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DESCRIÇÃO Platelmintos de importância médica e clínica: principais doenças, epidemiologia e diagnóstico diferencial. PROPÓSITO Compreender as parasitoses causadas por platelmintos nos ajuda a conhecer as principais vias de transmissão, profilaxia, a prevalência e as manifestações clínicas das parasitoses. Além disso, direciona a escolha dos métodos mais adequados para o diagnóstico e auxilia na conclusão diagnóstica e no tratamento adequado do paciente. OBJETIVOS MÓDULO 1 Descrever as características gerais, as principais parasitoses, a epidemiologia e o diagnóstico dos platelmintos da classe Trematoda de importância clínica MÓDULO 2 Explicar as características gerais, as principais parasitoses, a epidemiologia e o diagnóstico dos platelmintos da classe Cestoda de importância clínica INTRODUÇÃO Os platelmintos são organismos extremamente interessantes do ponto de vista evolutivo e biológico. Quando analisamos o desenvolvimento dos animais, percebemos que as adaptações e modificações que vão surgindo ao longo da linha evolutiva possuem uma mudança que servirá para a formação de novas espécies, desenvolvimento de novas características ou até a tão sonhada conquista do ambiente terrestre. Eles são animais invertebrados, podendo ou não serem parasitas. Os platelmintos de vida livre sempre trouxeram muito interesse de estudo pelos cientistas, como as planárias, por exemplo. Esses vermes possuem uma alta capacidade de fragmentação, despertando a curiosidade para o estudo de células-tronco e de regeneração tecidual. Além disso, são destaque nos estudos de divisão celular (mitótica), na análise de sua simetria bilateral, isto é, possuem seu lado esquerdo e direito iguais, seu desenvolvimento de sistema nervoso ganglionar e seus famosos ocelos sensitivos (localizadas na cabeça do platelminto, são estruturas sensoriais de percepção do ambiente). Ao analisarmos as características dessas pequenas criaturas, conseguimos perceber o quão magnífico é o começo da formação de sistemas sensitivos mais desenvolvidos, as formas de reprodução diferenciadas e a capacidade dos turbelários (platelmintos de vida livre) de ocuparem um importante espaço na complexa teia alimentar de habitats aquáticos. Alguns são chamativos e coloridos, nos fazendo duvidar de que tipo de animal estamos realmente observando (Figura 1). Figura 1: Platelminto da classe Turbellaria. Entretanto, muitos animais pertencentes a esse grupo são parasitas e já atormentam seres humanos há muito tempo, por se tratar de doenças de fácil dispersão, principalmente, quando associadas a situações precárias de saúde pública. Frequentemente, registra-se a prevalência de doenças causadas por esses vermes de importância clínica em locais onde o saneamento básico é inadequado ou ausente, falta de higiene e baixa educação em saúde. Dentro desse contexto, torna-se de grande valia o estudo dos platelmintos endoparasitas causadores de doenças, com destaque para os parasitas pertencentes das classes Trematoda e Cestoda. javascript:void(0) PREVALÊNCIA Número total de casos existentes em uma determinada população em um determinado momento temporal. MÓDULO 1 Descrever as características gerais, as principais parasitoses, a epidemiologia e o diagnóstico dos platelmintos da classe Trematoda de importância clínica CLASSE TREMATODA Os vermes achatados, parasitos, são denominados de Neodermatas, táxon que reúne três classes: TÁXON É a unidade taxonómica, essencialmente associada a um sistema de classificação científica. Trematoda Monogea Cestoda javascript:void(0) ATENÇÃO Neodermatos significa “nova pele”, isto é, ao contrário dos Turbellaria, eles possuem uma nova cobertura epidérmica na sua fase adulta. O aparecimento dessa característica garantiu aos parasitas uma melhor seleção das substâncias que entram e saem do seu corpo, e possibilitou uma maior resistência frente a enzimas digestivas presentes no trato gastrointestinal dos seus hospedeiros ou das substâncias liberadas pelo hospedeiro para a destruição de patógenos. Na classe Trematoda, existe um número grande de microrganismos. Dentre eles, há cerca de 18-24 mil espécies, podendo ser endoparasitas (parasitas internos) ou ectoparasitas (parasitas externos). Por esses vermes apresentarem aparelhos bucais adesivos, são altamente especializados na fixação ao corpo do seu hospedeiro, sendo endoparasitas extremamente bem-sucedidos. Sua respiração e troca gasosa é cutânea, por conta disso, sua epiderme permite a troca de gases ao mesmo tempo em que é protegida pelo tegumento sincicial (células com comunicação entre os citoplasmas), permitindo a proteção contra enzimas digestivas presentes no trato gastrointestinal do hospedeiro (Figura 2). Figura 2: Estrutura interna da Fasciola hepatica. Duas grandes doenças causadas por representantes dessa classe ganham destaque: Esquistossomose: Acomete cerca de 200 milhões de pessoas em todo o mundo, atingindo 74 países. Fasciolíase: Atinge 17 milhões de pessoas no mundo e acomete 51 países. O Brasil é um país que apresenta alta representatividade de ambas as doenças por se tratar de um país em desenvolvimento, onde ainda é frequente a transmissão de doenças associadas ao saneamento básico precário, à educação em saúde limitada e à higiene básica questionável. Vamos juntos explorar essas duas parasitoses? SCHISTOSOMA SP E ESQUISTOSSOMOSE O gênero Schistosoma é composto por aproximadamente 7 espécies já registradas, dentre elas as que atingem o Brasil são Schistosoma mansoni (S. mansoni) e Schistosoma sciammarella. Acredita-se que esse parasito tenha entrado no Brasil com os escravos trazidos pela colônia portuguesa, porém seu registro foi feito somente em 1907, pelo inglês Sambon. Já o registro do seu hospedeiro intermediário foi realizado em 1913 e a descrição do ciclo da doença, 1915. Figura 3: “barriga d’água” (esquistossomose). A esquistossomose (“barriga d’água”, xistose ou doença do caranguejo) é causada principalmente pela espécie S. mansoni, uma verminose negligenciada presente em quase todo o mundo que causa mais de 800 mil mortes por ano. No entanto, ela é mais comum em países subdesenvolvidos e, na América Latina, é mais difundida no Brasil, Venezuela, Porto Rico e Antilhas. Hoje, o Brasil detém, principalmente, o Nordeste (Sergipe, Maranhão, Pernambuco), Espírito Santo e Minas Gerais, os locais de maiores casos registrados de esquistossomose. Pesquisas do Ministério da Saúde estimam que mais de 6 milhões de pessoas são acometidos com a doença no país, principalmente, no Nordeste. Estudos demonstram que existe uma associação