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@vestibularesumido 89 O corpo transgressor Os artistas dadaístas, ainda nas décadas de 1910 e 1920 passaram a uti l izar técnicas interdisciplinares com a intenção de incorporar uma realidade física no embate contra as representações tradicionais. A estabilidade do plano da pintura já havia sido rompida com colagens, fotomontagens, performances, ambientes e montagens criados pelo movimento Dadá no Cabaret Voltaire. O foco do Surrealismo pelo inconsciente e pelas formas primitivas de comunicação abriu espaço para que a arte moderna se interessasse também por culturas vistas como "primitivas" ou fora do centro ocidental. Assim, rituais, tatuagens, pinturas corporais, perfurações e costumes de práticas de sacrifícios formavam uma nova perspectiva em contraponto ao olhar racionalista ocidental, passando gradualmente a fazer parte da arte ocidental. Nas artes, as décadas de 1960 e 1970 testemunharam um rompimento irreversível das tradicionais disciplinas, como pintura, escultura, gravura e desenho. As performances, especificamente, firmaram-se como um campo híbrido e permeável, seja em dança, música, artes visuais ou teatro. O uso do corpo e ações sem ensaios eram a base desse tipo de arte, que transformou grande parte da concepção artística de então. De fato, essa mudança singular coloca o corpo do artista e sua ação como obra de arte imediata e efêmera, uma vez que a obra acontecia apenas no tempo da ação. Happenings: ampliando as fronteiras Os happenings, ou acontecimentos, são eventos artísticos abertos que permitem a interação do público com as obras propostas por artistas da vanguarda dos anos 1960 em diante. Até então, na cena artística, não havia essa ideia de interação com obras. Os happenings mesclavam dança, teatro, poesia e pintura numa clara herança das noites dadaístas. Allan Kaprow (1927-2006) cunhou o nome em 1959 para um trabalho chamado 18 happenings em 6 partes. O artista costumava criar instruções que eram sugeridas ao público. Em Quintal (Figura 10), vislumbra-se parte do espírito vivenciado na época em que surgiram os happenings. Kaprow encheu a galeria de arte com pneus, e sua proposta era uma interação livre com os objetos. Por ser a arte da ação, de um acontecimento que sé dá com o público, há muita ênfase no improviso. O Fluxus foi o grupo mais importante da arte de vanguarda dos anos 1960. George Maciunas (1931-1978) foi quem concebeu a ideia. Tratava-se de um grupo fluido e aberto, sem regras definidas e marcado pelo experimentalismo. Kaprow, John Cage, Yoko Ono, Joseph Beuys e Nam June Paik são alguns dos artistas que participaram do Fluxus, que se formou internacionalmente. Os artistas do grupo tinham em comum a concepção de obras multimídia e de proposições abertas para a participação do público. Ao longo do tempo, mantiveram-se como referencial para a produção de obras performáticas e audiovisuais. Nas artes visuais, cênicas e tecnológicas, o caráter transgressor do grupo também foi marcante. Figura 10. Allan Kaprow. Quintal. 1961. Galeria Martha Jackson, Nova lorque. As performances de Marina Abramovié A performance é uma expressão multidisciplinar que tem a ação do artista como essência do trabalho. Marina Abramovié (1946) talvez seja a artista performática mais famosa no mundo da arte atualmente. Na década de 1970, fez uma série de performances radicais, impondo seu corpo a diversos testes físicos, como experimentar remédios psicotrópicos, gritar até os limites da voz, empurrar paredes utilizando o próprio corpo ou "brincar" de espetar uma faca entre os dedos. Ações extremas, que mostraram o caráter transgressor da artista, foram presenciadas na peça Rhythm 5, de 1974, em que ela se deitou no centro de uma estrela de cinco pontas feita com toras de madeira em chamas, chegando a desmaiar após quase uma hora. Alguém da plateia percebeu o desmaio e ela foi retirada de lá. A ação Rhythm 0, do mesmo ano, consistia na artista em pé, diante de uma mesa com vários objetos em galeria em Nápoles, Itália. O público presente poderia fazer o que quisesse com a artista, como cortar sua roupa ou rabiscar seu corpo. Num momento de tensão, alguém do público colocou uma arma carregada, um dos objetos disponíveis na mesa, na mão de Abramovié e a apontou para o pescoço da