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BiodosimetriaExperimental(ProfThiago)

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Universidade Federal de Pernambuco 
Centro de Biociências 
Departamento de Biofísica e Radiobiologia 
 
 
 
 
 
 
 
BIODOSIMETRIA EXPERIMENTAL 
 
 
Prof. Thiago Salazar Fernandes 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RECIFE – 2023
Prof. Thiago Salazar Fernandes - UFPE 
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INTRODUÇÃO 
Sabe-se que a maioria dos acidentes nucleares envolvem 
cenários complexos de exposições humanas às radiações 
ionizantes. 
Quando se trata da avaliação de aberrações cromossômicas 
instáveis (dicêntricos, anéis e fragmentos acêntricos) para 
estimar a dose absorvida de radiação, deve-se levar em 
consideração tal cenário, para que não haja uma subestimação da 
dose absorvida. 
E por que é tão importante se saber a dose absorvida? Pois é a 
partir do conhecimento dela que a equipe médica guiará o 
planejamento da terapia dos indivíduos mais expostos. 
As doses podem ser estimadas com base na curva de calibração 
de dose vs efeitos biológicos (cromossomos dicêntricos) obtida 
por meio da irradiação in vitro de amostras de sangue periférico 
humano com doses conhecidas (variando de 0,1 a 5 Gy), 
considerando o cenário mais simples possível: exposição aguda de 
corpo inteiro. 
Porém, a maioria das exposições humanas não são tão simples, 
pois envolve cenários complexos tais quais: 
1- Exposições crônicas de profissionais ocupacionalmente 
expostos às radiações ionizantes? 
2- Exposições fracionadas de pacientes submetidos à 
radioterapia? 
3- Exposições a campos mistos (raios gama e nêutrons) em 
casos de acidentes nucleares? 
4- Exposições parciais do corpo humano em diversos 
cenários, acidentais, ocupacionais ou em radioterapias? 
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5- Exposições internas por incorporação de radionuclídeos, 
em casos acidentais ou de medicina nuclear? 
Então, como é que se pode, a partir de uma curva obtida para 
exposições agudas de corpo inteiro, se estimar a dose absorvida 
nos casos acima citados? Nesta etapa do Curso de 
“BIODOSIMETRIA EXPERIMENTAL”, trataremos destas 
problemáticas. 
Para começar, convido a todos a contabilizar os cromossomos 
dicêntricos, em anel e fragmentos acêntricos nas imagens a seguir. 
Imagine que essas imagens correspondem às metáfases de um 
único doador com suspeita de exposição acidental excessiva às 
radiações ionizantes. Em seguida, vamos analisar o caso em 
diferentes contextos de exposições humanas às radiações 
ionizantes. Mãos à obra! 
 
IMAGENS DE METÁFASES A SEREM ANALISADAS 
A partir da próxima página, analisem as células em metáfase de 
um caso hipotético de suspeita de exposição excessiva às 
radiações ionizantes. Em seguida, virá um modelo de folha de 
contagem, para que vocês possam anotar os achados. 
Nesta folha, na coluna “2n”, insira abaixo o quantitativo de 
“objetos” na metáfase que sejam cromossomos ou fragmentos de 
cromossomos. Em “N”, assinale abaixo com um “x” se a metáfase 
for Normal. Em “Dic”, insira abaixo o quantitativo de dicêntricos 
da célula correspondente, se houver. Em “Anel”, insira abaixo o 
quantitativo de anéis da célula correspondente, se houver. Em 
Fragmento, insira abaixo o quantitativo de fragmentos acêntricos 
em excesso, se houver, não incluindo os fragmentos que estão 
associados aos dicêntricos e aos anéis. 
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Célula 1. 
 
 
Célula 2. 
 
 
 
 
 
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Célula 3. 
 
 
Célula 4. 
 
 
 
 
 
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Célula 5. 
 
 
 
Célula 6. 
 
 
 
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Célula 7. 
 
 
 
Célula 8. 
 
 
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Célula 9. 
 