grande entre a saída da população da região Nordeste para as regiões Sudeste e Sul, e a difusão e transmissão da doença nesses estados, principalmente quando o parasito encontra condições favoráveis para sua manutenção e ciclo de vida. A doença é classificada como endêmica quando o parasita encontra um hospedeiro definitivo favorável, hospedeiro intermediário susceptível, locais de despejo de dejetos, falta de saneamento básico e existência de uma população que possua hábitos de ingestão e utilização de águas não tratadas para consumo, banhos ou lazer. No entanto, essa parasitose não assola apenas a população que não tenha acesso ao saneamento básico de qualidade e hábitos mínimos de higiene. Podemos citar um exemplo recente que ocorreu em 2017 com um grupo de ciclistas mineiros, na grande maioria empresários, que foram passar o carnaval na Chapada da Diamantina no interior da Bahia com sua família. Após 45 dias de viagem, algumas pessoas do grupo começaram a apresentar as manifestações clínicas da doença. O grupo acredita que a contaminação tenha ocorrido em um poção represado em uma fazenda no município de Lençóis, onde os amigos passaram o dia de lazer. Mas por que esse grupo de ciclistas se contaminou? Para entender, temos que estudar um pouco do ciclo de vida e as características desses parasitas. Vamos lá? CICLO DEVIDA E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Este grupo de platelmintos se aloja no lúmen dos vasos sanguíneos e possui a fase adulta com dimorfismo sexual, sendo o macho menor do que a fêmea (Figura 4). Figura 4: Desenho esquemático do macho (6-13 mm) de Schistosoma mansoni abrigando a fêmea (10-20 mm) no interior do seu canal ginecóforo para a fecundação. O seu ciclo de vida depende da passagem por 5 etapas: Forma adulta Ovo Miracídio Esporocistos Cercarias ATENÇÃO O parasito é heteroxênico, portanto, depende de mais de um hospedeiro para completar o seu ciclo de vida. Sendo assim, esses estágios não possuem sua transformação somente no corpo do homem, isto é, há a necessidade de mais de um hospedeiro invertebrado (caramujo) para ter a continuidade ao seu ciclo de vida. Apresentam uma etapa assexuada e sexuada de reprodução/ciclo de vida, sendo cada uma delas finalizada no corpo de um hospedeiro diferente. A fase sexuada é sempre concluída no hospedeiro definitivo e a assexuada no hospedeiro intermediário. Figura 5: Biompholaria glabrata. Os hospedeiros intermediários são os caramujos do gênero Biomphalaria, pertencentes à espécie Biomphalaria glabrata (Figura 5) e à família Planorbidae. Neste organismo, o platelminto é convertido da fase de miracídio para esporocistos. Outras espécies de caramujo são encontradas no Brasil, como: B. tenagophila (Região Sul) e B. straminea (Nordeste). Vale ressaltar que os ciclos de doenças que envolvem mais de um hospedeiro, normalmente, contam com diferentes fases infectantes do agente etiológico: Hospedeiro Intermediário: O estágio infectante é o miracídio. Hospedeiro Humano Definitivo: O estágio infectante são as cercárias. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal A dispersão da doença ocorre graças ao contato do homem com o caramujo infectado pelos miracídios. Os miracídios podem ficar viáveis por até 12 horas no meio externo e demora cerca de 10 minutos para a penetração completa no caramujo, devido à liberação de enzimas líticas e de seu movimento giratório. A saída dos miracídios se dá através dos ovos presentes nas fezes de humanos infectados com esse verme. Por se tratar de uma doença associada à região de saneamento básico precário, em muitos casos, os indivíduos acometidos possuem o hábito de defecarem ou liberarem seus dejetos próximos de rios/lagos, pois muitos são parte das populações ribeirinhas. Além disso, existe a contaminação dos alimentos e do solo com os ovos do Schistosoma, uma vez que a água utilizada para liberação de dejetos é também utilizada para cozimento dos alimentos, banho, manutenção de hortas e plantações. Uma vez infectado, o caramujo apresenta no seu interior todo o maquinário responsável pelo desenvolvimento da fase assexuada do ciclo de vida desse parasito. Os miracídios sofrem transformação para a fase de esporocistos, se dividindo assexuadamente e passando por transformações para a fase de cercaria. Os esporocistos podem apresentar a fase de esporocisto primário (libera 20 esporocistos secundários) e os esporocistos secundários (liberam 3000 cercárias). As cercarias tornam-se capazes de infectar o hospedeiro humano após penetrarem ativamente pela epiderme. Normalmente, a penetração ocorre pelos pés, sendo por isso importante ressaltar que a utilização de calçados atua como mais uma medida de profilaxia contra a esquistossomose. SAIBA MAIS O horário de liberação das cercárias pelos caramujos hospedeiros intermediários ocorre entre 11-17 horas, horário em que o sol está mais forte e o clima está mais quente. Também entre essas horas, o número de pessoas próximo a locais de rios é maior. Com isso, a probabilidade de infecção aumenta, fazendo com que haja maior chance de contato do homem com o parasito. Há também a relação entre a idade de maior chance de infecção, entre 15-20 anos, por se tratar de uma população mais ativa e aberta a atividades ao ar livre, principalmente em áreas rurais. Na figura a seguir, podemos verificar como ocorre o ciclo de vida desse parasita no hospedeiro intermediário e definitivo. Vamos conhecer (Figura 6)? Figura 6: Ciclo de vida do Schistosoma mansoni. Após a penetração e entrada na pele do hospedeiro, as cercarias migram para outras regiões através dos vasos sanguíneos: coração, fígado, pulmão e até bexiga. O fígado é o local de preferência dessas larvas. No fígado, estas formas jovens se diferenciam sexualmente e crescem, alimentando-se de sangue. Ainda imaturos, os parasitas migram para a veia porta, chegando às veias mesentéricas, onde completam sua evolução em vermes adultos fêmeas e machos, acasalam e fêmea inicia a oviposição, nas veias mesentéricas inferiores. Figura 7: Ovo de Schistosoma mansoni (150 mm). As fêmeas podem produzir até 300 ovos por dia e metade deles pode ser eliminada junto com as fezes do hospedeiro, pois os ovos migram do vaso para a luz intestinal. Os ovos podem medir cerca de 150 mm e possuem um espinho lateral (Figura 7), facilitando sua identificação nos exames de fezes. Eles sobrevivem até 5 dias no meio externo e começam a ser eliminados após 45-50 dias da infecção! O comprometimento e agravamento do quadro de infecção, assim como os sintomas manifestados, dependem dos locais por onde o parasito migrou, de fatores como