artista, ação que precisou ser contida pelos seguranças. Essa performance expôs os limites os quais o público era capaz de romper. Durante 12 anos de sua vida, atuou conjuntamente com seu companheiro Ulay (1943). Quando se separaram, em 1988, para simbolizar o término da relação, fizeram uma performance chamada Os amantes, na qual cada um saiu de uma das extremidades da muralha da China em direção ao ponto central. Ao se encontrarem, após andarem por 2,5 mil quilômetros, se abraçaram e não mais se viram, até o ano de 2010, quando se reencontraram durante a performance A artista está presente (Figura 11). O CORPO TRANSGRESSOR @vestibularesumido 90 Do começo de sua carreira até os dias de hoje, foram dezenas de performances. Além disso, produziu objetos e esculturas e, também, desenvolveu um método de ensino e produção da arte performática, conduzido hoje em um instituto que ela criou totalmente direcionado a essa linguagem artística. As temáticas de Abramovié vão desde sua memória pessoal, que abarca muito da cultura dos Bálcãs, onde fica a Sérvia, seu país natal, a questões da estética, do amor e das relações com o sagrado, o misticismo e as religiões e culturas antigas. Em 2010, o MoMA fez uma retrospectiva de toda sua carreira, quando foi produzido um documentário e uma performance de três meses de duração. A artista está presente é o nome do filme e da performance na qual Abramovié sentou-se diante do público em silêncio diariamente, somando 736 horas e mela de trabalho. Figura 11. Marina Abramovié. A artista está presente. Living Theatre: rupturas teatrais Criado em 1947 pela alemã Judith Malina (1926-2015), então estudante, e pelo poeta e pintor estadunidense do Expressionismo Abstrato Jullan Beck (1925-1985), o Living Theatre se propunha a ser uma contraposição ao chamado teatro comercial. Suas bases estão fundadas na junção entre prática artística e política, com princípios libertários, anarquistas e pacifistas. Malina e Beck acreditavam no caos, no acaso, nos rituais e na manifestação das práticas para além de idealizações estéticas. Eram contrários às armas nucleares e à Guerra do Vietnã e a favor dos direitos civis e lutas sociais das minorias. A partir da década de 1950, o grupo se tornou pioneiro em encenações não convencionais e experimentais. Na década seguinte, começou a viajar pelo mundo enfocando práticas de criações coletivas. Os membros viviam juntos e se propunham a fazer um teatro físico e político, pensando sua arte como meio para modificações sociais. Ocupavam e atuavam nos espaços públicos, tornando-se nômades. Com o tempo, foram abrindo também a participação do público em suas peças, que, em algumas delas, podia ensaiar com os atores para as apresentações. O legado histórico do grupo tem como questionamentos fundamentais o lugar do ator no teatro, a função do público e a necessidade de um espaço teatral. A construção coletiva de seus textos reflete a atitude não hierárquica que contrariava o sistema de produção cultural até então. Na composição de suas peças, utilizavam textos teatrais já escritos, mas, ainda assim, também interferiam, visando integrar a realidade vivida pelos integrantes com a representação cênica. Dessa maneira, pretendiam construir não uma ficção ou uma personagem, mas a própria vida e os Ideais de seus participantes em um espaço discursivo. Figura 12. Apresentação da peça Antígona, pela companhia Living Theatre. Pina Bausch e "dança-teatro" Pina Bausch (1940-2009) formou-se na Alemanha em Dança e Pedagogia, posteriormente atuou como bailarina e coreógrafa, Sua formação no balé clássico não a impediu dese aproximar de técnicas criativas de diferentes linguagens, como ópera, música, artes visuais, entre outras, fazendo sua atuação como coreógrafa ter características multidisciplinares. Na década de 1970, Bausch revolucionou seus métodos de trabalho incorporando gestos do cotidiano e trazendo elementos teatrais - como a fala e o uso de personagens - para a dança. A artista buscava a simplicidade do gesto como ponto sublime para o corpo em movimento. A vida comum era sua base de pesquisa. Esse estilo de dança recebeu o nome de Tanztheater, "dança-teatro" em alemão. Nas coreografias do Tanztheater Wuppertal, companhia que dirigiu, pequenas cenas eram
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