 
Célula 10. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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QUESTÃO 1: PREENCHA A FOLHA DE CONTAGEM 
 
CÉLULAS 2n N Dic Anel Fragmento 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TOTAL 
Célula 11. 
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9 
 
 
QUESTÃO 2: SE A EXPOSIÇÃO TIVER SIDO AGUDA 
Considere agora a equação linear- quadrática da Curva de 
Calibração de referência: Y=0,001+0,03D+0,06D2. Estime a 
dose absorvida que este indivíduo recebeu, considerando uma 
exposição aguda de corpo inteiro a raios gama, a partir da 
equação (1) a seguir: 
 
 
(1) 
Onde α é o coeficiente linear e β é o coeficiente quadrático 
da Curva de Calibração, Y é a frequência de dicêntricos que você 
obteve na folha de contagem (total de dicêntricos dividido pelo 
total de células em metáfase contabilizadas), e C é o background 
de dicêntricos, que é em torno de 1 dicêntrico em 1000 células (C = 
0,001). 
 
 
QUESTÃO 3: SE A EXPOSIÇÃO TIVER SIDO PROLONGADA 
Em dezembro de 1998, ocorreu um grave acidente em 
Istambul, onde uma antiga fonte de radioterapia (Co-60) foi 
abandonada como sucata. Dez pessoas foram irradiadas, a maioria 
durante um dia, com tempos de exposição variando de 2 a 7 horas. 
Um dos indivíduos foi exposto por 7 horas, e imagine que a 
frequência de dicêntrico foi a obtida pela Folha de Contagem da 
Questão 1. Uma vez que a exposição foi prolongada, utilize a função 
de Lea e Catcheside (1942), descrita no Manual da IAEA (2011) 
(equação 2): 
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(2) 
 
(3) 
 
 
 
(4) 
 
Onde t o tempo total de irradiação (i.e., 7 horas) e t0 é o 
tempo de vida média de reparo da quebra da dupla fita de DNA (~ 
2 horas) (LLOYD et al., 1984). 
Agora, calcule a dose absorvida por este indivíduo? (curva 
de calibração: Y=0,001+0,03D+0,06 x G(x) x D2). 
 
QUESTÃO 4: SE A EXPOSIÇÃO TIVER SIDO CRÔNICA 
Como vimos, se aplicarmos a curva de calibração obtida para 
exposições agudas para estimar a dose em casos de exposições 
crônicas, iremos subestimar a dose. No caso anterior, utilizou-se 
a função de Lea e Catcheside (1942). No caso de exposições 
crônicas ou fracionadas, considera-se apenas o coeficiente linear 
da equação. 
Considere a frequência de dicêntricos obtida na Folha de 
Contagem da Questão 1, mas considerando apenas o 
componente linear (curva de calibração: Y = 0,001 + 0,03D), 
para estimar a dose absorvida em caso de exposição crônica 
ou fracionada. 
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QUESTÃO 5: SE A EXPOSIÇÃO TIVER SIDO PARCIAL 
No trabalho de Fernandes et al. (2008), foi realizado um 
experimento em que uma amostra de sangue periférico irradiada 
com a dose de 4 Gy foi misturada a uma amostra não irradiada, na 
proporção de 70% irradiada com 30% não irradiada. A prolongar o 
tempo de cultivo de 48 horas para 72 horas, e contabilizando por 
apenas as células em M1 (primeira mitose) com o uso da técnica de 
FDG (Fluorescence Plus Giemsa), foi possível verificar que a 
frequência de dicêntricos se aproximou àquela esperada para a a 
fração irradiada, que foi de 4 Gy. 
A que se deve esse aumento de dicêntricos em M1 com o 
prolongamento do tempo de cultivo celular e melhor 
aproximação da dose para a fração irradiada (4 Gy), quando 
o que é esperado é que a frequência de dicêntricos diminua 
ao longo do tempo e dos sucessivos ciclos de divisão celular 
(M1, M2, M3...)? 
 