o sistema imunológico do hospedeiro definitivo, a carga parasitária, a espécie do parasito e fatores associados ao hospedeiro intermediário. Durante a migração do ovo para a luz intestinal, pode ocorrer pequenas hemorragias e áreas de inflamação responsáveis pelo aparecimento de diarreia mucossanguinolenta e de outros distúrbios gastrointestinais. Além disso, podemos observar também a obstrução de vasos sanguíneos com comprometimento da pressão arterial, a formação do granuloma hepático (devido à inflamação granulomatosa provocada pela presença do ovo alojados nos sinusoides hepáticos), hepatomegalia e cardiomegalia. Os sintomas mais comuns são: febre, dor de cabeça, calafrios, dor no corpo, falta de apetite, tosse e diarreia. A esquistossomose pode se desenvolver em duas fases. São elas a fase inicial e tardia. Vamos conhecê-las? FASE INICIAL FASE TARDIA FASE INICIAL É marcada por uma fase aguda, onde os sintomas são altamente expressivos e detectados ou não são manifestados (casos assintomáticos). Quando o paciente é sintomático, este manifesta: dermatite cercariana (irritação na pele semelhantes a picadas de insetos), febre, fadiga, mialgia, cefaleia, indisposição, tosse seca e linfodenopatia. Para os casos assintomáticos, normalmente, os pacientes somente percebem quando reparam a saída de ovos viáveis nas fezes e/ou eosinofilia. Comumente, são encontradas crianças assintomáticas para esquistossomose. Essa fase dura em torno de 1-2 meses. FASE TARDIA Pode ser marcada por uma fase de longa duração (até 6 meses). A doença pode ser manifestada também em uma forma crônica marcada por tonturas, prurido, hemorragia digestiva, emagrecimento e impotência e pode ser caracterizada pela ascite (por isso, o nome barriga d’água), hiporexia ou desânimo, uma fase hepática, podendo virar hepatoesplenomegalia, e pseudoneoplásica. A complicação da doença é ainda pior quando o paciente apresenta alguma doença associada a distúrbios no sistema imunológico ou imunossupressão, tais como lúpus ou Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (AIDS). Nesses casos, pode haver manifestações clínicas ainda mais graves como salmonelose prolongada e abscesso hepático. FORMA CRÔNICA Formas crônicas de acordo com órgão que é acometido: hepatointestinal; hepática: fibrose periportal sem esplenomegalia; hepatoesplênica: fibrose periportal com esplenomegalia; formas complicadas (vasculopulmonar; glomerulopatia; neurológica; outras localizações: olho, pele, urogenital etc.; pseudoneoplásica; doença linfoproliferativa). É importante destacar que muitos de seus sintomas são comuns de outras doenças como as protozooses giardíase e amebíase,fazendo com que o diagnóstico seja, em muitos casos, tardio. Voltando ao exemplo anterior do grupo de mineiros que foram passar o carnaval na belíssima Chapada da Diamantina, os amigos relataram febre, prurido, dor de cabeça, calafrios e outros sintomas isolados e foram ao médico acreditando ser dengue ou mesmo outra virose, mas não uma parasitose! javascript:void(0) DIAGNÓSTICO DA ESQUISTOSSOMOSE O diagnóstico é feito por meio de exames laboratoriais de fezes (contagem manual ou automatizada dos ovos presentes nas fezes pelo método de Kato-Katz, recomendada pela Organização Mundial da saúde) e Lutz (sedimentação), método qualitativo mais utilizado nos laboratórios de análises clínicas. Para identificação dos ovos nas fezes, é necessária a visualização do ovoide com casca espessa, polo anterior mais delgado e posterior mais volumoso. Além disso, possuem um espinho ou espículo lateral, muito característico e essencial para sua identificação durante a análise das fezes. Em seu interior, é possível a visualização de uma célula embrionária ou miracídeo já formado (Figura 8). Figura 8: Ovo de Schistosoma mansoni. O exame parasitológico de fezes deve ser aplicado a partir de 45 dias de infecção, quando a carga parasitária está mais elevada e o ovo começa a ser liberado nas fezes do hospedeiro. Para que esse método tenha grande aplicabilidade, é necessário um laboratorista capacitado para análise do material, identificação parasitária específica e exames coadjuvantes, como coletas em dias alternados ou amostras sequenciais no mesmo dia. Além do exame de fezes, às vezes, é necessário o diagnóstico diferencial, principalmente em áreas endêmicas, nas quais a população pode possuir uma carga parasitária baixa, fazendo com que, no exame de fezes, não haja o aparecimento de ovos do parasito, podendo caracterizar em um resultado falso negativo. Sendo assim, o diagnóstico diferencial inclui o exame parasitológico mais específico e o imunológico. Os testes imunológicos são utilizados para detecção de anticorpos, a partir dos ensaios de intradermoreação, Elisa (Enzyme-Linked Immunosorbent Assay), Hemaglutinação e imunofluorescência. Além disso, pode ser realizado os exames histopatológicos. Figura 9: Corte histológico de tecido hepático apresentando o ovo de Schistosoma mansoni, coloração de Hematoxilina-eosina. Os exames histopatológicos detectam em biopsias retais, intestinais e de outros órgãos (pulmão, medula espinhal, pele, testículos, ovário, cérebro, pólipos intestinais) a presença de ovos, sendo a mais comum a biopsia hepática (Figura 9). ATENÇÃO Os ensaios imunológicos detectam anticorpos contra o parasita (imunofluorescência, ELISA) e são priorizados em áreas não endêmicas, pois, em muitos casos, os anticorpos permanecem circulantes no sangue, mesmo após o término da infecção. Além disso, a análise imunológica de uma população ajuda a montar o perfil de infecção de acordo com a localização geográfica e auxilia no estudo do padrão de uma população, pois identifica os fatores genéticos, ambientais, comportamentais e sociais que interferem na transmissão e na manutenção da doença no local. No exemplo apresentado no início do módulo, o grupo de mineiros foi diagnóstico a partir do exame de imunofluorescência indireta, pela detecção de anticorpos durante exames de rotina, pois os médicos não desconfiaram de uma parasitose. Existe ainda a possibilidade de realizarmos exames inespecíficos, como a ultrassonografia e o exame de sangue (hemograma e bioquímica). Ultrassonografia - A partir da ultrassonografia, podemos encontrar alterações hepáticas, esplênicas e do sistema porta. Outros exames de imagem podem ser realizados, como endoscopia, ressonância magnética e eco-doppler-cardiografia, para avaliar alterações em outros órgãos como pulmão e esófago. Exame de sangue - No exame de sangue, a presença de eosinofilia no hemograma é indicativo de infecção por parasitas, pois, como sabemos, esse tipo de leucócitos são os principais fagócitos na resposta imune inata contra os parasitas. Além disso, os casos de infecção por platelmintos, o número de eosinófilos circulantes é maior, facilitando o diagnóstico e/ou a comprovação da infecção. