 22 horas após a fertilização. As células-filhas dessa divisão são denominadas blastômeros. O processo de mitose se repetirá, na velocidade de um ciclo de mitose por dia, até que a estrutura apresente 16 células. No primeiro dia, é formado um pré-embrião com duas células; no segundo dia, as duas células sofrem mais uma mitose e originam um organismo de quatro células; no terceiro dia, serão oito células e no quarto, 16. No estágio de 16 células, a estrutura passa a ser denominada mórula, devido à sua aparência semelhante a uma amora. Até o terceiro dia, todos os blastômeros são idênticos entre si e, portanto, caso um deles seja perdido, ou morra, não haverá prejuízo para o concepto. A partir do estágio de 16 células, no entanto, embora todas as células sejam morfologicamente idênticas, elas já apresentam certo grau de diferenciação. Alterações no padrão de expressão gênica são responsáveis por garantir a diferenciação celular que se inicia no estágio da mórula. Em outras palavras, a produção de proteínas varia entre as células que compõem essa estrutura, o que faz com que elas passem a ser diferentes do ponto de vista funcional. Portanto, a perda de alguma célula, durante o estágio de mórula, pode resultar em um embrião inviável. Durante os cinco primeiros dias do desenvolvimento, não há aumento do tamanho do pré-embrião. Isso ocorre porque a zona pelúcida permanece envolvendo os blastômeros. A zona pelúcida é uma estrutura rígida, e, portanto, à medida que as divisões mitóticas ocorrem, o tamanho das células diminui, em um fenômeno denominado compactação. Como consequência, a mórula, com 16 células, apresenta o mesmo tamanho do zigoto unicelular. A figura a seguir destaca os eventos que culminam no aparecimento da mórula. 41 EMBRIOLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA Figura 16 – Primeiros estágios da segmentação do zigoto de mamíferos: A) estágio de duas células. A zona pelúcida (zp) e os dois corpúsculos polares (p. gl., do inglês polar globes) estão indicados; B) estágio de quatro células; C) estágio de oito células; D) mórula; E) mórula compactada Na mórula, as células são unidas por junções intercelulares do tipo gap, e também por junções de adesão e de oclusão, o que facilita a comunicação entre elas e a polarização dessas células,
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