QUESTÃO 6: SE A EXPOSIÇÃO TIVER SIDO POR 
CONTAMINAÇÃO INTERNA 
 
Trata-se de um cenário mais complexo, uma vez que a 
distribuição da dose poderá ser não uniforme ao longo do corpo. 
Apesar de podermos estimar a dose com base nos dicêntricos em 
linfócitos periféricos, a dose será a recebida pelos linfócitos, e 
não necessariamente para o órgão em que o radionuclídeo mais se 
depositou, tal como o iodo que é captado pela tireóide. No entanto, 
radionuclídeos que possuem uma distribuição mais uniforme por 
todo o corpo humano, tal como trítio e césio radioativo, em que a 
análise de aberrações cromossômicas podem prover estimativas 
de dose com significado biológico para o corpo inteiroou para 
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órgãos específicos. 
Césio radioativo (Cs-137), que foi inclusive o radionuclídeo 
responsável pela contaminação radioativa em Goiânia (1987) e 
responsável pela contaminação ambiental em Chernobyl (1986), 
tende a se acumular nos músculos e, portanto, estaria 
uniformemente distribuído pelo corpo. Sua meia vida biológica é 
de aproximadamente 2 dias. 
Trítio pode ser ingerido na forma de água tritiada ou na forma 
de gás, e ser incorporada à água do corpo humano, produzindo uma 
exposição interna mais ou menos uniforme. Sua meia vida biológica 
é de aproximadamente 10 dias, e assim como ocorre com o Césio, 
pode-se considerar como uma exposição crônica de corpo inteiro, 
e levar em consideração apenas o componente linear da curva, ou 
considerando a exposição prolongada. Segundo o Manual da IAEA 
(2011), na ausência de uma curva específica de dose-efeito in vitro 
para trítio, uma curva de raios-X de 200-300 kVp poderá servir, 
pois de acordo com Prosser et al. (1983), o trítio tem um valor de 
RBE em torno de 1,13 para baixas doses ou taxas de dose. 
Naturalmente, em um cenário real de contaminação interna, 
outros fatores deverão ser levados em consideração, tanto do 
ponto de vista biológico (e.g., status fisiológico do indivíduo, meia 
vida biológica, diurese, metabolismo, modo de incorporação e 
eliminação do radionuclídeo, etc.), quanto fatores físicos (e.g., 
atividade inicial do elemento radioativo, meia vida física, etc.). 
Vale salientar que consideramos aqui apenas incorporação de 
radionuclídeos emissores de radiações de baixo LET, com RBE 
próximo a 1, e não os emissores de partículas alfa, que propiciariam 
um dano mais local, onde a variância excede a média. 
O que significa um RBE em torno de 1,13 para o trítio? 
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CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Vimos neste Curso a importância de se estimar a dose absorvida 
por meio da contagem de cromossomos dicêntricos. Este tipo de 
análise permite alertar a equipe médica quanto ao planejamento da 
terapia dos indivíduos que foram mais radioexpostos (doses acima 
de 1 Gy), e aconselhar aqueles que receberam doses inferiores a 1 
Gy quanto aos riscos destes virem a desenvolver efeitos 
estocásticos e tardios. 
Os assuntos aqui abordados, trabalhados e discutidos, 
permitem a consolidação de conhecimentos fundamentais para 
lidarmos com situações de exposições humanas acidentais às 
radiações ionizantes. Estes conhecimentos já foram utilizados em 
casos reais, como na contaminação com Cs-137 por parte da 
população de Goiânia, no acidente da usina nuclear de Chernobyl, 
no acidente de Istambul, dentre outros. 
Não foram incluídos aqui assuntos relacionados aos testes 
estatísticos utilizados, nem ao uso de demais biomarcadores de 
exposições humanas às radiações ionizantes, tais como 
micronúcleos e translocações cromossômicas. Porém, é certo que 
os conteúdos aqui abordados permitirão estimar da forma mais 
próxima possível do real, a dose absorvida e os efeitos biológicos 
radioinduzidos. 
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BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA 
 
BRASELMANN, H.; SCHMID, E.; BAUCHINGER, M. 
Chromosome aberrations in nuclear power plant workers: the 
influence of dose accumulation and lymphocyte life-time. 
Mutation Research, v. 306, p. 197-202, 1994. 
 
FERNANDES, T. S.; LLOYD, D. C.; AMARAL, A. Biodosimetry 
for dose assessment of partial-body exposure: a 
methodological improvement. Brazilian Archives of Biology 
and Technology, v. 51, p. 97-102, 2008. 
 
International Atomic Energy Agency. IAEA Annual Report 
2011 [Internet]. Vienna, Austria; 2011. 
 
LLOYD, D. C.; EDWARDS, A. A.; PROSSER, J. S.; CORP, M. 
J. The dose response relationship obtained at constant 
irradiation times for the induction of chromosome 
aberrations in human lymphocytes by Cobalt-60 gamma rays. 
Radiation and Environmental Biophysics, v. 23, p. 179-189, 
1984.

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