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Vale ressaltar que a eosinofilia acentuada é mais marcante na fase aguda da doença. Já na forma crônica da doença existe anemia, trombocitopenia, um quadro grande de leucopenia e comprometimento de alguns órgãos como fígado com aumento das enzimas hepáticas (fosfatase alcalina, gama glutamil transferase e transaminases, as famosa ALT e AST) e renal apenas nos casos de nefropatia esquistossomótica avançada. TRATAMENTO DA ESQUISTOSSOMOSE Em 1975, foi criado o programa especial de controle da esquistossomose e, graças a essa iniciativa, muitos medicamentos foram distribuídos para as populações e grupos de risco. O tratamento da doença é realizado com Praziquantel e Oxaminiquine. Esses fármacos atuam como medicamentos de primeira e de segunda escolha, respectivamente. Eles apresentam baixa toxicidade e a eficácia do tratamento gira em torno de 80% dos casos, em adultos, e 70% em crianças de até 15 anos. Atualmente, prefere-se o Praziquantel, por apresentar o menor custo, embora muitos estudos já tenham relatado casos de resistência do parasito ao medicamento. Figura 10: Estrutura molecular da molécula de Praziquantel. O medicamento Praziquantel é o fármaco mais receitado pelos médicos para o tratamento da esquistossomose e é distribuído gratuitamente pelo Ministério da Saúde. Esse medicamento inibe a bomba Na+/K+, aumentando a permeabilidade da membrana do helminto a alguns íons, como o cálcio. O aumento intracelular de cálcio gera um aumento do tônus muscular, formação de vacúolos e destruição tegumentar. Além disso, o Praziquantel perturba o metabolismo glicídico dos vermes, ocasionando redução na captação de glicose e liberação aumentada de lactato. Para os adultos, é administrado em dose única (50 mg/kg) e para crianças, normalmente, fracionada. Embora possua alta eficiência, não deve ser administrado em mulheres grávidas, por existir a possibilidade de ser excretado no leite materno e gerar insuficiência renal. Figura 11: Estrutura molecular da molécula de Oxaminiquine. Já o Oxaminiquine (Figura 11) é administrado em dose mais baixa (15 mg/kg) e somente após refeições, e sua eficácia é entre 80-95%. Seu mecanismo de ação não é bem elucidado, mas parece envolver a interrupção dos ciclos de vida do parasito, desestabilizando as estruturas celulares do platelminto e destruindo o material genético, atuando nos diferentes estágios evolutivos. Esse medicamento apresenta como efeitos adversos sonolência, tonturas e, em menor número de casos, alucinação e convulsão. O tratamento também pode ser feito de acordo com o processo evolutivo da doença. Fase Inicial - A fase inicial é caracterizada, normalmente, por dermatite cercariana, e é tratada com medicamentos anti-histamínicos e corticosteroides para cessar o processo alérgico. Além disso, é frequente o aparecimento de febre alta e desidratação devido a processos diarreicos. Sendo assim, recomenda-se a ingestão de água em grandes quantidades, antitérmicos e anestésicos. Fase Crônica - A fase crônica da esquistossomose é caracterizada por hepatoesplenomegalia e inflamações hepatointestinais. A utilização de betabloqueadores é importante, pois bloqueiam os receptores de noradrenalina, sendo protetores contra alterações de pressão, ajuste no funcionamento dos rins e no intestino e controle sobre os canais de cálcio do corpo. BETABLOQUEADORES javascript:void(0) São uma classe de fármacos que tem em comum a capacidade de bloquear os receptores β (beta) adrenérgicos, impedindo assim a ação da epinefrina e noradrenalina. Possuem diversas indicações, particularmente como antiarrítmicos, anti-hipertensiva e na proteção cardíaca após infarto do miocárdio.Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Em alguns casos, pode ainda ser indicado um tratamento cirúrgico, normalmente, em pacientes com hipertensão portal esquistossomótica. AS MEDIDAS PROFILÁTICAS DA ESQUISTOSSOMOSE As medidas profiláticas variam entre saneamento básico adequado, controle do molusco, educação em saúde e programas de melhoria e conscientização de higiene básica nas populações grupos de risco. Não existe, atualmente, nenhum programa governamental de prevenção da esquistossomose e de medidas de melhoria e incentivo ao diagnóstico diferencial. Devido a essas questões, a doença continua sendo extremamente comum no Brasil e com subnotificação dos casos, dificultando o seu controle e prevenção. ANÁLISE DE ESTUDOS DE CASO ENVOLVENDO A ESQUISTOSSOMOSE NO BRASIL FASCÍOLA HEPÁTICA E FASCIOLÍASE A fasciolíase (ou “baratinha do fígado”) é causada pelo platelminto Fasciola hepatica (Figura 12). Este parasito é, majoritariamente, encontrado em animais de grande importância veterinária, tais como: bois, vacas e ovelhas. Ao atingir o rebanho, há um alto índice de mortalidade, trazendo grandes perdas econômicas. Quando o parasito infecta o hospedeiro, costuma gerar o comprometimento no fígado, tecido muscular e da carcaça quando o animal é abatido. Além disso, existe também a redução na produção do leite, a diminuição da fertilidade, o retardo no crescimento e desenvolvimento e a diminuição do peso desses animais, causando uma elevada perda econômica. Figura 12: Fasciola hepatica, verme adulto. A doença pode ser encontrada no mundo todo, principalmente em locais quentes e úmidos, que são melhores para o desenvolvimento do hospedeiro intermediário, o caramujo Lymneae columela e nos locais com muitos lagos e lagoas, ideias para o desenvolvimento do parasito. No mundo, os locais de maior índices da doença são Europa, China e América do Sul. ATENÇÃO No Brasil, dados do Serviço de Inspeção Federal indicam que mais de 120 mil animais abatidos na região Sudeste do país estão infectados e, na região Sul, há uma prevalência de 63,9% de animais infectados (bovinos). Vale ressaltar que esses dados são recolhidos através da análise de carcaças que foram disponibilizadas para consumo. No Sul e no Sudeste do Brasil, não apenas bovinos e caprinos são atingidos, como também equinos e suínos. Essa transmissão é facilitada em muitos casos pela falta de higiene nos abatedouros e nos criadouros dos animais. Em muitos casos, a fiscalização das carcaças não é adequada e os animais não são bem cuidados e examinados com frequência. Além disso, um animal vivo infectado que é deslocado para outra fazenda ou abatedouro tem a capacidade de disseminar a doença. Essa negligência acaba acometendo o solo, tornando-o contaminado com as larvas desse parasito, que são eliminadas pelas fezes dos animais infectados. Caso haja uma plantação ou algum alimento de origem vegetal que possa ser cultivado nesse solo, existe a contaminação do alimento. Ao ingerir este alimento contaminado, seja o homem seja o animal herbívoro, existe possibilidade de infecção. Como percebemos, o homem dentro desse contexto entra como um hospedeiro acidental, sendo inserido no ciclo de transmissão ao ingerir um alimento de origem vegetal ou animal que tenha tido contato com esterco de animais infectados. CICLO DE VIDA E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS O animal (suíno, caprino, equino ou bovino) infectado elimina através das fezes os ovos não embrionados do platelminto. Em seguida, esses ovos tornam-se embrionados, liberando os miracídios que invadem o corpo do caramujo da espécie Lymneae columela (Figura 13). Figura 13: Caramujo da espécie Lymneae columela. Figura 14: Metacercárias de Fasciola hepatica. Podemos observar na imagem invólucros arredondados e organelas presentes no interior. No caramujo, o parasito passa por modificações para diversos estágios: esporocistos, rédias e cercárias. As cercárias saem do caramujo, são fixadas à vegetação aquática nas margens dos rios e lagos, perdem a cauda e vão para o estágio de metacercárias (forma cística) (Figura 14). Os ruminantes (hospedeiro definitivo) e o homem (hospedeiro acidental) ingerem as metacercárias presentes nos alimentos vegetais e água contaminados. Ao chegar ao intestino, as metacercárias liberam as larvas que migram até o duodeno, atingem o parênquima hepático e os dutos biliares, tornam-se adultos com 3 cm de comprimento após 3-4 meses da infecção. As fêmeas produzem os ovos que são eliminados no ducto colédoco e liberados nas fezes. SAIBA MAIS O homem torna-se o hospedeiro acidental ao ingerir as metacercárias presentes nos alimentos vegetais contaminados, principalmente, no agrião. Vamos conhecer melhor o ciclo desse parasita visitando o esquema a seguir (Figura 15): Figura 15: Ciclo de vida da Fasciola hepática. O hospedeiro definitivo ou acidental pode apresentar perda de peso, diminuição do apetite, edema submandibular, abdômen dilatado, respiração acelerada, diarreia e morte. Uma vez atingido o fígado, há uma grande dificuldade de desintoxicação, estimulando a liberação de radicais livres pelos hepatócitos. Com isso, torna-se difícil a metabolização de fármacos e alguns alimentos, agravando o quadro da doença. No homem, a doença pode ser manifestar da forma aguda, crônica ou grave. INFECÇÃO AGUDA INFECÇÃO CRÔNICA INFECÇÃO GRAVE INFECÇÃO AGUDA Caracterizada por febre, eosinofilia, dor abdominal, hepatomegalia, vômitos e diarreia. INFECÇÃO CRÔNICA É, em sua maioria, assintomática, podendo manifestar colangite, icterícia e pancreatite. INFECÇÃO GRAVE Pode desencadear em cirrose biliar, colangite esclerosante e, em casos extremos, a morte. DIAGNÓSTICO DA FASCIOLÍASE O diagnóstico consiste na detecção dos ovos de trematoides a partir dos exames de fezes. Os ovos apresentam cor amarelada, forma elíptica, casca fina, opérculo (permite a saída das larvas em contato com a água) em uma das extremidades e são grandes (130 a 150 µm de comprimento por 60 a 100 µm de largura). No interior do ovo, há uma massa granulosa de células vitelinogênicas e, no meio dela, há uma célula-ovo com o seu núcleo (Figura 16). Figura 16: Ovos de Fasciola hepatica. Observe a presença do operáculo (seta) na extremidade superior do ovo. Além disso, podem ser solicitados exames imunológicos para detecção de anticorpos quando a carga parasitária é baixa, ou seja, nos estágios iniciais da doença antes que os ovos sejam produzidos ou na infecção crônica quando os ovos são produzidos de forma esporádica. Pode ser solicitado também exames de imagem (ultrassonografia, tomografia, ressonância magnética) para detectar lesões hipodensas no fígado durante a fase aguda e alterações do trato biliar na doença crônica. Entretanto, na maioria dos casos, existe uma demora na caracterização dos parasitos nos exames de fezes, o que leva a um diagnóstico tardio e a maior comprometimento dos órgãos. Assim, normalmente, o diagnóstico baseia-se na sintomatologia clínica, exames hematológicos, análise das características clássicas de comprometimento abdominal, fezes líquidas ou pastosas, quadros diarreicos de alta frequência e arritmia cardíaca. TRATAMENTO DA FASCIOLÍASE O tratamento humano é mais difícil do que o realizado para os hospedeiros definitivos. Não é recomendada a utilização de Praziquantel e Albendazol, embora seja um medicamento antiparasitário. ATENÇÃO Para os casos agudos, recomenda-se Triclabendazol (10 mg/kg via oral) uma vez após uma refeição ou, nas infecções graves, duas vezes com intervalo de 12 a 24 h) em dose única. O mecanismo de ação desse medicamento não está bem elucidado, mas parece estar relacionado com a desorganização estrutural do tegumento pela interferência na polimerização dos microtúbulos e tem ação tanto no estágio adulto como no imaturo. Para casos subagudos, os medicamenteos Brotianida e Nitazoxanida (500 mg via oral 2 vezes ao dia por 7 dias),que também causam a desestabilização do tegumento do parasito, apresentam uma menor toxicidade e podem ser aplicados por mais tempo. Em conjunto com esta, outros medicamentos são usados: Rafoxanida, Nitroxinil, Brotianida, Closantel, Oxiclazanida e Triclabendazol. MEDIDAS PROFILÁCTICAS DA FASCIOLÍASE Como medida profilática, recomenda-se a inspeção adequada e rotineira de carcaças de animais, inspeção e higienização dos locais nos quais os animais ficam confinados, limpeza adequada do solo para evitar a contaminação com as fezes desses animais, acompanhamento veterinário dos ovinos, caprinos, suínos e equinos de locais endêmicos. Além disso, a higienização correta dos alimentos removidos do solo, não ingestão de agrião ou outras verduras provenientes de locais endêmicos e evitar o despejo de dejetos humanos em córregos, rios e lagos. VERIFICANDO O APRENDIZADO MÓDULO 2 Explicar as características gerais, as principais parasitoses, a epidemiologia e o diagnóstico dos platelmintos da classe Cestoda de importância clínica CLASSE CESTODA A classe Cestoda é constituída por endoparasitas obrigatórios e apresenta como principais representantes as tênias. Esses organismos são achatados, longos, podem chegar até 8 metros de comprimento. Elas são compostas de uma cabeça (escólex), logo abaixo vêm o pescoço e o corpo, que é formado por anéis conhecidos como proglotes. As tênias são popularmente conhecidas como solitárias, você imagina por quê? RESPOSTA Elas são hermafroditas, apresentando os dois sistemas reprodutores (masculinos e femininos) dentro de uma mesma proglote. Essas proglotes podem se autofecundar ou realizar uma fecundação cruzada. A primeira opção de reprodução é vantajosa por ser um processo rápido e com menos gasto energético, já a segunda forma de reprodução possibilita uma maior variabilidade genética, porém demanda mais energia e tempo. Assim, elas conseguem reproduzir sozinhos no interior do trato gastrointestinal do hospedeiro, e por isso são popularmente conhecidas como “solitárias”. Os hospedeiros apresentam um quadro característico de perda de peso acentuada e aumento na fome. Figura 17: Tênia, a famosa solitária. Após a fecundação, as proglotes encontram-se no que é conhecido como estado “gravídico”, isto é, são consideradas grávidas e apresentam ovos em seu interior. Cada proglote grávida é eliminada nas fezes do hospedeiro, liberando os cisticercos no ambiente. Os cisticercos são pequenos e de difícil visualização, com isso, é comum a contaminação da água, solo e alimentos próximos ao local de despejo dessas fezes (humanas ou não). Essa contaminação será o gatilho para a transmissão de duas formas de infecção, causadas pelo parasito em estágios diferentes da vida: Teníase (parasito adulto - tênia) e Cisticercose (ovo do parasito). TAENIA SOLIUM E TAENIA SAGINATA: TENÍASE Existem duas espécies de tênias que infectam o homem: Taenia solium (T. solium) Taenia saginata (T. saginata) O homem é o hospedeiro definitivo do ciclo de vida desses parasitos e cada um possui um hospedeiro intermediário específico. Na T. solium, o hospedeiro intermediário são os suínos e para a T. saginata, são os bovinos. Os dois parasitos entram em contato com o homem através da ingestão de carne crua ou mal passada desses animais de abate infectados. As duas tênias possuem uma estrutura denominada escólex, que possui ventosas e ganchos (T. solium) ou apenas ventosas (T. saginata), fazendo com que sejam conhecidas respectivamente, como tênia armada e desarmada (Figuras 18 e 19). Figura 18: Taenia solium com suas ventosas e ganchos associadas ao escólex. É conhecida como tênia armada. Possui como hospedeiro intermediário os suínos. Figura 19: Taenia saginata com suas ventosas associados ao escólex. Conhecida como tênia desarmada. Possui como hospedeiro intermediário os bovinos. Vamos iniciar entendendo como acontece a infecção no caso da teníase? INGESTÃO DOS OVOS DOS PARASITAS PELO HOSPEDEIRO INTERMEDIÁRIO ESTABELECIMENTO DO PARASITA NO HOSPEDEIRO INTERMEDIÁRIO INFECÇÃO DO HOSPEDEIRO DEFINITIVO INGESTÃO DOS OVOS DOS PARASITAS PELO HOSPEDEIRO INTERMEDIÁRIO O ciclo começa quando os hospedeiros intermediários (suínos e/ou bovinos) são infectados ao ingerirem os ovos do parasito (T. solium ou T. saginata) ou proglotes encontradas no ambiente. Essa ingestão pode ocorrer através de alimentos contaminados, contato direto com fezes de outros animais infectados, principalmente, devido ao confinamento sofrido por muitos animais em abatedouros e criadouros. Destaca-se a possibilidade de o suíno ter também contato com fezes humanas contaminadas, especialmente quando são confinados em locais com região de saneamento básico precário e higiene inadequada. ESTABELECIMENTO DO PARASITA NO HOSPEDEIRO INTERMEDIÁRIO Após a ingestão dos ovos, os embriões eclodem no trato gastrointestinal de suínos e bovinos devido à influência de enzimas digestivas. Esses embriões, em um período de 24-72 horas, fixam, penetram e proliferam nas células intestinais. Em seguida, eles caem na circulação sanguínea e disseminam pelo corpo do animal, conseguindo ficar alojados em diversas regiões do corpo. Os ovos são esféricos, medem cerca de 30 mm de diâmetro e possuem 6 pequenos ganchos. Vale ressaltar que os ovos de Taenia solium podem possuir mais ganchos do que os Taenia saginata. INFECÇÃO DO HOSPEDEIRO DEFINITIVO O hospedeiro definitivo se contamina quando ingere os cisticercos (ovos alojados nos tecidos moles, como pele, músculos esqueléticos e cardíacos, olhos, cérebro etc. do hospedeiro intermediário), provenientes da ingestão de carne crua ou mal passada contaminada. Os cisticercos quando chegam ao intestino, por meio da ação das enzimas digestivas, se rompem liberando os embriões. Esses embriões por sua vez se fixam na parede do intestino via escoléx e se tornam vermes adultos. Após 2 meses e meio, o homem passa a liberar as proglotes da tênia pelas fezes e pode contaminar o solo, os alimentos e a água, caso resida em um local de despejo de esgoto a céu aberto ou área de saneamento básico precário (Figura 20). Figura 20: Ciclo de vida da Taenia sp. A carne contaminada com os cisticercos do parasito pode ser facilmente observada (Figura 21) em alguns casos por desenvolver nódulos. Figura 21: Cisticercos de Taenia sp. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA TENÍASE A Teníase é marcada por sinais clínicos brandos, como dores abdominais, diarreia, cefaleia, perda de peso, aumento de apetite, calafrios, febres (pouco frequentes) e enjoos. Algumas complicações como processos alérgicos, inflamações e dificuldade de absorção de nutrientes também podem surgir e dependem do tamanho do parasito, do sistema imunológico do hospedeiro e das estruturas do trato gastrointestinal atingidas. ATENÇÃO Normalmente, nos homens, a infecção é assintomática. O diagnóstico tardio pode levar a um aumento da gravidade da doença e a maiores complicações. Além disso, infecções assintomáticas contribuem para o aumento da disseminação da doença no ambiente. DIAGNÓSTICO DA TENÍASE O diagnóstico da doença no hospedeiro definitivo é realizado através da observação de proglotes e ovos nas fezes. As proglotes podem ser observadas pelos pacientes a olho nu, pois são eliminadas espontaneamente e nem sempre são observadas nos exames de fezes. Os ovos de tênia são arredondados, apresentam casca espessa, radiada com o embrião hexacanto em seu interior (Figura 22). Figura 22: Ovos de Taenia sp. VOCÊ SABIA Você sabia que as tênias adultas possuem tropismo por locais mais quentes do corpo? Por isso, é um hábito muito comum, principalmente, em regiões rurais, a ingestão de leite de coco quente 3 vezes ao dia ou até mesmo o paciente sentar-se em uma bacia de leite quente. Essa prática facilita a saída ativa das tênias pelo ânus (Figura 23). Figura 23. Taenia saginata. Podemos ainda realizar a biópsia de tecidos, quando realizada, possibilita a identificação microscópicada larva. SAIBA MAIS O diagnóstico no hospedeiro intermediário se dá pela inspeção de sua carcaça no estado post mortem. É importante ressaltar que a infestação das carcaças com os ovos do parasito é monitorada por inspeção sanitária, sendo obrigatório o descarte da carcaça inteira quando ultrapassa o limite considerado como “infecção leve”. Essa medida é realizada após incisão da musculatura e dos órgãos e a visualização dos cisticercos. No entanto, quando a carga parasitária é pequena no hospedeiro intermediário, a caracterização dos ovos na carcaça dos animais torna-se difícil de ser detectada nas rotinas de inspeção, fazendo com que muitas carcaças não sejam totalmente descartadas, permitindo o comércio de órgãos contaminados. TAENIA SOLIUM E CISTICERCOSE Você sabia que teníase e cisticercose são infecções diferentes? A Teníase é, por muitas vezes, confundida com a cisticercose, por isso, muitos autores a consideram um complexo, teníase-cisticercose. No entanto, na teníase, as pessoas se infectam ao comer a carne de porco (hospedeiro intermediário) mal passada contendo os cistos de larvas de tênia (chamados de cisticercos). De forma diferente, na cisticercose, o homem é o hospedeiro intermediário e se contamina ao ingerir verduras e legumes contaminados com ovos do parasito (Figura 24). Figura 24: Teníase x cisticercose. SAIBA MAIS Alguns autores acreditam que a infecção possa ocorrer pelas proglotes de tênias grávidas de parasitas alojados no intestino. As proglotes grávidas podem migrar do intestino para o estômago, liberando as oncosferas e migrar para tecidos subcutâneos, vísceras e sistema nervoso central. A cisticercose é caracterizada pela infecção através da ingestão de ovos de T. solium. Alguns autores já relataram casos de cisticercose associados à T. saginata, porém são extremamente raros. Os suínos são animais monogástricos, que se alimentam com produtos de origem animal e vegetal, porém seu comportamento os expõe constantemente a fezes de outros animais, inclusive, a de outros porcos. Esse comportamento faz com que possam ingerir fezes junto da comida, gerando uma possibilidade de autoinfecção pelos cisticercos, aumentando a carga parasitária em seu corpo. SAIBA MAIS A autoinfecção é extremamente comum quando o organismo apresenta hábitos coprofágicos como os suínos. Você sabia que a coprofagia é um hábito também humano? Esse comportamento é muito encontrado em indivíduos que possuem transtornos mentais ou alucinações, estando associado a doenças como esquizofrenia e alguns graus de autismo e pode levar ao desenvolvimento da cisticercose. A circulação de animais infectados com a T. solium em campos e fazendas promove o aumento da liberação de ovos, através das fezes e, consequentemente, gera a contaminação do solo, do plantio que é utilizado para alimentação dos próprios animais (porcos e bois) ou destinado para a população humana. Ao ingerir os alimentos contaminados com o ovo, há a eclosão do embrião no intestino e migração através da circulação sanguínea para vários órgãos do corpo: pulmão, globo ocular ou sistema nervoso central (SNC). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA CISTICERCOSE Normalmente, a doença é assintomática. No entanto, o agravamento da doença e o aparecimento de sintomas ocorre quando esses parasitos ficam alojados no SNC do hospedeiro, desencadeando processos inflamatórios, alterações cognitivas e alteração na pressão da caixa craniana, caracterizando a neurocisticercose. Quando acomete o SNC, ela é chamada neurocisticercose e pode ser encontrada em vários hemisférios cerebrais (Figura 25). Figura 25: Infestação de cisticercos de Taenia soliumem um cérebro humano. No globo ocular, cisticercose ocular, é comum a saída ativa do verme, obstrução dos vasos sanguíneos, cegueira moderada ou total e hemorragias na retina. Suas complicações clínicas podem envolver alucinações, desmaios, cefaleia, deficiência cognitiva, comprometimento de fala, comprometimento de movimentação, cegueira, debilidade visual, coágulos cerebrais, acidentes vasculares cerebrais e em casos muito extremos, epilepsia. As manifestações clínicas da cisticercose são mais graves do que da teníase, pois causam problemas específicos associados ao alojamento do cisticerco em diversos locais do corpo, incluindo o SNC e o globo ocular. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DA CISTICERCOSE Poucos pacientes com neurocisticercose apresentam parasitas no intestino, então não são detectados ovos nas fezes. O diagnóstico é realizado através da identificação de distúrbios psiquiátricos e neurológicos, registro de epilepsia, loucura, deficiência cognitiva, sangramento nasal e desmaios. Além disso, podem ser realizados estudos sorológicos de imunofluorescência e hemaglutinação no soro e Líquido cefalorraquidiano (líquor) para detectar anticorpos e confirmar o diagnóstico da neurocisticercose. Em conjunto com esses exames, recomenda-se a utilização de exames de imagem: raios X (observação dos cisticercos calcificados), tomografia e ressonância magnética (são capazes de visualizar e identificar cisticercos em diferentes fases de seu desenvolvimento), rever figura 25. O diagnóstico pode ainda estar associado ao local de deposição do cisticerco com a observação dos efeitos colaterais (alucinações, deficiência cognitiva) e a saída ativa de tênias adultas, como por exemplo, pelo vômito. TRATAMENTO DA TENÍASE E DA CISTICERCOSE O tratamento da teníase é realizado através do consumo de antiparasitários (Praziquantel e Niclosamida). O medicamento é responsável por imobilizar a tênia e facilitar sua saída nas fezes. Entretanto, em alguns casos, as ventosas e ganchos permanecem fixadas na parede intestinal, gerando inflamações e processos alérgicos. Nesses casos, é necessária a remoção cirúrgica do parasita, pois o escólex fixado no intestino pode dar origem a novas proglotes após alguns dias. RECOMENDAÇÃO DE MEDICAMENTOS Normalmente, é feito o seguinte esquema terapêutico: Mebendazol: 200 mg, 2 vezes ao dia, por 3 dias, via oral (Via Oral); Niclosamida ou Clorossalicilamida: recomendado para adultos e crianças com 8 anos ou mais a dose de 2 g, e crianças de 2/8 anos, a dose de 1 g, via oral; Praziquantel, em dose única, 5 a 10 mg/kg de peso corporal ou Albendazol, 400 mg/dia, durante 3 dias. Para a cisticercose, é recomendado o Praziquantel, na dose de 50 mg/kg/dia, durante 21 dias, associado à Dexametasona, para reduzir a resposta inflamatória, consequente da morte dos cisticercos. Embora a medicação seja eficiente contra esses parasitos, em alguns casos, pode haver registro de resistência ou de complicações, como a permanência da fixação do parasito. MEDIDAS PROFILÁTICAS DA TENÍASE E DA CISTICERCOSE As medidas profiláticas da teníase e da cisticercose podem ser trabalhadas em conjunto, ainda que se trate de doenças diferentes, pois as formas de transmissão estão associadas. Figura 26: Inspeção em criadouro de suínos. A profilaxia de ambas as doenças está associada à higienização correta dos abatedouros, inspeção frequente nos animais, avaliação visual macroscópica de cisticercos alojados nas fibras musculares dos animais de abate e incisões em locais de preferência do alojamento desse parasita. Entretanto, durante a inspeção dos órgãos, estes não são dilacerados para não atrapalharem sua comercialização. Essa prática de inspeção superficial aumenta a probabilidade de serem vendidos e comercializados para a população carcaças contaminadas. É importante destacar que o tratamento preventivo dos animais de abate é uma medida de profilaxia, que pode ser adotada para aqueles que ainda não estão contaminados e apresentam contato com as fezes de outros animais contaminados. Como medidas profiláticas adotadas ao homem, recomenda-se a ingestão de carnes bem passadas, compradas de locais de boa procedência, higienização das mãos e dos alimentos manipulados e a higienização adequada ao manipular a carcaça ou carne de animais.EPIDEMIOLOGIA DA TENÍASE E DA CISTICERCOSE A incidência de cisticercose e teníase estão relacionadas às condições socioeconômicas de cada local, principalmente, a exposição da população a carnes de má qualidade ou consumo de alimentos em locais com baixa higiene e de pouca procedência, tais como verduras, legumes ou água potencialmente contaminados. A prevalência e transmissão da doença é frequente em locais onde, culturalmente, há o hábito de ingerir carnes mal passadas ou cruas. ATENÇÃO Estima-se que haja pelo menos 70 milhões de pessoas infectadas pela T. saginata e 2,5 milhões de pessoas infectadas pela T. solium, a diferença nos casos registrados acompanha a ingestão maior de carne bovina do que suína no mundo. A Teníase, causada pela T. saginata, é encontrada em quase toda América Latina, atingindo ao todo 18 países, além da prevalência também na Ásia Central e Oriente Médio. Já a T. solium é descrita como a responsável pelos maiores índices de teníase na América Latina. A cisticercose bovina é reportada em todos os estados brasileiros, principalmente, no Mato Grosso do Sul. Já a cisticercose suína praticamente não é reportada, devido ao diagnóstico equivocado das carcaças de porcos e ao frequente abate clandestino desses animais, principalmente nas regiões Norte e Nordeste do país. É importante destacar que a cisticercose e teníase bovina são altamente notificadas, mas sabemos que existe grande negligência na notificação da manifestação em suínos e humanos, pois ela não é considerada uma doença de notificação compulsória, fazendo com que seu registro seja equivocado na população e haja subnotificação dos casos. A inconsistência de dados registrados e diagnosticados dificulta a montagem do padrão de transmissão da doença e o estudo de sua epidemiologia. Além da problemática em saúde pública, a teníase pode estar associada a perdas econômicas graves, pois, ao atingir os rebanhos, pode provocar o descarte de carcaças. A Inspeção Sanitária de Carnes é realizada em estabelecimentos que podem ser caracterizados como matadouros-frigoríficos, e apresenta o objetivo de promover atividades preventivas ao afastar e proibir do mercado carnes consideradas como impróprias para o consumo ou que possam ser potencialmente prejudiciais. Dentre todas as alterações em carnes bovinas, levando em consideração vários tipos de parasitos que atingem esses animais, a cisticercose ocupa o 1º lugar em número de achados que determinam a retenção de carcaças. SAIBA MAIS O estudo das doenças causadas por platelmintos é extremamente relevante para a saúde do mundo. As doenças causadas por esses parasitos são, em sua maioria, negligenciadas. A negligência ocorre desde as condições em que a população mais atingida vive até o diagnóstico tardio. Dentro desse contexto, a educação em saúde torna possível mudar essa realidade, pois é através da informação, do compreendimento das questões sociais e ambientais envolvidas, do conhecimento sociopolítico no qual a doença está inserida e a busca pelo conhecimento que podemos mudar o padrão de doenças. O Brasil ocupa a oitava posição econômica do mundo, porém não estamos na mesma posição em saneamento básico, saúde pública e educação. A seguir, vamos ver um mapa conceitual das formas de transmissão das doenças provocadas pelos principais platelmintos de importância médica estudadas ao longo desse tema (Figura 27). Figura 27: Mapa conceitual das formas de transmissão das doenças provocadas pelos principais platelmintos de importância médica. ANÁLISE DE ESTUDOS DE CASO ENVOLVENDO O COMPLEXO TENÍASE- CISTICERCOSE NO BRASIL VERIFICANDO O APRENDIZADO CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Aprendemos ao longo dessa jornada as principais doenças causadas por platelmintos de importância médica, conhecendo o ciclo de vida dos parasitas, as principais manifestações clínicas, a epidemiologia, como realizar o diagnóstico dessas parasitoses, tratamento e medidas de profilaxia. Vimos também como elas são na sua grande maioria negligenciadas, mesmo com a grande importância no contexto econômico e prevalência e incidência no Brasil. PODCAST AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS BARSZCZ, A. M. et al. Prevalência da cisticercose em carcaças de bovinos abatidos em frigorifícos no municipio de Rolim de Moura, submetidos ao controle do serviço de inspeção federal (SIF-RO), de Janeiro 2005 a Fevereiro de 2007. In: Rev. Arquivo Neuropsiquiatria. 63(4): 1058-1062, 2005. CALASANS, M. W. M. Ocorrência de Cysticercus cellulose e Cysticercus bovis em Matadouro-Frigorífico no Estado do Sergipe. Monografia (Lato - Sensu em Higiene e Inspeção de Produtos de Origem Animal) - Pernambuco, Universidade Federal Rural do Semi- Árido. Recife-Pernembuco, 2009. COLLINS III, J. J. Platelmintos. In: Current biology. 27(7): 252- 256, 2017. CONCEIÇÃO, M. J.; CORRÊA, A.; TEIXEIRA, A. et al. Partial lack of susceptibility to Schistosoma mansoni infection of Biomphalaria glabrata strains from Itanhomi (Minas Gerais, Brazil), after fourteen years of laboratory maintenance. In: Mem Inst Oswaldo Cruz 94(3):425-6, 1999. KATZ, N. 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CONTEUDISTA Anna Fernandes Silva Chagas do Nascimento CURRÍCULO LATTES javascript:void(0); javascript:void(0);
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